Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
88/14.7TBPCR-A.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: VEÍCULO AUTOMÓVEL
ALUGUER
LIVRANÇA
AVAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A sentença é obscura quando não seja perceptível o pensamento do julgador traduzido na parte decisória, e é ambígua quando comporta mais do que uma interpretação.
II – Na reapreciação da decisão da matéria de facto, a Relação, não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente e nem pelo recorrido, avalia livremente todas as provas carreadas para os autos, valorando-as e ponderando-as com recurso às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se de todos os elementos probatórios constantes do processo para formar a sua própria convicção.
III - O contrato de aluguer de veículos automóveis é um contrato legalmente atípico, mas socialmente típico, posto que já se estabeleceu na prática negocial corrente. Tendo em consideração o princípio da liberdade contratual, na vertente da liberdade de conformação dos contratos, consagrado no artº. 405º., do C.C., este contrato rege-se pelas suas cláusulas contratuais particulares e gerais, desde que não sejam contrárias a normas imperativas, pelas normas gerais dos contratos, e ainda pelos art.os 1022º., e sgs., do C.C., na parte em que dispõem sobre a locação de coisas móveis.
IV – Integra a obrigação contratual do locatário a restituição da coisa locada no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização (n.º 1 do art.º 1043.º do C.C.), conceito que se reconduz à diligência do bonus pater familiae, do homem de boa formação e de são procedimento, ou seja, in casu, do condutor normal.
V - Cabendo ao locador alegar e provar os danos, o ónus da prova de que eles resultam da normal e prudente utilização, ou que as deteriorações resultaram de causa que lhe não é imputável, cabe ao locatário por serem factos impeditivos do direito do locador.
VI - O artº. 77º., da L.U.L.L., mandando aplicar às livranças as disposições relativas às letras em branco, removeu qualquer obstáculo à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, ainda que incompleta, contenha uma ou mais assinaturas se tiverem sido nela apostas exprimindo a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, sendo que o essencial para que ela seja válida e eficaz, e possa vir a ser utilizada como título executivo, é que se mostre preenchida até ao momento do acto do pagamento.
VII - O preenchimento deve fazer-se observando o que tiver sido estabelecido, podendo, com Abel Delgado, definir-se o contrato de preenchimento como “o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros”, acordo este que poderá ser expresso ou tácito (in “Lei Uniforme sobre Letras e Livranças”, 5ª. Edição, 1984, pág. 82/83).
VIII – É válida a obrigação resultante do aval, apesar de ser uma obrigação futura, por estarem desde o início definidos os critérios para a sua determinabilidade.
IX – Se o avalista tiver tido intervenção no pacto de preenchimento pode opor ao portador da letra, ou da livrança, se ela não tiver ainda entrado em circulação, a excepção do preenchimento abusivo, mas recaindo sobre si o ónus de provar a desconformidade do preenchimento com o acordo que havia sido estabelecido.
X – O predisponente de cláusulas contratuais gerais tem os especiais deveres de comunicar ao aderente o teor integral daquelas cláusulas, comunicação que tem de ser feita por modo a que este efectivamente as receba, e o de informar dos aspectos essenciais compreendidos nas cláusulas, incluindo o sentido da interpretação que delas faz.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES-

A) RELATÓRIO
I.- “T – TRANSPORTES DE CARGAS, LDª, actualmente denominada T, S. A., PAULO N e FRANCISCO T, deduziram oposição à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhes moveu a “M ALUGUER DE VEÍCULOS, UNIPESSOAL, LDª” pedindo que, julgados procedentes os embargos, a execução seja julgada extinta.
Para tanto, alegaram, em síntese, que: não aceitaram as notas de débito referenciadas no artigo 21º da petição inicial, num valor total de € 31.994,58, e que as mesmas não são devidas; não devem nada à embargada sendo que ademais têm sobre a mesma um crédito no valor de € 15.179,13; houve violação do dever de comunicação e informação por parte da embargada face ao que vem previsto na cláusula 9ª dos contratos de aluguer, mormente do seu nº 8; houve preenchimento abusivo das livranças, as livranças dadas à execução são inexequíveis e, por consequência, a obrigação exequenda é inexigível.
A Embargada contestou impugnando a matéria alegada pelos Embargantes, requereu a redução da quantia exequenda para € 20.638,68 e alegou a factualidade atinente ao cumprimento dos seus deveres de comunicação e informação.
Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando os embargos parcialmente procedentes, julgou extinta a execução na parte em que excede a quantia de € 20.638,68, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, condenando ainda em custas os Embargantes e a Embargada, na proporção de 70% para os primeiros e 30% para a segunda.
Inconformados, trazem os Embargantes o presente recurso arguindo a nulidade da sentença ou, caso assim se não entenda, a sua revogação com a procedência dos embargos.
Contra-alegou a Exequente propugnando pela improcedência do recurso e para que se mantenha o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II.- Os Apelantes/Embargantes, após convite para sintetizarem as conclusões, formularam as seguintes:
1 - A Apelante com a interposição do presente Recurso pretende ver apreciadas sete questões, a saber:
1 - Nulidade de sentença;
2- Impugnação da matéria de facto; Quanto à matéria de direito, assinala-se:
3 - O regime jurídico dos contratos em questão;
4 - O ónus da prova;
5 - O preenchimento abusivo das livranças;
6 - Enquadramento dos contratos nas cláusulas contratuais gerais;
7 - A inexequibilidade e inexigibilidade da obrigação exequenda.
2 — Quanto à nulidade de sentença, percorrendo os factos provados e o extenso rol de documentos, a douta sentença recorrida não dá como provados os seguintes documentos: (Doc. 9 - ND 200828058, no valor de € 4.696,96), (Doc. 10 — ND 200819007, no valor de € 5.612,05); (Doc. 11 — ND 200819008, no valor de € 5.367,03), tudo no total de € 15.676,04. Essas ND doravante designadas (ND), os quais se referem a pretensos danos com a devolução das cinco viaturas.
3) O valor inicial da execução é de € 22.245,65, e a douta sentença Apelada condena no pagamento de € 20.638,68, aliás, de acordo com a redução do pedido efectuado na douta oposição deduzida aos embargos.
4) Ora, de acordo, com o dispositivo da sentença, para a condenação no valor de € 20.638,68, as referidas ND deveriam ser contabilizadas, pelo que a douta sentença recorrida torna-se ininteligível, pois não se apresenta congruente com a matéria provada, pelo que enferma de nulidade, face ao disposto no Art. 615 n°1 al.c) CPC, devendo consequentemente ser anulada, face ao disposto no Art. 662° n° 2 Alínea c) CPC.
5) Quanto à impugnação da matéria de facto, atento o disposto no Art.640° n°1 alínea a) CPC, os Apelantes vêm enumerar os pontos da matéria de facto que consideraram incorrectamente julgados:
FACTOS PROVADOS - Pontos 11 (excesso) Pontos 14 (excesso), 15 (insuficiente), 26 a 33 e 36. FACTOS NÃO PROVADOS - Alínea a) a j), requerendo a alteração, conforme se desenvolve nas conclusões seguintes.
6) Quanto ao ponto 11 a alteração deve ser efectuada a partir da alínea j) a m), inclusive, uma vez que se tratam de notas de débito respeitantes a livranças não aceites em conformidade com a impugnação dos pontos 26, 27, 28, 29, 30 e 31 e ainda a impugnação dos factos não provados alíneas i) e j), como adiante se fará expressa menção.
7) Quanto ao ponto 14, os Apelantes entendem que tal facto peca por excesso. Pelo que a redacção sugerida é a seguinte; "Na sequência dessa inspecção foram efectuados os "Relatórios de Estados dos Veículos" juntos a fls. 291 — 309, os quais não se encontram assinados pela embargante ou por alguém em seu nome, cujo teor se dá aqui por reproduzido. (sublinhado nosso).
Entende-se que a parte sublinhada deve ser suprimida, pois incumbia ao Tribunal declarar expressamente o que consta desses relatórios que ficou provado.
8) Relativamente ao Ponto 15 — Este ponto da matéria de facto peca por defeito.
A redacção que se pretende que fique a constar é a seguinte: "Esses relatórios não foram assinados e nunca a embargante concordou com os mesmos". (sublinhado nosso)
9) No que concerne ao Ponto 20 — Trata-se um manifesto lapso de escrita que urge corrigir, já que o que resulta das fichas de inspecções periódicas, para as quais os Docs 166-168 (Docs 45, 46, 47 PI) se remete, a data aí aposta é de 19.04.2013. e não em 22.02.2014 e 28.02.2014.
10) Relativamente aos Pontos 26, 27, 28, 29, 30, 31 — devendo ser considerados como não provados, traduzem operações contabilísticas integrais efectuadas pela Apelada, cujo apuramento a Apelante discorda e estas questões relacionam-se essencialmente como apuramento de Notas de Débito que foram devolvidas conforme consta do ponto 8 dos factos provados, as quais por sua vez, acarretou outras despesas tais como juros, despesas de contencioso, imposto de selo, que a Apelante manifestamente sempre se opôs.
11) Quanto ao Ponto 32 — Quanto a este ponto, requer-se de igual modo, a alteração por deficiência, devendo ser corrigido com a seguinte redacção:
"Os preços indicados e praticados pela embargada são tabelados e disponíveis ao público, não tendo, porém, a embargada transmitido tais preços à embargante, no âmbito dos contratos celebrados entre as partes e mencionados nos pontos 5 e 6 dos factos provados."
12) Quanto aos Pontos 33 e 36 a Apelante — devem ser suprimidos da matéria de facto provada.
13) No que concerne aos FACTOS NÃO PROVADOS Alínea a) a i) -- Todos eles deveriam ser considerados provados, com a alteração da alínea i), bem como a supressão da alínea j).
14) — Da prova testemunhal que incidiu sobre os referidos pontos que se requer alteração e eliminação, cabe realçar o depoimento do embargante Francisco T e as testemunhas Francisco J, Manuel R e Edgar M, as quais unanimemente refutaram os danos, bem como os preços constantes nos relatórios elaborado pela embargada, ora Apelada pela M.
15) Essa impugnação surge com especial ênfase relativamente aos pneus, tendo sido referido que estavam aptos a circular, já que tinham o mínimo de espessura para o efeito de 1 mm, verificando-se nos relatórios frisos de 6 mm.
16) Cabe salientar, conforme se afere do depoimento da testemunha Manuel M que adquiriu um dos veículos, que foi restituído à Apelada, que os pneus colocados nessa viatura, aquando da respectiva aquisição, eram recauchutados.
17) No que se refere ao preço, além dos depoimentos referidos em 14°, também a testemunha Joana P, salientou que o preço de cada pneu poderia oscilar entre € 380,00 a € 450,00, conforme as marcas, em oposição aos valores mencionados nos ditos relatórios.
18) Por outro lado, resulta ainda da referida prova testemunhal (Manuel R e Edgar M) e declarações de parte que foram entregues equipamentos à Apelada, que esta veio indevidamente a debitar, mormente, no que respeita às viaturas 14-FG-43, 14-FG-41, 14-FG-42 (Docs. 4A, 5A, 6A).
19) Foi ainda admitido a existência de pequenos danos, qualificados pelos mencionados depoimentos como insignificantes e que se integravam no uso normal da viatura.
20) Quanto à assinatura dos contratos, importa apreciar as declarações de parte do Embargante, bem como da testemunha Joana P os quais referiram que não houve qualquer explicação relativamente ao conteúdo dos contratos, mormente no que se refere à cláusula dos "encargos", pois estavam convencidos que as livranças serviriam apenas para garantir as mensalidades (rendas) e juros e eventualmente despesas administrativas.
21) Foi ainda referido pela testemunha Joana P as operações contabilísticas que justificava um saldo credor de 15 mil e tal euros.
22) Neste particular, importa considerar a apreciação do depoimento da testemunha, Rui S, a qual revelou não ter conhecimento directo dos factos, como aliás, está patenteado nas respostas que sucessivamente foi dando às questões que lhe foram colocadas, limitando-se a ler registos que era portador.
23) Importa referir que a douta sentença Apelada enferma de um equívoco, pois acaba por admitir, na análise crítica da prova, em relação à testemunhal Rui S, que existe um manual de recondicionamento, o qual alegadamente foi remetido à Recorrente antes da inspecção dos veículos através da carta de fls 57 e seguintes.
24) Ora, esse manual nunca foi junto aos autos, nem em abono da verdade a testemunha em questão referiu que o manual foi junto. Tal ilação foi retirada erradamente, pela Sra Juiz "a quo" quando se refere que tal manual foi enviado através da cópia dessa carta de Fls. 57, pois, esse documento reporta-se ao Doc.4 (junto pela Apelante) e como se pode constatar, serviu apenas e tão só para o envio do contrato n° 147 — viatura 14-FG-43.
25) Pelo que a conclusão vertida na douta sentença recorrida enferma de grave erro na análise da prova testemunhal e documental, o qual se repercute na resposta ao ponto 33 dos factos provados.
26) O depoimento da testemunha Rui S não contribui minimamente quer para a matéria provada nos pontos 14° e 15° (quanto à mencionada insuficiência) 26° a 33° e 36°, bem como não infirmou qualquer das alíneas dos factos não provados.
27) Importa ainda apreciar essa impugnação da matéria de facto, conjugando essa prova testemunhal com os documentos juntos, merecendo especial enfoque os seguintes: Docs.9 a 13 — Notas de Débito (ND) referentes aos danos constantes nos relatórios dos estados de veículos (Docs. 3A e 7A), os quais não foram aceites, ascendendo tais ND ao valor global de E 31.994,58.
28) Tais relatórios tratam-se de documentos particulares que nos termos do Art.376° n°1 CC não representa o reconhecimento da veracidade ou verosimilhança das afirmações dos respectivos conteúdos, pois antecipadamente a Apelante impugnou no seu articulado tudo o que constava desses documentos.
29) Ora, sendo esses documentos elaborados por uma entidade externa, impunha-se que os peritos que constituíram essa vistoria, declarassem e demonstrassem em Tribunal a realidade de tudo o que descreveram, quais foram os seus critérios na avaliação efectuada.
30) Acrescenta a douta sentença Recorrida que o convencimento adveio ainda das fotografias que acompanhavam os relatórios, as quais são a preto e branco e de reduzidas dimensões e a própria Sra Juiz "a quo" no decurso do julgamento aquando da inquirição da testemunha Edgar M manifestou, várias vezes, dificuldade em percepcionar tais elementos de prova, dificuldade essa extensível à referida testemunha, tudo conforme depoimento desta constante da respectiva transcrição contida na alegação supra.
31) Acresce que a testemunha Edgar, aquando do respectivo depoimento evidencia até dualidade de critérios que estão subjacentes aos referidos relatórios.
32) Por sua vez, a testemunha Rui S, apesar de ser funcionário do contencioso da Apelada, quanto aos danos constantes nos relatórios (os quais foram elaborados por uma empresa externa) confina-se aquilo que consta dos mesmos, não podendo aferir se os mesmos existiram ou não existiram, se são exagerados, quanto ao seu número, se são correctos ou não quanto ao preço.
33) A matéria da alínea f), que foi considerada não provada) está relacionada com a alteração a que se reporta a conclusão 11), referente ao ponto 32) da matéria de facto.
34) Ora, além da prova testemunhal apresentada pela Apelante quanto a essa questão ser suficientemente assertiva, esse facto é reforçado pelo documento 44 (tabelas de preço da Michelin), Fls 165, o qual, não foi valorado pelo Tribunal "a quo", pelo facto de se tratar de uma tabela de preços da "Michelin" escrita em língua espanhola.
35) Nesta parte, a douta sentença recorrida viola expressamente o disposto no Art.134° CPC, já que tal tradução não foi ordenada pelo tribunal "a quo", nem foi requerida pela Apelada.
36) Acrescenta ainda a douta sentença recorrida que esse documento também não pode servir de referência, porquanto nem todos os pneus substituídos são da marca Michelin, sendo certo que os relatórios dos danos têm diversas marcas de pneus e o preço atribuído é único € 674,00 e, não foi por isso, que a Sra Juiz a quo não deixou de considerar esse preço.
37) Acresce que o preço constante dos relatórios (Docs. 3A e 7A) nem quanto aos pneus, nem quanto às restantes peças poderá servir de referência, já que as testemunhas arroladas pela Apelante foram peremptórias em afirmar que esses preços estavam inflacionados e que não correspondem aos preços de mercado.
38) Adianta a douta sentença Recorrida, na incongruência da testemunha Edgar M porque este afirma que não existia nenhum para-brisas partido quando a embargante admite que existia um, sendo que foi referido por diversas testemunhas, e consta da transcrição efectuada, mormente, no que se refere a Francisco J, Manuel R, Edgar M que a questão dos danos no para-brisas, é muito relativa, pois, o que afirmaram é que existiam um pequeno "buraquinho", mas isso, na optica das referidas testemunhas, não se pode considerar partido, uma vez que o diâmetro do impacto não excede uma moeda de 2,00.
39) Deste modo, apesar dos intitulados documentos "Relatórios do Estado dos veículos" vigorar o princípio da livre apreciação das provas (Art. 607° n°5 CPC), impunha-se que o Tribunal" a quo" fundamentasse as razões do seu convencimento; ou seja, que os danos existiam mesmo de facto e que os preços aí constantes correspondiam aos valores correntes de mercado.
40) Face ao exposto, impõe-se a alteração das alíneas a), c), d), e) e f) da matéria de facto não provada, com resposta afirmativa a essa matéria.
41) A matéria da alínea b) dos factos não provados resulta não só da prova testemunhal e declarações de parte indicados pela Apelante, os quais reflectem que as viaturas tinham um desgaste inerente à sua utilização normal e prudente (sublinhado nosso), devendo, por isso, ser incluída na matéria dos factos provados, em contradição, aliás, com o que consta do ponto 18 dos factos provados.
42) O Tribunal "a quo", parte do princípio, sem fundamentar, que os ditos relatórios são "incontestáveis" e seguindo essa orientação, cabia à Apelante a árdua tarefa de estabelecer a fronteira perante os relatórios juntos, o que era normal utilização, o que era dano, mas mesmo efectuando esse esforço, as testemunhas são desacreditadas perante a existência de relatórios a que são alheias, cujos conhecimentos técnicos aí contidos não dominam, exigindo-se a estas que explicassem pormenorizadamente o que aí constava, sem terem contribuído para tal elaboração.
43) Relativamente às alíneas i) e j) dos factos não provados — Importa referir que no que concerne à alínea i) e face ao depoimento da testemunha Joana Pereira e das declarações de parte do embargante, conforme as transcrição efectuada supra, o que ficou demonstrado é que as rendas no valor de € 9.385,22, são devidas e encontravam-se em débito na data da devolução das viaturas, conforme, aliás, melhor consta do ponto 9) dos factos provados.
44) Resulta da mesma prova, que existia um crédito da Apelante no valor de € 24.744,89, conforme melhor consta do ponto 10 e das alíneas a) a i) dos factos provados.
45) Além disso, a al. i) dos factos não provados deverá ser alterado, considerando provado, com a seguinte redacção:
"Na data em que a embargada procedeu ao preenchimento das livranças, a embargante detinha um crédito de € 15.154,43."
Atenta a referida alteração deverá ser suprimida a alínea j).
46) Importa ainda apreciar os pontos 16 a 23 dos factos provados e aquilatar as consequências na improcedência dos embargos, não tendo a douta sentença recorrida extraído consequências desses factos.
47) Quanto ao ponto 16, mesmo que por hipótese, que não se admite, a douta sentença Recorrida se mantenha, com a inclusão dos danos constantes dos relatórios, mesmo nessa hipótese, sempre se deveria efectuar uma correcção (compensação) quanto ao valor das peças presumivelmente danificadas e que não foram objecto de restituição, pelo que a douta sentença recorrida ao não atender a este facto na parte decisória, violou os Arts. 566°CC e 473°CC.
48) O ponto 17 indicia que os veículos não poderiam estar no estado lastimoso que consta dos relatórios e o ponto 18 prende-se com a interpretação das cláusulas contratuais gerais, mormente da clausula 5ª n°4 e clausula 7ª alínea b) do conceito de desgaste normal atenta a utilização normal e prudente do veículo e será analisada no âmbito desta temática.
49) Os pontos 19, 20 e 21 demonstram claramente que a Apelante antes de proceder à devolução dos veículos tomou cuidados quanto a essa entrega, existindo clara contradição entre o que consta por exemplo nos certificados de inspecção periódica e os relatórios mandados efectuar pela Apelada, facto assinalado pelas testemunhas Francisco J, Manuel R, Edgar M, bem como das declarações de parte do embargante, conforme consta da transcrição efectuada supra.
50) Salienta-se que as anotações constantes dos pontos 21 e 22 inserem-se na revisão mecânica e manutenção constante do ponto 17 dos factos provados, sendo, pois da responsabilidade da Apelada tais deficiências e o ponto 20 — deve ser corrigido, face ao assinalado lapso, na conclusão 8),
51) Relativamente ao Ponto 23 - Está demonstrado que a Apelante tinha seguro de responsabilidade, por danos próprios, o que mais uma vez reforça que a Apelante se soubesse de antemão das exigências impostas pela Apelada, obviamente não corria o risco de lhe ser exigível a indemnização por tais danos, quando à partida nem sequer suportaria esses custos.
52) Quanto ao Regime Jurídico dos contratos a que se reporta os pontos 5 e 6 dos factos provados enquadram-se no regime da locação civil prevista nos Arts. 1022° e segs. CC e analisadas as "condições gerais e particulares" desses contratos, verificámos que em cada um deles a locadora se obrigou a proporcionar à locatária o gozo temporário de cinco viaturas pesadas, mediante retribuição, excluindo-se dos mesmos a opção de compra.
53) Nesse caso, há que aplicar o regime previsto na locação civil, no caso da restituição da coisa locada previsto no Art.1043° CC, cuja previsão não se afasta do que se encontra regulamentado na Cláusula Quinta n°4 dos contratos, tendo a douta sentença Apelada violado o previsto na disposição legal e contratual.
54) Relativamente ao ónus da prova — importa referir que na oposição à execução em que está em causa títulos executivos (livranças) a prova da inexistência de "causa debendi" impende sobre o embargante, nos termos do Art. 342° 1102 CC.
55) Assim sendo, é sobre os embargantes que incide o ónus de alegar e provar a inexistência da causa justificativa da aposição da sua assinatura nas 4 livranças dadas à execução.
56) Desse modo, a douta sentença recorrida, conclui que a Apelante não conseguiu infirmar nem os danos, nem os preços atribuídos ás peças substituídas discriminadas nos relatórios de fls. 291 e ss., esclarecendo que os custos da reparação dos veículos encontram-se previstos na cláusula 5ª nº 3 e que os prejuízos causados encontram-se previstos na Cláusula 5ª n°4, tudo girando à volta do que se entende por "uso normal do veículo"; "condições normais de utilização".
57) A douta sentença recorrida não consegue delimitar estes conceitos vagos e genéricos, sendo difícil conseguir esse desiderato, sem uma prova cabal, nesse sentido.
58) Colaboração essa que se impunha à Apelada quando por exemplo, invocou, insistentemente a existência manual de recondicionamento das viaturas (check-list), tentando juntar apenas um e-mail em que tal documento estaria anexo.
59) Pelo que a douta sentença Apelada ao não valorar negativamente esse comportamento, violou o disposto no Arts.7° e 417° CPC.
60) Pelo que fundamentando-se a dívida exequenda nas livranças, as quais, se baseiam nas Notas de débito que têm origem nos relatórios sobre o estado dos veículos e sendo estes incipientes, duvidosos, imprecisos, contraditórios na própria elaboração, como se aferiu a respeito dos pneus, não sujeitos em Tribunal a comprovação pela própria entidade externa que os elaborou, desconhecendo, os critérios que estão subjacentes a essas inspecções, não existindo qualquer prova cabal e fidedigna que comprove tais elementos, fácil é concluir que a Apelante conseguiu demonstrar que o débito que lhe é imputado por vias desses recondicionamentos não existe!
61) Por outro lado, assentando tal débito, nas cláusulas do contrato que os Apelantes defendem a nulidade, e consequentemente a sua exclusão, mormente, no que se refere à Cláusula 9ª n°8, também por essa razão, a Apelante logrou demonstrar a inexistência do débito, a que se reporta a execução movida pela Apelada.
62) Quanto ao preenchimento abusivo das livranças, cabe salientar que os valores apostos nas livranças, não poderiam obedecer a simples cálculos aritméticos, sem discutir a panóplia de custos que estão subjacentes às ND.
63) Ora, se quanto às rendas, juros e despesas administrativas, devidamente documentadas, tais situações podem não oferecer dúvidas, quanto aos "encargos" ou "custos", a questão é muito subjectiva, pois obedece a critérios díspares, daí a hesitação das testemunhas quando confrontadas com o relatório cuja exigência é notória, exagerada e abusiva.
64) O que os Apelantes afirmaram e afirmam é que quando assinaram as livranças que desconheciam, que as mesmas abrangiam "encargos" com as devoluções, já que tal nunca lhes foi explicado, o qual tal incluía, pois, sempre estiveram convencidos que as mesmas contemplavam rendas em dívida, juros moratórios, despesas administrativas.
65) Ora, a douta sentença recorrida partiu também do princípio que os embargantes ao lerem os contratos e ao assinarem estavam a aceitar, sem reservas, tudo o que lá estava consignado, mesmo que não lhes fosse explicado, mesmo que o texto fosse demasiado genérico, fazendo tábua rasa do regime previsto das cláusulas contratais gerais, previsto no Art. 50 n°1 e 6° do DL 446/85de 25 de Outubro.
66) Salienta-se que a Apelada em cada contrato juntou anexos, como por exemplo o Anexo II, com pormenores importantes, mormente, quanto ao preço por Km que cada viatura poderia percorrer, sem acréscimos, igual critério não teve com outro tipo de "encargos".
67) Além disso, defende a Apelante e requer a este Venerando Tribunal que as livranças em branco resultam duma cláusula contratual nula — Cláusula 9ª n°8 — inserta nos contratos e como tal deve ser excluída, face ao Art. 10° LULL, ex vi Art.77° do mesmo diploma, bem como assinala o previsto no Art. 378° CC, o qual prevê a ilisão do respectivo valor probatório dos documentos em branco.
68) É certo que a douta sentença recorrida percorre normativamente tais preceitos, porém conclui que os embargantes não impugnaram as assinaturas da livranças e que tinham conhecimento dos prejuízos causados, mormente os custos da reparação dos veículos, como tal não lograram fazer prova do preenchimento abusivo.
69) A douta sentença recorrida refere também em abono da tese que perfilha que não se exige qualquer forma especial para o acordo ou pacto de preenchimento, atento o disposto no Art. 219° CC, que prevê a liberdade de forma.
70) Em termos meramente formais, assim é, no entanto, há que convir que a fórmula utilizada pela Apelada, além da indeterminabilidade do conceito "encargos" contido na cláusula 9ª n° 8, resulta de um arrazoado das cláusulas pré-definidas que dificultam a boa interpretação negocial.
71) Recorrendo à teoria da interpretação das declarações negociais, mormente, o 'Art. 236° CC — teoria da impressão do destinatário - é fácil de verificar qualquer pessoa medianamente diligente não atingiria o que sub-repticiamente se entende por "encargos" e cujos montantes apurados vieram a ser incluídos nas livranças, que afinal estavam acoplados na mencionada cláusula 9° n°8, a qual por sua vez, para ser compreendida, tinha que ser interpretada, através da cláusula 5ª n°4 dos mesmos contratos.
72) A douta sentença recorrida não atendeu ainda à teoria da impressão do destinatário previsto no Art.236° n°1 CC, nem à aplicação do Art. 237°CC que, em caso de dúvida, deve interpretar-se o sentido da declaração contra o emitente das cláusulas contratuais gerais ostensivamente, princípios esses que foram violados, bem como os assinalados Arts. 10° LULL e 378° CC.
73) A Apelante alegou e demonstrou, de acordo com a alteração da matéria aos pontos 33° e 36° que se propugna, é que os contratos não foram objecto de prévia negociação.
74) Por outro lado, e no que tange, à cláusula 9° n°8, não é perceptível, o que é que se considera "encargos" e os contratos não nos fornecem elementos caracterizadores para preencher tal indeterminabilidade, pelo que a Apelante reitera que as livranças foram preenchidas abusivamente.
75) No que concerne às cláusulas contratuais gerais, a decisão recorrida é efectuada ao arrepio da lei, em manifesta violação com o Art. 5° n°1 do DL 446/85 de 25.10 na redacção do DL 220/95 de 31.08, n° 1 e 2 do Art. 6° e o n°3 do Art. 1° do mesmo diploma.
76) Ora, da conjugação dos referidos normativos, fácil é concluir que a Apelada não cumpriu com o seu dever de comunicação e aliás, da prova testemunhal que apresentou, não logrou demonstrá-lo, bem pelo contrário.
77) A testemunha Rui S, apesar de ser um funcionário do contencioso, só começou a trabalhar para a Apelada em 2009 (conforme transcrição supra), ora os contratos foram celebrados em 2008, pelo que se conclui que não pode acompanhar a fase da celebração dos contratos, nem a negociação dos mesmos.
78) Pelo que, verificou-se no caso "sub judice" que não foram cumpridos os deveres de comunicação e de informação, estabelecidos nos arts. 5° e 6°, n°1, do DL 446/85, cujo âmbito deve ser aferido pelo nível cultural do aderente, a complexidade do negócio e extensão do clausulado, que no caso sub judice, se demonstrou que não foi aquilatado pela douta sentença recorrida, transparecendo, mormente, quanto aos contratos que os mesmos não apresentavam uma interpretação fácil, clara e escorreita.
79) Tal ónus de informação e comunicação ínsito no Art. 5° e 6° do DL 448/85 de 25.10 é um corolário do direito à informação, previsto no Art. 60° CRP.
80) Quanto à inexequibilidade e inexigibilidade da obrigação exequenda salienta-se que os títulos de crédito, nos quais se inclui a livrança, podem constituir títulos executivos, face ao disposto no Art. 703°n°1 alínea c) CPC.
81) Para que o credor possa executar o seu crédito deve o mesmo ser certo, líquido e exigível, requisito este que se liga ao vencimento e encontra-se previsto no Art. 713° CPC, sendo que a falta desses requisitos fundamento de oposição, face ao disposto no Art.729° alínea a) CPC.
82) Demonstrado o preenchimento abusivo, as referidas livranças não são válidas como título executivo, verificando-se, por via disso, a falta dos mencionados requisitos certeza, liquidez e exigibilidade, a que se reportam os Art. 713° e 729° CPC, pelo que a douta sentença Recorrida fez errada interpretação desses normativos.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões acima transcritas, cumpre:
- decidir da nulidade arguida à sentença;
- reapreciar a decisão da matéria de facto, nos segmentos fácticos impugnados;
- reapreciar a decisão de mérito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- Arguem os Apelantes a nulidade da sentença, dizendo-a ininteligível.
Como refere o Prof. Lebre de Freitas, a sentença, no que é extensível aos despachos, “pode apresentar vícios que geram nulidade, tornando-a totalmente inaproveitável para a realização da função que lhe compete, e vícios de conteúdo, que podem afectá-la total ou apenas parcialmente”. Estes, os vícios de conteúdo, podem ainda respeitar “à estrutura, aos limites ou à inteligibilidade da decisão”, dando origem à anulabilidade da sentença. Mas também podem respeitar a “um erro material”, que, unicamente, compete rectificar” (in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª ed., págs. 328 e sgs.).
Geram a nulidade da sentença, para além da falta absoluta do poder jurisdicional de quem a proferiu, e da falta de assinatura do juiz, ainda a falta ou a ininteligibilidade da parte decisória “como conteúdo mínimo essencial da sentença”.
Geram a anulabilidade da sentença os vícios, que respeitam à sua estrutura, referidos nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C..
Dentre estes cumpre destacar o referido na 2.ª parte da alínea c): é nula a sentença quando a decisão seja ininteligível para um declaratário normal por sofrer de ambiguidade ou obscuridade.
Este vício no domínio do C.P.C. anterior não era apontado como causa de nulidade da sentença mas antes como fundamento para um pedido de reforma da sentença.
A obscuridade existe quando não seja perceptível o pensamento do julgador traduzido na parte decisória, e a ambiguidade verifica-se quando ela comportar mais do que uma interpretação.
O Ac. do S.T.J. de 11/04/2002, fala em obscuridade quando a sentença “contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer”, sendo, por isso, uma decisão obscura ou ambígua “quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado”. A ambiguidade existe quando ao texto considerado se possam atribuir “dois ou mais sentidos diferentes”, só havendo obscuridade “quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode alcançar-se”.
Ainda nos termos do mesmo aresto, a ambiguidade só releva “se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo” (ut Proc.º 01P3821, Cons.º Simas Santos, in www.dgsi.pt).
Os Apelantes fundamentam a arguição afirmando que, não tendo sido dadas como provadas as três notas de débito cujos números mencionam, as quais se referem a “pretensos danos” com a devolução das cinco viaturas, porque “para a condenação no valor de € 20.638,68” elas “deviam ter sido contabilizadas”, a decisão não se apresenta “congruente com a matéria provada”.
Nas suas contra-alegações a Apelada explica que o fundamento da redução da quantia exequenda introduzida na decisão foi por si demonstrado na contestação aos embargos, e resulta da diferença entre os débitos e os créditos para o montante inscrito na livrança respeitante ao contrato de aluguer n.º 0 (ou 6)149.
Sem embargo, o fundamento invocado pelos Apelantes revela-se totalmente improcedente.
Com efeito, basta atentar nos pontos 8, 26, 28 e 30 da facticidade provada, conjugá-los com o n.º 31, e ler o que se escreveu, integrado no capítulo da “Fundamentação de direito”, no último parágrafo da alínea A), que trata “Da falta de aceitação das notas de débito emitidas pela embargada referentes aos valores de recondicionamento”.
No ponto 8 enumeram-se as facturas (ou notas de débito) que a ora Apelante devolveu à Embargada/Exequente, e dentre elas refere-se a com o n.º 200818058 (e não, como por lapso referem os Apelantes, 200828058) – Doc. n.º 9, constante de fls. 48.
No n.º 26 diz-se que “a embargante não preencheu a livrança relativa ao contrato n.º 0139 (também designado por 6139) por a nota de crédito emitida a favor da embargante … ser de valor superior ao valor da nota de débito”. Nota de débito esta que é a acima referida, com o n.º 200818058, e cujo valor é de € 4.616,96 (e não, como por lapso referem os Apelantes, 4.696,96).
A nota de débito n.º 200819007, Doc. n.º 10, constante de fls. 49, vem expressamente mencionada no facto provado n.º 30 (refere-se ao contrato n.º 0149, veículo de matrícula 14-FG-42).
E a nota de débito n.º 200819008, Doc. n.º 11, constante de fls. 50, vem expressamente referida no facto provado n.º 28 (reporta-se ao contrato n.º 0147, veículo de matrícula 14-FG-43).
No n.º 31 vem, literalmente, referido que “Dos cálculos efectuados em 27, 28 e 29 (que se reportam ao preenchimento das livranças relativas aos contratos 0140 (veículo 08-EZ-40); 0147 (veículo 14-FG-43); e 0148 (veículo 14-FG-41)) resulta haver um crédito a favor da embargante no valor de € 160,48, € 163,62 e € 1.282,87, respectivamente”, o que perfaz o valor global de € 1.606,97. Tendo em consideração que o valor da quantia exequenda era de € 22.245,65, o montante da dívida só podia ser o que consta do referido último parágrafo da alínea B) e da parte decisória - € 20.638,68.
A sentença não enferma, pois, de qualquer obscuridade e nem de ambiguidade, sendo perfeitamente inteligível o seu conteúdo.
Julga-se, pois, improcedente a arguição da nulidade.
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V.- Os Apelantes impugnam a decisão da matéria de facto, enunciando os pontos da facticidade cujo julgamento pretendem ver alterado.
Fundamentam a discordância do julgado em divergente interpretação da prova testemunhal e documental que foi produzida nos autos.
Apresentam a sua proposta de decisão.
Relativamente à prova testemunhal fazem a transcrição dos trechos dos depoimentos em que se fundam para divergir do Tribunal a quo.
Destarte, mostram-se observados todos os ónus estabelecidos no art.º 640.º do C.P.C. não havendo, por isso, obstáculo legal à pretendida reapreciação da decisão de facto.
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O artº. 662º. do actual C.P.C. regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o artº. 712º. do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento.
Como decorre do disposto no art.º 662.º do C.P.C. a alteração da decisão da matéria de facto é agora um poder vinculado da Relação, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº. 1: quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
De acordo com o que fez constar da “Exposição de Motivos”, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação nesta matéria.
Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente e nem pelo recorrido, a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos, valorando-as e ponderando-as com recurso às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se de todos os elementos probatórios constantes do processo para formar a sua própria convicção.
Talqualmente como na 1.ª Instância, a Relação deverá ter em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos que tenham força probatória plena, ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções naturais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio básico continua a ser o da livre apreciação das provas relativamente: aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e também às declarações de parte – cfr. art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) estes do C.P.C..
De acordo com o referido art.º 341.º do C.C., as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Sem embargo, não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a um elevado grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (cfr. Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192), mas quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreveram os Profs. Antunes Varela, et Al. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
As regras sobre o ónus da prova constam dos art.os 342º. a 346.º do C.C., sendo que o princípio basilar é o que vem estabelecido no primeiro daqueles preceitos legais: quem invoca um direito tem de fazer a prova dos factos que o constituem. Já os factos impeditivos, modificativos ou extintivos têm de ser provados por aquele contra quem o direito é invocado.
Complementarmente àquelas regras e princípios de direito material, cumpre ainda ter presente o princípio de direito adjectivo consagrado no art.º 414.º do C.P.C., que rege sobre a interpretação da dúvida acerca da realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova, que se resolvem contra a parte a quem o facto aproveita. De resto, o art.º 346.º do C.C. reporta-se, precisamente, à contraprova destinada a tornar duvidosos os factos – estabelecida a dúvida, que terá de ser inultrapassável, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.
A importância das referidas regras e princípios radica na proibição do tribunal deixar de julgar alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio, nos termos consagrados no n.º 1 do art.º 8.º do C.C..
Ainda de acordo com o que dispõe o art.º 349.º do C.C., desde que seja admitida a prova testemunhal, é igualmente admissível o recurso às presunções judiciais, que são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Como referem os Profs. Antunes Varela et Al., “as presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos havidos através da observação (empírica) dos factos” e, prosseguem, “É nesse saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto” (in ob. cit. pág. 486).
Admitindo prova em contrário, como referem ainda os mesmos Mestres, ela “dirige-se contra o facto presumido, visando convencer o juiz de que, não obstante a realidade do facto que serve de base à presunção, o facto presumido não se verificou …” (ob. cit., pág. 488).
Há-de ser, pois, à luz de quanto vem de ser referido que a decisão da matéria de facto será reapreciada.
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V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
a) julgou provado que:
1. A embargada deu à execução quatro livranças preenchidas em 21/01/2014, e com vencimento na mesma data, no valor de € 2.747,38, € 3.729,65, € 7.622,92 e € 7.852,50, num total de € 21.952,15, subscritas pela embargante T-Transportes de Carga, Lda e avalizadas pelos embargados PAULO N e FRANCISCO T, por forma a garantir os contratos de aluguer operacional de veículo automóvel nºs 0140, 0147, 0148 e 0149, celebrados com a M Charter Way Portugal – Aluguer de veículos de Mercadorias, Lda – cfr. livranças de fls. 14-17 do p.p. e documentos de fls. 310-356 destes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. A embargada, T-Transportes de Carga, Lda, foi objecto de transformação para sociedade anónima, denominando-se actualmente T, SA, conforme se pode aferir pelo código da certidão permanente 3122-5846-1309.
3. As livranças referidas em 1. foram entregues à sociedade M Charter Way Portugal – Aluguer de veículos de Mercadorias, Lda.”, apenas assinadas pela embargante e pelos embargantes, juntamente com o dizer «bom para aval», não constando delas o local, data de emissão e de vencimento e o valor, para garantir e caucionar as obrigações assumidas emergentes dos aludidos contratos de aluguer de veículos sem condutor.
4. Em 21.01.2014, a embargada através da sociedade de Advogados, sua mandatária, enviou uma carta a cada um dos embargantes, na qual lhe deu conhecimento do preenchimento dessas livranças em branco, bem como a forma como procedeu aos respectivos preenchimentos – cfr. documentos de fls. 26-30, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos.
5. Os referidos contratos de aluguer que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos tinham a duração de 60 meses a contar da entrega dos veículos, cujas devoluções, ocorreram nas seguintes datas:
- Contrato Aluguer 6140 (veículo 08-EZ-40) – 13.02.2013;
- Contrato Aluguer 6147 (veículo 14-FG-43) – 19.04.2013;
- Contrato Aluguer 6148 (veículo 14-FG-41) – 19.04.2013;
- Contrato Aluguer 6149 (veículo 08-EZ-39) – 19.04.2013.
6. Além destes contratos de aluguer, foi celebrado entre as partes o contrato de aluguer 0139 – relativo ao veículo 08-EZ-39 , não mencionado nas cartas de interpelação, tendo ocorrido a devolução do mesmo em 13.02.2013.
7. M – Aluguer de Veículos, Unipessoal, Ldª emitiu em nome da embargante T, S.A as seguintes facturas/notas de débito:
a) factura nº NDB200819009, com data e vencimento em 28/05/2013, referente ao contrato 0148, matrícula 14-FG-41, no valor de € 9.183,72;
b) factura nº NDB200818059, com data e vencimento em 03/04/2013, referente ao contrato 0140, matrícula 08-EZ-40, no valor de € 7.214,82;
c) factura nº FAC200854715, com data e vencimento em 05/02/2013, referente ao contrato 0147, matrícula 14-FG-43, no valor de € 1.564,22;
d) factura nº FAC200854717, com data e vencimento em 05/02/2013, referente ao contrato 0149, matrícula 14-FG-42, no valor de € 1.564,22;
e) factura nº FAC200854716, com data e vencimento em 05/02/2013, referente ao contrato 0148, matrícula 14-FG-41, no valor de € 1.564,22;
f) factura nº FAC200856197, com data e vencimento em 05/03/2013, referente ao contrato 0149, matrícula 14-FG-42, no valor de € 1.564,22;
g) factura nº FAC200856196, com data e vencimento em 05/03/2013, referente ao contrato 0148, matrícula 14-FG-41, no valor de € 1.564,22;
h) factura nº FAC200856195, com data e vencimento em 05/03/2013, referente ao contrato 0147, matrícula 14-FG-43, no valor de € 1.564,22;
8. A embargante devolveu à embargada as facturas n.ºs 200819007, 200819008, 200819009 (al. a)), 200818059 (al. b)) e 200818058 – cfr. documento de fls. 159, cujo teor de dá por integralmente reproduzido.
9. A embargante aceitou as facturas identificadas nas al. c) a h) do ponto 7, no total de €9.385,32, que se reportam às últimas mensalidades dos contratos de aluguer.
10. M – Aluguer de Veículos, Unipessoal, Ldª emitiu em nome da embargante T, S.A as seguintes notas de crédito, no valor total de €24.744,89:
a) Nota de crédito nº NRC200802719, com data e vencimento em 26/6/2013, referente ao contrato 0148, matrícula 14-FG-41, no valor de €3.263,20;
b) Nota de crédito nº NRC200802718, com data e vencimento em 26/6/2013, referente ao contrato 0149, matrícula 14-FG-42, no valor de €2.012,07;
c) Nota de crédito nº NRC200802717, com data e vencimento em 26/6/2013, referente ao contrato 0147, matrícula 14-FG-43, no valor de €3.331,26;
d) Nota de crédito nº NRC200802939, com data e vencimento em 27/09/2013, referente ao contrato 0140, matrícula 08-EZ-40, no valor de €5.069,41;
e) Nota de crédito nº NRC200802938, com data e vencimento em 27/09/2013, referente ao contrato 0149, matrícula 14-FG-42, no valor de €1.311,51;
f) Nota de crédito nº NRC200802937, com data e vencimento em 27/09/2013, referente ao contrato 0139, matrícula 018-EZ-39, no valor de €5.459,08;
g) Nota de crédito nº NRC200802936, com data e vencimento em 27/09/2013, referente ao contrato 0148, matrícula 14-FG-41, no valor de €2.127,00;
h) Nota de crédito nº NRC200802940, com data e vencimento em 27/09/2013, referente ao contrato 0147, matrícula 14-FG-43, no valor de €2.171,37;
i) Nota de crédito nº NRC200802719, com data e vencimento em 26/6/2013, referente ao contrato 0148, matrícula 14-FG-41, no valor de €3.263,20.
11. M – Aluguer de Veículos, Unipessoal, Ldª emitiu em nome da embargante T, S.A as seguintes facturas:
a) factura nº NDB200816433, com data e vencimento em 15/01/2013, referente ao contrato 0140, matrícula 08-EZ-40, no valor de €29,39;
b) factura nº NDB200817007, com data e vencimento em 30/01/2013, referente ao contrato 0149, matrícula 14-FG-42, no valor de €29,39;
c) factura nº NDB200817006, com data e vencimento em 30/01/2013, referente ao contrato 0148, matrícula 14-FG-41, no valor de €29,39;
d) factura nº NDB200817005, com data e vencimento em 30/01/2013, referente ao contrato 0147, matrícula 14-FG-43, no valor de €29,39;
e) factura nº NDB200817452, com data e vencimento em 26/02/2013, referente ao contrato 0139, matrícula 08-EZ-39, no valor de €16,44;
f) factura nº NDB200817631, com data e vencimento em 01/03/2013, referente ao contrato 0140, matrícula 08-EZ-40, no valor de €15,66;
g) factura nº NDB200817721, com data e vencimento em 05/03/2013, referente ao contrato 0148, matrícula 14-FG-41, no valor de €17,76;
h) factura nº NDB200817722, com data e vencimento em 05/03/2013, referente ao contrato 0149, matrícula 14-FG-42, no valor de €17,76;
i) factura nº NDB200817720, com data e vencimento em 14/03/2013, referente ao contrato 0147, matrícula 14-FG-43, no valor de €17,76;
j) factura nº NDB200822758, com data e vencimento em 31/01/2014, referente ao contrato 0140, matrícula 08-EZ-40, no valor de €13,63;
k) factura nº NDB200822759, com data e vencimento em 31/01/2014, referente ao contrato 0147, matrícula 14-FG-43, no valor de €18,56;
l) factura nº NDB200822760, com data e vencimento em 31/01/2014, referente ao contrato 0148, matrícula 14-FG-41, no valor de €39,07;
m) factura nº NDB200822761, com data e vencimento em 30/01/2014, referente ao contrato 0149, matrícula 14-FG-42, no valor de €37,92.
12. Em 28/02/2014, através de carta com aviso de recepção, a embargante devolveu à embargada os originais das facturas supra identificadas nas als. j) a m) do ponto 11, solicitando que as mesmas fossem dadas sem efeito, tendo alegado o preenchimento abusivo das livranças e a sua discordância relativamente a estes débitos – cfr. doc. de fls. 160 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. As facturas/notas de Débito relacionadas no ponto 7, foram enviadas pela aqui embargada após a devolução dos referidos veículos a que se reportam os contratos supra mencionados e face à inspecção realizada a cada um deles.
14. Na sequência dessa inspecção foram efectuados os «Relatórios de Estado do Veículo» juntos a fls. 291-309, os quais não se encontram assinados pela embargante ou por alguém em seu nome, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15. Esses relatórios não foram assinados.
16. A embargada não procedeu à devolução à embargante das peças e acessórios que foram substituídos.
17. Os veículos eram deslocados periodicamente à embargada para revisão mecânica e manutenção.
18. Por se tratarem de viaturas pesadas de transportes de mercadorias de uso permanente, é natural que, face à utilização das mesmas, as peças, a pintura, a carroçaria, a parte mecânica, etc. apresentasse um desgaste acentuado.
19. Antes da devolução dos veículos aqui em causa, os mesmos foram objecto pela embargante de uma revisão geral que consistiu na retirada da publicidade, do GPS, e foram lavados.
20. Em 22/02/2014, 28/02/2014 e 22/02/2014, respectivamente, os veículos com as matrículas 14-FG-43, 14-FG-42 e 14-FG-41 foram objecto de inspecção periódica obrigatória na «Auto Checkpoint – Inspecções de Automóveis», e conforme resulta das fichas todos foram aprovados - cfr. documentos de fls. 166-168, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
21. Da ficha de inspecção referente ao veículo 14-FG-43 consta anotada a seguinte deficiência: «rodas directrizes – alinhamento de direcção, desvio entre 5m/Km e 10m/Km (inclusive)”- cfr. documento de fls. 166, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
22. Das fichas de inspecção dos veículos 14-FG-42 e 14-FG-41 consta o seguinte: “A ausência de anotações de deficiências significa a conformidade do veículo com a regulamentação em vigor, no momento em que foi inspeccionado”- cfr. documentos de fls. 167-168, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
23. A embargante celebrou contratos de seguro de responsabilidade civil, por danos causados pelos veículos alugados à embargada a terceiros, com a A PORTUGAL, Companhia de Seguros, S.A, - cfr. documentos de fls. 169 e ss., cujo teor se dá aqui por reproduzido.
24. Os embargantes/avalistas são os administradores da embargante e participaram na formação dos contratos de aluguer supra referenciados e promoveram a devolução das viaturas e acompanharam todas as vicissitudes desses actos de devolução e a rejeição das notas de débito.
25. A embargada notificou a embargante, através de carta registada com AR, enviada a 22/10/2013, para que efectuasse o pagamento das quantias em divida pelos denominados valores de recondicionamento – cfr. documento de fls. 266 a 268, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
26. A embargante não preencheu livrança relativa ao contrato nº 0139, por a nota de crédito emitida a favor da embargante, que vem supra identificada na al. f) do ponto 10, ser de valor superior ao valor da nota de débito que havia sido emitida. O crédito resultante a favor da embargante no total de €842,12 foi diluído nas outras livranças, creditando-se o valor de €210,53 em cada uma delas.
27. A livrança relativa ao contrato nº 0140 foi preenchida pelo valor de €2.747,38, que resulta da diferença entre o valor da nota de débito nº 200818059 e da nota de crédito nº 200802939, acrescido dos juros de mora e despesas de contencioso no valor de €738,00, do imposto de selo no valor de €13,63 e deduzido o valor de €210,53 aludido em 26.
28. A livrança relativa ao contrato nº 0147 foi preenchida pelo valor de €3.729,65, que resulta da diferença entre o valor da nota de débito nº 200819008 e das notas de crédito nºs 200802717 e 200802940, acrescido dos valores das mensalidades de Fevereiro e Março de 2013, das despesas de manutenção, estes titulados pelas facturas n.ºs 20085475 e 200856195, deduzido o valor de €56,69, acrescido de juros de mora e despesas de contencioso no valor de €738,00, do imposto de selo no valor de €17,76 e deduzido o valor de €210,53 aludido em 26.
29. A livrança relativa ao contrato nº 0148 foi preenchida pelo valor de €7.852,20, que resulta da diferença entre o valor da nota de débito nº 200819009 e das notas de crédito nºs 200802719 e 200802936, acrescido dos valores das mensalidades de Fevereiro e Março de 2013, acrescidos das despesas de manutenção, estes titulados pelas factura n.ºs 200854716 e 200856196, acrescido de juros de mora e despesas de contencioso no valor de €738,00, do imposto de selo no valor de €38,25 e deduzido o valor de €210,53 aludido em 26.
30. A livrança relativa ao contrato nº 0149 foi preenchida pelo valor de €7.622,92, que resulta da diferença entre o valor da nota de débito nº 200819007 e das notas de crédito nºs 200802718 e 200802938, acrescido dos valores das mensalidades de Fevereiro e Março de 2013, acrescidos das despesas de manutenção, estes titulados pelas factura n.ºs 200854717 e 200856197, acrescido de juros de mora e despesas de contencioso no valor de €738,00, do imposto de selo no valor de €31,54 e deduzido o valor de €210,53 aludido em 26.
31. Dos cálculos efectuados em 27, 28 e 29 resulta haver um crédito a favor da embargante no valor de €160,48, €163,62 e €1.282,87, respectivamente.
32. Os preços indicados e praticados pela embargada são tabelados e disponíveis ao público.
33. O conteúdo dos contratos de aluguer foi correctamente explicado e entendido pela embargada.
34. Os pactos de preenchimento das livranças, constante das condições gerais dos contratos, foram assinados quer pelo gerente da embargante quer pelos avalistas, aqui embargantes.
35. No momento da assinatura daqueles documentos por parte dos embargantes foram-lhes exibidos os contratos, sendo que os avalistas também os assinaram nessa qualidade.
36. Os embargantes jamais solicitaram qualquer esclarecimento que permitisse à embargada ir para além do que era o seu dever geral de informação.
b) julgou não provado que:
a) As peças e acessórios constantes dos referidos relatórios constituem um exagero quer quanto ao preço, quer quanto às quantidades, quer ainda quanto à necessidade de substituição, como aliás, é patente quanto aos pneus.
b) Quando a embargante entregou as referidas viaturas os respectivos pneus tinham um desgaste inerente à sua utilização normal e prudente, o mesmo se diga quanto às restantes verbas debitadas.
c) Os valores que foram considerados para cada pneu estão muito acima dos valores de mercado fixados na tabela da Michelin-Espanha e que são idênticos aos praticados em Portugal.
d) Um dos pára-brisas dos veículos estava partido, os restantes três estavam em ordem.
e) Os pneus suplentes e jantes respectivas (€ 674,00 + € 300 = € 974,00 x 5= € 4.870,00) não foram entregues aquando da devolução dos veículos, pois a embargante não tinha meios de os segurar aos veículos com segurança, tendo sido entregues posteriormente à elaboração dos referidos relatórios, não tendo a embargada emitido as notas de crédito correspondentes.
f) A embargada não comunicou à embargante o procedimento adoptado para a devolução dos veículos, mormente as exigências impostas, pois caso esta tivesse tido essa informação tinha meios para proceder às reparações por valores muito inferiores aos que resultam das facturas/notas de débito.
g) Quando os embargantes assinaram as aludidas livranças fizeram-no na convicção que estavam a assumir os débitos mensais que provinham da falta do pagamento dos alugueres, juros de mora provenientes do incumprimento desses alugueres e eventuais despesas administrativas.
h) A embargada, após o termo dos contratos e de uma forma aleatória, arbitrária, elaborou os relatórios sobre o estado das viaturas supra mencionados, tentou impô-los unilateralmente à embargante, sem esta ter a possibilidade de contestar o exagero das rubricas constantes desses documentos e de uma forma autoritária imputa aos embargantes tais custos com hipotéticos danos e reparações das viaturas, despesas de contencioso e imposto de selo.
i) Na data em que a embargada procedeu ao preenchimento das livranças a embargante já tinha liquidado integralmente as mensalidades devidas pelos alugueres.
j) A embargante apresenta perante a embargada um saldo credor que ascende a € 15.179,13.
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VI.- Como se extrai das conclusões 5.ª a 13.ª os Apelantes impugnam a decisão da matéria de facto quanto aos pontos 11; 14; 15; 20; 26 a 31; 32; e 33 e 36, da facticidade provada, e quanto às alíneas a) a i) da facticidade não provada, pretendendo, quanto a esta, ver invertido o sentido da decisão, eliminando-se a alínea j) passando o seu conteúdo para a alínea i).
Relativamente ao ponto 11, pretende que sejam eliminadas as referências constantes sob as alíneas j) a m) por se tratar de notas de débito – são respeitantes ao “Imposto do Selo sobre Livranças”, e constituem, respectivamente, as fls. 161; 162; 163; e 164 – referentes a livranças que não aceita.
Quanto ao ponto 14 o que pretendem os Apelantes é que a descrição e enunciação dos estragos apontados aos veículos aquando da inspecção não sejam globalmente considerados provados por remissão para o seu conteúdo, que se dá “por reproduzido”.
Pretendem os Apelantes que ao ponto 15 se adite que a Apelante “nunca concordou” com os supramencionados relatórios.
Para o ponto 20 propugna-se apenas a correcção de lapsos de escrita no que concerne à data das inspecções periódicas a que a Apelante fez submeter três dos veículos alugados – é a data “19/04/2013” e não as que ali constam, 22 e 28/02/2014.
Pretendem que se julgue não provada a facticidade constante dos pontos 26; 27; 28; 29; 30; e 31, por se referirem a operações contabilísticas efectuadas pela Apelada e que não aceitam.
No que se refere ao ponto 32, pretendem os Apelantes que se lhe adite um segmento a referir que a Apelada nunca lhos transmitiu no âmbito dos contratos que celebraram.
Finalmente, pretendem que sejam agora julgados não provados os factos que constam sob os pontos 33 e 36.
Sobre a facticidade julgada não provada, constante das alíneas a); b); c); d); e); e f), e ainda as alíneas g) e h), pretende que se julgue agora provada.
E, reconhecendo que aquando da devolução das viaturas encontravam-se em dívida rendas no valor global de € 9.385,22, porque existia um crédito da Apelante no valor de € 24.744,89, propugnam para a alínea i) uma redacção que reflita esta realidade já verificada aquando do preenchimento das livranças, suprimindo-se, consequentemente, a alínea j).
No essencial, a discordância dos Apelantes revela-se contra os danos de maior monta apontados nos relatórios das vistorias a que foram submetidas as viaturas aquando da sua devolução à Apelada (insurgindo-se contra os valores dos pneus, quer porque os considera em bom estado, quer porque afirma ter entregue os sobressalentes cuja falta é acusada e ainda contra os preços das peças aí referidos, que acusam de serem superiores aos do mercado).
Para tanto, e no essencial, reclamam para as testemunhas por si arroladas e para o representante legal da Apelada os créditos de idoneidade e credibilidade, e, em contraponto, a falta de conhecimento dos factos e de credibilidade da testemunha arrolada pela Apelada, assim divergindo da apreciação do Tribunal a quo, igualmente recusando a valoração que foi dada aos relatórios das “vistorias”, acima referidos, e cujos originais constam de fls. 291 a 309 (2.º vol.) dos autos.
É pacificamente aceite que foram celebrados cinco contratos de aluguer de veículos de mercadorias, com os números:
- 6(0)139 (nos contratos o “6” é substituído pelo “0”), que teve por objecto o veículo de matrícula 14-FG-42;
- 6(0)140, que teve por objecto o veículo de matrícula 08-EZ-40;
- 6(0)147, que teve por objecto o veículo de matrícula 14-FG-43;
- 6(0)148, que teve por objecto o veículo de matrícula 14-FG-41;
- 6(0)149, que teve por objecto o veículo de matrícula 08-EZ-39.
As condições gerais são iguais em todos os contratos, sendo que as condições particulares identificam o veículo, definem o local da entrega e da devolução, a duração do contrato e o preço do aluguer, e quais os serviços de assistência – manutenção e reparação – que estão incluídos no contrato.
Delas cumpre destacar a cláusula 5.ª, que dispõe sobre a devolução do veículo, e o seu n.º 4, que responsabiliza o locatário pelos “prejuízos causados, suportando nomeadamente o custo da respectiva reparação” se se constatar que aquele “não se encontra em condições normais de utilização”, reparação que, como se extrai dos n.os 9, 10 e 11, da cláusula 6.ª, é feita “em oficinas da Rede Oficial de Concessionários e de Oficinas Autorizadas da M”, “em conformidade com os preços praticados nessa data”.
Esta cláusula 6.ª, enuncia as “obrigações e direitos do locatário”, e, para além do mais, define quais as despesas que ficam a cargo da locadora e as que cabe ao locatário suportar.
A cláusula 7.ª enuncia as “obrigações e direitos” da Exequente/Embargada, enquanto locadora, atribuindo-lhe a responsabilidade pela “execução de todos os trabalhos previstos no respectivo manual de manutenção…” e pela “execução de todas as reparações, desde que determinadas pelo desgaste normal e de acordo com o uso e tipo do serviço do veículo”, excluindo, porém, designadamente, “a quebra de vidros e ópticas” (alínea c) do n.º 2); a “utilização de peças diferentes das peças originais da M ou de óleos e lubrificantes não recomendados nas normas M” (alínea e) do n.º 2); as “transformações e reequipamentos” (alínea b) do n.º 3); os “danos e desgaste de pneus e jantes” (alínea c) do n.º 3); e a “manutenção da pintura e reparações de embelezamento” (alínea f) do n.º 3).
Finalmente, a cláusula 9.ª dispõe sobre a “CAUÇÃO” a prestar pela ora Apelante, “para garantia do pontual cumprimento das obrigações emergentes do presente contrato e, nomeadamente, do pagamento das últimas rendas acordadas, autorizando expressamente que quaisquer valores em dívida ou a reclamar” pela Embargada “sejam pagos pelo valor da caução” (n.º 1).
No n.º 6 estabelece-se claramente que “OS FIADORES constituem-se fiadores solidários e principais pagadores de todas as quantias que venham a ser devidas pelo LOCATÁRIO à M CHARTERWAY nos termos do presente contrato….”.
Os n.os 7, 8 e 9 dispõem sobre a entrega de uma livrança em branco, “subscrita e avalizada pelos signatários” e o acordo de preenchimento, responsabilizando-os por “todas as despesas emergentes da emissão da referida livrança …, nomeadamente no que respeita à satisfação das respectivas obrigações fiscais”.
Porque, nos termos do que ficou estabelecido no n.º 3 da cláusula 5.ª, a aqui Embargada ficou com o direito de, aquando da devolução, comprovar o estado do veículo, “bem como a existência de todos os acessórios que dele faziam parte à data da sua entrega e que constam da respectiva Nota de Entrega”, todos os veículos alugados foram sujeitos a uma vistoria quando foram restituídos à Embargada, vindo inquestionado nos autos que esta os entregou à Apelante no estado de novos.
Ainda que, em bom rigor, os Apelantes se insurjam essencialmente contra os preços debitados pela Apelada, revisitaram-se todos os depoimentos também para se apurar se houve erro de julgamento quanto ao facto da entrega posterior dos pneus sobressalentes e respectiva jante.
E entrando, precisamente, na reapreciação deste ponto da matéria de facto temos de concordar com o Tribunal a quo que, quer do depoimento de parte quer do depoimento das testemunhas arroladas pelos Apelantes não resulta, com o grau de certeza exigido para fundamentar a convicção, que, na realidade, tais pneus e jantes foram devolvidos. Nenhum dos inquiridos foi capaz de indicar uma data aproximada e muito menos de identificar a pessoa que, alegadamente fez a devolução.
A testemunha Manuel R, motorista de profissão, que conduziu quatro das cinco viaturas até Braga (o seu filho conduziu uma), local onde foram devolvidas à Apelada, questionado a propósito daquele facto, afirmou que as duas primeiras viaturas (cuja data de entrega ficou registada em 13/02/2013) «não levaram» o pneu sobressalente e a jante, acrescentando «mas acho que foram mandados depois, mas isso já num foi comigo», e acrescentou «os três últimos foram completos. Tanto que primeiro foi pelo Centro de Inspecções e depois é que os levou, e se num levasse pneu suplente não passava na inspecção» (conclusão sua).
No entanto também confirmou que a vistoria às cinco viaturas foi realizada na sua frente e foi-lhe entregue logo o relatório («eles fizero passar no computador e dissero ‘stá pronto p’ra assinar. Eu disse “desculpe mas num assino”, e vim-me embora»). E referiu ainda que “para si” «eles exageraram um bocado. Levaram as coisas a pente fino. Uma pequena pintinha tiravam a fotografia».
A testemunha Francisco J (chefe das oficinas da Apelante), questionado, também deixou transparecer reservas ao limitar-se a referir «Lembro-me que as viaturas não levaram pneu suplente na altura em que foram entregues e penso que a oficina depois mandou. Penso que ero 2 ou 3 pneus e jantes igual».
E a testemunha Edgar M (a trabalhar na secção de peças das oficinas da Apelante) respondeu «Não sei por quem mas foram entregues na M. Lembro-me de preparar isso», dizendo ainda «lembro-me de preparar as jantes e mandá-las p’ra lá. Não sei se foram entregues com os três últimos (camiões) ou depois».
O declarante Francisco T, em depoimento de parte, afirmou que «os pneus suplentes e as jantes foram entregues posteriormente em Braga. Foi lá uma carrinha levá-los porque não dava p’ra os levar em segurança». Afirmando ainda «devolvemos cinco pneus e cinco jantes». Sem embargo, não referiu outros factos em sustentação da veracidade daqueles – p. ex. quando é que isso ocorreu, quem fez o transporte, aonde (se foi em Braga, em que secção das instalações da M), e a quem fez a entrega.
A testemunha Manuel M, que comprou uma das viaturas – a 08-EZ-39 – afirmou que “não recebeu” o «pneu suplente», acrescentando que nos veículos «usados às vezes há essas escapadelas».
Ora, um pneu e uma jante de um veículo pesado dão nas vistas, não sendo crível que vistoriadores tão exigentes corressem o risco de assinalar a falta de objectos com tais dimensões se eles, de facto, tivessem sido entregues, e também se não compreende que, tendo a Apelada recebido os relatórios nos quais se acusava a falta de tais peças, a tê-las, de facto, devolvido, não tenha ficado com um singelo registo da data da devolução e de quem as transportou até Braga, tanto mais que teve uma atitude de rejeição aos relatórios das vistorias.
Porque é a Apelante que está onerada com a prova deste facto, a dúvida terá de ser interpretada em sentido que lhe é desfavorável, ou seja, de não ter sido produzida prova da entrega.
Ainda que os Apelantes façam uma impugnação global de todo o conteúdo dos relatórios das vistorias, o certo é que os três trabalhadores da Apelante, acima referidos, quando confrontados com tais relatórios, peça por peça, acabam por aceitar o que vem ali registado, ainda que desvalorizando a gravidade e extensão da anomalia – v.g. quanto aos vidros do para-brisas relativamente aos quais apenas admitem alguma “picadelazinha” resultante da projecção de alguma pedrita, o que, segundo eles, nunca podia justificar a substituição da peça; quanto aos riscos nos pára-choques; quanto a um depósito de combustível, que referem uma pequena “riscadela”, etc. – não justificando, por isso, a sua substituição.
É certo que as fotografias a cores (e não a preto e branco como pretendem dos Apelantes) que vieram a ser juntas aos autos com os originais dos relatórios, até pelas suas reduzidas dimensões, não permitem avaliar a extensão da “mazela” mas na sua esmagadora maioria permitem, pelo menos, confirmar a sua existência.
Quer os referidos Francisco J e Edgar M, quer a testemunha Joana P, funcionária administrativa da Apelante, são mais veementes quando se referem ao valor exagerado dos pneus e das peças, insurgindo-se ainda contra o facto de não ter sido dada a hipótese à Apelante de efectuar as reparações nas suas oficinas e de lhe não terem sido entregues as peças substituídas, chamando a atenção para o facto de todos os pneus estarem ainda em condições de serem usados – a testemunha Edgar M afirmou «na nossa frota 90% tem pneus usados».
É, no entanto, também certo que em nenhum dos depoimentos, de parte e testemunhais, alguém refere que as referidas peças e pneus tenham sido alguma vez solicitados à M.
Ora, como reconheceu a referida Joana P «lembro-me de termos falado da entrega das viaturas e que ia estar um perito e depois que íamos assinar os relatórios».
Por outro lado, tendo as viaturas cinco anos de “vida” há-de aceitar-se que a M não admita a aplicação de peças de marca branca (mais baratas) e muito menos da concorrência, como pretendem os Apelantes, ainda que seja do conhecimento público que as peças “da marca” são muito mais caras que aquelas.
E tendo os Concessionários as suas próprias oficinas, com trabalhadores por si escolhidos e já “especializados” nos “seus” veículos, também tem de se admitir como pertinente a exigência de que as reparações sejam feitas por estes.
Aceita-se, pois, como em correspondência com a realidade tudo quanto vem descrito nos mencionados relatórios, sem prejuízo da sua valoração na apreciação do in/cumprimento da obrigação contratual da Apelante, enquanto locatária.
Como reconheceu a testemunha Joana P todas as facturas juntas aos autos foram recepcionadas nos escritórios da Apelante, ainda que tenham sido objecto de reclamação, à excepção das referentes às rendas, aos juros respectivos e às «despesas administrativas».
Assim, não assiste razão aos Apelantes quando pretendem que sejam eliminadas do ponto 11 as facturas referidas nas alíneas j) a m), que respeitam ao imposto do selo sobre as livranças, como se vê de fls. 161; 162; 163; e 164.
Questão diversa é se tais importâncias são ou não devidas. O tratamento desta questão tem, porém, a sede própria na parte da apreciação do mérito.
Também não assiste razão aos Apelantes quanto à eliminação do último segmento do ponto 14, que “dá … por reproduzido” o teor dos relatórios das vistorias.
Sem prejuízo das boas práticas aconselharem no sentido da transcrição dos documentos, pelo menos nas suas partes essenciais para a apreciação da causa, até para tornar compreensível o texto para quem o lê e não tenha tido acesso ao processo – com o que infra se vai cumprir, aditando um novo fcto à facticidade provada -, dar por reproduzido o teor de um documento é reconhecer a sua existência física no processo, o que se não pode confundir com o julgamento sobre a veracidade do seu conteúdo – e esta já se apreciou acima e também o Tribunal a quo a apreciou.
No que se refere ao acrescento ao ponto 15, relativo à inaceitação dos relatórios, sendo um facto que resulta dos depoimentos da generalidade das testemunhas, é de aceitar o propugnado pelos Apelantes.
Impõe-se ainda a correcção do lapso de escrita constante do ponto 20, que resulta dos documentos para os quais aí se remete.
Relativamente aos factos vertidos nos n.os 26 a 31, como os próprios Apelantes reconhecem, reportam-se aos valores utilizados pela Apelada para apurar o montante que fez inscrever em cada uma das livranças. Para além dos documentos para que remetem estarem juntos aos autos, também as operações em causa foram explicadas pela testemunha Rui S, que trabalha no sector de cobranças da Apelada e se socorreu da consulta aos supramencionados documentos.
Sem embargo, vale aqui o que já acima se referiu – o julgamento sobre se tais importâncias são ou não devidas será feito infra.
Quando muito podia apontar-se ao ponto 31 o ser conclusivo, a dever ser levado ao capítulo referente à apreciação do que estaria em débito. Mas temos de reconhecer que a sua inserção aqui só ajuda a clarificar o que posteriormente veio a ser decidido.
Pretendem os Embargantes que ao ponto 32 seja aditado que a Embargada nunca lhe transmitiu os preços que praticava, “no âmbito dos contratos celebrados entre as partes”.
É certo que quer o Administrador da Apelante (e também recorrente) Francisco T, quer a testemunha Joana P negaram que lhes tenham chegado ao conhecimento os preços praticados pela M, negando ainda ter sido recebido o “Manual de Recondicionamento” que vem referido no documento de fls. 289v.º junto pela Apelada como sendo um email por si enviado em 07/02/2013, através de “Patrícia S”, para a referida testemunha Joana C, no qual lhe dá ainda conhecimento da “impossibilidade” do prolongamento dos contratos, refere “a renovação das licenças” e lhe indica o local onde pode ser feita a entrega das viaturas (na fundamentação quanto a este facto o Tribunal a quo não terá atentado que a carta que refere, de “fls. 57 e ss.” capeava o envio de dois dos contratos de aluguer).
Apesar destes dois últimos factos terem sido confirmados pelos supramencionados declarante e testemunha, o que, à partida, daria credibilidade ao email, há-de reconhecer-se não haver justificação para a Apelada, antecipadamente, comunicar os preços de quaisquer peças – nem aquando da celebração dos contratos porque os valores não seriam iguais aos que se iriam verificar cinco anos depois, no termo dos contratos, nem na fase que antecedeu as vistorias porque ainda não se sabia se haveria necessidade da substituição de qualquer componente das viaturas.
Acresce que se os preços das peças “são tabelados” e estão “disponíveis ao público”, os Apelantes, querendo, podiam deles ter tomado conhecimento, como qualquer pessoa.
Não se acolhe, pois, a pretensão dos Apelantes.
Pretendem os Apelantes que sejam “eliminados” do elenco dos factos provados o que consta dos pontos 33 e 36.
Escreveu-se no primeiro que “o conteúdo dos contratos de aluguer foi correctamente explicado e entendido pela embargada” e no segundo que “os embargantes jamais solicitaram qualquer esclarecimento que permitisse à embargada ir para além do que era seu dever geral de informação”.
Reconhece-se que estamos em presença de factos conclusivos, com juízos de valor e com conceitos de direito.
Cumpre, por isso, alterá-los e “afeiçoar” a sua redacção ao que foi afirmado pelo declarante Francisco T e pela testemunha Joana P, que se pronunciaram sobre esta matéria afirmando que na sequência das conversações que tiveram e das negociações que fizeram com um “vendedor da M”, que já conheciam quando ele era “vendedor da Iveco”, e através dele celebraram contratos de aluguer de viaturas desta marca, receberem, pelo correio, os contratos de aluguer acima referidos assim como o impresso, em branco, das livranças. Leram os contratos, donde se presume que se inteiraram do seu conteúdo, e tiveram-nos com eles durante alguns dias antes de os devolverem, assim como às livranças, assinados e rubricados, ficando com uma cópia de cada um dos contratos. Não pediram qualquer esclarecimento sobre eles.
Decide-se, por isso, alterar a redacção dos números 33 e 36, dando-lhes outra redacção mais em conformidade com a prova produzida.
Pretendem ainda os Apelantes que seja revertido o sentido da decisão quanto aos factos constantes das alíneas a) a h), a dever agora serem julgados provados; se altere a redacção da alínea i) e que, na sequência desta alteração, se elimine a alínea j).
Relativamente às alíneas a) e b) elas contêm factos conclusivos, sem prejuízo do que indra se vai referir quanto ao estado dos pneus, sendo que o “exagero” dos preços ficou por demonstrar dado que não foi apresentada qualquer prova documental a confirmá-lo. Ninguém, sequer, aventou a hipótese de os preços constantes dos relatórios não serem coincidentes com os, à altura, praticados pela M.
Da necessidade/desnecessidade da sua substituição tratar-se-á infra.
Relativamente à alínea c) é certo que os Apelantes fizeram juntar aos autos – cfr. fls. 165 - a cópia do que aparenta ser um folheto da “Michelin”, de conteúdo perfeitamente compreensível, apesar de escrito em espanhol, indicando os preços dos diversos pneus, sendo a oferta válida até 30 de Junho de 2014, e para o modelo 315/70R22.5, que consta dos relatórios das vistorias com o preço de € 674,00, o valor que ali vem indicado é de € 444,00, sendo o valor mais elevado o de € 488,00. Mas não há confirmação de que estes preços eram, à data, idênticos em Portugal, para além do que, como se sabe, o valor dos impostos é mais baixo no País vizinho, o que se reflecte nos preços.
É, pois, de manter a decisão quanto a esta alínea.
Relativamente às alíneas d); e); f); e h) já nos pronunciamos acima, e de quanto aí ficou referido resulta a confirmação do julgado pelo Tribunal a quo.
No que se refere à alínea g) reconhece-se que o declarante Francisco T e a testemunha Joana P afirmaram que as livranças foram assinadas “na convicção de que só estavam a garantir as dívidas dos alugueres, os juros de mora e despesas administrartivas”. Do que declararam não resulta, porém, se tal “convicção” foi contemporânea das assinaturas ou se apenas se formou quando foram confrontados com as exigências da Exequente, com as quais não contavam.
A dúvida é pertinente e por isso a decisão quanto a este ponto não merece ser alterada.
Propugnam os Embargantes pela alteração da redacção da alínea i), propondo que fique com o seguinte teor: “Na data em que a embargada procedeu ao preenchimento das livranças, a embargante detinha um crédito de € 15.154,43”, ficando, assim, aqui englobado o que consta da alínea j).
Resulta dos documentos juntos aos autos e mesmo dos depoimentos das testemunhas Joana P e Rui S que a soma dos montantes dos alugueres que estavam em dívida é inferior em € 15.179,13 à soma dos valores das notas de crédito emitidas pela Exequente referentes aos quilómetros que, tendo sido facturados, não foram “utilizados”, com a correspondente devolução à Apelante (nos termos contratuais à razão de € 0,0259 por Km.).
Vistas as coisas por este prisma poder-se-ia afirmar que quando a Embargada procedeu ao preenchimento das livranças, os alugures que se encontravam em dívida já tinham sido pagos porque já tinham sido emitidas as notas de crédito e que o saldo entre aquelas dívidas e estes créditos beneficiavam a Apelante no montante por si referido.
Contudo, isto não corresponderia à realidade do que se provou.
E porque está em oposição com a facticidade que se julgou provada não resulta qualquer interesse em transcrever tal facticidade no elenco dos “não provados”.
Decide-se, por isso, eliminar pura e simplesmente as referidas alíneas i) e j).
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VII.- Na sequência do que vem de ser exposto decide-se alterar a decisão da matéria de facto aditando o n.º 14.-A com a transcrição das “mazelas” registadas nos relatórios das vistorias, e alterar a redacção dos números infra indicados. Assim:
14.-A – Nos relatórios das vistorias fez-se constar:
1.- relativamente ao veículo 08-EZ-39 (contrato n.º 6(0)149) – fls. 291/292:
a) a cava da roda esquerda, parte da frente, partida;
b) o vidro do espelho retrovisor inferior esquerdo partido;
c) o para-choques da frente perfurado;
d) a caixa do conjunto de luzes da rectaguarda esquerda com o vidro partido;
e) a consola central perfurada;
f) o alleron partido;
g) estava em falta o colchão inferior do banco “traseira direita”;
h) ao espelho lateral esquerda da frente faltavam as “tampas”;
i) dos seis pneus do veículo, todos de Verão, quatro eram recauchutados, sendo dois da marca “Dunlop” e dois da marca “Goodyear”, dois com uma altura de piso de 5mm., e os outros dois com uma altura de piso de 6mm.;
j) falta do pneu sobresselente.
Este veículo foi devolvido à Embargada no dia 13/02/2013.
2.- relativamente ao veículo 08-EZ-40 (contrato n.º 6(0)140) – fls. 295/296:
a) o pneu da frente, do lado esquerdo, tinha o piso gasto – com 1mm.;
b) o vidro colorido do para-brisas estava partido;
c) faltava a tampa da maçaneta da porta direita da frente;
d) o para-choques tinha quatro furos no canto direito;
e) o pisca lateral esquerdo tinha o vidro partido;
f) o suporte da frente direito estava partido;
g) a passadeira direita da “back box” tinha a chapa cortada;
h) o reflector da traseira direita estava danificado, tendo o dano sido caracterizado de “estrutural”. O valor que lhe foi atribuído foi de € 22,47;
i) as caixas do conjunto de luzes da rectaguarda direita e esquerda tinham o vidro partido;
j) as pálas centrais dos guarda-lamas traseiros direito e esquerdo estavam perfuradas, assim como os guarda-lamas;
k) a porta da frente, do lado esquerdo, estava amolgada, com a pintura danificada;
l) o vidro do espelho inferior esquerdo estava partido;
m) o alleron sup. estava partido;
n) o tapete da frente esquerda estava rasgado;
o) a consola central tinha dois furos;
p) os seis pneus do veículo eram de Verão, sendo quatro deles recauchutados, dois da marca “Goodyear” e dois da marca “Bridgestone”, um deles tinha o piso com a altura de 2mm., outro com 4mm., outro com 5 mm., e outro com 7mm.;
q) ficou registado “o exterior sujo” e a falta do “pneu sobresselente”.
Este veículo foi devolvido à Embargada no dia 13/02/2013.
3.- relativamente ao veículo 14-FG-41 (contrato n.º 6(0)148) – fls. 299/300:
a) vem a indicação de os dois pneus da frente estarem “gastos” (um tinha a altura de piso de 3mm., e o outro de 5 mm.) e de quatro serem recauchutados (três deles têm a altura de piso de 5 mm., e um de 6 mm.), sendo todos da marca “Non-Major Brand”;
b) o vidro colorido do para-brisas estava partido;
c) a grelha do radiador partida;
d) a caixa do farol direito tinha o vidro partido;
e) o suporte lateral direito estava “raspado”;
f) o vidro do espelho superior direito estava partido;
g) o guarda-lamas perfurado na parte esquerda;
h) a porta da frente esquerda estava amolgada, com dano na pintura;
i) a passadeira direita da “back box” tinha a chapa cortada;
j) a “porta de carga” traseira tinha a “chapa cortada”;
k) o alleron sup. estava partido;
l) o forro das costas do banco (1ª fila), sobre o seu lado esquerdo, estava rasgado;
m) anotou-se a falta: do colete; do pneu sobresselente assim como da jante respectiva; e dos aros da jante da frente esquerda e direita.
Este veículo foi devolvido à Embargada no dia 19/04/2013.
4.- relativamente ao veículo 14-FG-42 (contrato n.º 6(0)139) – fls. 303/304:
a) canto esquerdo do para-choques “raspado”;
b) o suporte lateral direito partido;
c) porta direita da frente “riscada”;
d) o painel lateral da traseira direita “riscado”;
e) o vidro colorido do para-brisas estava “rachado”;
f) o forro das costas do banco (1ª fila), sobre o seu lado esquerdo, estava rasgado;
g) o lado direito do depósito de combustível estava “amolgado”;
h) a passadeira direita da “back box” tinha a chapa cortada;
i) as pálas do guarda-lamas tinham o “alleron lat. esq.” partido;
j) o painel lateral “traseira esquerda” estava “amolgado com dano na pintura”;
k) a porta da frente esquerda estava “amolgada com dano na pintura”;
l) anotou-se a falta: do colete; do pneu sobresselente assim como da jante respectiva; e dos aros da jante da frente esquerda e direita.
Este veículo foi devolvido à Embargada no dia 19/04/2013.
5.- relativamente ao veículo 14-FG-43 (contrato n.º 6(0)147) – fls. 307/308:
a) referiram-se como “gastos” três pneus (a altura do piso de dois deles era de 4mm., e a do outro era de 5mm.);
b) o vidro colorido do para-brisas estava “partido”;
c) a passadeira central da “back box” tinha a chapa cortada;
d) a porta de carga traseira tinha a “passadeira esquerda” com a “chapa cortada”;
e) o “alleron” lateral direito partido;
f) o forro das costas do banco (1ª fila), sobre o seu lado esquerdo, estava rasgado;
g) anotou-se a falta: do colete; do pneu sobresselente assim como da jante respectiva; e dos aros da jante da frente esquerda e direita.
Anotou-se ainda que o veículo apresentava “o exterior sujo” e trazia “três colchões”; e que o “porta objectos ext. esq.” tinha o “cabo cortado”.
Este veículo foi devolvido à Embargada no dia 19/04/2013.
15.- Os relatórios acima mencionados não foram assinados e nunca a Embargante concordou com eles.
20 - Em 19/04/2013, os veículos com as matrículas 14-FG-43, 14-FG-42 e 14-FG-41 foram objecto de inspecção na «Auto Checkpoint – Inspecções de Automóveis», e conforme resulta das fichas todos foram aprovados - cfr. documentos de fls. 166-168, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
33.- Na sequência das conversações e negociações que tiveram com um vendedor da “Mercedes”, os Apelantes receberam, pelo correio, os contratos de aluguer e as livranças em branco, leram-nos, inteiraram-se do seu conteúdo, e, ficando com uma cópia, devolveram-nos assinados e rubricados, assim como às livranças.
36.- Os Embargantes nunca solicitaram qualquer esclarecimento sobre os contratos.
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VIII.- Resulta inequívoco da facticidade apurada que a Apelante celebrou com a Apelada cinco contratos de aluguer de veículo automóvel, no cumprimento dos quais esta entregou àquela outros tantos veículos, para que os usasse e fruísse, restituindo-lhos no termo do prazo contratado, mediante o pagamento das importâncias mensais estabelecidas no contrato.
Trata-se de um contrato legalmente atípico, mas socialmente típico posto que já se estabeleceu na prática negocial corrente. Tendo em consideração o princípio da liberdade contratual, na vertente da liberdade de conformação dos contratos, consagrado no artº. 405º., do C.C., os contratos que as Partes celebraram regem-se pelas suas cláusulas contratuais particulares e gerais, desde que não sejam contrárias a normas imperativas, pelas normas gerais dos contratos, e ainda pelos art.os 1022º., e sgs., do C.C., na parte em que dispõem sobre a locação de coisas móveis.
Um dos princípios gerais que norteiam os contratos é, desde logo, o do seu pontual cumprimento - cfr. art. 406.º, n.º 1 do C.C..
Ora, integra a obrigação contratual do locatário a restituição da coisa locada no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização – cfr. n.º 1 do art.º 1043.º do C.C. -, conceito que se reconduz à diligência do bonus pater familiae, do homem de boa formação e de são procedimento, ou seja, in casu, do condutor normal.
De acordo com as regras sobre o ónus da prova constantes do art.º 342.º, n.os 1 e 2 do C.C., o locador tem o ónus da prova dos danos, facto constitutivo do seu direito, cabendo ao locatário o ónus de provar que os danos resultam da normal e prudente utilização, ou que as deteriorações resultaram de causa que lhe não é imputável, cabe ao locatário por serem factos impeditivos do direito do locador.
Nos contratos em mérito, relativamente às condições de entrega dos veículos ressalvam-se “as deteriorações decorrentes do uso normal e prudente do veículo”, respondendo a locadora (Apelante) “pelos prejuízos causados, suportando nomeadamente o custo da respectiva reparação”, se se verificar uma deterioração das condições normais de utilização, “quer no que respeita à parte mecânica, quer no que respeita à carroçaria”.
Ora, fazendo uma interpretação normativa do contrato, de acordo com as regras e princípios estabelecidos nos art.os 236.º e 238.º do C.C., tendo em consideração o teor dos n.os 9, 10 e 11, da cláusula 6.ª, e as regras da experiência comum, que a reparação para reposição das condições normais de utilização devia ser feita “em oficinas da Rede Oficial de Concessionários e de Oficinas Autorizadas da M”, e “em conformidade com os preços praticados nessa data”.
Relativamente às peças partidas resulta inequívoco que a reposição só se consegue com a sua substituição, sendo ainda incontornável que a quebra dessas peças não pode ser naturalisticamente imputada ao desgaste decorrente do uso normal.
Também resulta incontornável a obrigação da Apelante repor as peças e os demais componentes em falta: pneus sobresselentes e jante respectiva, assim como os aros das jantes.
Porém, das peças enunciadas em falta temos de excluir o “colchão inferior” referido em relação ao veículo 08-EZ-39, contrato 6149, no valor de € 338,68, atenta a anotação – presença de “3 colchões” - aposta no relatório da vistoria do veículo 14-FG-43 (cfr., respectivamente, fls. 291 e 308).
Também resulta evidente a obrigação de reparar as amolgadelas porque, como se alcança do comum do acontecer, resultam do choque da peça amolgada contra um obstáculo duro e um condutor profissional normal cuidadoso (trata-se de camiões) toma as precauções necessárias a evitar tais incidentes.
Relativamente aos pneus as considerações a tecer devem ter presente as especificidades próprias destes componentes.
Como se sabe eles são de desgaste muito rápido em comparação com as demais peças do veículo, e por isso é que se consideraram excluídos das despesas de manutenção assumidas pela Exequente – cfr. al. c) do n.º 3 da cláusula 7.ª, que trata das obrigações e direitos desta.
Contudo, não sendo de imputar ao locatário as deteriorações decorrentes do normal uso da coisa locada, não se lhe pode exigir que ao devolver o veículo coloque nele pneus novos, porque na sua prestação contratual não está incluída a reposição da coisa na situação original.
Essencial é, assim, que os pneus tenham uma altura de piso igual ou superior ao mínimo legal – que para os veículos pesados é de 1mm., nos termos do art.º 6.º, n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º 7/98.
Sendo esta uma situação diversa da dos pneus recauchutados, cumpre considerar que:
1.- Relativamente ao veículo 14-FG-41, contrato 6148, foram debitados os valores de 674,00 relativos a cada um dos pneus, frontal esquerdo e frontal direito, com a indicação de estarem “gastos”, sendo que o primeiro tinha o piso com a altura de 5mm., e o segundo com a altura de 3mm., ou seja, bem dentro dos limites legais.
2.- O mesmo ocorreu quanto ao pneu frontal esquerdo do veículo 08-EZ-40, contrato 6140, cujo piso tinha 1mm.
3.- Outro tanto se verificou quanto ao veículo 14-FG-43, contrato 6147, relativamente aos pneus traseiro direito, “innerreart left” e “innerreart right”, os dois primeiros com um piso de 4mm., e o terceiro com 5 mm.
Ao todo estão, assim, nestas condições seis pneus, debitados ao preço de € 674,00 cada um, o que perfaz o total de € 4.044,00, que deverá ser abatido no capital em dívida da quantia exequenda.
No que se refere aos pneus recauchutados é de fazer observar que todos eles têm uma altura de piso superior ao mínimo legal.
A opção pelo uso dos pneus recauchutados ou reconstruídos foi da locatária/Apelante, medida que, acredita-se, se intregra na contenção dos custos já que os referidos pneus são bem mais baratos que os normais.
Assim, como os veículos levavam pneus normais não se justifica impor à Exequente a aceitação dos recauchutados, reconhecidamente de qualidade inferior (já gastos pelo uso também nas suas partes lateriais e, por isso, mais sujeitos a rupturas).
Sendo os pneus um componente necessário do veículo há, pois, de considerar a sua substituição, donde resulta a pertinência da imputação do respectivo custo à Apelante/locatária.
Contudo, sendo esta uma empresa cujo objecto social é o da exploração da actividade de transportes, é legítimo o seu interesse na restituição dos pneus recauchutados, que podiam ser usados em outros veículos seus (foi referido pela testemunha Edgar M que 90% da frota usa pneus recauchutados).
Recebendo a Exequente o valor de pneus novos “em troca” dos recauchutados deixou de poder dispor destes, antes se lhe impondo consultar a Apelante sobre o destino que pretendia lhes fosse dado.
Ora, sendo legítimo o direito da Apelante em que lhe fossem “restituídos” os pneus recauchutados, não sendo já possível essa restituição em espécie, terá de ser feita em valor.
E porque não há agora elementos para avaliar o valor real dos mencionados pneus (atento o tempo entretanto decorrido e porque, de acordo com o referido pela testemunha Rui S, é prática normal enviá-los para uma empresa de reciclagem) cumpre recorrer à equidade para determinar o valor a descontar pelos 16 (dezasseis) pneus que se encontram nestas condições.
E assim, tendo em consideração o seu estado de desgaste, calculado pela altura do piso, vai considerar-se o valor unitário de € 50, com o que se impõe deduzir do capital da quantia exequenda a importância de € 800,00.
Termos em que a quantia exequenda deverá ser abatida da importância de € 5.182,68 (cinco mil cento e oitenta e dois euros e sessenta e oito cêntimos).
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IX.- Nos termos contratuais, as livranças, que foram assinadas em branco, deviam ter sido preenchidas tendo em consideração “todas as quantias em dívida”, no que se inclui as havidas com o recondicionamento dos veículos.
O artº. 77º., da L.U.L.L. (Lei Uniforme de Letras e Livranças), mandando aplicar às livranças as disposições relativas às letras em branco, removeu qualquer obstáculo à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, ainda que incompleta, contenha uma ou mais assinaturas se tiverem sido nela apostas exprimindo a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, sendo que o essencial para que ela seja válida e eficaz, e possa vir a ser utilizada como título executivo, é que se mostre preenchida até ao momento do acto do pagamento (cfr., por todos, o Ac. do S.T.J. de 04/04/2002 ( Consº Ponce Leão), in www.dgsi.pt.), já que não há nenhuma norma legal que determine o momento em que ela se deve apresentar integrada por todos os seus elementos essenciais.
O preenchimento deve fazer-se observando o que tiver sido estabelecido, podendo, com Abel Delgado, definir-se o contrato de preenchimento como “o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros”, acordo este que poderá ser expresso ou tácito (in “Lei Uniforme sobre Letras e Livranças”, 5ª. Edição, 1984, pág. 82/83).
São igualmente aplicáveis às livranças as disposições relativas ao aval – cfr. artº. 77º., último parágrafo – que é uma garantia de pagamento, como resulta do artº. 30º., ou, mais precisamente, o “acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra, ou da livrança, garante o pagamento dela por parte de um dos seus subscritores” (Cfr. FERRER CORREIA, ob. cit., pág. 206 e 207), tendo, por isso, a natureza jurídica de uma garantia.
É inequívoco que a obrigação do aval, ainda que se trate de uma obrigação futura, posto que estão definidos os critérios para a sua determinabilidade, é perfeitamente válida (cfr., v. g., Ac. do S.T.J. de 16/10/2003, Procº 03B2506 (Araújo de Barros), in www.dgsi.pt e, na doutrina, Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 12ª. edição, pág. 709).
Como vem sendo entendimento pacífico, só se o avalista tiver tido intervenção no pacto de preenchimento é que pode opor ao portador da letra, ou da livrança, se ela não tiver ainda entrado em circulação, a excepção do preenchimento abusivo (cfr., por todos, o Ac. do S.T.J. de 11/02/2010, 2ª. Secção (Serra Baptista), disponível em www.dgsi.pt), recaindo sobre si o ónus de provar a desconformidade do preenchimento com o acordo que havia sido estabelecido – cfr. artº. 342º., nº. 2 do Cód. Civil.
Na situação sub judicio o pacto de preenchimento ficou objectivado nos n.os 8 e 9 da cláusula 9.ª das condições gerais dos contratos, aí se explicitando, quanto ao valor por que deveriam ser preenchidas, “todas as quantias em dívida pelo Locatário …, incluindo eventuais juros de mora e demais encargos” e ainda “todas as despesas emergentes da emissão da livrança”, nomeadamente as respeitantes às “obrigações fiscais”.
Ora, como acima já se referiu, são devidas pela Locatária as despesas com o recondicionamento dos veículos, e, assim, tomadas em consideração estas despesas, a elas deverão acrescer os juros de mora respectivos, o imposto de selo devido e, como foi reconhecido, a importância relativa às despesas administrativas.
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X.- Alegando que os contratos celebrados estão sujeitos ao regime das cláusulas contratuais gerais, e invocando desrespeito pelos deveres de comunicação e informação, consagrados nos art.os 5.º e 6.º do Dec.-Lei nº. 446/85, vêm os Apelantes, fiadores da Apelante sociedade comercial, arguir a nulidade da cláusula 9.ª, n.º 8, que consideram obscura, alegando terem-lhe dado uma interpretação que não incluía as despesas de recondicionamento.
O Diploma legal referido, que transpõe para o ordenamento jurídico interno legislação europeia, visa introduzir algum equilíbrio nas situações em que, pela massificação dos contratos, estes contêm cláusulas que são unilateralmente predispostas por um dos contraentes sem que ao outro seja dada a possibilidade de as alterar ou, sequer, recusar.
Porque, regra geral, os contratantes quando negoceiam não estão numa posição de paridade, houve necessidade de serem introduzidos mecanismos de protecção da parte mais débil, que é o consumidor, defendendo-o das cláusulas nocivas e injustas, impostas unilaterialmente.
É, no fundo, a violação do princípio do equilíbrio das prestações que o contrato sinalagmático pressupõe, que justifica se considerem nulas aquelas cláusulas que, sem justificação, criam desequilíbrios a favor de uma das partes, prejudicando a outra.
A protecção do consumidor contra “condições de crédito abusivas” foi, de resto, uma preocupação da então Comunidade Europeia, manifestada na Directiva 87/102/CEE, de 22/12/1986 (alterada pela Directiva nº. 90/88/CEE, de 22/02/1990), que se manteve presente nas Directivas que lhe sucederam com vista à harmonização das legislações dos Estados-Membros nesta matéria – Directiva 93/13/CEE, do Conselho, de 5/04/1993 e a Directiva 2011/83/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/10/2011.
O acento tónico de todas estas Directivas vai no sentido do reconhecimento de um efectivo direito à informação do consumidor.
Dever de informar que se não restringe à comunicação do singelo teor das cláusulas contratuais mas abrange também o sentido da interpretação que delas faz o predisponente, sendo este um aspecto tão mais importante quanto é certo que só uma vontade esclarecida é uma vontade livre.
Assim, e de acordo com o estabelecido nos artos. 5º.; 6º.; e 8º., do Dec.-Lei 446/85, de 25 de Outubro, o predisponente fica obrigado a comunicar ao aderente o teor integral das cláusulas contratuais gerais, comunicação esta que tem de ser feita por modo a que este efectivamente as receba.
Esta comunicação deverá ainda ter lugar com o tempo de antecedência que a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas ditem para que seja possível a um aderente normalmente diligente tomar delas um conhecimento completo e efectivo.
A comunicação deve ocorrer ainda na fase pré-contratual, antes da emissão da declaração de aceitação do aderente.
Depois, incumbe ainda ao predisponente cumprir o dever de informar a outra parte dos aspectos essenciais compreendidos nas cláusulas, aclarando o que seja necessário aclarar, chamando a atenção para as cláusulas que contribuam para a interpretação de outras, e até mesmo para aquelas que sejam mais desaforáveis para o aderente verificadas determinadas circunstâncias.
José Manuel Araújo de Barros distingue (e bem) a “comunicação” da “informação” dizendo que “visando ambas a eficaz apreensão da proposta contratual”, a primeira procura garantir “o conhecimento efectivo” desta proposta contratual e na informação “pressupõe-se assegurar a compreensão da mensagem que lhe está subjacente”, referindo ainda dever articular-se o nº. 1 do artº. 6º. com o nº. 2 do artº. 5º., concluindo que “o dever de informação recairá sobre os aspectos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique, tendo em conta necessariamente a importância do contrato, a extensão e complexidade das cláusulas, a pessoa a quem elas são dirigidas e todas as outras circunstâncias que podem condicionar a sua compreensão pelo aderente (in “Clausulas Contratuais Gerais”, Coimbra Editora, págs. 92/93).
Trata-se, pois, de obrigações pré-contratuais que derivam da boa fé imposta pelo artº. 227º., do C.C., já referido.
Também Ana Prata, referindo-se ao dever de comunicação imposto pelo artº. 5º., refere que ele tem de ser cumprido por forma a permitir ao bom pai de família, como paradigma da diligência juridicamente exigível, “o conhecimento completo e efectivo” das cláusulas, retirando daquela norma que “o desconhecimento, a incerteza ou o engano acerca de disposições contratuais por parte do aderente – que não sejam devidos a culpa deste – significam que aquela obrigação não foi pontualmente cumprida” e, citando Almeno de Sá, prossegue defendendo que “Não basta ... a pura notícia da «existência» de cláusulas contratuais gerais, nem a sua indiferenciada «transmissão». Exige-se ainda que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo.
Ainda sobre o artº. 6º., refere Ana Prata que, não decorrendo dele que o predisponente tenha a obrigação de explicar cada uma das cláusulas, “tem de prestar uma “informação circunstanciada”, “independentemente de pedido do aderente” (itálico nosso), em relação àquelas que se apresentem objectivamente difíceis de compreender e também quando tem pela frente uma contraparte impreparada para assimilar o seu verdadeiro alcance.
Como decidiu o S.T.J. no Ac. de 02/12/2013, discorrendo que “Dada a disparidade de poder entre as partes no contrato de adesão, assume um papel decisivo a garantia do “modelo de informação” ou “imperativo de transparência” cuja finalidade é potenciar a formação consciente e ponderada da vontade negocial, parificando posições de disparidade cognitiva, quer quanto ao objecto, quer quanto às condições do contrato”, afirma que “A comunicação das cláusulas deve ser clara e precisa e a informação completa, abrangendo as características do bem ou do serviço, a extensão dos riscos cobertos e a medida exacta dos direitos e obrigações previstos no contrato”, afirmando, bem assim, que o direito à informação “não se basta com o envio de uma nota informativa pela empresa utilizadora”, implicando ainda um “dever de aconselhamento” que pode ser definido como “uma obrigação de assistência que supõe não só uma grande lealdade, mas um verdadeiro serviço prestado ao aderente, e inclui um dever de chamar a atenção deste para cláusulas cujo conteúdo possa não corresponder às suas necessidades e situação pessoal ou que sejam «perigosas» para os seus interesses” (Procº. 306/10.0TCGMR.G1.S1, Consª. Maria Clara Sottomayor, que contém profusa referência à jurisprudência e à doutrina sobre o conteúdo daqueles deveres de informação e comunicação, in www.dgsi.pt).
Revertendo ao caso dos autos temos de fazer observar que não será por conterem um capítulo intitulado de “condições gerais” que os contratos em mérito tenham a característica da “massificação”, isto é, de contratos que se dirigem a um conjunto indiferenciado de pessoas cujas cláusulas não são negociadas – é condição sine qua non da celebração do contrato a aceitação em bloco das cláusulas que o integram.
Ora, foi provado que os contratos a que os autos se referem foram negociados, tendo a negociação decorrido personalizadamente.
A par disso, ficou também provado que os ora Apelantes receberam os contratos, leram-nos e tiveram-nos consigo o tempo que consideraram necessário só os devolvendo, assinados, (alguns) dias depois, e não colocaram qualquer questão ao seu interlocutor negocial.
São ambos gerentes da sociedade comercial Apelante, que com toda a certeza vivenciaram situações semelhantes em outros contratos com outras entidades, que lhes terão exigido iguais garantias.
Sem embargo, cremos que a cláusula em questão não carece de interpretação, muito menos aturada, atentos os termos simples e de sentido inequívoco em que está redigida.
Se os fiadores se declaram “principais pagadores de todas as quantias” devidas pela afiançada, e se a livrança se destina a “titular todas as quantias em dívida”, se uma das obrigações contratualmente (mas também legalmente) assumidas pela afiançada é a de, findo o contrato, restituir o veículo locado “em condições normais de utilização”, assumindo a obrigação de pagar o “custo da reparação” dos prejuízos que decorram de uma utilização imprudente, o único sentido que se impõe extrair é o de que a obrigação assumida pelos fiadores engloba os custos decorrentes da reposição dos veículos no estado em que estariam se tivessem tido uma utilização prudente.
Não colhem, pois, procedência os fundamentos aduzidos pelos Apelantes quanto à declaração de nulidade da supramencionada cláusula contratual.
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XI.- No que se refere à exequibilidade das livranças e à exigibilidade da obrigação exequenda, cumpriria remeter para a sentença.
Sem embargo, e como se referiu acima, o essencial para que uma letra ou uma livrança seja válida e eficaz, e possa ser utilizada como título executivo, é que se mostre preenchida até ao momento do acto do pagamento.
É inequívoco que as livranças dadas à execução se mostravam preenchidas com os dizeres específicos que lhes dão a natureza de títulos de crédito.
O portador de uma letra, ou livrança, pode reclamar o pagamento da quantia nela inscrita.
Posto que estamos no dimínio das relações imediatas os obrigados cambiários podem discutir a relação subjacente, opondo ao portador (Exequente) as convenções extra-cartulares e as excepções causais conducentes à inexigibilidade total ou parcial da obrigação.
A Exequente preencheu as livranças com a importância que considerava ser devida e, nessa medida, seguiu os dizeres do pacto de preenchimento.
Contudo, e como vem de ser decidido, os Apelantes conseguiram fazer a prova de que, afinal, a importância devida não era aquela que foi inscrita nas livranças mas uma quantia inferior.
Isto não afecta, porém, a validade formal das livranças como títulos executivos pelo que a execução mantém neles a sua base.
Por isso que ela deverá prosseguir, simplesmente se operando a redução da quantia exequenda em conformidade com os valores que foram apurados como realmente em dívida – in casu, € 15.456,00, resultante do abatimento das importâncias vindas de decidir e das que foram apuradas pelo Tribunal a quo: 338,68+4.044,00+800,00+1.606,97 = € 6.789,65.
Posto que o abatimento se fez no capital, deverão ainda abater-se os juros de mora liquidados pela Exequente sobre a(s) referida(s) quantia(s).
E uma vez que as livranças foram preenchidas por valor superior ao que se apurou, deverá descontar-se nas quantias debitadas a título de Imposto do Selo – alíneas j) a m) do n.º 11 – o proporcional ao valor do preenchimento em excesso.
Não há, pois, lugar ao arquivamento da execução, impondo-se negar provimento a esta parte do recurso.
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C)DECISÃO
Considerando quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e, alterando a decisão impugnada, julgam extinta a execução no que concerne ao valor, já apurado, de € 6.789,65 (seis mil setecentos e oitenta e nove euros e sessenta e cinco cêntimos) acrescida dos proporcionais do Imposto do Selo relativamente ao valor das livranças em excesso, e ainda dos juros de mora liquidados pela Exequente sobre os valores referidos.
Custas dos embargos e da apelação pelos Embargantes/Apelantes e pela Embargada/Apelada, na proporção de 60% para os primeiros e 40% para a segunda.
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Guimarães, 29/09/2016
(escrito em computador e revisto)
(Fernando Fernandes Freitas)
(Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista)
(Maria de Fátima Almeida Andrade)