Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
347/04.T8VCT.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: EXCESSO DE PRONÚNCIA
ACIDENTE DE TRABALHO
PRESTAÇÕES EM ESPÉCIE
PRAZO DE CADUCIDADE
AJUDA TÉCNICA DE ADAPTAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
IDONEIDADE DO MEIO
INCIDENTE DE REVISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O erro da forma de processo não implica excesso de pronuncia. Para ocorrer este é necessário que o julgador aprecia questões não colocadas ou de que não possa conhecer oficiosamente, independentemente da inadequação ou não do meio empregue.
O pedido de ajuda técnica, ou outras prestações em espécie, podem ser efetuadas por simples requerimento, não necessitando ser requeridas em incidente de revisão de pensão, e não dependendo de alteração na capacidade de ganho.
Ocorrendo em concomitância uma alteração na capacidade de ganho, devem então ser formulados os pedidos relativos a tais prestações em espécie, no âmbito de tal incidente.
Às prestações em espécie, não á aplicável o prazo de caducidade de 10 anos, referido no nº 2 do artigo 25º da L. 100/97.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

AA apresentou-se, com o patrocínio do Ministério Público, a reclamar da entidade seguradora, EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., a satisfação da prestação, sob a forma de ajuda técnica, de que se declarou carecido, e cuja atribuição lhe foi pela referida entidade recusada, consistente na adaptação de veículo automóvel, com mudanças automáticas, devido às limitações de que ficou a padecer ao nível do membro inferior esquerdo, impeditivas da utilização desse membro em condução autónoma de veículo sem a reivindicada adaptação.
Notificada para exercer o contraditório, a entidade seguradora, louvada em avaliação realizada pelos respetivos serviços clínicos, posicionou-se no sentido da desnecessidade da ajuda técnica pretendida pelo sinistrado – cfr. fls. 218. ---
Tendo em vista a apreciação da pretensão formulada, solicitou-se ao GML que procedesse a exame do sinistrado, bem como ao apuramento da necessidade da ajuda técnica por ele reclamada, tendo a referida entidade, precedida de avaliação realizada pela EMP02... – Unipessoal, Ldª., elaborado o relatório pericial de fls. 242 e 243, no qual concluiu que o sinistrado apresenta limitações de mobilidade, ao nível do membro inferior esquerdo, que lhe permite, conduzir veículos das categorias B e B1, contanto que adaptados com embraiagem automática. ---
- Por decisão de 9/11/2023 julgou-se procedente a pretensão, condenando-se a seguradora a satisfazer a prestação em espécie consistente na adaptação do seu veículo com embraiagem automática.
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Inconformada a seguradora interpõe recurso apresentando as seguintes conclusões:

1. A Sentença é nula, nos termos do nº 1, al. d) do art.º 615 do CPC, por não poder conhecer da questão suscitada relativa à pretensão do sinistrado de obter a adaptação do veículo automóvel, pois que a mesma carece de ser invocada em sede de incidente de revisão – nos termos das disposições conjugadas dos arts.º 145º do CPT e 10 e 25 da Lei 100/97 de 13 de setembro, aplicável ao caso.
2. A sentença é nula, nos termos do nº 1, al. b) do art.º 615 do CPC, na medida em que não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo parca na sua fundamentação e descurando o que se encontra expressamente previsto no nº 4 do art.º 607 do CPC, por não apresentar motivação nem demonstrar inequivocamente de onde retira as ilações ou os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.

4. Além de considerar possível tal pretensão sem a instauração de um incidente de revisão e decorridos já mais de dez anos desde a fixação da incapacidade ao sinistrado, o Tribunal a quo entende que tratando-se do fornecimento de uma ajuda técnica a mesma é atendível, independentemente de limitação temporal.
5. A Entidade Responsável se não pode conformar com esta decisão, pelo que dela recorre.
6. O sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho ocorrido a 2 de abril de 2003, resultando-lhe a consolidação médico-legal a 18 de março de 2004 e tendo-lhe sido fixada por sentença uma IPP correspondente a 11,560%.
7. Por sentença de 16 de dezembro de 2008, no âmbito de incidente de revisão de incapacidade impulsionado por aquele, foi reavaliada a sua situação clínica, e agravada a IPP para 18,300%, sem atribuição de quaisquer ajudas técnicas.
8. Nenhuma consideração foi apontada pelo INML ou pelo sinistrado sublinhando que em consequência das lesões sofridas no acidente de trabalho havia deixado de poder conduzir, beneficiando de adaptação de veículo automóvel como ferramenta de reabilitação funcional, nem nunca ficou demonstrado que o sinistrado apenas conseguia conduzir veículos com caixa automática.
9. A questão da adaptação do veículo apenas veio a ser levantada pelo sinistrado em 2022 por mero requerimento, decorridos catorze anos desde a última fixação de incapacidade e avaliação do estado geral do mesmo sem que, tenha provado terem-se alterado as circunstâncias em termos sequelares que sustentassem também a alteração das suas necessidades técnicas.
10. Tratando-se de um sinistro ocorrido em 2003, o regime da sua reparação rege-se pela Lei n.º 100/97 de 13 de setembro de 1997.

12. Reforce-se que o sinistrado nunca levantou a questão da necessidade de adaptação de veículo, não tendo igualmente o INML – que sempre enuncia as ajudas técnicas necessárias - erigido qualquer consideração sobre esse facto, o que quer significar que as sequelas decorrentes daquele sinistro não provocaram a necessidade agora apontada.
13. Ora, ao abrigo da lei aplicável ao acidente em apreço, o sinistrado tem direito a beneficiar das prestações em espécie necessárias, avaliadas ao tempo da fixação da incapacidade tendo em conta o quadro clínico e sequelar daquele, ou revistas, durante um determinado período considerado suficiente e cujo decurso sem alterações permite estabelecer uma presunção de consolidação e de estabilização das lesões – e consequentemente das necessidades técnicas.

16. A adaptação do veículo automóvel corresponde a uma prestação, sob a forma de ajuda técnica que necessita de ser avaliada em sede de exame de revisão.
17. Tal necessidade adensa-se na medida em que o sinistrado o requer, não provando uma qualquer alteração do estado sequelar, tendo, muito pelo contrário, resultado claro da análise do Relatório do INML junto aos autos que aquele mantém a situação sequelar inalterada, referindo que “o perito médico é do parecer que não há agravamento da mesma [IPP] segundo a T.N.I.”
18. Ora, mantendo-se a situação clínica verificada ao tempo da fixação de incapacidade sem que tenha sido refutada a consolidação das lesões, está o Tribunal a quo a cometer vários erros decisórios.

20. Por outro lado, porque perante as mesmíssimas circunstâncias clínicas – já consolidadas pela presunção que o tempo impõe sem que tenha sido refutada – abre a porta a uma alteração inadmissível face ao quadro legal regente do acidente em apreço.
21. Finalmente, porque a sentença a quo a não apresenta motivações, é parca na sua fundamentação de facto e de direito e conclui sem qualquer referência aos documentos ou folhas dos autos de onde extrai tais conclusões – o que tem de acarretar a sua nulidade, nos termos do art.º 615 nº 1 al. b) do CPC.

26. Se dúvidas subsistissem bastava atentar na letra da NLAT – 98/2009 –, que, no seu art.º 70 nº 1, apenas clarificou o texto presente da Lei 100/97 acima transcrito quanto à revisão das prestações, substituindo “aplicação de prótese ou ortótese” por “aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais.”
27. Depreendendo-se que a intenção do legislador de submeter as questões de alteração de um estado de coisas já determinado, ao regime da revisão – mais garantístico para as partes.

30. Não se debate sobre o direito do sinistrado às prestações em espécie e ajudas técnicas – o que se discute é que, não tendo as mesmas sido fixadas num momento de avaliação inicial em que necessariamente tem lugar também a determinação das suas necessidades permanentes, estas venham a ser reclamadas à revelia do direito aplicável.
31. É que uma coisa corresponde à legitimidade de reclamação por virtude de a entidade responsável não se encontrar a cumprir uma determinada prestação que lhe ficou determinada; um outro plano, corresponde à tentativa de catorze anos volvidos pretender alterar os termos de um estado de coisas que se manteve inalterado no tocante às ajudas técnicas.

33. Pois que, vem o sinistrado pretender a uma prestação sob a forma de ajuda técnica, decorridos catorze anos da fixação da sua incapacidade – o que, logo de acordo com uma interpretação literal dos preceitos la Lei 100/97 já elencados, não se coaduna com o espírito da lei que pretendeu limitar temporalmente tal possibilidade.
34. Assim sendo, contrariamente à argumentativa plasmada na sentença a quo esta pretensão é inatendível porque, ainda que feita mediante o meio processual próprio, se demonstraria caducado o direito.
35. A justa reparação por acidentes de trabalho não exige que a lei ordinária consagre uma possibilidade ilimitada de revisão da incapacidade e refere-se que o prazo de dez anos é suficiente, pois o seu decurso sem alteração da incapacidade permite estabelecer uma presunção de consolidação e de estabilização das lesões.

43. E que por isso, se ao tempo da sua fixação não foram necessárias quaisquer ajudas técnicas, sendo as lesões recentes, não se esperaria que o fossem agora, na medida em que o estado clínico mantém-se inalterado após catorze anos.
44. Tais necessidades, a serem atendíveis, radicariam em razões que já não se prendem diretamente com as lesões decorrentes do acidente de trabalho, mas sim, do avançar da idade do sinistrado dado que já completou 73 anos.
45. Noutras palavras, entre o momento da fixação da pensão e o momento do atual decorreram catorze anos sem qualquer intercorrência relevante para que se afaste a presunção da consolidação e estabilização da situação clínica ou da necessidade de adaptação do veículo.
46. Pelo que seria por demais injusto e contra legem condenar a Recorrente à satisfação de tais prestações, muito menos, sem recurso aos expedientes garantísticos próprios.

49. Concluindo e não olvidando as nulidades de que se crê estar inquinada a sentença a quo, apresenta-se a ora Recorrente convicta de que a decisão nela contida deve ser alterada por não se consubstanciar conforme ao direito estabelecido.
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Em contra-alegações sustenta-se o julgado, referindo-se que só agora se levanta a questão do meio empregue, que não resulta da lei que a decisão sobre a eventual necessidade de ajudas técnicas, ou tratamentos, deve ser tomada, tão-só e apenas, por via do incidente de revisão, sem prejuízo de, ocorrendo agravamento e com fundamento nele, se deva a isso associar.
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A factualidade:

1. AA sofreu acidente de trabalho aos 02.04.2003. ---
2. Em resultado do mencionado evento, ficou o sinistrado a padecer de sequelas, em particular ao nível do membro inferior esquerdo, determinantes de IPP, entretanto revista, de 18,3%. -
3. O sinistrado apresenta, em decorrência das sequelas associadas ao sinistro que o vitimou, as seguintes alterações: ---
- Edema marcado do tornozelo e perna; ---
- Limitações de mobilidade na tibiotársica na flexão e extensão, que efetua até aos 10 graus. ---
4. Em decorrência das limitações que, como manifestação das sequelas que sofreu, ostenta, o sinistrado não se apresenta capaz de exercer a condução de veículos automóveis da categoria B e B1 que não se encontrem na condição de adaptados com embraiagem automática. ---

Ainda, esclarecendo:
- Por sentença datada de 4 de janeiro de 2005 foi fixada uma IPP correspondente a 11,560%.
- Veio a IPP inicialmente atribuída a ser agravada, por sentença de 16 de dezembro de 2008, no âmbito de incidente de revisão de incapacidade impulsionado pelo sinistrado, tendo-lhe sido fixada a IPP de 18,300%.
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Questões colocadas:
- Nulidade da sentença nos termos do nº 1, al. d) do art.º 615 do CPC – excesso de pronúncia -, por não poder conhecer da questão suscitada relativa à pretensão do sinistrado de obter a adaptação do veículo automóvel, pois que a mesma carece de ser invocada em sede de incidente de revisão.
- Nulidade da sentença nos termos do nº 1, al. b) do art.º 615 do CPC, na medida em que não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão / necessidade de invocação de ajuda técnica em incidente de revisão.
- Aplicabilidade do prazo de caducidade de 10 anos do artigo 25º, 2 da L. 100/97, às ajudas técnicas.
- Admissibilidade da pretensão, não atribuída aquando da fixação da incapacidade, por não ter ocorrido qualquer alteração na situação clínica.
- Quanto à factualidade; Falta de demonstração da necessidade de adaptação de veículo.
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Nulidade por excesso de pronúncia:
Refere a recorrente ocorrer a nulidade nº 1, al. d) do art.º 615 do CPC por não poder conhecer da questão suscitada relativa à pretensão do sinistrado de obter a adaptação do veículo automóvel, pois que a mesma carece de ser invocada em sede de incidente de revisão.
Parte a recorrente do pressuposto errado de que a inadequação do meio empregue implica que deixe de poder ser apreciada a questão colocada.
Ora, o excesso de pronúncia apenas ocorre quando o julgador aprecia questão que lhe não foi colocada pelas partes e de que não caiba conhecer oficiosamente – artigo 608º, 2 do CPC -, independentemente da propriedade do meio empregue.
O eventual “erro na forma de processo” – inadequação do meio processual utilizado”, tem regime próprio, constituindo nulidade processual - artigos 193º, 196º, 198º, 200º do CPC -. Considerada sanada a irregularidade, designadamente caso não seja apreciada no tempo legalmente previsto, a questão colocada deve ser apreciada pelo meio empregue, que pela sanação passa a ser o meio adequado.
Ora a ré nunca arguiu tal nulidade processual no processo, nem a mesma foi apreciada, não ocorrendo qualquer excesso de pronúncia, o julgador apreciou a questão colocada.
Sempre se refira que para a questão em apreço não era necessário requerer o incidente de revisão.

Tal não resulta da norma do artigo 25º da L. 100/97. Refere a norma no seu nº 1:
1 - Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
Resulta que o incidente está talhado para a alteração da prestação indemnizatória pecuniária – pensão, ou outras -. Assim refere-se que “as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas”. Tais prestações são as que resultam de uma “modificação da capacidade de ganho”, como no início da norma se circunscreve. Refere-se “quando se verifique modificação da capacidade de ganho”. O incidente respeita então às prestações que têm relação com a modificação da capacidade de ganho. E esta modificação pode resultar por qualquer dos motivos referidos na norma, conforme resultas do termo, “proveniente de…ou…”:
- Agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação;
-  de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese;
- De formação ou reconversão profissional.

A nova lei não altera o mecanismo, antes o mantendo, passando a referir “a prestação” em vez de “as prestações”. Refere o ora artigo 70:
1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
Como poderia estar em causa uma modificação na capacidade de ganho de um sinistrado com IPA?
Claro que se se colocar a questão da modificação na capacidade de ganho juntamente com a necessidade de outras prestações, em espécie, todas devem ser apreciadas e solicitadas no âmbito do incidente de revisão (Vd. Ac RC de 15.9.2016, processo nº 254/10.4TTFIG.1.C1, referido pelo recorrente, que aponta neste sentido e RG de 23-1-2024, processo nº 102/11.8TTGMR.1.G1). Saliente-se, em tais situações, a relevância central para todas as questões da modificação ao nível das lesões ou doença (sequelas).
Não é o caso dos autos, em que apenas está em causa “ajuda técnica”.
Improcede a alegação nesta parte.
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Nulidade por falta de fundamentação - nº 1, al. b) do art.º 615 do CPC. Refere não estarem especificados os fundamentos de facto e de direito.
Há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, ou quando tais indicações são de tal ordem deficientes que não permitem a perceção dos fundamentos de facto e de direito da decisão tomada. Tal nulidade tem a ver com o comando do artigo 607º, 3 do CPC.
 A nulidade por falta de fundamentação de facto a que se reporta o artigo, exige desde logo uma falta absoluta de fundamentação e não uma simples deficiência. Reporta-se tal fundamentação à referência, à concretização dos factos considerados provados. A exigência respeita essencialmente à “estrutura “da sentença. A nulidade consiste na falta absoluta de descriminação dos factos a considerar na sentença (os que resultam da base instrutória e outros a que deva atender-se - confissão escrita, acordo das partes, por documento com força probatória plena).
Por outro lado, a indicação dos preceitos legais aplicáveis constitui fundamentação suficiente da decisão – neste sentido, Ac. do STJ de 3/7/73, BMJ 229, pág. 155. 
Se a sentença enuncia a lei aplicável, de tal forma que a sua aplicação ao caso resulte lógica no discurso do decisor, não ocorre nulidade por falta de fundamentação.
Esta nulidade não ocorre de todo, pois na decisão vêm descritos os factos assentes, referenciando-se as normas e concluindo-se pela condenação da recorrente.
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- Aplicabilidade do prazo de caducidade de 10 anos do artigo 25º da L. 100/97 às ajudas técnicas.
A recorrente sustenta a caducidade com base no que refere o artigo 25º 2 da L. 100/97.

Diz o normativo:
“A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.”
Não restam dúvidas de que aquele prazo foi ultrapassado.
O recorrido sustente que tal prazo não é aplicável aos tratamentos e ajudas técnicas, e julgamos que com razão.
Importa desde logo ter em atenção os termos da norma, que se reporta exclusivamente, como atrás já referimos, à revisão da prestação(s) monetária(s) que visa(m) ressarcir a modificação na capacidade de ganho.
Por outro, o referido prazo (eliminado na nova LAT), constitui em si mesmo uma limitação à justa indemnização constitucionalmente consagrada no artigo 59º da CRP, no que tange a dano futuro.
Consequentemente, a norma constitui uma restrição a direito do sinistrado. A norma restritiva de direitos deve ser interpretada de forma restritiva, ou estrita, não comportando interpretações extensivas.
Não tem aplicação a este tipo de prestações o aludido normativo.
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A recorrente sustenta ainda a inadmissibilidade da pretensão, porque não atribuída aquando da fixação da incapacidade, e por não ter ocorrido qualquer alteração na situação clínica.
A norma do artigo 10º da L. 100/97. Atual artigo 23º da LAT (L. 98/2009), distingue as duas formas de reparação, reportando-se a reparação em espécie, da alínea a), à indemnização por reconstituição natural (na medida do possível). 
Refere a al. a), que o direito à reparação compreende:
“Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa”
A tese da recorrente implicaria que todo o dano futuro, ainda que não previsível no momento – tendo em conta a capacidade de previsão de um homem normal, medianamente diligente e avisado -, tivesse que ser peticionado e apreciado da ação, sob pena de não poder ser atribuído, a não ser que tal dano decorra de uma alteração nas sequelas decorrentes do sinistro, e por esta alteração determinado.
“Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. O dano futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá. No caso contrário, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível, não sendo indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer. O dano previsível certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível. Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético, podendo conhecer vários graus. O dano certo pode ser determinável quando pode ser fixado com precisão o seu montante, ou indeterminável, quando aquele valor não é possível de ser verificado antecipadamente à sua verificação [Ac. do STJ de 25/11/209, proc. 397/03.0GEBNV.S1 (Relator: Raul Borges), acessível in dgsi].
Para efeitos do nº 2 do art.564º do CC, são indemnizáveis não só os danos futuros previsíveis certos, como os futuros eventuais em que se possa prognosticar-se que o prejuízo venha a acontecer [ Ac. da RC de 18/2/2020, proc. 2133/16.2T8CTB.C1 (Relator: Jorge Arcanjo), acessível in dgsi].” – RP de 8-9-2020, processo nº 248/19.4T8PNF.P1.
Importa assim referir, que não podem ser proferidas sentenças condicionais – para o caso de o dano (direito) se vier a verificar – 10º e 610 do CPC. Como se refere no Ac. do STJ de 24/4/2013, processo nº 2424/07.3TBVCD.P1.S1:
“ Os ideais da certeza, confiança e da segurança que o nosso sistema jurídico confirma e que, também, estão constitucionalmente garantidos (art.º 2.º da C.R.Portuguesa), nunca poderiam consentir que a sentença, destinada a pôr fim ao processo, se pudesse envolver numa dubiedade que, inevitavelmente, transcorreria da reflexão a tomar sobre o conceito de condição.
O juiz há de dizer o direito de uma forma real e manifesta, isto é, com exatidão e firmeza, de forma a trazer a quietude social preconizada por um Estado de Direito; e a permissividade de uma sentença condicional, tal e qual a entendemos, porque eivada de um estímulo a congeminar um buscado estado de incerteza, não pode obter refúgio numa legislação que se concebe deveras afastada desta desaconselhada peculiaridade.
Mas as considerações que acabámos de traçar acerca da denominada “sentença condicional” não se estendem, naturalmente, à sentença de condenação condicional, ou seja, à sentença em que nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito, mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto.
Não existindo norma a impedir a prolação de uma sentença com este conteúdo, poderemos nós aceitá-la como afloramento do princípio estatuído no art.º 662.º do C.P. Civil, mais precisamente que o nosso ordenamento jurídico admite a validade de uma sentença de condenação condicional.
Vale isto por dizer que, não sendo tolerado que o julgador reconheça o direito ao autor, mas só o consigne desde que surja determinado e hipotético circunstancialismo jurídico-factual a condicionar os efeitos da sentença que o legitima (uma sentença condicional), já é aceitável que o juiz sentenceie no sentido de que a parte tem o direito por ela rogado na ação, mas apenas desde que ocorra estabelecida conjuntura, que enumera, para que ele se concretize (sentença de condenação condicional), porquanto, neste caso, não estamos perante uma incerteza que regule a eficácia da própria sentença, mas que apenas ajusta o seu modo de exercitação.”
O dano não previsível só pode ser peticionado depois da sua ocorrência. Segundo alguma jurisprudência logo que seja previsível.
Ora, determinadas ajudas técnicas podem não ser percebidas no momento temporal em que decorreu a demanda, só posteriormente se tornando manifesta a sua necessidade.
Esta relação apreciou pedido de veículo adaptado por sinistrado tetraplégico, que, entretanto, completara o 12º ano de escolaridade e realizou cursos de formação profissional, procurando emprego, necessitando de viatura para poder retomar a sua vida ativa - processo nº 439/03.0TUGMR.G1, de 30-11-2016 (Vera Sottomayor), em que ora relator foi adjunto, não publicado.
Tenha-se ainda em conta o caso paradigmático de a ajuda/intervenção, etc… decorrer do desenvolvimento científico, consequentemente inexistente à data da fixação dos danos e de “análise” das possibilidades de reconstituição natural, ou melhoria das condições do sinistrado; outra situação será a de o sinistrado não possuir viatura, nem sentir na ocasião necessidade dela, circunstância que as decorrências de vida alteraram; muitas outras situações se podem perspetivar no sentido de só posteriormente e quiçá bastante tempo depois, se tornar necessária a prestação em espécie.
Mesmo a circunstância, e indo ao caso, do mero decurso do tempo e consequente envelhecimento do sinistrado, pode implicar a necessidade de “apoios ou intervenções” tendo em vista a sua recuperação para a vida ativa, já que, mesmo sem agravamento das sequelas, a resposta do corpo a estas será diferente. Poderá ser menor, por exemplo, a força anímica a tolerância à dor. Importa, ainda a este nível – apoios técnicos ou outras prestações em espécie -, ter em linha de conta os fundamentos teleológicos do artigo 9º da LAT atual (artigo 9º da L. 100/97).
Tendo em conta a idade atual do sinistrado, a sede das lesões e sequelas de que ficou portador, não pode concluir-se pela probabilidade séria de que as dificuldades que apresenta existiriam, e muito menos com a gravidade com que se apresentam, apenas permitindo condução por curtos períodos, não fossem as sequelas do acidente.
Carece assim de razão a recorrente.
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Refere a recorrente a falta de demonstração da necessidade de adaptação de veículo.
Sustenta a sua posição com a não ocorrência de alteração na situação clinica.

Na decisão recorrida, e com fundamento nos “elementos documentais constantes dos autos e da avaliação pericial a que se procedeu – relativamente à qual nenhuma das partes manifestou divergir”, consta que:
“ 3. O sinistrado apresenta, em decorrência das sequelas associadas ao sinistro que o vitimou, as seguintes alterações: ---
- Edema marcado do tornozelo e perna; ---
- Limitações de mobilidade na tibiotársica na flexão e extensão, que efetua até aos 10 graus. ---
4. Em decorrência das limitações que, como manifestação das sequelas que sofreu, ostenta, o sinistrado não se apresenta capaz de exercer a condução de veículos automóveis da categoria B e B1 que não se encontrem na condição de adaptados com embraiagem automática. ---“
Embora sucinta a fundamentação, depreendem-se as razões que levaram o julgador a considerar aquela factualidade como provada. Consta da fundamentação:
“Em resultado dos elementos documentais constantes dos autos e da avaliação pericial a que se procedeu – relativamente à qual nenhuma das partes manifestou divergir -, considera-se assente, com relevância para a decisão a proferir, a seguinte materialidade: …”
Na junta médica de 16-12-2004 refere-se Fratura bilaleolar do membro inferior esquerdo e rigidez e edema do tornozelo esquerdo. Tinha à data 54 anos.
Na avaliação psicológica do IMT, junto a 13-7-2023, refere-se à limitação por lesão crónica tibiotársica e adaptação “embraiagem automática”; e do relatório médico resulta idêntica conclusão. No relatório refere-se que o sinistrado se queixa de dificuldades por lhe custar carregar na embraiagem, podendo conduzir durante 30 a 60 minutos, dependendo do uso da embraiagem. Também refere tarsalgias esquerda. Relativamente a dados documentais refere-se no relatório:
“Da documentação clínica que nos foi facultada consta cópia de registos do(a) entidade seguradora da qual se extraiu o seguinte: TAC tornozelo esquerdo (29/03/2022): … alterações degenerativas da transição subastragalina posterior; elementos ósseos milimétricos em situação inframaleolar interna, a sugerir diminutos arrancamentos não recentes; pequeno foco geodico subcondral; …; irregularidades dos topos ósseos na transição tibi peronial distal por sequela de fratura com contato redundante das mesmas na vertente anterior.”
Resulta do exame objetivo que o sinistrado “apresenta marcha ligeiramente claudicante, sem recurso a ajudas técnicas”. E apresenta as seguintes sequelas:
“-  Membro inferior esquerdo: cicatriz cirúrgica longitudinal com 13 cm na face lateral do 1/ inferior da perna.
edema marcado do tornozelo e perna limitações mobilidades na tibiotársica na flexão e extensão que efetua até os 10 graus.
Cicatriz cirúrgica com 4 cm longitudinal 1/3 superior da perna (local de enxerto).”
Conquanto conclua não haver agravamento, refere-se que se admite “que o seu veículo deve ter essa adaptação (embraiagem automática)”.
Sabemos que o edema e a rigidez são sequelas do sinistro. As limitações de movimentos no tornozelo tornam altamente prováveis as queixas do sinistrado quanto à utilização da embraiagem, sendo que atenta a sua idade, a utilização de viatura, contribui para a sua recuperação para a vida ativa.
Assim nada a apontar à factualidade.
Consequentemente é de manter a decisão recorrida.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o decidido.
Custas pela recorrente
16.5.2024

Antero Veiga
Francisco Pereira
Vera Sottomayor

O erro da forma de processo não implica excesso de pronúncia. Para ocorrer este é necessário que o julgador aprecia questões não colocadas ou de que não possa conhecer oficiosamente, independentemente da inadequação ou não do meio empregue.
O pedido de ajuda técnica, ou outras prestações em espécie, podem ser efetuadas por simples requerimento, não necessitando ser requeridas em incidente de revisão de pensão, e não dependendo de alteração na capacidade de ganho.
Ocorrendo em concomitância uma alteração na capacidade de ganho, devem então ser formulados os pedidos relativos a tais prestações em espécie, no âmbito de tal incidente.
Às prestações em espécie, não á aplicável o prazo de caducidade de 10 anos, referido no nº 2 do artigo 25º da L. 100/97.