Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
52/20.7T8PVL-A.G1
Relator: PEDRO MAURÍCIO
Descritores: PROVA PERICIAL
OBJECTO DA PROVA
FIXAÇÃO DO OBJECTO DA PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A prova pericial constitui um meio de prova a realizar (a requerimento das parte ou oficiosamente) quando, para o apuramento de um facto, se torne necessário recorrer ao conhecimento especial (técnico, científico ou artístico) de outrem, o qual assume a função de perito e irá pronunciar-se sobre a questão (ou questões) de facto solicitada, percepcionando-o e valorando-o em razão daqueles conhecimentos especiais, para depois expor das suas observações e das suas impressões sobre os factos presenciados, e retirando conclusões objetivas dos factos observados e daqueles que se lhes ofereçam como existentes, sendo que, deste forma, concorre, positiva ou negativamente, para que o Tribunal forme a sua convicção sobre o facto (ou factos) em causa, atento o que julgador não detém esses conhecimentos especiais.
II - Na determinação do objecto da prova pericial há desde logo que ter presente, como supra já se explicou, que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. art. 341º do C.Civil), e que toda a prova tem incidir sobre concretos pontos de facto que consubstanciam o direito invocado, ou as excepções deduzidas, relembrando-se que os temas da prova constituem apenas uma enunciação genérica das questões controvertidas (cfr. art. 410º do C.P.Civil de 2013), mas há ainda que ter presente o disposto no art. 475º do C.P.Civil de 2013.
III - Neste “quadro” legal, o objecto da prova pericial tem que recair sobre os «factos da causa», os factos essenciais (principais) alegados pelo autor para fundamentar a causa de pedir, pelo réu na contestação para fundamentar as excepções e/ou fundamentar o pedido reconvencional, e pelo Autor para fundamentar as contra-excepções que invoca contra o réu ou fundamentar as excepções que deduziu contra o pedido reconvencional (cfr. arts. 5º/1, 583º, 584º, e 3º/4 do C.P.Civil de 2013), mas também sobre os factos instrumentais e/ou complementares dos factos essenciais alegados [cfr. art. 5º/a) e b) do C.P.Civil de 2013].
IV - Mas na determinação do objecto da prova pericial temos também que considerar o disposto no art. 476º do C.P.Civil de 2013.
V - No que especificamente concerne à apreciação liminar da admissibilidade da prova pericial, como resulta do disposto no nº1 deste art. 476º, o juiz tem que verificar se a mesma se mostra impertinente e/ou dilatória, sendo que, caso conclua num desses sentidos, deverá indeferir a sua realização. O juízo será no sentido da impertinência quando a prova pericial requerida pela parte indica um objecto que não respeita aos factos essenciais da causa (nem a instrumentais ou complementares dos mesmos) ou, numa perspectiva mais ampla, não respeita a factos relevantes e condicionantes para a decisão final, e o juízo será no sentido do carácter dilatório quando, mesmo que o objecto respeite os factos essenciais (e/ou instrumentais ou complementares), o apuramento dos factos em causa não implica a realização de uma perícia já que, para o efeito, não são exigíveis os conhecimentos especiais que este meio de prova pressupõe (cfr. art. 388º do C.Civil), estando, portanto, este carácter dilatório relacionado com a desnecessidade e a inutilidade deste meio de prova para a descoberta da verdade e boa apreciação e decisão da causa (justa composição do litígio), quando a percepção ou apreciação do facto está, completa e seguramente, ao alcance do juiz.
VI - Como impõe o nº2 deste mesmo art. 476º, a determinação (fixação) final do objecto da prova pericial é feita pelo juiz, ao qual competirá, por um lado, excluir todas as questões de facto que, embora propostas pela parte (ou partes), julgue como legalmente inadmissíveis ou irrelevantes e, por outro lado, ampliá-lo com outras questões de factos que julgue necessárias para a descoberta da verdade e cujo apuramento imponha a intervenção de pessoa conhecimentos especiais (diga-se que este juízo de fixação do objecto nada tem que ver com o juízo liminar de admissibilidade ou inadmissibilidade da prova pericial previsto no nº1 do mesmo preceito).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
* * *
1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada

Os Autores AA e BB intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, CC e ... (1ºRéus), contra DD (2ºRéu) e contra Banco 1..., SA (3ºRéu), pedindo que:
«a) Seja reconhecido que os Autores são donos e legítimos comproprietários do prédio descrito em 1º, 2º e 3º desta PI. e com a configuração constante do levamento topográfico junto sob o doc nº 3, desta PI.; b) Sejam os RR condenados a reconhecerem esse mesmo direito e absterem-se da prática de atos que impeçam ou diminuam o exercício desse direito; c) Ser declarada a nulidade dos contratos de arrendamentos celebrados e referidos em 26º desta PI. por terem por objeto o prédio (parte) dos aqui AA e por falta de licença de utilização; d) Sejam os mesmo declarados nulos, por simulação, já o seu propósito não era ceder o dito pavilhão nem receber rendas, havendo divergência entre a vontade real e a vontade declarada; e) Seja declarado nulo, por simulação, a compra e venda celebrada entre 1º e 2º RR, em 08-09-2011 e referida em 85º e 86º desta PI, havendo divergências entre a vontade real e a vontade declarada e não tendo correspondido/pago qualquer preço; f) Sejam declaradas nulas as compras e vendas efetuadas entre 2º e 3º Ré, em 07-10-2008 e referida em 56º, bem como, a celebrada entre 1º e 2º Réu, em 08-09-2011 e referida em 85º e 86º desta PI, por violação de um requisito de forma, nomeadamente, por falta de licença de utilização».
Fundamentou a sua pretensão, essencialmente, no seguinte (já considerando a petição aperfeiçoada): «os Autores são donos e legítimos comproprietários do prédio rustico inscrito na matriz sob o artigo ...4º, da freguesia ..., ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o numero ...1... ..., composto por terreno de ..., que resulta da anexação de vários prédios; o prédio confronta a norte com “H... Lda.”, e outros, a Sul com “S...– Unipessoal Lda”, a nascente com os Autores, e a Poente com CC e outros, e tem a área 32.986,00m2, no qual se encontra implantado um pavilhão, com área de cerca de 1000m2, destinado à guarda de animais/apoio à agricultura/produção agropecuária; os Autores adquiriram o prédio em processo de execução nº1408/03...., do ... Juízo Cível do Tribunal ...; os Autores adquiriram a propriedade por meio de usucapião; os Autores tomaram conhecimento de que os 1ºRéus se arrogam proprietários de parte do prédio de sua propriedade e da existência de alegados contratos de arredamento que terão sido celebrados entre os 1º Réus e a sociedade “A...” (de que são sócios os irmãos S...) em que o objeto daqueles será o pavilhão que se encontra implantado no prédio dos Autores; o pavilhão/vacaria de que os 1ºRéus se arrogam proprietários, encontra-se implantada no prédio dos Autores e pertença destes, construída em finais da década de noventa pelo anterior proprietário, S...; o prédio da ..., propriedade dos 1º Réus, não tem qualquer construção, o que era do conhecimento de todos os Réus, tal como sabiam que, para além de não existir qualquer vacaria sobre o mesmo, qualquer transmissão carecia da licença de utilização, que não existia; de forma concertada, 1º, 2º, e 3º Réus, lograram realizar a escritura de venda/compra do prédio da ..., utilizando uma licença de utilização que respeita a uma vacaria implantada noutro prédio (426º); o 3ºRéu fez uso da mesma licença de utilização para a venda de prédios totalmente distintos; no dia 08/09/2011, por escritura publica, o 2ºRéu declarou vender ao 1ºRéu o prédio misto, descrito sob o numero ...57/..., pelo preço de 80.383,00€, fazendo referência à licença de utilização que ambos sabem não dizer respeito a este prédio; este prédio sempre pertenceu ao 1ºRéu e nunca ao 2ºRéu; já aquando da compra do prédio ao 3ºRéu, o verdadeiro adquirente era o 1ºRéu e não o 2ºRéu; quanto aos aludidos contratos de arrendamento, os mesmos não passam de contratos simulados, não visam a cedência de qualquer espaço, nem o recebimento de quaisquer rendas; foi fixada uma renda nos ditos contratos, mas as quantias mensais, a serem de facto entregues, reportam-se ao pagamento de mútuos e juros de que o 1º Réu é credor em relação aos ditos “inquilinos”; os contratos de arrendamento tiveram por fim permitir a entrada em circuito bancário dos mútuos efetuados, e munir-se de um “título” que lhe permitisse “reivindicar” a propriedade».
O 3ºRéu contestou, pugnando por ser «julgada improcedente a presente acção, por não provada».
Fundou a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «se no prédio indicado pelos Autores se encontrará implantado “um pavilhão, com a área de cerca de 1.000m2, destinado à guarda de animais/apoio à agricultura/produção agropecuária”, o mesmo não pode ser rústico como consta da respectiva descrição predial do prédio e da respectiva caderneta predial; o “pavilhão” não consta da respectiva descrição predial e não está inscrito na matriz urbana; em 07/04/2003, os Autores já tinham conhecimento que sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...57/... já se encontravam construídos uma vacaria e dois barracos para alfaias agrícolas; este prédio foi vendido pelo 3ºRéu ao 2ºRéu, por proposta deste, e a razão de tal decisão de aceitação assentou exclusivamente no facto de o aqui réu ser uma entidade bancária e como tal, não ter o escopo de negócios imobiliários, pelo que adquire (e vende) imóveis apenas quando tal é necessário e imprescindível para reaver os valores dos seus créditos sobre os devedores correspondentes; foi o 2º Réu quem efectuou a marcação da escritura em causa, tendo na oportunidade indicado a existência da licença de utilização nº...00, e o 3ºRéu  tomou como boa esta indicação, não tendo conhecimento que a licença de utilização não diga respeito ao prédio objecto daquela compra; o 3ºRéu não interveio em tais contratos de arrendamento; a licença de utilização ...00 diz respeito, segundo afirmam os autores, ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...26º/..., que foi objecto da venda pelo 3ºRéu à sociedade A..., mas os Autores não põem em causa a validade formal ou substancial deste negócio; não tem utilidade e justificação para os Autores que venha a ser anulada a escritura de compra e venda celebrada entre o 3ºRéu e o 2ºRéu, e que teve como objecto o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº...57/..., pelo que o pedido de sua anulação configura um abuso de direito.
Os 1ºRéus e o 2ºRéu contestaram e reconvieram, pugnando por ser «a ação ser julgada não provada e improcedente e por via dela, conhecendo-se das excepções deduzidas: a) Os Réus serem absolvidos da instância; b) Se assim não se entender, serem absolvidos dos pedidos formulados; c) Julgando-se a reconvenção deduzida provada e procedente, deverá declarar-se que os 1.ºs Réus são os donos e legítimos possuidores do prédio misto identificado no artigo 106.º deste articulado; d) Em qualquer caso, deverá condenar-se os Autores como litigantes de má fé numa multa a favor do estado e numa indemnização a favor dos 1.ºs e 2.ºs Réus não inferior a € 20.000,00».
Fundaram a sua defesa e a sua reconvenção, essencialmente, no seguinte: «a petição é inepta porque entre a causa de pedir e os pedidos existe contradição substancial, porque os pedidos formulados e cumulados são inconciliáveis entre si, e porque o pedido relativo à alínea e) carece em absoluto de factos que integrem o instituto da simulação; os Autores não estão a dirimir um litígio próprio mas um outro que diz respeito aos contratos de arrendamento da “Vacaria” do prédio urbano, tendo reconhecido expressamente a propriedade da mesma ao 3ºRéu, e aos imediatos possuidores, 1ºs. e 2º Réus; há falta de legitimidade dos autores quantos aos pedidos formulados nas alíneas c), d), e) f) uma vez que nunca foram sujeitos da relação jurídica dos arrendamentos; segundo os Autores, o terreno onde foi edificado o pavilhão “vacaria” só em parte lhes pertence, pelo que nunca poderão arrogar-se e reivindicar a totalidade da propriedade da Vacaria e dos Barracos; os Autores ao adquirirem o prédio ...1/... tinham a consciência de que não existia nele qualquer construção destinada a Vacaria; os Autores sabem que a parte urbana do prédio descrito sob o n.º ...57/... - vacaria e barracos – está separada do prédio descrito sob o n.º ...1/...; os Autores acham-se donos de um prédio que nunca tiveram posse nem qualquer título idóneo de aquisição; a Vacaria e os Barracos foram construídos no terreno que o proprietário, S..., designou de Campo ...; os Autores não impugnaram o objecto da execução e da venda em que  3º Réu adquiriu a Vacaria; os Autores quando adquiriram o prédio descrito sob o n.º...1, em 2009, já o descrito sob o n.º ...57.º havia sido vendido ao 3º Réu, facto que era do seu conhecimento pessoal; os Autores têm perfeito conhecimento que o prédio descrito sob o n.º ...57/... foi imediatamente arrendado, pelo 2ºRéu a S..., e que o 1ºRéu o arrendou ao EE e à A... que é dominada pelos EE e pelo FF; os actos de posse têm sido praticados e exercidos pelos 1ºs. e 2ºRéus; os 1ºs. Réus são donos e legítimos possuidores do prédio misto, vacaria dois barracos para alfaias agrícolas e campo da ..., situado no Lugar ..., freguesia ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...02 e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...27 e na matriz rústica sob o artigo ...9 da mencionada freguesia, o qual adquiriram por compra a DD, por escritura pública celebrada em 08/09/2011, e encontra-se inscrito na Conservatória ... favor; e se outro título não tivessem, sempre o teriam adquirido por usucapião.
Os Autores responderam às excepções deduzidas e à reconvenção formulada pelos 1ºs. e 2º Réus, pugnando pela improcedência quer das excepções quer reconvenção.
Na data de 28/07/2021, o Tribunal a quo proferiu despacho fixou o valor da presente acção em € 349.170,00 e declarou a «incompetência em razão do valor do ... para a apreciação da presente causa» e a «competência da ...», para a qual foi remetida a presente acção.
Foi realizada audiência prévia na data de 25/11/2021, na qual o Tribunal a quo convidou aos Autores a procederem ao «aperfeiçoamento da petição inicial, concretizar factualmente a alegação dos artigos 114, 115 e 116 da petição inicial, bem como os pedidos formulados nas alíneas d) e e)», tendo os Autores apresentado petição aperfeiçoada.

Na data de 06/04/2022, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador, no âmbito do qual, para além do mais, julgou improcedentes as excepção dilatórias da ineptidão da petição inicial, da ilegitimidade dos Autores e da falta de interesse em agir (deduzidas pelos 1ºs. e 2º Réus), admitiu a reconvenção, e mais decidiu (transcreve na parte que aqui releva):
“DO OBJECTO DO LITÍGIO
Em face da posição das partes expressa nos seus articulados, o objeto do litígio reside em saber se os AA. são titulares do direito de propriedade sobre o imóvel que identificam e com as características e dimensão que referem, e se são nulos, por conseguinte, os contratos de arrendamento celebrados, por terem como objecto parte da alegada propriedade dos AA.; se os 1ºs RR. são proprietários do prédio que identificam, com as características e dimensão que alegam; e se os AA. litigam de má fé.

DOS TEMAS DA PROVA
Importa apurar:
1º a área e confrontações do prédio dos AA.;
2º os actos de posse exercidos pelos AA. e antecessores, há quanto tempo, à vista de toda a gente, de forma ininterrupta e sem oposição;
3º se, em 1990, S... ficcionou a construção de uma vacaria e dois barracos no prédio dos 1ºs RR., com vista à obtenção de fundos comunitários;
4º se, entre 1998 e 2000, S... iniciou a construção de um pavilhão/vacaria no prédio dos AA.;
5º se nessas datas ambos os prédios pertenciam a S...;
6º se o 2º e 3º RR. fizeram constar da escritura de compra e venda de 07/10/2008 factos que sabiam não corresponder à realidade;
7º se a licença exibida aquando da escritura de compra e venda não dizia respeito a uma vacaria existente no prédio descrito sob o n.º ...57;
8º se essa licença dizia respeito à vacaria existente o prédio descrito sob o n.º ...26;
9º se o 3º R. usou a mesma licença na venda de prédios distintos;
10º se as declarações do 2º e 1ºs RR. constantes da escritura de compra e venda de 08/09/2011 não correspondem à vontade das partes;
11º se nessa escritura não houve a entrega de qualquer preço;
12º se o 2º R., sobrinho dos 1ºs RR., é “testa de ferro” do 1º R., por questões fiscais e facilitação de apresentação de propostas em vendas executivas;
13º se aquando da compra do imóvel ao 3º R. o verdadeiro adquirente era o 1º R.
14º se as partes nos contratos de arrendamento apenas pretendiam justificar a entrada de valores nas contas bancárias, que tinham subjacentes empréstimos;
15º a natureza e área do prédio dos 1ºs RR.;
16º os actos de posse exercidos pelos 1ºs RR. e antecessores, há quanto tempo, à vista de toda a gente, de forma ininterrupta e sem oposição;
17º se a vacaria e os barracoss foram construídos no terreno que o então proprietário designou de “Campo ...”;
18º se os AA. litigam de forma consciente contra a verdade dos factos.
*
(…)
Os AA. manifestaram interesse em requerer prova pericial.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, momento em que podiam ainda alterar o seu requerimento probatório e, efectivamente, requerer a realização de perícia.
Assim, notifique os AA. para, querendo, alteraram o seu requerimento probatório, em 10 dias (…)”.
Na data de 28/04/2022, os Autores apresentaram requerimento, cuja parte que aqui releva se transcreve:
“(…) vêm requerer a alteração do requerimento probatório, nos termos seguintes: (…)
Da realização de pericial colegial - nos termos do disposto no artigo 468º nº 1, alínea b) e 475º do CPC, formulando os respetivos quesitos: (…)
Digam os Srs. Peritos se :
a) Se o prédio descrito na conservatória de registo predial ..., sob o nº ...1 e inscrito na matriz rustica sob o nº ...4º da freguesia ..., resultou da anexação dos seguintes prédios;
1. Campo ..., descrito na C.R.P. sob o nº ...64/...;
2. Campo ... e leirinhas, descrito na C.R.P. sob o nº ...69/...;
3. Campo ..., descrito na C.R.P. sob o nº ...70/...;
4. Campo ..., descrito na C.R.P. sob o nº ...72/...;
5. Campo ..., descrito na C.R.P. sob o nº ...73/...;
6. Campo ..., descrito na C.R.P. sob o nº ...77/...;
7. Campo ..., descrito na C.R.P. sob o nº ...78/...;
8. Campo ..., descrito na C.R.P. sob o nº ...79/...;
9. Campo “...”, descrito na C.R.P. sob o nº ...9/...;
10. Campo “...”, descrito na C.R.P. sob o nº ...0/....
b) O prédio denominado “ ...” descrito na descrito na conservatória de registo predial sob o nº ...57.... ..., inscrito na matriz rustica sob o nº ...9 e na matriz urbana sob o nº ...27º, foi anexado ao prédio identificado em a)?
c) O prédio referido em a) confronta a norte com “ H... Lda.”, e outros, a Sul com “ S...– Unipessoal Lda”, a nascente com os Autores, e a Poente com CC e outros?
d) Tem a área de 32.986,00m2?
e) Tem sobre o mesmo implantado alguma construção? Na afirmativa, que tipo de construção e áreas?
f) Caso a resposta à alínea anterior seja positiva, desde que ano se encontra implantada a construção?
g) O teor dos documentos nº ..., ....1, 8.2, 8.3, 8.4, 8.5, 8.6, 8.7, e 8.14, junto pelos AA aquando da PI., reportam-se ao prédio referido em a)? E à obra nele implantada? - Os documentos deverão acompanhar os quesitos, ou serem os Sr. Peritos notificados para efetuarem a consulto nos autos.
h) Caso a resposta à alínea e) tenha sido afirmativa, se a construção/edifício constante do doc/imagem nº 8.14, é a mesma que a referida naquela alínea?
i) A aludida construção se encontra licenciada junto de município?
j) Através do processo de obras nº ...97?
k) Com licença de construção número 383/99, de 18 de agosto de 1999?
l) E com a licença de utilização nº 118/2000 de 26 de julho de 2000?
m) Caso as respostas às alíneas j), k), l), sejam negativas a que prédio se refere a obra licenciada no âmbito das referidas licenças/processo?
n) No seguimento do formulado em m), onde se situa a obra/edificação objeto daquele licenciamento? De que construção/ edificação se trata?
o) Qual o ano de inicio da construção - in locu - da referida obra/edificação (n)?
p) O prédio com a denominação de “ ...” e identificado em b) tem a localização constante do doc nº 10 junto aquando da PI e delimitado a azul? E a configuração daquele documento constante? O documento deverá acompanhar os quesitos, ou serem os Sr. Peritos notificados para efetuarem a consulta nos autos.
q) Caso a resposta seja negativa, onde se encontra localizado o prédio? Qual a sua configuração? E confrontações? E área?
r) Sobre o mesmo incide uma vacaria, dois barracos para alfais agrícolas, com área de implantação de 740m2? E descoberta de 2160m2?
s) Ou qualquer outra construção? Em caso afirmativo que tipo de construção e quais as áreas?
t) Caso a resposta seja positiva ao quesitado na alínea r) e/ou s) se a obra/construção se encontra licenciada pelo Município?
u) Em caso afirmativo, qual o nº de processo de licenciamento, de licença de construção e de utilização, bem como as datas respetivas? (…)”.
Através de requerimento apresentado na data de 28/04/2022, os 1ºs. e 2º Réus pronunciarem-se sobre a prova pericial requerida pelos Autores nos seguintes termos (transcreve-se a parte que aqui releva):
“(…) a prova que se pretende produzir por meio de perícia não o pode ser, a não ser que se nomeiem peritos que o realmente sejam na matéria.
Para a resposta aos quesitos das alíneas a), b) e c), as pessoas que têm especiais conhecimentos para responderem são os conservadores do registo predial, especialistas em registos.
E se não forem os conservadores do registo predial, deve-se deferir esses conhecimentos especiais aos julgadores.
Pelo que indicar Engenheiros que não têm qualquer formação em registos para responder sobre registos, é entregar a perícia a quem não tem conhecimentos especiais.
A resposta à alínea e) e f) supõe que os “peritos” respondam que a área onde está implantado o pavilhão pertence aos Autores. Ora, esse é um facto cuja resposta os peritos não podem dar, porque é um problema de titulo, de posse e de matéria especial de registos.
São mais uns factos transformados em quesitos que o perito já indicado pelos Autores não têm conhecimentos especiais, logo, não podem ser peritos ou perito para estas questões.
O quesito da alínea g) é um não facto e que não depende de conhecimentos especiais: os documentos a que faz referência o quesito são documentos particulares que não está dentro da competência dos peritos pronunciarem-se sobre eles.
Os quesitos relativos ao licenciamento deverá ser requisitado à entidade competente: Câmara Municipal .... Não se vê a relevância ou conhecimentos especiais dos peritos para essas respostas. Os peritos têm de ser os fiscais municipais.
O documento ...0, citado na alínea p) não existe ou está mal numerado.
Como é que os peritos podem responder a essa questão se esse Campo só pode ser identificado por quem lhe deu o nome e por quem disse que era naquele local que estava situado – O ex-proprietário S....
Cabe dizer que o prédio ... não existe autonomamente e está ligado a um prédio urbano como Misto. Não se pode obter respostas dos peritos daquilo que não existe.
Os restantes quesitos são matéria de licenciamento que, na ótica dos Réus, não tem qualquer relevância para os autos.
O que pretendem os Autores é, a partir de uma peritagem realizada noutros autos e em conluio, fazer relevar tal peritagem nestes autos em total desrespeito pelos títulos, posse e habilidades feitas pelo anterior proprietário.
Nos termos e com os fundamentos expostos, deverá a prova pericial ser indeferida por irrelevante ou por não merecer conhecimentos especiais que o julgador não possui”.
Nesta sequência, através de requerimento apresentado a 25/05/2022, os Autores vieram alegar:
“Pese embora não resulte expressamente – mas implicitamente, já que o que se discute na presente ação é, entre o mais, a configuração/localização geográfica/física dos prédios - quando os AA referem nos seus quesitos anexação, não se reportam somente aos efeitos jurídicos, nomeadamente, registrais, mas essencialmente à anexação à física/geográfica dos prédios.
Se dirá ainda que o doc nº 10 referido em p) existe - junto aquando da PI”.
Na data de 08/09/2022, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (que aqui se transcreve parcialmente):
Prova pericial
Os Autores requereram a realização de prova pericial destinada a responder às seguintes questões: (…)
Apreciando.
Começamos por notar que já foi emitida pronúncia sobre a pertinência da perícia, cabendo agora, depois de ouvidas as partes, fixar o seu objeto.
Acrescentamos que a presente ação, no que tange ao pedido formulado a título principal, é de grande simplicidade, não obstante a dimensão que os autos já levam e, bem assim, a prolixidade dos articulados, indiciar o contrário. O seu objeto consiste em saber se os Autores são proprietários do prédio descrito na CRP sob o n.º ...1/... e se o mesmo tem a área e as confrontações alegadas, abrangendo, assim, uma parcela de solo onde foi implantado um pavilhão.
Nesta sede de nada vale a descrição registral dos prédios: a presunção derivada do registo predial, prevista no art. 7.º do CRP, não abrange a área e as confrontações dos prédios, porque nada pode garantir a sua exactidão (…)
Afigura-se, assim, que a procedência da ação depende da demonstração de que os Autores e seus antepossuidores delimitaram o identificado prédio nos termos alegados e que, com base nisso, praticaram os atos de posse que conduziram à aquisição originária do direito.
Para ajudar nessa valoração, afigura-se que é importante ter um conhecimento preciso da realidade existente aos longo do tempo, mais concretamente da existência de sinais, formados pela natureza (por exemplo, uma diferente orografia) ou fabricados pelo homem (por exemplo, a diferença de cultura; a existência de marcos), que permitam delimitar a parcela de solo do prédio das parcelas de solo que o delimitam e, tendo em conta o polígono assim formado, proceder ao cálculo da respetiva área.
Como é bom de ver, não basta examinar os prédios: pela extensão destes, torna-se necessária uma análise minuciosa, eventualmente com recurso a fotografias aéreas, que extravasam o conhecimento do julgador. Só depois será possível fazer o cálculo da área, o que também implica conhecimentos técnicos que não estão ao alcance do julgador.
Este afigura-se ser, portanto, o objeto adequado da perícia. Tudo o mais proposto não assume, com o devido respeito, interesse: por um lado, tratam-se de questões que não exigem conhecimentos técnicos, mas apenas análise documental; por outro, assumem natureza conclusiva, antecipando para a fase da perícia a resposta à pretensão dos Autores.
Nestes termos, reafirma-se a determinação de realização da prova pericial e fixa-se à mesma o seguinte objeto:
Apurar da existência de sinais existentes no solo, formados pela natureza ou fabricados pelo homem, que permitam delimitar o solo correspondente ao prédio dos Autores do solo dos prédios que lhe são contíguos;
Com base nesses sinais, definir o polígono correspondente a esse prédio e calcular a sua área.
A perícia será singular, a realizar por perito com conhecimento na matéria a indicar pela Secção de entre os que constam da lista oficial, o qual prestará o respetivo compromisso de honra por declaração escrita que constará do relatório final (…)”.

Na data de 26/10/2022, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (para além de outros):
“O Autor vem impugnar o despacho de 8.09 quanto aos seguintes aspetos:
Realização da perícia em moldes singulares;
Restrição do objeto da perícia.
No que tange ao primeiro disse, em síntese, que o despacho é nulo, por não ter sido fundamentada a razão do indeferimento do pedido de realização da perícia em moldes colegiais.
Cumpre, assim, emitir pronúncia nos termos e para os efeitos do disposto no art. 617/1 do CPC.
Afigura-se, porém, que se coloca uma questão prévia: o patente erro cometido no despacho recorrido, pelo qual o subscritor se penitencia, ao determinar que a perícia decorresse em termos singulares quando, considerada a vontade manifestada pelo Autor, que mereceu acolhimento, deveria decorrer em termos colegiais, por aplicação do disposto no art. 468/1, b), do CPC.
Consequentemente, procedendo à reforma do despacho naquela parte, com arrimo no disposto no art. 617/1 do CPC, retifica-se o despacho de 8.09 quanto àquele 1.º aspeto determinando que a perícia ali determinada decorra em moldes colegiais”.
*
1.2. Do Recurso dos Autores

Inconformado com o despacho proferido em 08/09/2022, os Autores interpuseram recurso de apelação, pedindo que «o despacho seja revogado e substituído por outro que determina que a perícia ser em moldes colegiais, determinando-se que as questões colocadas pelos AA integram o objeto da perícia», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:
«1º Foi pelo Tribunal a quo, em despacho de que se recorre, decidido que a perícia a realizar seria singular, apesar de os AA terem requerido a realização de perícia colegial.
2º O tribunal a quo já havia admitido a perícia colegial, embora ainda não fixado o objeto da perícia.
3º Por despacho datado 11-05-2022, foi proferido despacho com o seguinte teor e devidamente transitado em julgado: “ por não se afigurar impertinente nem dilatória a perícia requerida, notifique os RR. nos termos e para os efeitos do disposto no artº 476º, nº 1, do CPC, e para indicarem um perito por acordo de todos”.
4º Por despacho datada de 27-06-2022, foi o despacho supra renovado - “ Renova-se a notificação aos RR. para indicarem perito por acordo, em 5 dias, sob pena de ser indicado pelo Tribunal”.
5º O Tribunal a quo já havia admitido a realização da perícia colegial ao não considerar a mesma “ nem impertinente nem dilatória” e ao notificar os RR., para de comum acordo, indicarem o seu perito, sob pena de ser nomeado pelo Tribunal.
6º Os Autores, ao requererem a realização da perícia colegial, deram integral cumprimento ao vertido nos artigos 468º nº 1, b), e nº 3, 475º, nº1 e 476º nº 1 do CPC.
7º O Tribunal a quo, ao agora decidir que a perícia é singular, violou o caso julgado já formado, uma vez que a perícia colegial já havia sido admitida por despacho devidamente transitado – despacho proferido em 11-05-2022 e renovado, nesta parte, em 27-06-2022.
8º Não pode pois o Tribunal a quo alterar a decisão já proferida, ficando impossibilitado de voltar a emitir pronuncia sobre a questão já decidida.
9º O despacho recorrido, ao decidir que a perícia a realizar é singular, violou o caso julgado já formado no processo que havia já decidido que a perícia a realizar seria colegial.
10º Assim, e nos termos do disposto nos artigos, 620º, 621º e 625º, do CPC, deverá o despacho de que se recorre, ser revogado, devendo cumprir-se o determinado no despacho preferido em 11-05-2022.
11º Os AA requereram, como se disse, a realização de perícia nos moldes colegiais, dando, reitere-se, integral cumprimento ao vertido nos artigos 468º nº 1, b), e nº 3, 475º, nº 1 e 476º nº 1 do CPC.
12º O Tribunal a quo, decidiu rejeitar ( ainda que tacitamente) a requerida perícia, decidindo que a mesma será singular.
13º Não fundamentou o Tribunal a quo a sua decisão - isto é, os motivos que levaram a decidir pela perícia singular, ou, se quer, fundamentou as razões da rejeição da perícia nos moldes colegiais requerida.
14º Fez somente constar do despacho de que se recorre, “Nestes termos, reafirma-se a determinação de realização da prova pericial e fixa-se á mesma o seguinte objeto: (…) A perícia será singular, a realizar por perito com conhecimento na matéria a indicar pela Secção de entre os que constam da lista oficial, o qual prestará o respetivo compromisso de honra por declaração escrita que constará do relatório final”.
15º Dispõe o artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC, ( por remição do artigo 613º nº 3), que é nulo [ o despacho] quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
16º In casu, verificando-se total ausência de fundamentação, o despacho é nulo nesta parte, nos termos do disposto nos artigo 613º, nº 3 e 615º, nº1, alínea b), que expressamente se invoca.
17º Como supra se disse, os AA, requereram a realização de perícia nos moldes colegiais, dando integral cumprimento ao vertido nos artigos 468º nº 1, b), e nº 3, 475º, nº 1 e 476º nº 1 do CPC, formulando as respetivas questões e indicando perito.
18º Não se verifica, in casu, o condicionalismo a que alude o artigo 468º nº5 do CPC.
19º O nº 1 do artº 467º, do CPC dita que a perícia é requerida por qualquer das partes (…).
20º Por sua vez a alínea b) do nº 1 do artº 468º dispõe que a perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares, quando alguma das partes o requeira.
21º A lei não estabelece qualquer primazia relativamente à perícia singular em detrimento da perícia nos moldes colegiais, ou faz, sequer, depender a admissão de uma ou outra, da complexidade ou não do objeto da perícia.
22º A opção por ou uma ou por outra, é decisão exclusiva da parte que a requer, já que cabe a esta requerer todas as provas licitas que entenda necessárias para prova dos factos que alega, ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte.
23º Sendo um direito, além de constitucionalmente consagrado no artigo 20º da CRP, tem proteção também no artigo 324º do CC.
24º O Tribunal a quo não pode substituir-se às partes no direito destas escolherem os meios de prova em direito admissíveis, para fazerem valer os seus direitos.
25º In casu, o Tribunal, decidindo com decidiu, violou esse direito, impedindo aos Autores de recorrerem e um meio de prova licito, que consideram ser o mais adequado para afirmarem/demonstrarem os factos por si alegados e infirmarem os alegados pela parte contrária.
26º Violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 20º da CRP, 324º do CC, 468º nº 1, b), e nº 3, 475º, nº 1 e 476º nº 1 do CPC, devendo o despacho ser revogado, sendo substituído por outro que determine que a perícia será nos moldes colegiais.
27º Do despacho que ora de recorre, foi decidido fixar o objeto da perícia nos termos: “Apurar da existência de sinais existentes no solo, formados pela natureza ou fabricados pelo homem, que permitam delimitar o solo correspondente ao prédio dos Autores do solo que lhe são contíguos; Com base nesses sinais definir o polígono correspondente a esse prédio e calcular a sua área”.
28º Os AA. formularam, oportunamente, as questões a apresentar aos Srs. peritos.
29º Entendeu, o Tribunal a quo não incluir no objeto da perícia fixado, as questões colocadas pelos AA., rejeitando, assim as mesmas.
30º Com o fundamento de que “por um lado tratam-se de questões que não exigem conhecimentos técnicos, mas penas análise documental, por outro assumem natureza conclusiva, antecipando para a fase da perícia a resposta à pretensão dos Autores”.
31º Restringe, ainda e ao que nos parece, e erradamente, o objeto da ação,- causa de pedir e pedido - à configuração e áreas do prédios dos AA, dele excluindo, entre o mais, a(s) construções existente(s) e o prédio de que os RR se arrogam proprietários.
32º Estando o objeto dos autos fixado, quer no objeto do litigio, quer nos temas de prova, podendo as questões a colocar aos Srs. Peritos sobre aqueles incidir.
33º Podendo ainda incidir sobre os factos articulados pelos AA e alegados pelos RR, também nos articulados.
34º O Tribunal a quo deveria ter admitido os quesitos formulados em a), b), c), d), p), e q), importando apurar a localização geográfica/física de cada um dos prédios – dos AA e RR – já que ambos têm existência física, (ainda com características diferente, mas existente do ponto do vista do solo, o dos RR) com recurso a todos os elementos constantes das descrições da CRP, mormente, anexações, matriz e outros.
35º Apurar, na sequência das mutações físicas/geográficas sofridas, que prédio ou prédios resultaram, composição, áreas e caraterísticas dos mesmos.
36º Impõe-se ainda apurar a existência da referida vacaria(s)/pavilhão, in locu, - apurar se sobre os prédios dos AA e RR, encontra-se implantada alguma construção, áreas, características e ano da construção.
37º Pelo que, salvo o devido respeito, serão de manter, como integrando o objeto da perícia, as questões colocadas em e), f) s), r) e s).
38º Relativamente aos quesitado pelos AA em g) e h), sempre serão de manter estas questões, porquanto, constam dos autos documentos/certidões emitidas por entidade públicas, impugnadas pelos RR., (doc nº 8, na integra), certidões essas que serviram para instruir os
referidos processos de licenciamento, contendo as mesmas, imagens/registos fotográficos de uma construção, impondo-se aferir da correspondência dessas imagens à construção existente ( ou não) in locu e em que prédio(s).
39º Relativamente ao questionado pelos AA em h), j), l), m), n), o), t), e u), resulta do alegado nos articulados que o Alvará de licença de utilização nº...00” não se reporta ao prédios do RR, à construção lá existente.
40º Do referido documento não consta a menção ao artigo, quer matricial, quer da descrição da CRP.
41º Impondo-se, por isso apurar se o referido Alvará, diz respeito à construção referente ao prédio de que os RR. se arrogam proprietários, se ao prédio descrito sob o nº ...26º ou se ao prédio dos AA.
42º Ora, salvo o devido respeito, parece-nos manifesto que as questões colocadas implicam conhecimentos que o julgador não tem, ou, sequer, podem ser esclarecidas com recurso à prova documental existente nos autos.
43º As questões colocadas são essenciais para uma boa decisão, pelo que se impõe o seu esclarecimento por peritos.
44º Ao fixar o objeto da perícia nos termos decididos, violou o Tribunal o disposto no artigo 20º da CRP, 324º do CC, 341º, do CC, 410º do CPC e 475º do CPC».
Os Réus não contra-alegaram.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
* * *
2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis”[1] (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida[2]).

Na data de 01/12/2022, este Tribunal ad quem proferiu o seguinte despacho:
“Pelos fundamentos que constam do despacho «II» proferido na data de 10/11/2022, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, fundamentos esses não foram objecto de qualquer impugnação/contestação por parte dos Autores/Recorrentes, decide-se:
1) Declarar a inutilidade parcial superveniente do presente recurso, concretamente na parte em que visava a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determinasse a realização da perícia colegial;
2) E determinar o prosseguimento do presente recurso apenas para apreciação da parte relativa à rejeição dos quesitos indicados pelos Autores/Recorrentes.
As custas serão fixadas na decisão final do recurso”.

Perante “quadro legal” acima descrito e atentas as conclusões do recurso de apelação interposto pelos Autores, mas tendo presente a supra citada decisão que declarou de inutilidade parcial superveniente do recurso na parte em que visava a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determinasse a realização da perícia colegial (à qual se reportavam as conclusões 1ª a 26ª), então é apenas uma a questão a apreciar por este Tribunal ad quem: se o objecto da perícia determinada deve ainda incluir os quesitos formulados pelos Autores no seu requerimento probatório (datado de 28/04/2022) que são identificados no presente recurso [a) a h), j) e l) a u)].
* * *
3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que revelam para a presente decisão são os que se encontram descritos no relatório que antecede.
* * *
4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Decorre do Princípio do Estado de Direito a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Como a realização do direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a C.R.Portuguesa integra princípios e normas designados por garantias gerais de procedimentos e de processo[3].
Estatui o art. 20º da C.R.Portuguesa que “1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos… 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
Um dos direitos processuais fundamentais consiste precisamente no direito à prova, que emerge como corolário do direito de acção e defesa aludido no nº1 do referido art. 20º. Como se explica no Ac. da RP de 21/10/2021[4], “Na conjugação” dos arts. 410º e 411º do C.P.Civil de 2013, “os quais visam efetivar o direito fundamental a um processo justo e equitativo (artigos 20.º, n.º 4 Constituição; 10.º, DUDH; n.º 14.º, n.º 1 PIDCP; 6.º, n.º 1 CEDH; 47.º § 2 CDFUE), na sua dimensão da tutela jurisdicional efetiva, mediante a apresentação de prova, está intimamente conexionado com a proposição já expressa no Ac. TC n.º 646/2006… de que «o direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova». No entanto a prova a produzir está sujeita à sua validade constitucional e admissibilidade legal, enquanto «imperativo da integridade judiciária»”.
O direito de acesso à justiça integra o direito à produção de prova, mas daqui não emerge um direito subjetivo de requerer e obter a admissão de qualquer meio de prova, ainda que a sua recusa deva ser, devidamente, fundamentada na lei ou em princípio jurídico, não podendo o Tribunal fazê-lo forma discricionária. Ensina Miguel Teixeira de Sousa[5] que, embora o direito de acesso à justiça comporte indiscutivelmente o direito à produção de prova, tal “não significa, porém, que o direito subjectivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio ou que não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova (por exemplo, limitação a um número máximo de testemunhas arroladas por cada parte). Bastará percorrer as normas de direito probatório constantes do Código Civil ou do Código de Processo Civil para verificar que há diversas proibições de utilização de certos meios de prova cuja constitucionalidade nunca foi posta em causa… Tais casos de inadmissibilidade têm, porém, natureza excepcional e hão-de ter uma justificação racional” (os sublinhados são nossos).
Refere-se no Ac. do TC nº504/2004[6], “o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º n.º 1 da Constituição, não vincula à admissibilidade de todo e qualquer meio de prova e em todas e quaisquer circunstâncias; o legislador goza, nesta matéria, de uma considerável margem de liberdade de conformação dos meios de prova que prevê, nada obstando a que, de acordo com critérios de razoabilidade, estabeleça condicionamentos à sua utilização, nomeadamente… tendo em conta os limites que a finalidade desses meios logicamente impõem”.
Portanto, o direito à prova não é um direito absoluto e incondicionado, “não implicando a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade. Dentro desta linha de entendimento, o Tribunal Constitucional não se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade no tocante a diversas disposições legais que em relação a certos procedimentos jurisdicionalizados apenas admitem um específico tipo de prova”[7], sendo que “a emissão de uma norma restritiva da utilização dos meios de prova, não implica necessariamente um desrespeito do direito acesso à justiça na sua vertente do direito do interessado produzir a demonstração de factos que, na sua ótica, suportam o seu direito ou a sua defesa. Tal desrespeito só se verificará quando se possa concluir que a norma em causa determina para o interessado, na generalidade das situações, a impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito”[8].
Por força do disposto no art. 341º do C.Civil que “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”.
Segundo o ensinamento Alberto do Reis[9], a prova “é o conjunto de operações ou actos destinados a formar a convicção do juiz sobre a verdade das afirmações feitas pelas partes”.
No que concerne ao âmbito processual, prescreve o art. 410º do C.P.Civil de 2013 que “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”.
Embora seja de aceitar que as partes, ao apresentarem/requererem os respectivos meios de prova, indiquem os concretos temas da prova a que respeitam os factos a cuja prova (ou contraprova) se destina cada meio de prova, certo é os temas da prova constituem apenas uma enunciação genérica das questões controvertidas, pelo que a prova terá que incidir sobre concretos pontos de facto que consubstanciam o direito invocado, ou as excepções deduzidas.
Explica Lebre de Freitas[10], “é com incorreção terminológica que o art. 410 diz que a instrução tem por «objeto» os temas da prova enunciados e, pleonasticamente, que, só na falta dessa enunciação o seu objeto são os factos «necessitados de prova». Provam-se factos; não se provam temas (…) os temas da prova (…) constituem apenas quadros de referência, dentro dos quais há que recorrer, como no CPC de 1961, aos factos alegados pelas partes. Estes factos são, em primeira linha, os factos principais da causa. Mas, com os factos instrumentais se constituindo a via a seguir, de acordo com as regras da experiência para atingir a prova dos factos principais, também eles são objeto de prova… Ponto é que os factos instrumentais se situem na cadeia dos factos probatórios que permitem chegar aos factos principais que as partes tenham alegado, ou constituam factos acessórios relativamente a esses…” (o sublinhado é nosso).
Enquanto os temas da prova delimitam o âmbito da instrução, que terá como objeto os factos em que se traduzem ou desdobram e sobre os quais incidirá o juízo probatório, nos termos do art. 607º/3 e 4 do C.P.Civil de 2013[11], já os factos a provar são os factos essenciais ou principais da causa, que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções invocadas, que deverão ser alegados pelas partes (cfr. art. 5º/1 do C.P.Civil de 2013), os factos instrumentais (os quais se situam na cadeia dos factos probatórios e permitem chegar aos factos essenciais/principais que as partes tenham alegado) e os factos «complementares e concretizadores» (daqueles que as partes tenham alegado), desde que resultem da instrução da causa e relativamente aos quais inexiste qualquer vinculação temática [cfr. art. 5º/2a) e b) do C.P.Civil de 2013], tudo sem prejuízo dos casos excepcionais em que o juiz pode oficiosamente introduzir factos principais na causa [como são os factos notórios e aqueles de que tem conhecimento por virtude do seu exercício funcional - cfr. art. 5º/2c) do C.P.Civil de 2013][12].
São estes os factos consubstanciam o objecto do litígio e é sobre eles que pode e deve incidir a prova e, por via disso, os meios de prova apresentados/requeridos têm que assumir relevância (pertinência), ou potencial relevância, para a prova (ou contraprova) dos «factos necessitados de prova» (cfr. parte final do referido art. 410º) e só podem e devem ser admitidos os meios de prova que se apresentem como podendo ter relevância/pertinência para o apuramento da verdade material e justa composição do litígio (cfr. art. 411º do C.P.Civil de 2013), mas devendo ter-se presente que, por força do princípio da aquisição processual consagrado no art. 413º do C.P.Civil de 2013, é irrelevante que tais meios de prova tenham ou não emanado da parte que devia produzi-los.
Quanto aos termos em que deve ser aferida a relevância/pertinência dos meios de prova, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa[13] que “de um modo abrangente, pode afirmar-se que um meio de prova será pertinente desde que se pretenda provar com o mesmo um facto relevante para a resolução do litígio, seja de um modo direto, por se tratar de um factos constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite accionar ou impugnar presunções das quais se extraem factos essenciais…”.
Procurando precisar os moldes desta aferição, no já citado Ac. da RE de 25/01/2018[14], decidiu-se que “I - Os meios de prova relevantes para a fixação da matéria de facto são aqueles que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão dos factos necessitados de prova, entendendo-se estes como os que importem, ainda que instrumentalmente, a qualquer uma das possíveis soluções de direito da causa, a aferir na conformação do quadro do litígio por via da causa de pedir invocada e das excepções deduzidas. II - Movendo-se a parte requerente neste âmbito, a produção dos meios de prova não só pode, como deve, incidir não apenas sobre os factos essenciais que, directa e nuclearmente se reportem ao objecto do processo, entendido este tanto na perspectiva da acção como na da defesa, mas também sobre outros que, embora mediata ou indirectamente relacionados, são necessários ou instrumentais para a prova daqueles primeiros e para o apuramento da verdade material”[15] (os sublinhados são nossos).
Deste modo, a relevância jurídica dos meios de prova constitui uma condição da sua própria pertinência e deve ser verificada em função dos «interesses concretos» em causa na respectiva acção.
Já não serão admissíveis todos os meios de prova que se apresentem como irrelevantes (impertinentes) para a concreta causa a decidir, ou seja, todos aqueles que, atento o objecto do litígio em causa, se assumem como desnecessários ao apuramento da verdade material porque são insusceptíveis de acrescentar qualquer elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide (não tem um mínimo de influência na decisão), seja porque dizem respeito a factos que já se mostram devidamente comprovados, seja porque respeitam a factos que não constam do elenco a apurar na causa (não integram os «factos necessitados de prova»). Como se decidiu no já citado Ac. desta RG de 30/04/2020[16], “Se os factos que a parte requerente pretende ver provados com o pedido de informações e subsequente requisição de documentos não mostrarem interesse para a instrução do processo, o requerimento, por ter por objeto um meio de prova desnecessário ou mesmo impertinente, deve ser indeferido”.
Relembre-se que, também no âmbito da admissibilidade das provas, vigora o princípio da limitação dos actos consagrado no art. 130º do C.P.Civil de 2013, do qual decorre que não é lícito realizar no processo actos inúteis.
No que respeita especificamente à prova pericial, prescreve o art. 388º do C.Civil que “tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Deste normativo resulta que a prova pericial incide sobre determinados factos e destina-se a elucidar o Tribunal sobre o seu significado e alcance, no pressuposto que a sua natureza e complexidade técnica exigem conhecimentos especiais que escapam ao juiz, sendo por esta razão que tem que ser produzida por pessoas dotadas de especiais conhecimentos no domínio científico, técnico, artístico, experimental e profissional e tem por objecto, à luz desse tipo de conhecimento, a perceção, apreciação e valoração desses factos[17].
Assim, a prova pericial “traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos específicos ou técnicos especiais (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas”[18].
Na prova pericial, o perito não traz ao tribunal apenas a perspectiva de factos, tendo também o poder de trazer a apreciação ou valoração de factos (podendo mesmo trazer apenas esta)[19]. Como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[20], “entre a fonte da prova (pessoa ou coisa) e o juiz interpõe-se a figura do perito, intermediário necessário em virtude dos conhecimentos técnicos: apreendendo ou apreciando factos, por serem necessários conhecimentos especiais que o julgador não tem, ou por os factos, respeitando a pessoas, não deverem ser objecto de inspecção judicial (art. 388 CC), o perito intervém no processo de manifestação da fonte de prova e traduz ao juiz o resultado da sua observação ou apreciação”.
Portanto, o perito é pessoa qualificada, e exerce a sua actividade sobre dados técnicos e sobre matéria de índole especial, podendo afirmar-se que “o perito maneja uma experiência especializada”, fornecendo ao “juiz critérios de valoração ou apreciação dos factos, juízo de valor, derivados da sua cultura especial e da sua experiência técnica”, sendo que a sua função é “mobilizar os seus conhecimentos especiais em ordem à apreciação dos factos observados”[21].
Luís Filipe Pires de Sousa realça que o traço definidor da prova pericial é, de facto, o de se chamar ao processo alguém que tem conhecimentos especializados em determinados aspectos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informações sobre máximas de experiência técnica que o julgador não possui e que são relevantes para a percepção e apreciação dos factos controvertidos. Em regra, além de facultar ao julgador o conhecimento dessas máximas de experiência técnica, o perito veicula a ilação concreta que se justifica no processo, construída partir de tais máximas da experiência[22]. E acentua que a prova pericial pode ter por objecto factos, máximas da experiência e prova sob prova», sendo que no primeiro caso visa «a afirmação de um juízo de certeza sobre os factos ou circunstâncias» (por exemplo, perícia sobre o ADN de alguém), no segundo caso visa «apenas proporcionar ao juiz regras ou princípios técnicos para que este, recorrendo aos mesmos, possa conhecer e apreciar os factos» (aqui o perito actua nos mesmos moldes que o técnico que o juiz pode nomear para o elucidar sobre a averiguação e interpretação de factos que o juiz se propõe observar - cfr. art. 492º/1 do C.P.Civil de 2013), e no terceiro caso visa «conhecer o conteúdo e sentido de outra prova» (por exemplo, exame grafológico ou tentativa de recuperar o que consta duma gravação sonora imperfeita)[23].
Em conclusão, a prova pericial constitui um meio de prova a realizar (a requerimento das parte ou oficiosamente) quando, para o apuramento de um facto, se torne necessário recorrer ao conhecimento especial (técnico, científico ou artístico) de outrem, o qual assume a função de perito e irá pronunciar-se sobre a questão (ou questões) de facto solicitada, percepcionando-o e valorando-o em razão daqueles conhecimentos especiais, para depois expor das suas observações e das suas impressões sobre os factos presenciados, e retirando conclusões objetivas dos factos observados e daqueles que se lhes ofereçam como existentes, sendo que, deste forma, concorre, positiva ou negativamente, para que o Tribunal forme a sua convicção sobre o facto (ou factos) em causa, atento o que julgador não detém esses conhecimentos especiais[24].
Na determinação do objecto da prova pericial há desde logo que ter presente, como supra já se explicou, que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. art. 341º do C.Civil), e que toda a prova tem incidir sobre concretos pontos de facto que consubstanciam o direito invocado, ou as excepções deduzidas, relembrando-se que os temas da prova constituem apenas uma enunciação genérica das questões controvertidas (cfr. art. 410º do C.P.Civil de 2013), mas há ainda que ter presente o disposto no art. 475º do C.P.Civil de 2013 (“1 - Ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência. 2 - A perícia pode reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária”).
Neste “quadro” legal, o objecto da prova pericial tem que recair sobre os «factos da causa», os factos essenciais (principais) alegados pelo autor para fundamentar a causa de pedir, pelo réu na contestação para fundamentar as excepções e/ou fundamentar o pedido reconvencional, e pelo Autor para fundamentar as contra-excepções que invoca contra o réu ou fundamentar as excepções que deduziu contra o pedido reconvencional (cfr. arts. 5º/1, 583º, 584º, e 3º/4 do C.P.Civil de 2013), mas também sobre os factos instrumentais e/ou complementares dos factos essenciais alegados [cfr. art. 5º/a) e b) do C.P.Civil de 2013][25]
Como se decidiu no Ac. desta RG de 05/12/2019[26], “II. O objecto da perícia é constituído por questões de facto que sejam relevantes para a decisão final de mérito, segundo as várias soluções plausíveis de direito; e, por isso, a prova pericial tanto pode incidir sobre factos essenciais, como sobre factos instrumentais, desde que estes últimos sejam idóneos a conduzir à prova daqueles primeiros”.
Mas na determinação do objecto da prova pericial temos também que considerar o disposto no art. 476º do C.P.Civil de 2013: “1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição. 2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”.
Como resulta do teor deste art. 476º, requerida a prova pericial, o juiz deve fazer um juízo liminar sobre a sua pertinência, ao qual se segue o exercício do contraditório, através da audição da parte contrária sobre o objecto proposto. Porém, como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa[27], “na prática, é frequente que o juiz relegue a apreciação da pertinência e do carácter dilatório da diligência requerida para o momento subsequente ao exercício do contraditório” mas “a omissão de um juízo liminar expresso sobre a pertinência da perícia, acompanhada da ordem da notificação da parte contrária para se pronunciar, não consubstancia um deferimento tácito, mas apenas o exercício deferido do controlo do pressuposto da norma (STJ 5-3-02)”.
No que especificamente concerne à apreciação liminar da admissibilidade da prova pericial, como resulta do disposto no nº1 deste art. 476º, o juiz tem que verificar se a mesma se mostra impertinente e/ou dilatória, sendo que, caso conclua num desses sentidos, deverá indeferir a sua realização. O juízo será no sentido da impertinência quando a prova pericial requerida pela parte indica um objecto que não respeita aos factos essenciais da causa (nem a instrumentais ou complementares dos mesmos) ou, numa perspectiva mais ampla, não respeita a factos relevantes e condicionantes para a decisão final, e o juízo será no sentido do carácter dilatório quando, mesmo que o objecto respeite os factos essenciais (e/ou instrumentais ou complementares), o apuramento dos factos em causa não implica a realização de uma perícia já que, para o efeito, não são exigíveis os conhecimentos especiais que este meio de prova pressupõe (cfr. art. 388º do C.Civil)[28], estando, portanto, este carácter dilatório relacionado com a desnecessidade e a inutilidade deste meio de prova para a descoberta da verdade e boa apreciação e decisão da causa (justa composição do litígio), quando a percepção ou apreciação do facto está, completa e seguramente, ao alcance do juiz.
Assinale-se que o juízo de impertinência não se pode fundar no entendimento de que o facto (ou factos) que se pretende provar (ou contraprovar) através da realização da perícia pode ser provado por outro meio de prova, ou de que a prova pericial não produz prova plena do facto, ou de que a execução da perícia iria fazer prolongar a duração do processo[29]. Como se decidiu no citado Ac. desta RG de 05/12/2019[30], “V. Para admissão da prova pericial não se exige que a mesma seja o único meio disponível para a demonstração de determinado facto (isto é, que deva ser rejeitada desde que a prova do mesmo possa ser feita por outros meios alternativos); poderá ser apenas a prova preferencial, face ao objecto do litígio”.
Como impõe o nº2 deste mesmo art. 476º, a determinação (fixação) final do objecto da prova pericial é feita pelo juiz, ao qual competirá, por um lado, excluir todas as questões de facto que, embora propostas pela parte (ou partes), julgue como legalmente inadmissíveis ou irrelevantes e, por outro lado, ampliá-lo com outras questões de factos que julgue necessárias para a descoberta da verdade e cujo apuramento imponha a intervenção de pessoa conhecimentos especiais (diga-se que este juízo de fixação do objecto nada tem que ver com o juízo liminar de admissibilidade ou inadmissibilidade da prova pericial previsto no nº1 do mesmo preceito).
Explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[31] que “a restrição há de fundamentar-se na inadmissibilidade (por serem insuscetíveis de prova em geral ou da prova pericial em particular) ou irrelevância (para a solução do caso concreto) de pontos de facto propostos pelo requerente”.
Por último, assinale-se que a prova pericial pode incidir sobre factos passados ou futuros, competindo nestes casos ao perito tentar fazer uma reconstrução dos factos do passado e de estabelecer uma relação de causa-efeito ou, tentar fazer uma projeção dos efeitos futuros dos factos de acordo com a mesma relação causa-efeito, respetivamente[32].
Tecidas estas considerações jurídicas, importa analisar a questão concreta que aqui cumpre apreciar.
Em sede de recurso, os Autores/Recorrentes defendem que «entendeu o Tribunal restringir o objeto da ação à configuração e áreas do prédios dos AA, dele excluindo, entre o mais, a(s) construções existente(s) e o prédio de que os RR se arrogam proprietários; o Tribunal a quo deveria ter admitido os quesitos formulados em a), b), c), d), p), e q), importando apurar a localização geográfica/física de cada um dos prédios – dos AA e RR – já que ambos têm existência física, (ainda com características diferente, mas existente do ponto do vista do solo, o dos RR) com recurso a todos os elementos constantes das descrições da CRP, mormente, anexações, matriz e outros, e apurar, na sequência das mutações físicas/geográficas sofridas, que prédio ou prédios resultaram, composição, áreas e caraterísticas dos mesmos; impõe-se ainda apurar a existência da referida vacaria(s)/pavilhão, apurando-se se sobre os prédios dos AA e RR, encontra-se implantada alguma construção, áreas, características e ano da construção, pelo que serão de manter, como integrando o objeto da perícia, as questões colocadas em e), f) s), r) e s); relativamente ao quesitado pelos AA em g) e h), sempre serão de manter estas questões, porquanto, constam dos autos documentos/certidões emitidas por entidade públicas certidões essas que serviram para instruir os referidos processos de licenciamento, contendo as mesmas, imagens/registos fotográficos de uma construção, impondo-se aferir da correspondência dessas imagens à construção existente (ou não) in locu e em que prédio(s); relativamente ao questionado pelos AA em h), j), l), m), n), o), t), e u), resulta do alegado nos articulados que o Alvará de licença de utilização nº...00 não se reporta ao prédios do RR, à construção lá existente; do referido documento não consta a menção ao artigo, quer matricial, quer da descrição da CRP; impondo-se apurar se o referido Alvará, diz respeito à construção referente ao prédio de que os RR se arrogam proprietários, se ao prédio descrito sob o nº ...26º ou se ao prédio dos AA; parece-nos manifesto que as questões colocadas implicam conhecimentos que o julgador não tem, ou, sequer, podem ser esclarecidas com recurso à prova documental existente nos autos; e as questões colocadas são essenciais para uma boa decisão, pelo que se impõe o seu esclarecimento por peritos» - cfr. conclusões 31ª a 44ª.
No despacho recorrido, o Tribunal a quo fixou o objecto da prove pericial apenas nos seguintes dois pontos (que se numeram por maior facilidade de identificação): 1) Apurar da existência de sinais existentes no solo, formados pela natureza ou fabricados pelo homem, que permitam delimitar o solo correspondente ao prédio dos Autores do solo dos prédios que lhe são contíguos; e 2) com base nesses sinais, definir o polígono correspondente a esse prédio e calcular a sua área.
E, relativamente a todos os quesitos formulados pelos Autores, o Tribunal a quo pronunciou-se de uma forma genérica (“Tudo o mais proposto não assume, com o devido respeito, interesse: por um lado, tratam-se de questões que não exigem conhecimentos técnicos, mas apenas análise documental; por outro, assumem natureza conclusiva, antecipando para a fase da perícia a resposta à pretensão dos Autores”), nem sequer concretizando quais daqueles quesitos considerou já abrangidos pelo objecto que determinou, quais deles não exigem conhecimentos técnicos e/ou quais têm natureza conclusiva.
Ora, ponderando quais são os factos essenciais alegados pelos Autores para fundarem as suas pretensões e os factos essenciais alegados pelos 1ºs Réus para fundarem o seu pedido reconvencional, e ponderando que na determinação final do objecto da prova pericial ao julgador compete excluir todas as questões de facto que, embora propostas pelas, são legalmente inadmissíveis (por serem insuscetíveis de prova em geral ou da prova pericial em particular) ou irrelevância (para a solução do caso concreto), afigura-se-nos que assiste parcialmente razão aos Autores/Recorrentes, uma vez que a restrição do objecto da perícia incidiu sobre algumas questões de facto que são admissíveis e sobre outras que são relevantes.
Concretizando.
Uma primeira questão colocada pelos Autores/Recorrentes nas respectivas conclusões respeita à circunstância do objecto (quesitos) determinado para a perícia respeitar unicamente ao prédio sobre o qual peticionam o reconhecimento do seu direito de compropriedade, quando deveria também incluir o prédio que os 1ºs. Réus alegam ser proprietários.
E existiu aqui, efectivamente e salvo o devido respeito, um manifesto lapso do Tribunal a quo porque se «esqueceu» que os 1ºs. Réus formularam, a título de reconvenção, o reconhecimento do seu direito de compropriedade sobre um prédio misto, direito esse que, para além do mais, também alegaram ter sido adquirido por via de usucapião (aquisição originária do direito) e cuja configuração, delimitação e composição alegadas se mostra incompatível com a confrontação, delimitação e composição alegadas pelos Autores relativamente ao «seu» prédio.
Logo, pelas mesmíssimas razões que o Tribunal a quo considerou que o objecto da perícia devia ser integrado pelos dois quesitos que respeitam ao prédio do qual os Autores se arrogam comproprietários, também o prédio de que os 1ºs. Réus se arrogam proprietários deve ser objecto da perícia nos mesmos termos, uma vez que respeitam a factos que, não só fundamentam o pedido reconvencional, como são relevantes para a boa apreciação e decisão da causa (nomeadamente, quanto à reconvenção), mas também porque inquestionavelmente «implicam conhecimentos técnicos que não estão ao alcance do julgador» (tal como o Tribunal a quo expressamente consignou no despacho recorrido relativamente ao «prédio dos Autores»).
Assim sendo, deve o objecto da prova pericial ser ampliado nos seguintes termos:
«3) Apurar da existência de sinais existentes no solo, formados pela natureza ou fabricados pelo homem, que permitam delimitar o solo correspondente ao prédio identificado pelos 1ºRéus no art. 106º da contestação, do solo dos prédios que lhe são contíguos;
4) Com base nestes sinais, definir o polígono correspondente ao prédio identificado pelos 1ºRéus no art. 106º da contestação e calcular a sua área».

E por uma questão de conformidade e maior rigor fáctico (incompatível com a expressão «prédio dos Autores»), devem ser corrigidos os dois primeiros pontos do objecto da perícia:

«1) Apurar da existência de sinais existentes no solo, formados pela natureza ou fabricados pelo homem, que permitam delimitar o solo correspondente ao prédio identificado pelos Autores no art. 1º da petição, do solo dos prédios que lhe são contíguos;
2) com base nestes sinais, definir o polígono correspondente ao prédio identificado pelos Autores no art. 1º da petição e calcular a sua área».

Perante a ampliação do objecto da prova pericial supra referido, é manifesto que fica abrangido todo teor dos quesitos p) e q) que os Autores haviam formulado no respectivo requerimento probatório, pelo que, nesta parte, assiste-lhes razão.
Mas já não lhes assiste qualquer razão quando, ainda no âmbito desta primeira questão, insiste pela inclusão do objecto da perícia dos quesitos a), b), c) e d) indicados no respectivo requerimento probatório: com efeito, por um lado, é manifesto que todo teor dos quesitos c) e d) já está contido nos pontos 1) e 2) do objecto fixado no despacho recorrido; e, por outro lado, a matéria contida dos quesitos a) e b) mostra-se absolutamente irrelevante para boa apreciação ou decisão da causa, já que, independentemente dos prédios que foram anexados ou não ao prédio de que os Autores se arrogam comproprietários, o que releva para a descoberta da verdade é a determinação dos limites e área desse prédio (e até por contraponto à determinação e limites e área do prédio de que os 1ºs. Réus reclamam ser proprietários), acrescendo que a existência de alguma (ou algumas) anexação de outros prédios, em si mesmo, não permite apurar (provar) os factos que são efectivamente essenciais e relevantes à decisão (limites e áreas de cada prédio em discussão nos autos), tudo isto sem prejuízo dos peritos analisarem documentos que possam comprovar a existência de anteriores anexações.
Uma segunda questão colocada pelos Autores/Recorrentes nas respectivas conclusões é relativa ao apuramento da existência da vacaria(s)/pavilhão e se se encontra implantada nalgum dos prédios sobre os quais aqueles e os 1ºs. Réus reclamam reconhecimento de direitos.
Como resulta da posição das partes expressas nos respectivos articulados, Autores e 1ºs. e 2º Réus estão de acordo sobre a existência de um pavilhão/vacaria e dois barrancos para alfaias agrícolas (e o 3ºRéu não o nega), e divergem sobre a localização/implementação destas construções: aqueles alegam situarem-se no prédio de que arrogam comproprietários e estes alegam situarem-se no prédio de que os 1ºRéus se reclamam proprietários, acrescendo que ambos peticionam que os direitos que pretendem ver reconhecidos abrangem tais construções.
Logo, estamos perante factos essenciais que estão controvertidos e que são relevantes para a descoberta da verdade e boa apreciação e decisão da causa (para além do mais, estão claramente contidos nos temas da prova 3º, 4º, e 17º), acrescendo que tal localização/implementação está directamente relacionada e até dependente do apuramento dos factos que respeitam aos primeiros quatro pontos do objecto da perícia, donde resulta que este facto tal como os factos relativos à determinação das respectivas áreas e ao ano de construção (que releva para a alegada aquisição de direitos por via da usucapião) implicam, para o seu apuramento, a existência conhecimentos especiais (técnicos) que não estão ao alcance do juiz.
Assim sendo, e salvo o devido respeito, não se compreende a decisão do Tribunal a quo não incluir esta matéria no objecto da prova pericial (até porque, como já se disse, exige conhecimentos especiais, mais acrescendo que não se vislumbra qualquer tipo de natureza conclusiva), pelo que deve ser incluído no objecto da prova pericial a matéria de facto que abranja o conteúdo dos quesitos e), f), r) e s) do respectivo requerimento probatório dos Autores, mas com uma redacção diferente da proposta, com vista a ser mais correcta e rigorosa em termos factuais e por forma a conter apenas os factos que efectivamente relevam.

Por conseguinte, também aqui assiste razão aos Autores/Recorrente, devendo o objecto da prova pericial ser ampliado nos seguintes termos:
«5) Apurar se no polígono do prédio referido em 2) se encontra implantada alguma construção correspondente a um pavilhão (vacaria) e dois barrancos para alfaias agrícolas e, em caso positivo,  apurar as respectivas áreas e anos de construção;
6) Apurar se no polígono do prédio referido em 4) se encontra implantada alguma construção correspondente a um pavilhão (vacaria) e dois barrancos para alfaias agrícolas e, em caso positivo,  apurar as respectivas áreas e anos de construção».
A terceira questão colocada pelos Autores/Recorrentes nas respectivas conclusões relaciona-se com a inclusão no objecto da prova pericial da «matéria» que integra os quesitos g) e h) do respectivo requerimento probatório.
Atentando no concreto conteúdo de ambos os quesitos («O teor dos documentos nº ..., ....1, 8.2, 8.3, 8.4, 8.5, 8.6, 8.7, e 8.14, junto pelos AA aquando da PI., reportam-se ao prédio referido em a)? E à obra nele implantada?» e «Caso a resposta à alínea e) tenha sido afirmativa, se a construção/edifício constante do doc/imagem nº 8.14, é a mesma que a referida naquela alínea?»), não se vislumbra qualquer interesse, relevância ou utilidade em que os peritos se pronunciem sobre estes documentos (e eventuais correspondências) uma vez que, e os próprios Autores não explicam minimamente (nem no respectivo requerimento probatório, nem na motivação ou conclusões de recurso), também não se descortina qualquer facto essencial (ou mesmo instrumental) que possa ser demonstrado (provado) pelas respostas dos peritos. 
Deste modo, porque encerra matéria irrelevante, nos termos da parte final do nº2 do art. 476º do C.P.Civil de 2013, a matéria inserta nos quesitos g) e h) não pode ser legalmente incluída no objecto da prova pericial, pelo que, neste parte, não assiste qualquer razão aos Autores/Recorrentes.
Por último, nas respectivas conclusões, os Autores/Recorrentes colocam uma quarta questão, insistindo pela inclusão dos quesitos j), l), m), n), o), t), e u) do respectivo requerimento probatório (na conclusão 39º refere-se o quesito h), mas trata-se de lapso já que o mesmo já está incluído na questão anterior, a que se reporta a conclusão 38ª, mais acrescendo que o seu teor não diz respeito a qualquer alvará ou licença).
A matéria destes quesitos reporta-se, essencialmente, ao «Alvará de licença de utilização nº...00» e ao apuramento do prédio ao qual o mesmo se reporta (prédio de que os Autores se arrogam comproprietários, prédio de que os 1ºRéus se invocam proprietários, ou outro).
Dúvidas não existem de que tais quesitos incidem sobre matéria que respeita a factos essenciais do objecto do processo, mas concordamos que tais factos, para serem percepcionados ou apreciados, exijam conhecimentos especiais (cfr. art. 388º do C.Civil): com efeito, e como os próprios Autores o reconhecem expressamente, do respectivo documento (correspondente ao «alvará») não consta a menção a qualquer artigo, seja matricial, seja da descrição na conservatória (verificação desta «omissão» que não exige, portanto, qualquer conhecimento especial), donde resulta que, ou do respectivo processo camarário que conduziu à emissão do aludido «Alvará» consta alguma referência ao prédio a que concretamente respeita, e para se apurar essa referência não é necessário estar dotado de qualquer conhecimento especial, ou desse respectivo processo camarário nada consta, e então não se vislumbra que como é que se vai apurar qual o concreto prédio a que o mesmo respeita (mesmo que seja pessoa dotada de especial conhecimento técnico não pode percepcionar algo que não existe).
Aliás, frise-se que, quer no respectivo requerimento probatório, quer na motivação quer nas conclusões, os Autores/Recorrentes nunca concretizaram, explicaram e/ou justificaram, de forma lógica e coerente, de que forma um perito pode percepcionar ou apreciar uma referência que não existe, ou existindo, se encontrará num outro documento que integra o respectivo processo camarário, e então pode ser percepcionada por qualquer pessoa, nomeadamente pelo julgador.   
Acresce que se existem outros alvarás/licenças relativamente aos prédios em questão, então a respectiva prova deve e tem que fazer-se através da junção aos autos dos respectivos documentos camarários, não se estando, manifestamente, perante factos que só podem ser percepcionados ou apreciados por pessoa dotada de conhecimentos especiais.
Por conseguinte, porque consubstancia matéria relativamente à qual se mostra inadmissível a produção de prova pericial, nos termos do art. 388/1, a contrario, do C.Civil e da parte final do nº2 do art. 476º do C.P.Civil de 2013, a matéria inserta nos quesitos j), l), m), n), o), t), e u) não pode ser legalmente incluída no objecto da prova pericial, pelo que, igualmente neste parte, não assiste razão aos Autores/Recorrentes.
Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, perante tudo o que supra se expôs e concluiu, a resposta à questão que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que o Tribunal a quo devia ter incluído no objecto da perícia matéria que integra alguns dos quesitos formulados pelos Autores/Recorrentes e, por via disso, mais se impõe concluir que o recurso destes deverá proceder apenas de forma parcial, devendo alterar-se a decisão recorrida quanto ao objecto da prova pericial nos termos supra assinalados.
Procedendo o recurso apenas de forma apenas parcial, e verificando-se que não foram apresentadas contra-alegações por nenhum dos Réus, as custas do presente recurso deverão ficar a cargo dos Autores/Recorrente, uma vez que numa parte ficaram vencidos e que, na outra parte, foram eles que tiram proveito do recurso - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
* *
5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos Autores/Recorrentes e, em consequência:

A) alteram a decisão recorrida na parte em que respeita à fixação do objecto da prova pericial, objecto esse que passa a ser o seguinte:
“1) Apurar da existência de sinais existentes no solo, formados pela natureza ou fabricados pelo homem, que permitam delimitar o solo correspondente ao prédio identificado pelos Autores no art. 1º da petição, do solo dos prédios que lhe são contíguos;
2) com base nestes sinais, definir o polígono correspondente ao prédio identificado pelos Autores no art. 1º da petição e calcular a sua área;
3) Apurar da existência de sinais existentes no solo, formados pela natureza ou fabricados pelo homem, que permitam delimitar o solo correspondente ao prédio identificado pelos 1ºRéus no art. 106º da contestação, do solo dos prédios que lhe são contíguos;
4) Com base nestes sinais, definir o polígono correspondente ao prédio identificado pelos 1ºRéus no art. 106º da contestação e calcular a sua área;
5) Apurar se no polígono do prédio referido em 2) se encontra implantada alguma construção correspondente a um pavilhão (vacaria) e dois barrancos para alfaias agrícolas e, em caso positivo, apurar as respectivas áreas e anos de construção;
6) Apurar se no polígono do prédio referido em 4) se encontra implantada alguma construção correspondente a um pavilhão (vacaria) e dois barrancos para alfaias agrícolas e, em caso positivo, apurar as respectivas áreas e anos de construção”;
B) e mantêm integralmente o remanescente da decisão recorrida. 
Custas do recurso pelos Autores/Recorrentes.
* * *
Guimarães, 14 de Setembro de 2023.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
 
Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1ºAdjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2ºAdjunto - Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais.



[1]António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
[2]Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[3]Cfr. Ac. RE 10/03/2022, Juiz Desembargador Tomé de Carvalho, proc. nº7679/19.8T8STB-A.E1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.
[4]Juiz Desembargador Joaquim Correia Gomes, proc. nº nº3714/15.7T8VNG-A.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
[5]In As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, 1995, p. 228.
[6]Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
[7]Ac. TC nº530/2008, disponível https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080530.html.
[8]Ac. RC 21/04/2015, Juíza Desembargadora Maria João Areias, proc. nº124/14.1TBFND-A.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[9]In Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ªedição, Coimbra Editora, p. 239.
[10]In A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ªedição, Coimbra Editora, p. 207.
[11]Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 482.
[12]Cfr. Lebre de Freitas, in obra citada, p. 240 e 241.
[13]In obra citada, p. 511.
[14]Juíza Desembargadora Albertina Pedroso, proc. nº1180/11.5TBCTX-B.E1.
[15]Este entendimento foi secundado pelos também já citados Ac. RG 30/04/2020, Juiz Desembargador Alcides Rodrigues, proc. nº828/19.8T8BRG-B.G1 e Ac. RE 10/03/2022, Juiz Desembargador Tomé de Carvalho, proc. nº7679/19.8T8STB-A.E1.
[16]Juiz Desembargador Alcides Rodrigues, proc. nº828/19.8T8BRG-B.G1.
[17]Cfr. Ac. STJ 26/09/1996, in BMJ, 459º, p. 513 e Ac. RL de 17/10/1996, Juiz Desembargador Salvador da Costa, proc. nº0074676, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.
[18]Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 262 e 263.
[19]Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 576.
[20]In Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ªedição, p. 312.
[21]Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, p. 168, 169 e 181.
[22]In Prova Testemunhal, 2014, p. 175 e 176.
[23]In obra citada, p. 175 e 176.
[24]Cfr. entre outros, Ac. RP de 15/09/2022, Juiz Desembargador Nelson Borges Carneiro, proc. nº739/22.0T8PDL-A.L1-2, e Ac. RP de 26/10/2020, Juíza Desembargadora Eugénia Cunha, proc. nº258/18.9T8PNF-A.P1, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jtrp.
[25]Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, p. 582.
[26]Juíza Desembargadora Maria João Matos, proc. nº6318/18.9T8BRG-A.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[27]In obra citada, p. 582.
[28]Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, p. 582 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra citada, p. 326.
[29]Cfr. Ac. RG de 21/01/2021, Juiz Desembargador Jorge Teixeira, proc. nº847/20.T8BCL-C.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[30]Juíza Desembargadora Maria João Matos, proc. nº6318/18.9T8BRG-A.G1. No mesmo sentido, o também já citado Ac. da RL de 15/09/2022, Juiz Desembargador Nelson Borges Carneiro, proc. nº 739/22.0T8PDL-A.L1-2.
[31]In obra citada, p. 326.
[32]Cfr. o citado Ac. da RL de 15/09/2022, Juiz Desembargador Nelson Borges Carneiro, proc. nº 739/22.0T8PDL-A.L1-2.