Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
649/19.8T8VNF.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: DELIBERAÇÕES SOCIAIS
TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE
ALTERAÇÃO FACULTATIVA
DELIBERAÇÃO VANTAJOSA
DELIBERAÇÃO DESVANTAJOSA
SATISFAÇÃO DO PROPÓSITO DE VANTAGEM PARA UM SÓCIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O artigo 9º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais cria um regime jurídico específico para as disposições supletivas do Código das Sociedades Comerciais que permite a derrogação de tais disposições por força do próprio contrato social ou quando neste se preveja a derrogação por deliberação dos sócios;

II- As alterações facultativas, introduzidas aquando da transformação da sociedade de um tipo para outro tipo legal, devem ser aprovadas segundo os requisitos previstos na lei ou nos estatutos para a tomada da deliberação pela sociedade a transformar, mas, em si mesmas, regulam-se pelo regime substantivo prescrito na lei para o novo tipo social, dado que se destinam a vigorar no quadro dessa nova forma de organização;

III- Quando no contrato de sociedade que, à data da deliberação, regia a sociedade, por vontade unânime dos sócios, estava prevista a possibilidade de derrogação das normas supletivas por mera deliberação dos sócios, a deliberação que aprovou a derrogação da norma supletiva prevista no art. 246º, nº 2, do CSC, não é violadora da lei;

IV- A sanção de anulabilidade prevista na alínea b) do nº 2 do citado art. 58º do CSC não se aplica à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, a sociedade ou terceiros, mas àquela que a estas características acrescente a feição excessiva, abusiva, o que pressupõe que, para a aplicação da referida sanção necessário é que o “contexto” da deliberação “envolva as proporções de um excesso manifesto”;

V- Para aplicação da referida sanção “não basta ser a deliberação adequada ao propósito: tem de lhe dar corpo, de constituir a materialização deliberativa do propósito”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

Nos autos de ação de impugnação de deliberações sociais que J. F. deduziu contra X – Sociedade Industrial de Painéis, S.A., requereu aquele que:

A) fosse declarada a invalidade da deliberação tomada na Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas da Ré, realizada no dia 27 de Dezembro de 2018, que aprovara o Contrato de Sociedade pelo qual a Ré passará a reger-se, por força do disposto nos artigos 58º n.º 1 alíneas a) e b) e 56º n.º 1 alínea d) do Código das Sociedades Comerciais;
B) fosse declarada a invalidade da deliberação tomada na Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas da Ré, realizada no dia 27 de Dezembro de 2018, que aprovara a sua transformação, nos termos do disposto no artigo 58º n.º 1 alínea b) do Código das Sociedades Comerciais;

E, em consequência;
C) fosse declarada a invalidade da transformação da Ré em sociedade por quotas de responsabilidade limitada.
Em defesa da anulabilidade, nos termos previstos no artigo 58º n.º 1 alíneas a) e b) do Código das Sociedades Comerciais, da deliberação respeitante à aprovação do artigo 8º n.º 6, alíneas a), b) e d) do Contrato de Sociedade, que contém o regime dos poderes da gerência, alegou, em suma, que a mesma viola art. 246º do Código das Sociedades Comerciais e a respetiva ratio, porquanto, de acordo com as referidas alíneas do art. 8º, os gerentes da Ré poderão praticar todos os atos sem respeito pelas deliberações dos sócios pois não precisam de os consultar e com esta ampliação de poderes fica totalmente vedado aos sócios tomarem conhecimento ou terem informação de atos de gestão de extrema importância e que poderão ter um impacto profundo na sociedade, designadamente alienação ou oneração do património da Ré em circunstâncias desvantajosas para a mesma, bem como tal ampliação impede a Assembleia Geral de verificar se os gerentes, no exercício dos seus poderes tão amplos, atuam ou não em situações de conflito de interesse com a sociedade aqui Ré.
Citada, a Ré contestou, pugnando pela validade das deliberações tomadas, porquanto, segundo ela, no que para agora interessa, confrontando o artigo 16º dos anteriores estatutos com o atual art. 9º do contrato de sociedade por quotas, verifica-se que as alíneas a), b) e c) do mesmo nada inovam relativamente aos poderes do conselho de administração da sociedade enquanto anónima e, por outro lado, nas sociedades por quotas os gerentes estão obrigados a prestar informações aos sócios de forma tanto ou mais abrangente do que nas sociedades anónimas (artigos 214º e 216º do CSC). Invocou, por fim, que o Autor agia em manifesto abuso de direito.
O Autor respondeu à referida exceção.

Findos os articulados, foi proferido saneador-sentença contendo decisão com o seguinte teor:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

a) Declarando ineficazes as clausulas 6.ª e 7.ª do novo contrato social, julgo inverificada a nulidade ou anulabilidade invocada da deliberação que aprovou o novo contrato social;
b) Julgo inverificada a anulabilidade da deliberação que aprovou a transformação da Ré em sociedade por quotas;
c) Julgo inverificada a invalidade da transformação da sociedade anónima em sociedade por quotas. As custas serão suportadas pelo Autor, dado que este decaiu na totalidade do pedido.

Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1 - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos supra identificados, não se conformando com a douta sentença que decidiu: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos: a) Declarando ineficazes as clausulas 6.ª e 7.ª do novo contrato social, julgo inverificada a nulidade ou anulabilidade invocada da deliberação que aprovou o novo contrato social; b) Julgo inverificada a anulabilidade da deliberação que aprovou a transformação da Ré em sociedade por quotas; c) Julgo inverificada a invalidade da transformação da sociedade anónima em sociedade por quotas”;
2 - Ora, a questão a apreciar relativamente à douta sentença do Tribunal a quo, prende-se com: A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de direito – a errada subsunção dos factos ao direito, designadamente quanto às alterações ao Contrato Social que se prendem com os poderes da gerência;
3 - Ora, salvo o muito devido e merecido respeito pela Meritíssima Juiz a quo, deve a douta sentença, ora em crise, ser revogada e substituída por outra que declare a anulabilidade do artigo 8º n.º 6, alíneas a), b) e d) do Contrato de Sociedade pelo qual a Ré se passará a reger, por força do disposto no artigo 58º n.º 1 alíneas a) e b) do Código das Sociedades Comerciais;
4 - Verifica-se que não andou bem a douta sentença a quo quando decidiu: “Relativamente aos imóveis, não existe qualquer inovação. Quanto às participações sociais, essa competência estava expressamente prevista no artigo 16.º, n.º 2 e, por fim, quanto aos contratos de locação financeira, sempre a competência coube ao conselho de administração, não existindo, à data, qualquer referência expressa aos mesmos. Improcedem, pois, os argumentos do Autor”;
5 - Na verdade, o novo Contrato Social dá os poderes especiais à gerência para, sem necessidade de deliberação dos sócios, adquirir, alienar, permutar ou onerar bens imóveis e proceder à alienação, oneração e locação de estabelecimentos, bem como para celebrar contratos de locação financeira, poderes estes que não eram conferidos ao Conselho de Administração no artigo 16º do Pacto Social da Ré enquanto sociedade anónima;
6 - De facto, Conselho de Administração da Ré tinha tais poderes mas só quanto a bens móveis e imobiliários;
7 - Convém salientar que os gerentes eleitos na Assembleia Geral Extraordinária aqui em causa nos autos são exatamente os mesmos que compunham o Conselho de Administração da Ré e, os quais são os seus sócios maioritários, diretamente ou indiretamente, através de outras sociedades comerciais _ Vd. Facto Provado b) e documentos nºs., 2 a 5 juntos com a Petição Inicial;
8 - O artigo 246º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais prevê: “2 -Se o contrato social não dispuser diversamente, compete também aos sócios deliberar sobre: a) A designação de gerentes; b) A designação de membros do órgão de fiscalização; c) A alienação ou oneração de bens imóveis, a alienação, a oneração e a locação de estabelecimento; d) A subscrição ou aquisição de participações noutras sociedades e a sua alienação ou oneração”;
9 - O que significa que, a alienação ou oneração de bens imóveis, a alienação, a oneração e a locação de estabelecimento, bem como a subscrição ou aquisição de participações noutras sociedades e a sua alienação ou oneração, não são atos de gerência, mas de deliberação, visto serem da competência específica da assembleia geral;
10 - Esta ampliação de poderes não encontra apoio na rácio legis do artigo 246º, nem no espirito do regime de uma sociedade por quotas que permite aos seus sócios uma “intromissão” na vida societária muito maior do que na de uma sociedade anónima;
11 - A própria Ré não apresentou uma justificação para tamanha ampliação dos poderes da gerência numa sociedade por quotas de responsabilidade limitada _ Vd. Documento n.º 7 junto com a Petição Inicial;
12 - Na verdade, esta ampliação de poderes, visa tão só retirar da assembleia geral todo e qualquer poder deliberativo sobre assuntos importantes da vida societária;
13 - Com esta ampliação de poderes fica totalmente vedado aos sócios tomarem conhecimento e/ou terem informação, bem como participarem de atos de gestão de extrema importância e que poderão ter um impacto profundo na sociedade, designadamente alienação ou oneração do património da Ré em circunstâncias desvantajosas para a mesma;
14 - Bem como impede a Assembleia Geral de verificar se os gerentes, no exercício dos seus poderes tão amplos, atuam ou não em situações de conflito de interesse com a sociedade aqui Ré;
15 - Pois, tal como alegado nos autos, alguns atos de gestão praticados pelos Administradores da Ré, atualmente seus gerentes, encontram-se já sujeitos a apreciação judicial, por alegadamente terem atuado em situações de conflitos de interesses com a Ré, designadamente no processo n.º 4416/17.5T8VNF, que corre termos no Juiz 3 deste Juízo de Comércio _ Vd. Documento n.º 10 junto com a Petição Inicial;
16 - Tendo-se, no referido processo, realizado perícia colegial, cujo relatório comprova que os Administradores da Ré (atualmente gerentes), no exercício dos seus atos de gestão, designadamente celebrando um Contrato de Locação de um Pavilhão Industrial, decidiram que a Ré pagaria uma renda mensal de €: 40.000,00 (quarenta mil euros), quando na verdade o valor de mercado para a renda mensal desse mesmo pavilhão é de €: 16.207,80 (dezasseis mil duzentos e sete euros e oitenta cêntimos), o que se comprova pelo Relatório Pericial (página 14) que aqui se junta e, cuja junção se requer ao abrigo 680º do Código de Processo Civil;
17 - Mais grave tal facto se torna, quando o locatário do pavilhão em causa é uma sociedade comercial “Y – Polimento de Superfícies Metálicas e Tratamento de Efluentes Industriais, Lda.” detida, indiretamente (através de outras sociedades comerciais), pelos Administradores/Gerentes da Ré _ Vd. Documento n.º 10 junto com a Petição Inicial;
18 - Face ao exposto, dúvidas não subsistem que a deliberação tomada na Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas da Ré, realizada no dia 27 de Dezembro de 2018, que aprovou o Contrato de Sociedade pelo qual esta se passará a reger, designadamente a sua cláusula/artigo 8º n.º 6, a qual amplia os podres (sic) da gerência, sem necessidade de deliberação da Assembleia Geral, viola disposições da Lei, bem como é uma deliberação apropriada para satisfazer o propósito dos sócios conseguirem, através do seu voto, vantagens especiais para si, em prejuízo da sociedade, nos termos do artigo 58º n.º 1 alíneas a) e b) do Código das Sociedades Comerciais;
19 - Salvo o devido respeito por entendimento contrário, no caso da Ré e, com todos os factos provados e documentados nos presentes autos, não podem nem devem ser ampliados os poderes dos seus gerentes nos termos pretendidos.

Terminou pedindo seja dado provimento ao recurso e, em consequência, seja a sentença posta em crise revogada e, substituída por outra que declare a anulabilidade do artigo 8º n.º 6, alíneas a), b) e d) do Contrato de Sociedade pelo qual a Ré se passará a reger, por força do disposto no artigo 58º n.º 1 alíneas a) e b) do Código das Sociedades Comerciais.

A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. QUESTÃO PRÉVIA

Com as respetivas alegações, veio o Recorrente juntar um documento – relatório da perícia realizada no âmbito de um dos processos por si referidos na petição inicial o processo n.º 4416/17.5T8VNF – que, segundo aquele, comprova determinada atuação dos (ex)Administradores da Ré em discussão no âmbito do dito processo, invocando, para o efeito, o disposto no art. 680º, nº 1 do CPC.
Cumpre decidir da admissibilidade de tal junção.
Aplicável à apelação é, não o citado pelo Autor, mas, sim, o art. 651º do CPC.
Nos termos do nº 1 do referido art. 651º, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. E segundo o referido art. 425º, “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Assim, a parte que pretenda juntar documentos designadamente com as alegações deve justificar o carácter superveniente da junção, seja ele de ordem objetiva seja ele de ordem subjetiva, só estando dispensado de o fazer “no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância” (art. 651º, nº 1, do CPC).
Mas, mais do que isso, como é uma evidência, os documentos juntos – nesta ou em qualquer outra fase processual – só podem ser os destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa oportunamente apresentada.

No caso, o alegado na petição inicial foi que “alguns atos de gestão praticados pelos Administradores da Ré (enquanto sociedade anónima) encontram-se já sujeitos a apreciação judicial por alegadamente terem atuado em situações de conflito de interesses com a Ré”, ali tendo sido indicados os dois processos em que tal teria sucedido (cfr. art. 54º), tendo, para prova de tal facto, o Autor junto, com o referido articulado, os documentos tendentes à demonstração da propositura das ações em causa (documentos nºs 10 e 11), nada tendo então alegado quanto às concretas situações que consubstanciariam os supostos conflitos de interesse subjacentes à propositura daquelas.

Assim sendo, não pode aquele, em fase de recurso, proceder à junção de um documento para prova dos factos eventualmente integradores de um dos supostos conflitos de interesses que só agora concretizou, por, nessas circunstâncias, tais documentos “respeitarem a factos que não constam do elenco a apurar na causa” (cfr. Abrantes Geraldes e outros, em anotação ao art. 443º, in CPC Anotado, I, pág. 512).

Face ao exposto, evidente se torna a inadmissibilidade da junção de documento ora em apreço, pelo que, nos termos do art. 443º, nº 1, do CPC deverá o mesmo ser retirado do processo e restituído ao apresentante, condenando-se este ao pagamento de multa que, de acordo com o previsto no art. 27º, nºs 1 e 3, do RCP, tendo em consideração os reduzidos reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e a situação económica do Recorrente se fixará em 0,5 UC.

Decisão:

Pelo exposto, não se admite a pretendida junção de documento, ordenando-se o desentranhamento destes e a sua devolução ao Apresentante e condenando-se este no pagamento de multa que se fixa em 0,5 UC.
*
III. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do CPC).

No caso vertente, a questão a decidir que ressalta das conclusões recursórias é a seguinte:

- Saber se a deliberação que aprovou as cláusulas em crise é anulável por violação da lei ou por se revelar abusiva.
*
IV. FUNDAMENTOS:

Os factos.

Na primeira instância foram considerados os seguintes os factos assentes, relevantes para a decisão da causa:

a) A sociedade X Sociedade Industrial de Painéis S.A foi constituída em 1999 como sociedade comercial anónima, tendo como objecto o fabrico e comércio de painéis para coberturas e revestimentos.
b) Antes da assembleia geral extraordinária de 27/12/2018, o Conselho de Administração da sociedade X Sociedade Industrial de Painéis S.A era composto por três membros:
i. Presidente do Conselho de Administração - M. R.;
ii. Administrador - J. M.; iii. Administrador - A. M..
c) Antes da assembleia geral extraordinária de 27/12/2018, o capital social da X Sociedade Industrial de Painéis S.A. estava assim distribuído:
i. O Autor era detentor de 10,714% do capital social;
ii. A sociedade W, Alumínios de Viseu Lda. era titular de 11,905% do capital social;
iii. A sociedade K, Companhia de Ferro, Lda. era titular de 23,810%;
iv. A sociedade P. R., Lda. era titular de 23,810% do capital social;
v. A sociedade Alumínios ... S.A. era titular de 29,762% do capital social;
d) O Autor era único acionista pessoa singular, não exercendo nenhum cargo social;
e) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 06 de Dezembro de 2018, foi o Autor convocado para a reunião de Assembleia Geral Extraordinária da X Sociedade Industrial de Painéis S.A., a realizar no dia 27 de Dezembro de 2018, pelas 18h30m, na sede daquela, com a seguinte ordem de trabalhos:
“Um – Aprovação de um balanço especial encerrado em 31.10.2018 e da situação patrimonial.
Dois – Deliberar a transformação do tipo legal da sociedade, actualmente anónima, em sociedade por quotas, conforme proposta contida no Relatório da Administração justificativo da transformação.
Três – Aprovar o contrato que regerá a sociedade após a transformação.
Quatro – Eleição dos gerentes e respectiva remuneração.
Cinco – Nomeação do Revisor Oficial de Contas para cumprimento do disposto no artigo 262º do Código das Sociedades Comerciais.”
f) Na Assembleia Geral Extraordinária da X Sociedade Industrial de Painéis S.A. encontrava-se representada a totalidade do capital social:
i. M. R., em representação das sociedades comerciais “K – Companhia de Ferro, Lda.” e “W –Alumínios de Viseu, Lda.”;
ii. J. M., em representação da sociedade comercial “P. R., Lda.”;
iii. A. M., em representação da sociedade comercial “Alumínios ..., S.A.”;
iv. O Autor, que se fez representar pela Exm.ª Senhora Dr.ª M. A..
g) O Conselho de Administração esteve representado pelo Exm.º Senhor M. R., Presidente, e pelos Administradores Exm.º Senhor J. M. e Exm.º Senhor Dr. A. M.;
h) Na referida Assembleia, o Presidente do Conselho de Administração apresentou a seguinte proposta relativa ao Ponto Dois da Ordem de Trabalhos:
“Proponho a transformação da sociedade anónima "X – Sociedade Industrial de Painéis, S.A.”, em sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com a denominação de "X – Sociedade Industrial de Painéis, Lda.” nos temos da proposta contida no Relatório da Administração justificativo da transformação.”;
i) Posta à votação, foi a proposta aprovada com 89,29% de votos favoráveis, correspondentes aos votos dos acionistas Alumínios ..., S.A., K, Lda., P. R., Lda. e W, Lda., e o voto contrário do acionista Sr. J. F., correspondente a 10,71% do capital, o Autor.
j) No que concerne ao Ponto Três da Ordem de Trabalhos, o Presidente do Conselho de Administração da Ré apresentou a seguinte proposta: “Proponho a aprovação do Contrato de Sociedade após a transformação, nos termos constantes da respectiva documentação, do conhecimento dos accionistas”, e que se passa a transcrever:
CONTRATO DE SOCIEDADE DE
X- SOCIEDADE INDUSTRIAL DE PAINÉIS, LDA
Artigo Primeiro
(Firma)
A Sociedade adopta a firma “X- Sociedade Industrial de Painéis, Lda”.
Artigo Segundo
(Duração e Sede)
1.- A Sociedade durará por tempo indeterminado e tem a sua sede na Rua …, nº …, freguesia do …, concelho de Amares.
2.- A Gerência, sem necessidade do consentimento da Assembleia Geral, pode deslocar a sede social para qualquer lugar do território nacional.
3.- A Gerência pode criar sucursais, agências, delegações ou outras formas de representação, no País e no estrangeiro.
Artigo Terceiro
(Objecto)
A Sociedade tem por objecto o fabrico e comércio de painéis para coberturas e revestimentos. Artigo Quarto
(Capital Social)
O capital social totalmente subscrito e realizado é de 17.000.000,00€ (dezassete milhões de euros), representado pelas seguintes quotas:
a)- uma quota no valor nominal de 4.047.616,00€ (quatro milhões, quarenta e sete mil, seiscentos e dezasseis euros) pertencente à sócia “P. R., Lda.”;
b)- uma quota no valor nominal de 4.047.616,00€ (quatro milhões, quarenta e sete mil, seiscentos e dezasseis euros) pertencente à sócia “K – Companhia de Ferro, Lda.”;
c)- uma quota no valor nominal de 5.059.523,00€ (cinco milhões, cinquenta e nove mil, quinhentos e vinte e três euros) pertencente à sócia “Alumínios ..., S.A.”;
d)- uma quota no valor nominal de 2.023.815,00€ (dois milhões e vinte e três mil, oitocentos e quinze euros) pertencente à sócia “W – Alumínios de Viseu, Lda.”;
e)- uma quota no valor nominal de 1.821.430,00€ (um milhão, oitocentos e vinte e um mil, quatrocentos e trinta euros) pertencente ao sócio J. F..
Artigo Quinto
(Prestações Suplementares e Suprimentos)
1.- Poderão ser exigidas aos sócios prestações suplementares de capital até montante global igual ao dobro do capital social existente à data da deliberação, na proporção das respetivas quotas.
2.- Os sócios poderão fazer à Sociedade os suprimentos de que ela carecer nos termos e condições que forem fixados pela Assembleia Geral.
Artigo Sexto (Cessão de Quotas)
1.- A cessão de quotas, onerosa ou gratuitamente, no todo ou em parte, é livre entre os sócios, dependendo do consentimento da Sociedade quando o cessionário não for sócio.
2.- Na cessão de quotas a estranhos, terão direito de preferência a Sociedade e os sócios, sucessivamente.
Artigo Sétimo (Amortização de Quota)
1.- A Sociedade poderá amortizar qualquer quota:
a)- Com o consentimento do seu titular.
b)- Em caso de morte ou insolvência do sócio;
c)- Em caso de arresto, arrolamento ou penhora de quota, ou do seu envolvimento em qualquer processo judicial onde possa vir a ser alienada coercivamente;
d)- Se por divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, no caso de partilha, a quota não ficar a pertencer por inteiro ao sócio;
e)- Se Se esta for cedida sem prévio consentimento da Sociedade;
f)- Se ao seu titular forem imputados factos gravemente violadores das suas obrigações para com a Sociedade ou nocivos para os interesses sociais;
2.- A quota amortizada figurará no balanço como tal, podendo, porém, os sócios deliberar nos termos legais a correspondente redução de capital ou o aumento de valor das restantes quotas, ou ainda, a criação de uma ou mais quotas de valor nominal compatível para a alienação a sócios ou a terceiros.
3.- A amortização será deliberada no prazo de noventa dias, contados da data de verificação de qualquer dos factos que lhe derem causa ou do seu conhecimento pela Sociedade.
4.- A contrapartida da amortização, nos casos referidos no número um, salvo acordo em contrário ou disposição legal imperativa, será o valor nominal da quota, acrescido ou diminuído da importância que proporcionalmente lhe corresponder nos fundos sociais ou nos prejuízos acumulados, e acrescido ou diminuído da parte dos lucros ou prejuízos do exercício decorrente, calculados em relação ao tempo, tudo e conformidade com o último balanço aprovado.
Artigo Oitavo (Gerência)
1.- A Sociedade é administrada e representada por um ou mais Gerentes designados pela Assembleia Geral, com dispensa de caução e com ou sem remuneração, conforme for deliberado em Assembleia Geral.
2.- Para que a Sociedade fique validamente obrigada nos seus atos e contratos, é suficiente a assinatura de qualquer um dos Gerentes.
3.- Compete à Gerência os mais amplos poderes de gestão das atividades sociais e a representação da Sociedade, nos termos da lei e dos estatutos.
4.- Os Gerentes podem delegar em algum ou alguns deles competência para a prática de determinados atos, devendo a delegação atribuir expressamente esses poderes.
5.- Especialmente compete à Gerência constituir mandatários da Sociedade para a prática de determinados atos ou categorias de atos, passando-lhes procuração com poderes para o efeito.
6.- Em ampliação dos seus poderes normais, a gerência poderá, sem necessidade de deliberação da assembleia geral:
a)- Adquirir, alienar, permutar ou onerar bens móveis e imóveis e proceder à alienação, oneração e locação de estabelecimento;
b)- Celebrar contratos de locação financeira;
c)- Contrair empréstimos ou outro tipo de financiamentos e realizar operações de crédito que sejam permitidas por lei, prestando as garantias exigidas pelas entidades mutuantes;
d)- Subscrever, adquirir e alienar participações em qualquer outra sociedade, ainda que com objecto diverso do seu, bem como participar em quaisquer formas de associação ou cooperação entre empresas, nomeadamente, em consórcios, associações em participação e agrupamentos complementares de empresas;
e)- Confessar, desistir ou transigir em quaisquer ações assim como comprometer-se em arbitragens.
Artigo Nono
(Assembleias Gerais)
1.- As Assembleias Gerais serão convocadas por qualquer um dos Gerentes por meio de cartas registadas, expedidas com a antecedência mínima de quinze dias, sempre que a Lei não exija outras formalidades ou estabeleça prazo mais longo.
2.- Os sócios podem também tomar deliberações unânimes por escrito e bem assim reunir-se em Assembleia Geral sem observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a Assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto.
3.- A presidência de cada Assembleia Geral caberá ao sócio nela presente ou respetivo representante que possuir maior fração do capital social.
4.- As deliberações serão tomadas se obtiverem a maioria dos votos emitidos, salvo disposição diversa expressa na lei ou neste contrato.
Artigo Décimo
(Apreciação Anual da situação da Sociedade)
A Gerência deve elaborar e submeter aos sócios o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas relativos a cada exercício anual, os quais devem ficar patentes aos sócios, na sede da Sociedade, a partir de data da expedição da convocação para a Assembleia destinada a apreciá-los, devendo ser feita menção disso na própria convocatória.
Artigo Décimo Primeiro 8
(Aplicação de Resultados)
Os lucros líquidos de cada exercício, tal como resultam das contas aprovadas, terão a aplicação que a Assembleia Geral, por maioria qualificada de 75% do capital, depois de deduzida a percentagem legalmente prevista, destinada a fundos de reserva ou à sua reintegração.
Artigo Décimo Segundo (Normas dispositivas)
As normas legais dispositivas poderão ser derrogadas por deliberação dos sócios, salvo nos casos em que contrariem o disposto no contrato de sociedade”.
k) Posta a referida proposta à votação, foi a mesma aprovada com 89,29% de votos favoráveis, correspondentes aos votos dos acionistas Alumínios ..., S,A., K, Lda., P. R., Lda. e W, Lda., e o voto contrário do accionista Sr. J. F., correspondente a 10,714 % do capital.
l) O Pacto Social em vigor à data da deliberação de transformação previa, designadamente, o seguinte:
“Artigo 5º: 1. A alienação de acções por actos inter-vivos é somente livre entre accionistas ou destes a favor do seu cônjuge, de seus descendentes ou ascendentes, ou seus colaterais até ao 3º grau. (…)”.
“Artigo 7º: 1. A Sociedade poderá amortizar as acções respectivas se as mesmas forem dadas em penhor, penhoradas, arrestadas, arroladas ou sujeitas a qualquer procedimento judicial, que não seja inventário judicial. 2. A contrapartida da amortização será determinada pelo previsto no artigo 235º do Código das Sociedades Comerciais.”
“Artigo 16º: 1. Compete ao conselho de administração os mais amplos poderes de gestão das actividades sociais e à representação da Sociedade, nos termos da lei e dos estatutos. 2. Especialmente compete ao conselho de administração constituir mandatários, adquirir, alienar ou onerar bens moveis e imobiliários sujeitos a registo e participações em quaisquer outras pessoas singulares ou colectivas, bem como confessar, desistir ou transigir em quaisquer acções assim como comprometer-se em arbitragens. 3. A alienação, oneração e aquisição de bens imóveis ou imobiliários compete à assembleia geral.”
m) A Ré justificou os motivos da transformação da seguinte forma: “A transformação em sociedade por quotas justifica-se pelo facto de a 9 Administração ter concluído que no momento não existem vantagens para a sociedade na manutenção da atual forma jurídica. De facto, e uma vez que não se esperam alterações no médio prazo na estrutura de financiamento da empresa, entradas de novos parceiros ou a transmissibilidade das atuais participações, julga a Administração ser mais vantajosa a adoção da forma jurídica de sociedade por quotas. A longevidade da empresa bem como o forte reconhecimento da mesma junto dos principais parceiros económicos é garantia por si só da sua credibilidade, independentemente da forma societária adotada. A forma jurídica da sociedade por quotas apresenta ainda um modelo de governação mais simplificado e menos oneroso para a empresa, permitindo uma melhor organização interna e simplificação da estrutura”.

Do pacto social junto a fls. 38-verso a 48 resulta ainda que:

- O Pacto Social em vigor à data da deliberação de transformação previa, no seu art. 30º, que “as deliberações sociais poderão derrogar os preceitos legais supletivos sem necessidade de alteração estatutária”.

O Direito.

- Subsunção jurídica dos factos:

De harmonia com o art. 58º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, são anuláveis, as deliberações que:

“a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;
b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação”.

No que para o caso interessa, da disposição genérica da al. a) do n.º 1 do art. 58.º - violação de disposição legal a que não caiba a nulidade – retira-se a regra da anulabilidade da deliberação que afaste normas dispositivas (permissivas ou supletivas).

Para integral compreensão deste preceito, importa, porém, ter presente o disposto no artigo 9º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual “os preceitos dispositivos desta lei só podem ser derrogados pelo contrato de sociedade, a não ser que este expressamente admita a derrogação por deliberação dos sócios”.
No Acórdão da Relação de Coimbra de 21.12.2010 (Relator - Carlos Gil), apesar de se anotar que se discutia se o pronome demonstrativo masculino “este”, contido no citado preceito e ali “introduzido por força de rectificação ao Código das Sociedades Comerciais operada pelo decreto-lei nº 280/87, de 08 de Julho em substituição do pronome demonstrativo feminino que constava da primeira publicação do Código das Sociedades Comerciais constituiu verdadeiramente uma rectificação, se foi uma alteração encoberta ou se resultou de simples lapso (sobre esta questão, veja-se, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Artigos 1º a 19º, Almedina 2009, Pinto Furtado, páginas 360 a 363)”, afirma-se, perentoriamente, que “esta norma cria um regime jurídico específico para as disposições supletivas do Código das Sociedades Comerciais, apenas permitindo a derrogação de tais disposições por força do disposto no contrato social ou quando neste se preveja a derrogação por deliberação dos sócios”, afirmação que pressupõe a assunção da posição que considera a referida alteração da redação do preceito em causa uma verdadeira retificação, pretendendo, pois, o legislador consagrar a possibilidade de consagrar contratualmente a derrogação das ditas normas dispositivas por deliberação dos sócios.
A justificação para este regime jurídico estaria, segundo o citado acórdão, “na natureza plurilateral do contrato de sociedade e ainda porque o que consta do contrato de sociedade implica, necessariamente, a unanimidade dos outorgantes do contrato de sociedade”.
E esta interpretação do aludido preceito em nada contende com a hipótese de as próprias normas supletivas do Código preverem em si mesmas tal possibilidade.
Na verdade, como ali também se escreveu, “a previsão legal que analisamos não exclui a derrogação de normas supletivas do Código das Sociedades Comerciais por simples deliberação dos sócios, nos casos em que a previsão dispositiva em causa preveja ela própria tal possibilidade. Assim sucede, nomeadamente, nos artigos 151º, nº 1, 191º, nº 2, 217º, nº 1 e 294º, nº 1, todos do Código das Sociedades Comerciais”.
Considerando a referida necessária unanimidade dos outorgantes do contrato de sociedade sobre a questão da derrogação das normas supletivas por deliberação social e tendo, por outro lado, presente a clareza do decreto-lei nº 280/87, de 08.07, quando, no seu artigo 4.º, estipula que “São rectificadas as seguintes inexactidões constantes do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro: 1) Artigo 9.º, n.º 3: onde se lê 'a não ser que esta' deve ler-se 'a não ser que este';” e a ausência, desde então, de qualquer iniciativa legislativa no sentido de retificar a aludida retificação, não obstante a discussão em seu torno gerada, cremos que não se justifica alimentar dúvidas sobre o teor do dito preceito, aderindo-se, portanto, à posição firmada no referido acórdão da Relação de Coimbra.
Veja-se, aliás, que o art. 982º, nº 1, do CC também prescreve que “as alterações do contrato requerem o acordo de todos os sócios, excepto se o próprio contrato o dispensar”, o que se revela em sintonia com a razão invocada, pelo citado acórdão, para a interpretação ali firmada do artigo 9º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais.

Assim sendo, de harmonia com o citado artigo, só poderá falar-se de violação das normas supletivas se houver derrogação do nelas estipulado sem que no contrato social esteja prevista a possibilidade da sua derrogação por deliberação dos sócios.

Isto esclarecido, urge relembrar que, nesta fase, em causa está apenas, face à delimitação do objeto do recurso efetuada pelo Apelante nas suas conclusões, a anulabilidade da deliberação no que toca à aprovação do art. 8º, nº 6, alíneas a), b) e d), do Contrato de Sociedade nos termos do qual:

6.- Em ampliação dos seus poderes normais, a gerência poderá, sem necessidade de deliberação da assembleia geral:
a)- Adquirir, alienar, permutar ou onerar bens móveis e imóveis e proceder à alienação, oneração e locação de estabelecimento;
b)- Celebrar contratos de locação financeira;
(…)
d)- Subscrever, adquirir e alienar participações em qualquer outra sociedade, ainda que com objecto diverso do seu, bem como participar em quaisquer formas de associação ou cooperação entre empresas, nomeadamente, em consórcios, associações em participação e agrupamentos complementares de empresas;
Assinale-se, desde já, que em causa estão inegavelmente alterações do contrato, introduzidas aquando da transformação da sociedade Ré de sociedade anónima em sociedade por quotas.
O art. 85º, nº 1, enumera as modalidades de alteração – modificação de uma cláusula, supressão de alguma cláusula, introdução de nova cláusula -, não havendo que “distinguir conforme a alteração incida sobre a norma material ou apenas sobre a expressão verbal desta”, havendo alteração do contrato ainda que só se pretenda tornar a redação do mesmo mais clara, sendo que “a importância da cláusula é irrelevante”, estando “sujeitas ao processo legal ou contratual de modificação do contrato norme di futile importanza” (Raul Ventura, Alteração do Contrato de Sociedade, pág. 28).
E, tratando-se, como se trata de alterações introduzidas aquando da transformação da sociedade de um tipo para outro tipo legal, importa ter em atenção que “a sociedade terá de modificar alguns dos seus elementos para corresponder às condições legais do tipo de sociedade em que passou a inscrever-se, mas também pode suceder que os sócios aproveitem para estipular cláusulas não requeridas para satisfação dos requisitos legais, destinadas a satisfazer interesses não essenciais legalmente” (Autor e obra citados, pág. 24).

No caso em apreço, a forçosa modificação requerida pela transformação da sociedade Ré de sociedade anónima em sociedade por quotas foi também aproveitada para proceder a modificações facultativas.
Como, neste aspeto, bem se diz na sentença recorrida a transformação tem um carácter autónomo que não pode ser reconduzido a uma mera alteração do contrato, tendo um cunho e um carácter identitário, sendo a sua regulamentação marcada pelo princípio da identidade, “notada substancialmente na continuidade económica da entidade, permanecendo antes e após a transformação a mesma empresa”, mas tendo como limite a regulamentação aplicável à nova forma jurídica, uma vez que “a transformação tem por consequência a descontinuidade de regime jurídico” e a submissão das relações jurídicas entre sócios e entre terceiro a novas regras (cfr., neste sentido, Elda Marques, op. cit.Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. II, Almedina –, pág. 547; e, em sentido contrário, defendendo que a transformação se reconduz a uma específica modificação contratual, Jorge Henrique Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 5.ª edição, Almedina, pág. 535).
(…)
Acresce que, a par da aprovação da transformação, pode “aproveitar-se para alterar outras cláusulas do pacto social originário, (…) mas tais alterações adicionais, ainda que previamente necessárias, são autónomas da mudança da forma jurídica operada pela transformação, estando sujeitas ao seu próprio regime”. “Tais alterações são aprovadas segundo os requisitos previstos na lei ou nos estatutos para a tomada da deliberação pela sociedade a transformar, mas, em si mesmas, tais modificações regulam-se pelo regime substantivo prescrito na lei para o novo tipo social, dado que se destinam a vigorar no quadro dessa nova forma de organização” (cfr. Elda Marques, op. cit., págs. 552/553).
Na verdade, a mudança de tipo importa a sujeição da sociedade a um diferente regime jurídico, composto de normas imperativas, normas disponíveis e estipulações contratuais, impostas por lei, ou apenas da vontade dos sócios que implicam a modificação do contrato, por forma a adaptá-lo ao novo regime (cfr. Raúl Ventura, op. cit., pág. 465).
A extensa citação acabada de fazer serve para sublinhar que a validade substancial das alterações introduzidas no pacto social deve ser aferida em função das regras substantivas que regulam a nova forma adotada, não se regulando, pois, nem pelas regras que regiam a anterior forma que a sociedade assumia, nem pelo conteúdo das regras substantivas contidas no anterior estatuto, cumprindo, portanto, para aferir da dita validade substancial, proceder à comparação entre as cláusulas em crise e as normas das sociedades por quotas às mesmas atinentes.
De acordo com o Autor/Apelante, dentre estas últimas, violada teria sido a disposição do art. 246º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais.
Para aquele, de harmonia com o mencionado normativo, os atos a que aludem as referidas alíneas do nº 6 do art. 8º do pacto social aprovado não são atos de gerência, mas de deliberação, visto serem da competência específica da assembleia geral, sendo que a ampliação de poderes em causa não encontra apoio na rácio legis do artigo 246º, nem no espirito do regime de uma sociedade por quotas que permite aos seus sócios uma “intromissão” na vida societária muito maior do que na de uma sociedade anónima.

Que dizer?

O art. 246º do CSC sob a epígrafe “Competência dos sócios”, indica vários atos que dependem de deliberação social, sendo os previstos no seu nº1 necessariamente dependentes de tal deliberação – integrando, pois, aquele número uma norma legal imperativa –, enquanto os do nº 2 apenas dependem de tal deliberação “se o contrato social não dispuser diversamente”, integrando-se neste último normativo, designadamente, a alienação ou oneração de bens imóveis, a alienação, a oneração e a locação de estabelecimento – c) – e a subscrição ou aquisição de participações noutras sociedades e a sua alienação ou oneração – d).
Contrariamente ao nº 1, este nº 2 do art. 246º do CSC não é, portanto, um preceito imperativo, mas antes supletivo, pois, como se frisou, os sócios podem dispor em sentido diverso no contrato de sociedade.
E quando o art. 259º do CSC estipula que os gerentes devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios, mais não faz do que referir-se ao respeito pelas deliberações dos sócios tomadas no âmbito das suas competências, nestas não se integrando, as validamente atribuídas a outro órgão nos termos do citado nº 2 art. 246º do CSC.
Por outro lado, para aferir da validade das alterações ao pacto social, recorde-se que, como acima se frisou, embora em termos substantivos as alterações a introduzir no contrato de sociedade se devam regular, no seu conteúdo, pelas normas atinentes ao tipo social em que a sociedade visa transformar-se, no que toca à competência para o efeito e aos procedimentos a seguir, tais alterações devem ser aprovadas segundo os requisitos, previstos na lei ou nos estatutos, para a tomada da deliberação pela sociedade a transformar.

Ora, no caso em apreço, o art. 30º do contrato de sociedade que, à data da deliberação, regia a sociedade Ré, estabelecia que “as deliberações sociais poderão derrogar os preceitos legais supletivos sem necessidade de alteração estatutária”, o que significa que, por vontade unânime dos sócios, ficou prevista no pacto social a possibilidade de derrogação das normas supletivas por mera deliberação dos sócios, não havendo, pois, necessidade, para derrogação da norma supletiva prevista no art. 246º, nº 2, do CSC, de um acordo específico para esse efeito de todos os sócios no sentido de atribuir aos gerentes os poderes a que o aludido preceito se refere.
Assim sendo, a atribuição aos gerentes dos poderes elencados nas alíneas a), b) e d) do nº 6 do art. 8º do Contrato de Sociedade, por deliberação dos sócios, em derrogação da norma supletiva prevista no citado preceito do CSC, não integra uma deliberação inválida por violação da lei.
Mas será a deliberação que aprovou aquelas alterações abusiva e, por isso, sancionável com a anulabilidade nos termos da alínea b) do nº 2 do citado art. 58º do CSC?
Protesta o Autor/Apelante que com esta ampliação de poderes fica totalmente vedado aos sócios tomarem conhecimento e/ou terem informação, bem como participarem de atos de gestão de extrema importância e que poderão ter um impacto profundo na sociedade, designadamente alienação ou oneração do património da Ré em circunstâncias desvantajosas para a mesma, bem como impede a Assembleia Geral de verificar se os gerentes, no exercício dos seus poderes tão amplos, atuam ou não em situações de conflito de interesse com a sociedade aqui Ré, defendendo, em suma, o Recorrente que em causa está uma deliberação apropriada para satisfazer o propósito dos sócios conseguirem, através do seu voto, vantagens especiais para si, em prejuízo da sociedade, acrescentando existirem já processos pendentes por os Administradores da Ré alegadamente terem atuado em situações de conflito de interesses com aquela.

Vejamos.

Na hipótese prevista na alínea b) do nº 2 do citado art. 58º do CSC “em causa estão deliberações que se apresentam formalmente como regulares - que não contrariam formalmente a lei nem o contrato de sociedade - mas que lesam ou ameaçam interesses da sociedade ou dos sócios em termos tão chocantes que se impõe e justifica a possibilidade da sua impugnação” (Acórdão do STJ de 09.10.2003, Relator – Santos Bernardino).

Como se diz no Acórdão do STJ de 27.05.2003 (Relator – Afonso Correia), citando Carneiro da Frada, Novas perspectivas do direito comercial, pág. 322, "é preciso sancionar aqueles actos que, embora formalmente conformes com as normas legais ou estatutárias, desrespeitam a intencionalidade material que nelas vai subjacente. No fundo, a discrepância que aqui existe não é entre a deliberação e uma concreta disposição da lei ou do pacto, mas entre aquela e as exigências de equilíbrio no uso de poderes jurídicos e de respeito pela materialidade da regulamentação normativa que o sistema jurídico, enquanto tal, corporiza".
Na verdade, casos há em que as deliberações sociais e o exercício do direito de voto escondem “objectivos perversos” e, ao invés de serem direcionados, como é suposto, para a realização do interesse da sociedade (ou do interesse comum dos sócios) servem apenas para satisfazer interesses de alguns sócios ou de terceiros, em prejuízo da sociedade ou de alguns (outros) sócios.
Importa, porém, ter em atenção que “a norma não quis, obviamente, aplicar sem mais a sanção de anulabilidade à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, a sociedade ou terceiros, mas àquela que a estas características acrescente a feição excessiva, i. e., abusiva - como inequivocamente se realça no adjectivo “abusivos”, expressamente usado para classificar os votos que a compõem”, o que pressupõe que, para a aplicação da referida sanção necessário é que o “contexto” da deliberação “envolva as proporções de um excesso manifesto” (Pinto Furtado, in Deliberações dos Sócios, Comentário ao código das Sociedades Comerciais, pág. 389), tem de “constituir um excesso manifesto, suscetível de causar um dano flagrantemente injusto” (Pinto Furtado, in Das Sociedades em especial, 1979, vol. II, pág. 553).
Analisando os elementos integradores da norma em questão, ressalta, desde logo, o consistente em “deliberação apropriada para a satisfação do propósito de vantagem de um dos sócios”.
A este respeito, criticando a formulação da norma, constata Pinto Furtado, obra citada, pág. 398, que, apesar de deliberação apropriada para ser “expressão que aponta para o que se presta ao propósito em referência, mas não o inclui na hipótese”, não apontando, pois, “para aquela que está por ele (propósito) efectivamente inquinada”, deverá ser este último sentido que deve prevalecer, defendendo perentoriamente que “não basta ser a deliberação adequada ao propósito: tem de lhe dar corpo, de constituir a materialização deliberativa do propósito”.
E é esta a interpretação do preceito que a jurisprudência parece seguir, como se pode ver pelo decidido no já citado Acórdão do STJ de 09.10.2003, onde se concluiu que as deliberações ali em causa concretizavam “efectivamente esse propósito, dão-lhe corpo, constituem "a materialização deliberativa do propósito", sendo, por isso, anuláveis porque tomadas com abuso do direito de voto”, e na expressa referência à necessidade dessa corporização constante da fundamentação do Acórdão da Relação de Évora de 10.10.2019 (Relatora – Isabel Imaginário).

Ora, no caso concreto, cremos que não se pode dizer que o teor da deliberação que aprovou as alterações neste momento em crise materialize ou corporize um propósito perverso dos sócios que a votaram – aparentemente, segundo o alegado pelo Autor na respetiva petição inicial, o propósito seria o de vedar aos sócios a tomada de conhecimento ou de obtenção de informações de atos de gestão, de extrema importância, em circunstâncias desvantajosas para a sociedade Ré, e a verificação de situações de conflito de interesse –, no sentido da obtenção de vantagens especiais para si, com prejuízo para a sociedade, isto é, não se pode dizer que a aprovação das referidas alterações, apesar de dotar os gerentes de todos os poderes de gestão legalmente admissíveis, desse modo reduzindo as competências dos sócios ao mínimo imperativamente imposto, corporize, em si mesma, um objetivo de ocultação dos atos de gestão mais relevantes, de compressão do direito à informação impeditiva do seu exercício efetivo ou injustificadamente limitadora do seu âmbito (nº 2 do referido artigo 214º).
Com efeito, não estamos perante qualquer cláusula cujo resultado se reflita na impossibilidade prática, nomeadamente por meio de restrições processuais ou através de restrições das informações a que o sócio pode ter acesso, do exercício daquele direito (Carlos Maria Pinheiro Torres in O direito à informação nas sociedades comerciais, Coimbra, 1998, pág. 153), mantendo-se, pois, o direito do sócio à informação “como um direito inderrogável mas, ainda, como um direito irrenunciável, correspondendo a uma exigência mínima fundamental da vida e organização da sociedade e decorrente da tutela de interesse e ordem pública subjacente à norma imperativa do n.º 1 do artigo 988.º do Código Civil” – segundo o qual, “nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por cláusula do contrato, do direito de obter dos administradores as informações de que necessite sobre os negócios da sociedade, de consultar os documentos a eles pertinentes e de exigir a prestação de contas” – (autor e obra citados, pág. 296).
Na verdade, é de salientar que, de harmonia com o art. 214º, nº 1, do CSC, não obstante a atribuição aos gerentes dos referidos poderes, aqueles não deixam de ter a obrigação de “prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos”, assim se mantendo salvaguardado o interesse dos sócios no acompanhamento e fiscalização da gestão da sociedade, nomeadamente no controle das situações passíveis de integrarem conflitos de interesses.
E, nos termos do nº 3 do mesmo preceito, “podem ser pedidas informações sobre actos já praticados ou sobre actos cuja prática seja esperada, quando estes sejam susceptíveis de fazerem incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei”.

Sendo ainda de acentuar que, por força do art. 215º do CSC:

“1 - Salvo disposição diversa do contrato de sociedade, lícita nos termos do artigo 214.º, n.º 2, a informação, a consulta ou a inspecção só podem ser recusadas pelos gerentes quando for de recear que o sócio as utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta e, bem assim, quando a prestação ocasionar violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros.
2 - Em caso de recusa de informação ou de prestação de informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa, pode o sócio interessado provocar deliberação dos sócios para que a informação lhe seja prestada ou seja corrigida.”

E, por último, “o sócio a quem tenha sido recusada a informação ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade” – art. 215º, nº 1, do CSC.
Concluindo, a nosso ver, é manifesto que as alterações assinaladas pelo Autor não têm o alcance de limitar o direito dos sócios à informação sobre os atos excluídos da esfera de competência dos sócios através da referida deliberação social, não se introduzindo através das mesmas, nem por via direta, nem por via indireta, qualquer restrição ao referido direito nomeadamente no que toca à verificação sobre se os gerentes, no exercício daqueles poderes, atuam ou não em situações de conflito de interesse com a sociedade aqui Ré.
Por último, ainda que se entendesse que alguma limitação do direito à informação tivesse sido introduzida por força das aludidas alterações – o que não se concede –, a circunstância de alguns atos de gestão praticados pelos Administradores da Ré, atualmente seus gerentes, se encontrarem já sujeitos a apreciação judicial, por alegadamente terem atuado em situações de conflitos de interesses com a Ré, sempre seria insuficiente para se afirmar a existência de um “contexto” suscetível de implicar um “excesso manifesto”, certo que o que tal nos diz é que a deliberação em causa foi tomada num clima de litígio entre o aqui Autor e os sócios Administradores da Ré (seus atuais Gerentes), sendo eventualmente vantajosa para estes e desvantajosa para o Autor, o que nunca bastaria para que a mesma se pudesse considerar abusiva, porquanto, para tal necessário seria que dela decorresse um dano flagrantemente injusto, o que não ocorre.
Não vemos, pois, motivo para considerar a deliberação em causa abusiva.
Improcede, assim, a Apelação.

Sumário:

I – O artigo 9º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais cria um regime jurídico específico para as disposições supletivas do Código das Sociedades Comerciais que permite a derrogação de tais disposições por força do próprio contrato social ou quando neste se preveja a derrogação por deliberação dos sócios;
II – As alterações facultativas, introduzidas aquando da transformação da sociedade de um tipo para outro tipo legal, devem ser aprovadas segundo os requisitos previstos na lei ou nos estatutos para a tomada da deliberação pela sociedade a transformar, mas, em si mesmas, regulam-se pelo regime substantivo prescrito na lei para o novo tipo social, dado que se destinam a vigorar no quadro dessa nova forma de organização;
III – Quando no contrato de sociedade que, à data da deliberação, regia a sociedade, por vontade unânime dos sócios, estava prevista a possibilidade de derrogação das normas supletivas por mera deliberação dos sócios, a deliberação que aprovou a derrogação da norma supletiva prevista no art. 246º, nº 2, do CSC, não é violadora da lei;
IV – A sanção de anulabilidade prevista na alínea b) do nº 2 do citado art. 58º do CSC não se aplica à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, a sociedade ou terceiros, mas àquela que a estas características acrescente a feição excessiva, abusiva, o que pressupõe que, para a aplicação da referida sanção necessário é que o “contexto” da deliberação “envolva as proporções de um excesso manifesto”;
V – Para aplicação da referida sanção “não basta ser a deliberação adequada ao propósito: tem de lhe dar corpo, de constituir a materialização deliberativa do propósito”.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo Autor/Recorrente.
Guimarães, 27.02.2020

Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues