Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | VERA SOTTOMAYOR | ||
| Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL NULIDADE DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO MEDIDA CONCRETA DA COIMA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 06/27/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | I – O auto de noticia reporta a infração que o autuante tenha pessoalmente constatado quer por perceção direta, no momento da ocorrência, quer por perceção mediata, aquando da verificação documental ou outra. II - Verifica-se a insuficiência da decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito, ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada nomeadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão e cujo apuramento conduziria à solução legal. III - Em matéria contraordenacional a medida da culpa não funciona isoladamente como o limite máximo da medida da coima, até porque a culpa contraordenacional consiste apenas num desvio do agente relativamente ao papel social que constitui o padrão no sector de atividade em que ele opera. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães 1. RELATÓRIO No âmbito da decisão administrativa proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho – ... -, que deu origem aos presentes autos foi à arguida EMP01..., LDA aplicada a coima única de €9.300,00, pela prática da contraordenação prevista e punida pelos artigos 79.º n.º 1 e 171.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4/09 (doravante NLAT), por falta e seguro de acidentes de trabalho relativamente a 4 dos seus trabalhadores. A arguida não concordando com a decisão administrativa recorreu para o Tribunal da Comarca de ..., Juízo do Trabalho, peticionando a sua absolvição pela prática da infração. Recebido o recurso, procedeu-se à realização de audiência de julgamento na 1ª instância e seguidamente foi proferida sentença a qual confirmou a decisão administrativa e terminou com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto decide-se: Condenar a arguida no pagamento da coima única de €9.300,00 (sendo solidariamente responsável o seu legal representante AA), pela prática negligente de uma contra-ordenação p.p. no artº. 79, nº. 1, e artº. 171, nº. 1, da Lei 98/2009, de 4/9 (falta de seguro de acidentes de trabalho relativamente a quatro dos seus trabalhadores. Custas pela arguida, fixando-se em 2UCs. a taxa de justiça. Notifique e comunique.“ A arguida inconformada com esta decisão recorreu para este Tribunal da Relação de Guimarães pedindo a revogação parcial da sentença e motivando o seu recurso com as seguintes conclusões: “I- A recorrente não se poderá conformar na total omissão de pronuncia da sentença recorrida no que concerne ao benefício económico que alegadamente a Recorrente retirou da prática da infracção, bem como da sua situação económica, padecerá, a mesma, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a), n.º 2 do art.410.º do Código de Processo Penal. II- Conforme explano do recurso de impugnação judicial, à data dos factos a recorrente prosseguia uma actividade deficitária, fechando o exercício de 2022 com o prejuízo na ordem dos €97000,00. III- Da sentença recorrida não se alcança qualquer menção a tal situação económica, antes de concluindo que a recorrente com a prática da infracção imputada teria tido um beneficio económico equivalente ao prémio de seguro que não tinha pago. IV- Ora, resulta clarividente da matéria de facto dada como provada que não foi levada em linha de conta a situação económica da recorrente aquando da (falta) de ponderação da medida da pena. V- VI- A falta de tais requisitos determina a nulidade da decisão, de harmonia com o disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal. VII- O auto de notícia que é elaborado aos 23 de fevereiro de 2023, com referência ao dia 02 de fevereiro encontra-se inquinado, porquanto é impossível que a inspetora tenha fiscalizado o local de modo pessoal e direto, em razão do encerramento do estabelecimento no dia 02 de fevereiro. VIII- Os factos constantes do auto de noticia a que se refere o artigo 15.º da zLei n.º 107/2009, de 14-09, devem ser relatados com suficiente pormenor para poderem ser apreendidos pela recorrente e, se for o caso, por ele contestados, o que, no caso, não acontece, inquinando-se e ferindo-se o direito da participação da Recorrente no processo. IX- O auto de notícia é nulo, pois não existe respeito pelos pressupostos, situação que é imposta pela Lei n.º 107/2009, nomeadamente nos artigos 13.º, 15.º e 17.º, qual seja a elaboração – pelo inspector do trabalho – e a posterior notificação ao Arguido do auto de notícia ou da participação. X- Ao ter sido pedido, a “apólice do seguro de acidentes de trabalho” e, ainda, o último recibo do seu pagamento, tendo sido remetido, no dia em que o e-mail foi lido pela Recorrente, os documentos solicitados, todos em vigor, não existe qualquer fundamento. XI- A referência a uma data de 02 de fevereiro, sem qualquer prova de que pudesse ter existido qualquer infracção nesse momento, não pode ter a virtualidade de fazer retroagir a essa data o levantamento do auto de notícia. XII- A recorrente não pode deixar de impugnar a concreta data a que o auto faz referência, tanto mais que o referido artigo 13.º da Lei 107/2009, não refere que o auto pode ser pode ser elaborado em data discricionariamente escolhida pelo inspector. XIII- No dia 2 de Fevereiro não constatou a Sra. Inspectora do Trabalho qualquer infracção que pudesse fundamentar o levantamento de um auto de notícia. XIV- Foi apenas em data posterior ao dia 8 de Fevereiro de 2023 que a entidade autuante terá levantado o auto de noticia, contudo, de forma errónea e ilegal atribuindo-lhe a data de dia 2 de Fevereiro. XV- Impugna-se a autenticidade e a veracidade do teor do auto de noticia e dos factos materiais ali insertos, o que se faz nos termos do artigo 13.º, n.º 3 da Lei 107/2009, o que se invoca para os devidos efeitos legais. XVI- Terá sido apenas com a resposta da recorrente de 8 de Fevereiro que a entidade autuante entendeu levantar o auto de notícia, mas, datando-o incompreensivelmente em data anterior. XVII- O que reveste de manifesta ilegalidade, na medida em que a entidade autuante visa aproveitar a informação transmitida pela recorrente quando refere que tem contratada uma apólice de seguros de trabalho desde o dia ../../2023. XVIII- Note-se que a entidade autuante não verificou qualquer infracção em função do encerramento da unidade comercial/industrial da recorrente. XIX- Pelo que, a menos que tivesse dotes de adivinhação e não tem, a entidade autuante ilegalmente reporta o auto de notícia ao dia 02.02.2023, quando, conforme resulta do processo, nesse dia não teve e não podia ter verificado qualquer suposta infracção. XX- A Recorrente tinha seguros e procedeu e procede à junção de comprovativo da existência e vigência da respectiva apólice. XXI- A recorrente teve, no ano de 2022, resultados negativos na ordem dos €97.000,00 (noventa e sete mil euros). XXII- Como tal, na mera hipótese académica que a recorrente não pode deixar de equacionar de o recurso não proceder, sempre a coima terá que ser aplicada na medida dos rendimentos auferidos. XXIII- Como ensina FIGUEIREDO DIAS ( Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121): “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma XXIV-no caso de se provar a prática de qualquer infracção pela recorrente, o que não se concebe ou concede, a sua culpa, a título de negligência é muito inferior medida à pena que lhe foi aplicada. XXIV- Ainda que a recorrente não tenha transmitido o relatório dos seus rendimentos nos termos da Portaria 55/2010, de 21/1, não pode legitimar, quer ao abrigo dessa disposição legal, quer ao abrigo do artigo 554.º do CT, que a pena a aplicar tenha por base que rendimentos superiores a10.000.000,00 (dez milhões de euros), nos termos do disposto no n.º 8 do referido artigo. XXV- De facto, mesmo na hipótese académica de que recorrente obter um proveito ou beneficio económico com a fracção que lhe é assacada, tal beneficio não é maior do que os prémios de seguro de trabalho que, nessa circunstância, poderia haver poupado e que, no caso, não excede o montante de €770,00 (setecentos e setenta euros). XXVI- Tal solução legal é até inconstitucional que aplica a uma infracção de cariz meramente contraordenacional uma pena que excede intoleravelmente a culpa, que no caso reveste um comportamento negligente, pelo que a medida da pena terá de ser adequada e aplicada em função da medida da culpa da recorrente em detrimento da aplicação de normas totalmente desfasadas do regime contraordenacional e por inerência, dos princípios enformadores do direito penal. XXVII- Assim, salvo o devido respeito, a coima a aplicar não poderá ser a multa sindicada pelo inequívoco facto de a mesma exceder de forma intolerável a culpa do infractor. XXVIII- E, nessa medida, aplicando-se o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 554.º do Código do Trabalho, sempre será de aplicar uma coima de 20 UC a 40 UC. XXIX- Em face do exposto, a douta sentença recorrida viola o disposto 40.º e 71.º do Código Penal e os artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) do CPP. TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO, Se requer muito respeitosamente a V/ Exa. que julgue a presente recurso totalmente procedente por provado, e, em consequência, deverá ser revogada a sentença recorrida. Subsidiariamente, A ser aplicada alguma coima, o que jamais se concede, deverá a mesma ser enquadrada nos termos da aliena a) do n.º 4 do artigo 554.º do Código do Trabalho, não excedendo as 20 UC. Fazendo, assim, V/Exa., a inteira e habitual JUSTIÇA!!!.” O Ministério Público respondeu ao recurso ...”Por todo o exposto, entendemos que se deve manter nos seus precisos termos a douta sentença recorrida....” * Remetidos os autos para este Tribunal da Relação de Guimarães, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser dado provimento parcial ao recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir. * Objecto do RecursoUma vez que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente na sua motivação – artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1, ambos do C.P.P. e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14/09. Tendo em atenção as conclusões de recurso, as questões que importa apreciar são as seguintes: - Nulidade do procedimento contra ordenacional – arts. 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 al. a) do CPP; - Insuficiência da decisão da matéria de facto provada nos termos do art.º 410.º n.º 2, als. a) e b) do CPP; - Desadequação da determinação concreta da coima. Fundamentação de facto O Tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto. 1 – A arguida exerce a actividade principal de transporte rodoviário de mercadorias, não tendo indicado o seu volume de negócios no relatório único. 2 – No dia 2 de Fevereiro de 2023, a arguida tinha ao seu serviço, sob as suas ordens e direcção, os seguintes trabalhadores: BB CC DD EE 3 – Naquela data, a arguida não tinha transferido a sua responsabilidade por acidente de trabalho para qualquer entidade seguradora, abrangendo aqueles trabalhadores, a qual só veio a ocorrer posteriormente. * Fundamentação de direitoDa nulidade do procedimento contra ordenacional – arts. 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 al. a) do CPP. Insurge-se a Recorrente quanto ao auto de noticia dizendo que o mesmo é nulo, por ter sido elaborado sem a verificação dos pressupostos impostos pelos artigos 13.º, 15.º e 17.º da Lei n.º 107/2009. Como é consabido e tal resulta do prescrito no art.º 13.º n.º 2 do regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social (Lei n.º 107/2009, de 14.09, doravante RPCLSS) o inspetor do trabalho ou da segurança social deve levantar auto de noticia quando no exercício das suas funções verificar ou comprovar, pessoal e diretamente, ainda que por forma não imediata qualquer infração a normas sujeitas à fiscalização da respetiva autoridade administrativa sancionada com coima. O auto de notícia reporta às infrações que o autuante tenha pessoalmente constatado ainda que de forma não imediata. Neles se incluem os casos em que o autuante comprova pessoalmente a verificação dos elementos constitutivos do tipo legal, seja por perceção direta no momento da ocorrência, seja por perceção mediata, mediante verificação documental ou outra. No caso em apreço, tal como resulta quer da decisão administrativa, quer da decisão recorrida, o auto foi regularmente lavrado, sem violação ou inobservância de qualquer uma das disposições legais invocadas pela recorrente. Compulsados os autos e analisado o auto de noticia bem como as notificações efetuadas à arguida, constatamos que o mesmo foi elaborado por inspetor do trabalho, após ter reunido todos os elementos que lhe permitiram concluir, sem qualquer margem para dúvida, pela imputação da infração à recorrente, dele se tendo feito constar todos os pressupostos a que alude o artigo 15.º do RPCLSS, designadamente a descrição dos factos integradores da prática da infração, dando a conhecer todos os aspetos relevantes quer de facto, quer de direito de forma a proporcionar o exercício do direito de defesa da arguida. Com efeito, os factos em causa dependiam única e exclusivamente de prova documental tendo a arguida sido notificada por várias vezes para comprovar a celebração do contrato de seguro de acidentes de trabalho a favor dos seus trabalhadores, que estivesse em vigor no dia da visita inspetiva, que só não se concretizou porque a arguida tinha as suas instalações encerradas, o que determinou desde logo a sua notificação para juntar os documentos que a inspetora do trabalho entendeu serem necessários. A infração em causa respeita à falta de transferência da responsabilidade pela a ocorrência de acidentes de trabalho para entidade legalmente autorizada relativamente a 4 trabalhadores e a arguida/recorrente sustenta a sua pretensão na discrepância temporal entre a ação inspetiva e a data do levantamento do auto, esquecendo que o auto de noticia pode ser levantado de forma mediata, no caso de não verificação imediata da infração, designadamente, como sucede no caso, a infração só é comprovada através da prova documental. Não tendo os documentos sido exibidos aquando da realização da inspeção, mas sim, apenas aquando da sua apresentação junto do inspetor, a constatação da infração ocorre com a verificação documental e por perceção mediata. Só com a junção dos documentos é que é possível verificar a reunião de todos os elementos integradores da prática de infração. Acresce ainda dizer que não resulta da lei que o auto de noticia tenha de ser levantado imediatamente após ou com a verificação de uma infração laboral, não sendo obrigatório o levantamento do auto de noticia nem no dia da inspeção, nem em qualquer outro dia, apenas resulta do prescrito no artigo 14.º do RPCLSS que o inspetor do trabalho pode levantar o auto assim que verifique e comprove a ocorrência de infração laboral. Na verdade, a verificação da prática da infração não ocorreu no dia da visita inspetiva, mas apenas com a falta de junção de documento comprovativo da existência de seguro de acidentes de trabalho válido, reportado ao dia da inspeção, e isto, na sequência da notificação da arguida para apresentar tal documento. Só no momento em que se esgotaram as possibilidades da arguida fazer prova da existência e seguro de acidentes de trabalho em vigor à data da inspeção é que a Sr. Inspetora pode constatar a prática da infração e consequentemente procedeu à elaboração do auto. Em suma, o auto de noticia reporta a infração que o autuante tenha pessoalmente constatado quer por perceção direta, no momento do ocorrência, quer por perceção mediata, aquando da verificação documental ou outra.[1] Não padece o auto de noticia de qualquer nulidade, improcedendo quanto a esta questão o recurso. - Insuficiência da decisão da matéria de facto provada nos termos do art.º 410.º n.º 2, al. a) do CPP Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de a decisão recorrida ser totalmente omissa no que concerne ao benefício económico que alegadamente a Recorrente retirou da prática da infração, bem como da sua situação económica, sendo certo que no recurso de impugnação judicial se alegou que à data dos factos a recorrente prosseguia uma atividade deficitária, fechando o exercício de 2022 com o prejuízo na ordem dos €97000,00. Padece por isso a decisão recorrida do vício da insuficiência da matéria de facto provada a que alude a alínea a), n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal, o que determina a nulidade da decisão, de acordo com o disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal. Para a resolução desta questão importa ter presente o que de relevante consta da decisão recorrida. Foram considerados provados os seguintes factos: - A arguida exerce a actividade principal de transporte rodoviário de mercadorias, não tendo indicado o seu volume de negócios no relatório único. Na motivação da decisão da matéria de facto consignou-se a este propósito o seguinte: “a arguida não pôs em causa, igualmente, que não tenha indicado o seu volume de negócios no relatório único” Na fundamentação de direito a este propósito consignou-se o seguinte: “Por fim, alega a arguida que não foi verdadeiramente tida em consideração a sua situação económica e a vantagem económica que resulta da eventual prática da infracção. A vantagem económica é evidente nestas situações e é a que resulta de não ter tido que pagar o competente prémio. E, acrescente-se, na medida em que não havia outros elementos que permitissem graduar o montante da coima, esta foi fixada, e bem, quase no limite mínimo. Assim, não se verifica nenhum dos vícios invocados pela arguida.” E mais à frente ainda se afirma o seguinte: “Assim, e por se concordar na íntegra com a decisão administrativa, quer no que se refere ao direito aplicado quer no que se refere às circunstâncias que determinaram a medida da sanção aplicada (muito próxima do mínimo legal), mantém-se essa decisão condenatória, declaração que é efectuada nos termos do artº. 39, nº. 4, da Lei 107/09, de 14 de Setembro.” Os vícios a que alude o n.º 2 do art.º 410.º do CPP são vícios decisórios que traduzem defeitos estruturais da sentença e por isso só podem resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum. O seu regime legal não prevê a reapreciação da prova – que aliás nesta sede não é sequer admissível –, limitando-se a atuação do tribunal de recurso à deteção do defeito presente na sentença e, não podendo saná-lo, determina o reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento - cfr. art. 426º, nº 1 do CPP. Verifica-se a insuficiência da decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada nomeadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal[2]. De tudo isto resulta manifesto que a entidade administrativa apesar de estar desprovida de qualquer elemento relativo à situação económica da arguida fixou a coima muito próximo do seu limite mínimo legal, o que mereceu a concordância do tribunal a quo, não se vislumbrando assim qualquer interesse no apuramento da real situação económica da arguida. Defende a recorrente que o Tribunal a quo omitiu o conhecimento da situação económica da recorrente relevante para a boa decisão da causa, uma vez que na fixação concreta da coima deve ser tida em atenção a condição económica da arguida. Na verdade, a decisão recorrida não considerou provado qualquer facto relativo à situação económica da arguida. Contudo relevando a condição económica da arguida fundamentalmente para o apuramento do montante concreto da coima e tendo sido esta fixada muito perto do seu limite mínimo (€9.180,00), pressupõe a consideração, pela 1.ª instância, de existência de uma situação económica débil, sendo certo que em face das considerações efetuadas na decisão recorrida podemos concluir, sem mais, pelo acerto da decisão, no que respeita à coima fixada. Com efeito, a real, mas desconhecida situação económica-financeira da recorrente não comporta, em nossa opinião, a fixação da coima em montante inferior, como aliás pretende a recorrente, razão pela qual podemos concluir pela inexistência de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quanto à concreta questão do apuramento da situação económica da recorrente, visando a fixação do quantitativo da coima em valor inferior. Ou seja, ainda que se viesse a concretizar em sede de matéria de facto a situação económica da arguida, tal não conduziria à alteração da coima aplicada uma vez que esta foi fixada em montante muito próximo do mínimo legal. A decisão recorrida não padece assim de qualquer nulidade, designadamente da prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, uma vez que da sua fundamentação consta a enumeração dos factos provados, bem como a exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, tendo ainda que por suposição sido considerada a situação economicamente débil da recorrente para efeitos de determinação do quantitativo da coima a aplicar. Como bem refere o Sr. Procurador Adjunto em sede de contra-alegação “Dissecando a fundamentação da matéria de facto constata-se que dela constam os critérios de valoração do facto ilícito típico e da sua censurabilidade.” Improcede o invocado vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação. - Desadequação da determinação concreta da coima Insurge-se o Recorrente quanto ao facto da pena que lhe foi aplicável exceder intoleravelmente a culpa, que no caso reveste um comportamento negligente, devendo a medida da pena ser adequada e aplicada em função da medida da culpa da recorrente. Conclui pela violação do disposto no art.º 40.º e 70.º do Código Penal. Desde já se nos afigura dizer que não assiste razão ao recorrente. Vejamos: Prescreve o art.º 554.º do CT o seguinte: 1 - A cada escalão de gravidade das contra-ordenações laborais corresponde uma coima variável em função do volume de negócios da empresa e do grau da culpa do infractor, salvo o disposto no artigo seguinte. 2 e 3 (…) 4 - Os limites mínimo e máximo das coimas correspondentes a contra-ordenação muito grave são os seguintes: a) Se praticada por empresa com volume de negócios inferior a (euro) 500 000, de 20 UC a 40 UC em caso de negligência e de 45 UC a 95 UC em caso de dolo; b) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 500 000 e inferior a (euro) 2 500 000, de 32 UC a 80 UC em caso de negligência e de 85 UC a 190 UC em caso de dolo; c) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 2 500 000 e inferior a (euro) 5 000 000, de 42 UC a 120 UC em caso de negligência e de 120 UC a 280 UC em caso de dolo; d) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 5 000 000 e inferior a (euro) 10 000 000, de 55 UC a 140 UC em caso de negligência e de 145 UC a 400 UC em caso de dolo; e) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 10 000 000, de 90 UC a 300 UC em caso de negligência e de 300 UC a 600 UC em caso de dolo. 5 - O volume de negócios reporta-se ao ano civil anterior ao da prática da infracção. 6 - Caso a empresa não tenha actividade no ano civil anterior ao da prática da infracção, considera-se o volume de negócios do ano mais recente. 7 - No ano de início de actividade são aplicáveis os limites previstos para empresa com volume de negócios inferior a (euro) 500 000. 8 - Se o empregador não indicar o volume de negócios, aplicam-se os limites previstos para empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 10 000 000. 9 - A sigla UC corresponde à unidade de conta processual.” E prescreve o artigo 559.º do CT o seguinte: “Determinação da medida da coima 1 - Na determinação da medida da coima, além do disposto no regime geral das contra-ordenações, são ainda atendíveis a medida do incumprimento das recomendações constantes de auto de advertência, a coacção, falsificação, simulação ou outro meio fraudulento usado pelo agente. 2 - No caso de violação de normas de segurança e saúde no trabalho, são também atendíveis os princípios gerais de prevenção a que devem obedecer as medidas de protecção, bem como a permanência ou transitoriedade da infracção, o número de trabalhadores potencialmente afectados e as medidas e instruções adoptadas pelo empregador para prevenir os riscos. 3 - Cessando o contrato de trabalho, no caso de o arguido cumprir o disposto no artigo 245.º e proceder ao pagamento voluntário da coima por violação do disposto no n.º 1 ou 5 do artigo 238.º, no n.º 1, 4 ou 5 do artigo 239.º ou no n.º 1, 2 ou 3 do artigo 244.º, esta é liquidada pelo valor correspondente à contra-ordenação leve.” Por fim, prescreve o art.º 18.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) o seguinte: Regime Geral das Contraordenações ou RGCO “Determinação da medida da coima 1 - A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação. 2 - Se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido. 3 - Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade. Na sentença consignou-se o seguinte a propósito da determinação concreta da coima a aplicar: “No que se refere ao montante da coima, entende a arguida que deveria ser enquadrada na al. a), do nº. 4, do artº. 554, do C. trabalho, devendo ser-lhe aplicada uma coima de 20 a 40 UCs, pois que estaria ilidida a “presunção” do nº. 8, do referido normativo legal. Ora, com o devido respeito por opinião contrária, aquele normativo não estabelece qualquer presunção: Na realidade, o que ali se lê é: “se o empregador não indicar o volume de negócios, aplicam-se os limites previstos para empresa com volume de negócios igual ou superior a €10.000,00”. Da mesma forma que no nº. anterior se diz que “no início da actividade são aplicáveis os limites previstos para empresa com volume de negócios inferior a €500.00”. Em nenhum destes casos, a lei presume que as empresas têm o volume de negócios que ali se indica, limitando-se a dar uma solução para as situações em que não é possível verificar qual foi o volume de negócios da empresa infractora. Sejamos claros neste aspecto. Nos termos do artº. 32 da Lei 105/2009, de 14/9, e da Portaria 55/2010, de 21/1, os empregadores estão obrigados a enviar, todos os anos, o relatório único aos serviços inspectivos do trabalho, sendo que desse relatório tem que constar o volume de negócios do ano anterior. Se não o fizer, uma das consequências é que, em caso de infracção, será a empresa infractora incluída no escalão máximo constante da al. e) do nº. 4, do artº. 554, não sendo admissível prova em contrário. Foi o que aconteceu neste caso. Assim, e por se concordar na íntegra com a decisão administrativa, quer no que se refere ao direito aplicado quer no que se refere às circunstâncias que determinaram a medida da sanção aplicada (muito próxima do mínimo legal), mantém-se essa decisão condenatória, declaração que é efectuada nos termos do artº. 39, nº. 4, da Lei 107/09, de 14 de Setembro.” Do quadro legal sancionatório resulta que a moldura abstrata das coimas é proporcional à gravidade da infracção, ao grau de culpa do infrator e à situação económica do infrator. Nas situações em que não é possível apurar o volume de negócio ou nas situações em que o empregador não o indique, o n.º 8 do citado artigo 554.º do CT estabelece o escalão de gravidade aplicável. Esta solução normativa, bem como o escalão de gravidade da contraordenação laboral, por falta de colaboração do empregador ao não indicar o volume de negócios, não enferma de qualquer inconformidade jurídico-constituconal, aliás, porque a norma não veda a possibilidade do infrator alegar e demonstrar qual o seu efetivo volume de negócios. A arguida teve oportunidade de apresentar o relatório único, ou qualquer outro documento, de forma a lograr provar o seu real volume de negócio e não o tendo feito, a consequência daí decorrente apenas a si é imputável. Acresce dizer que na determinação da medida concreta da coima, há que ter em atenção que as finalidades das coimas se resumem à prevenção geral e são basicamente as seguintes: restabelecer a expectativa normativa violada pela infração; e reafirmar-expressar que o projeto ilícito não vingou (função reafirmativa-expressiva da coima) e que o infrator não beneficiou das vantagens patrimoniais ou económicas que pretendia alcançar (função confiscatória da coima). Essas finalidades podem resumir-se na ideia de prevenção geral positiva ou integradora complementada pela prevenção geral negativa ou dissuasora. (cf. Augusto Silva Dias, Direito das Contraordenações, Almedina, página 165). O que significa que em matéria contraordenacional a medida da culpa não funciona isoladamente como o limite máximo da medida da coima, até porque a culpa contraordenacional consiste apenas num desvio do agente relativamente ao papel social que constitui o padrão no sector de atividade em que ele opera. Por fim, importa referir que a coima tem também por função absorver as vantagens económicas provenientes da infração, sendo certo que a culpa não determina isoladamente o limite máximo da coima. A coima em causa foi graduada de modo adequado e proporcional à gravidade da infração cometida, em face dos factos apurados, pois trata-se de uma infração considerada de muito grave, tendo sido fixada, em €9.300,00, o que corresponde praticamente ao seu mínimo legal, não se vislumbrando qualquer desproporcionalidade entre a aplicação da coima e os fins visados. Importa ainda referir que está em causa a prática de uma infração muito grave e basta atentar no prescrito no art.º 171.º n.º 1 da NLAT para se concluir que em situações, como é o caso, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, atenta a natureza da infração praticada. Sendo, objetivamente muito grave que, um qualquer empregador, mantenha ao seu serviço, sob as suas ordens e direção trabalhadores, sem transferir a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes de acidente de trabalho, independentemente, do número, um ou mais, independentemente do tempo que demorou a regularizar a situação e independentemente do motivo. Em suma, a medida concreta da coima fixada pelo Tribunal a quo em €9.300,00, quase fixada no seu limite mínimo (€9.180,00), não ultrapassa o limite que resulta da ponderação conjunta da culpa, do grau de ilicitude, das exigências de prevenção geral, ou que esse valor tenha um impacto negativo desproporcional na vida económica da arguida, tendo em conta que não se apurou o seu volume de negócios. Pelo que improcede também neste segmento o recurso. Decisão Pelo exposto e nos termos dos artigos 50.º e 51.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas do recurso a cargo da arguida/recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC. Após trânsito em julgado comunique à ACT com cópia certificada do acórdão. Guimarães, 27 de Junho de 2024 Vera Maria Sottomayor (relatora) Maria Leonor Barroso Francisco Sousa Pereira [1] Neste sentido Ac. do TRG de 18.11.2021, proc. n.º 404/20.6T8GMR.G1, consultável em www.dgsi.pt [2] Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69 |