Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2714/21.2T8BCL.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
OBJETOS DE USO PESSOAL
COLAÇÃO
INOFICIOSIDADE
AVALIAÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No actual processo de inventário, instituído pelo Lei n.º 117/19, contrariamente ao que acontecia no anterior Código de Processo Civil, o despacho determinativo da forma à partilha é proferido antes da conferência de interessados, das eventuais avaliações de bens (art.º 1114º), das licitações (art.º 1113º) e do incidente de redução de doações (art.º 1118º), destinando-se apenas a definir as quotas ideais de cada um dos interessados independentemente do resultado daquelas.
II - Para que tal despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados, possa ser proferido, têm de se mostrar já decididas todas as questões susceptíveis de influírem na partilha e na determinação dos bens a partilhar (art.º 1110º nº 1 al. a) do CPC).
III - No regime da comunhão geral de bens estão excluídos da comunhão os objectos de uso pessoal e exclusivo de cada um dos cônjuges (art.º 1733º, al. f) do Código Civil, doravante CC), pelo que a aliança de casamento do cônjuge marido não integra o património comum do dissolvido casal, não se atendendo ao seu valor para o cálculo das meações dos inventariados, mas apenas para o acervo da herança a partilhar deixada pelo de cujus a quem pertencia.
IV - Nos termos do art.º 2104º do CC, os descendentes que pretendam entrar na sucessão do ascendente devem restituir à massa da herança, para igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram doados por este: esta restituição tem o nome de colação.
V - Quando a doação é feita a favor de descendente por conta da quota disponível dos doadores, afastada se mostra a igualdade na partilha e, atento o disposto nos art.º 2113º do CC, a herdeira legitimária donatária está dispensada de colação, ou seja, para entrar na sucessão dos seus pais não tem o dever de restituir o bem doado à massa da herança, para igualação da partilha.
VI - Significa isto, que, não havendo lugar colação, o bem comum doado já não existe no património dos doadores – a imputação de metade do valor do bem doado por morte de cada um doadores (art.º 2117ª do CC), destina-se apenas ao cálculo do valor da quota disponível para aferir da eventual inoficiosidade da doação. Só os restantes bens integram o património comum e a respectiva meação, nesse património, a herança a partilhar pela por óbito da inventariada. Já a herança a partilhar por óbito do cônjuge supérstite é constituída pelo valor da sua meação, pelo bem próprio, e pela sua quota na herança de sua pré defunta esposa.
VII - Inoficiosidade da doação que nunca poderá ser invocada nem beneficiará a herdeira testamentária, aqui recorrente, mas apenas o outro herdeiro legitimário (art.º 2169º do CC. Sendo requerida a redução da doação, por meio do incidente previsto numa fase processual posterior à presente (artºs 1118º e 1119 do CPC), a mesma poderá ser reduzida no montante indispensável ao preenchimento da legítima ofendida, o que na prática leva à imputação do excesso na quota legitimária da donatária. Em princípio só haverá lugar à restituição (em regra do valor e não da coisa) se e na medida em que a doação dispensada de colação exceda o valor da quota disponível dos doadores e da quota legitimária da donatária.
VIII - Até ao início das licitações é admissível requerer-se a avaliação de bens. As licitações terão por valor base o que constar da relação de bens, ou do acordo das partes, ou o da avaliação, se for esta for requerida.
IX - Ao determinar-se que “(…) os aludidos preenchimento e composição dos quinhões hereditários serão efectuados em função dos valores das licitações, quanto aos bens que forem licitados, e dos demais valores dos restantes bens”, e não, como pretende a apelante, apenas em função do valor da avaliação, não se está a “tratar desfavoravelmente a parte que, pela sua situação económica, não possa entrar na licitação”, pois que o valor base da licitação será sempre o da avaliação, avaliação que a recorrente poderá requerer, caso discorde dos valores atribuídos na relação de bens (art.º 1114º do CPC) e o excesso da licitação será contabilizado na massa do activo a partilhar (somam-se os valores dos bens com os aumentos provenientes das licitações).
X - Só existiria tratamento desfavorável se se admitisse licitação por valor inferior, interpretação que, dada a redacção do nº 3 do art.º 1113º e a inserção sistemática do art.º 1114º, nº 1, ambos do CPC, entendemos colidir com o sentido e alcance de tais normas.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

AA, viúva, veio requer se proceda a inventário para partilha dos bens deixados por óbito de BB, alegando, em síntese:

- Em ../../2020, faleceu BB, no estado de viúvo de CC
- O falecido tinha residência habitual na freguesia ..., concelho ..., deixando bens móveis e imóveis sitos na área da comarca de ....
– Sucederam-lhe dois filhos, DD, divorciado, e EE, casada, no regime da comunhão de adquiridos com FF.
– Em onze de ../../2016, o falecido deixou testamento, datado de ../../2016, instituindo a ora requerente como herdeira da quota disponível de toda a sua herança.
Para desempenhar as funções de cabeça de casal a Requerente indicou DD, filho mais velho do falecido.
*
O inventário de BB foi cumulado ao inventário de sua pré defunta esposa, CC, cuja herança permanecia indivisa.

O Cabeça de Casal apresentou a seguinte Relação de bens:
«VERBA 1: Aliança de casamento do falecido, em ouro maciço, com 0,5 cm de grossura, no valor atribuído de 100,00 €.;
VERBA 2: Anel em ouro branco com várias pedras brancas brilhantes, com 0,5 cm de grossura, no valor de 100,00 €.;
VERBA 3: Relógio de bolso com corrente e fixador no valor de 150,00 €;
VERBA 4: Relógio de Parede de marca reguladora, com tômbolo e sino com altura de 50 cm e largura de 20 cm, no valor de 250,00 €.
BENS DAS VERBAS 1, 2, 3 E 4 NA POSSE DA REQUERENTE INTERESSADA AA QUE OS DEVE ENTREGAR AO CABEÇA-DE-CASAL.
VERBA 5: PRÉDIO URBANO composto de ½ metade indivisa de parte urbana correspondente ao numero de polícia ...3 do prédio urbano situado na Travessa ..., para habitação, composto por casa com dois pavimentos e uma dependência com área total de 222 m2, inscrito nas matrizes da União de Freguesias ... e ... pelo artigo ...97 urbano, o qual proveio do anterior artigo ...24 urbano que proveio do artigo ...0 urbano, com valor patrimonial de metade de 41.239,45 €, ou seja, 20.619,73 €; REGISTADO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL COMO PARTE DO Nº 730/20... ... (...).
*
PRÉDIO DOADO EM ../../2002 PELA QUOTA DISPONÍVEL DO FALECIDO A FAVOR DA INTERESSADA FILHA EE: PREDIO RÚSTICO, identificado como “cultura, ... e ..., inscrito nas matrizes da União de Freguesias ... e ... pelo artigo ...15 Rústico que proveio do artigo ...12 rústico e este do artigo ...78 rústico, com valor patrimonial de 187,03 €; REGISTADO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL SOB O Nº ...7... ... (...).»
*
Citados os interessados, a Requerente do inventário, AA, notificada que foi da relação de bens apresentada pelo Cabeça-de-Casal, veio reclamar contra a relação de bens e pugnar a final pelo seguinte:
“a) Seja reconhecido que os bens constantes nas Verbas 1, 2, 3 e 4 da Relação de Bens não estão na posse da ora reclamante;
b) Seja relacionado como passivo da relação de bens o montante indicado no Ponto 6.1., referente a despesas com o funeral do inventariado.”
Juntou um documento e requereu a produção de prova testemunhal.:
*
O Cabeça de Casal e a interessada EE responderam à reclamação.
Posteriormente, através de Requerimento sob a Refª ...78, o Cabeça-de-Casal apresentou “Relação de Bens Reformulada” nos seguintes termos:
VERBA 1: Aliança de casamento do falecido, em ouro maciço, com 0,5 cm de grossura, no valor atribuído de 100,00 €;
VERBA 2: Anel em ouro branco com várias pedras brancas brilhantes com 0,5 cm de grossura no valor de 100,00 €;
VERBA 3: Relógio de bolso com corrente e fixador no valor de 150,00 €.;
VERBA 4: Relógio de Parede de marca reguladora, com tômbolo e sino com altura de 50 cm e largura de 20 cm, no valor de 250,00 €, conforme fotografia que se junta.
BENS DAS VERBAS 1, 2, 3 E 4 NA POSSE DA REQUERENTE INTERESSADA AA QUE OS DEVE ENTREGAR AO CABEÇA-DE-CASAL.
VERBA 5: PRÉDIO URBANO composto de ½ metade indivisa de parte urbana correspondente ao número de polícia ...3 do prédio urbano situado na Travessa ..., para habitação, composto por casa com dois pavimentos e uma dependência com área de 222 m2, inscrito nas matrizes da União de Freguesias ... e ... pelo artigo ...97 Urbano, o qual proveio do anterior artigo ...24 urbano que proveio do artigo ...0 urbano, com valor patrimonial de metade de 41.239,45 €, ou seja, 20.619,75 €; REGISTADO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL COMO PARTE DO Nº 730/20... ... (...);
VERBA 6: PRÉDIO RÚSTICO identificado como “CULTURA, ... E ..., inscrito nas matrizes da União de Freguesias ... e ... pelo artigo ...15 Rústico que proveio do artigo ...12, com valor patrimonial de 187,03 €; REGISTADO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL COMO PARTE DO Nº 730/20... ... (...).
*
PRÉDIO DOADO EM ../../2002 PELA QUOTA DISPONÍVEL DO FALECIDO A FAVOR DA INTERESSADA FILHA EE:
PRÉDIO RÚSTICO, identificado como “...”, inscrito nas matrizes da União de Freguesias ... e ... pelo artigo ...40 Rústico que proveio do artigo 819 o qual sobreveio do 1.078 rústico, com valor patrimonial de 164,60 €; REGISTADO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL SOB O Nº ...7... ... (...).
*
Produzida a prova sobre a reclamação, foi proferida sentença em 1-9-2023, que decidiu:
«(…)
Pelo supra-expendido, Indefere-se e julga-se Improcedente a Reclamação das Relações de Bens Primitiva e Reformulada/Retificada, e decide-se:
a) Reconhecer que os Bens constantes nas Verbas 1, 2, 3 e 4 das Relações de Bens estão na posse da ora Reclamante, AA;
b) Não relacionar como passivo da herança o montante indicado no Ponto 6.1. da Reclamação à primitiva relação de bens, referente a despesas com o funeral do inventariado;
c) consequentemente, Manter a Relação de Bens Reformulada/Retificada, apresentada pelo Cabeça-de-Casal, DD.
*
Em 3-11-2023, proferiu-se despacho saneador e determinou-se o cumprimento do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 1110º do Código de Processo Civil (notificação dos interessados para proporem a forma da partilha).
A Requerente do inventário e o Cabeça de Casal apresentaram as respectivas propostas de forma à partilha.
Seguidamente, o Mmº Sr. Juiz a quo proferiu despacho determinativo da forma à partilha ((Referência: ...74), com o seguinte teor:
CC deixou sobrevivos e como seus herdeiros o cônjuge (herdeiro legitimário), o também ora inventariado de nome BB também conhecido por GG, e dois filhos:
1. DD, NIF ...55, divorciado, residente e com domicílio fiscal na Travessa ..., ... ..., ... (herdeiro legitimário);
2. EE, NIF ...59, casada no regime da comunhão de adquiridos com FF, residentes na Rua ..., apartamento ...07, ... ..., ... (herdeira legitimária e donatária do prédio rústico doado por conta da quota disponível).
O também ora Inventariado BB também conhecido por GG, faleceu no dia ../../2020, no estado de viúvo de CC, e deixou como herdeiros:
1. O seu filho, DD (herdeiro legitimário);
2. A sua filha, EE, melhor identificada nestes autos (herdeira legitimária e donatária do prédio rústico doado por conta da quota disponível);
3. AA, melhor identificada nestes autos (herdeira testamentária por conta da quota disponível).
Os bens a partilhar são os constantes das Verbas 1 a 6 da última Relação de Bens apresentada nos presentes autos em 04.07.2022 (Ref. Citius nº 13235678), sendo apenas conferidas, em metade do seu respetivo valor, por óbito de cada um dos inventariados.
Ambos os falecidos deixaram doação, datada de ../../2002, pelas suas quotas disponíveis e já identificada nos presentes autos, a favor da sua filha interessada EE, sendo que o bem doado corresponde ao prédio rústico identificado como “...”, inscrito na matriz da União de Freguesias ... e ..., pelo artigo rústico nº ...40.
O inventariado BB, também conhecido por GG, deixou testamento outorgado em 11/04/2016 a favor de AA, requerente deste inventario, a qual foi instituída herdeira da quota disponível de toda a herança do ora inventariado.
Não há passivo.
Determina-se que a Partilha dos bens seja efetuada da seguinte
FORMA:
Soma-se os valores de todos os bens a partilhar, incluindo o valor do bem doado pela quota disponível dos inventariados, com o aumento resultante das licitações e das avaliações, (artigo 1375º, nº 2, do Código de Processo Civil – CPC).
O total da soma é dividido em duas partes iguais.
Uma dessas metades constitui a meação da Inventariada.
A outra metade constitui a meação do Inventariado.
A metade da Inventariada CC é dividida em três partes iguais para apurar a sua quota disponível, correspondente a uma dessas três partes (artigo 2.159º, nº 2, do Código Civil), sendo que terá de ser imputada na sua quota disponível metade do valor da doação efetuada a sua filha EE, e as restantes duas partes iguais (quota indisponível) serão divididas em três partes iguais (a respetiva quota hereditária) que constituem a legítima do ora Inventariado e de cada um dos dois filhos, herdeiros legitimários (artigos 2.157º e 2.139º, nº 2, ambos do Código Civil).
Por sua vez, a metade do Inventariado BB, também conhecido por GG, é dividida em três partes iguais para apurar a quota disponível do Inventariado, correspondente a uma dessas três partes (artigo 2.159º, nº 2, do Código Civil), sendo que terá de ser imputada na sua quota disponível metade do valor da doação efetuada a sua filha EE, e ao restante valor, eventualmente sobrante desta mesma parte ou quota disponível, terá de ser imputado o valor do testamento; as restantes duas partes iguais (quota indisponível) constituem a respetiva legítima (a respetiva quota hereditária) de cada um dos seus dois filhos, DD e EE, herdeiros legitimários (artigos 2.157º e 2.139º, nº 2, ambos do Código Civil).
Na quota disponível dos inventariados, imputar-se-á o eventual excesso do valor obtido pela eventual avaliação do prédio doado, o qual, em princípio - ver infra -, será adjudicado à respetiva donatária.
No caso de a aludida imputação, eventualmente, ultrapassar o valor da quota disponível, a doação ou liberalidade será inoficiosa e, portanto, suscetível de redução a requerimento dos demais herdeiros legitimários (artigos 2.168º e 2.169º ambos do Código Civil).
No preenchimento dos quinhões hereditários, e se não vier a ser requerida a composição de quinhões pelos interessados credores de tornas, serão adjudicados aos licitantes os bens que forem licitados e à donatária o bem doado.
Sendo requerida a composição de quinhões, os bens devem ser adjudicados em conformidade com tal composição.
Os aludidos preenchimento e composição dos quinhões hereditários serão efetuados em função dos valores das licitações, quanto aos bens que forem licitados, e dos demais valores dos restantes bens, com o possível apuramento de valores de tornas a pagar ou a receber entre os interessados; cabem aqui os bens relacionados sob as Verbas 1, 2, 3, e 4 - ou os respetivos valores dos mesmos, licitados, acordados ou constantes da relação de bens - na posse da requerente e reclamante, AA, a qual responde pela existência dos mesmos, cujos valores serão considerados no preenchimento dos quinhões hereditários em causa.
*
Inconformada, a Requerente do inventário interpôs o presente recurso de apelação, instruído com as pertinentes alegações, onde formula as seguintes conclusões.

«A. Vem o presente recurso interposto do despacho judicial que deu forma à partilha na parte em que não soma à quota indisponível da Inventariada CC o restante da quota disponível, após deduzido o valor de 50% do prédio doado à filha AA por conta da quota disponível, e ainda, na parte em que não adiciona a quota parte que o Inventariado BB herdou da Inventariada CC à sua meação dos bens comuns, e também, na parte em que determina que “soma-se os valores de todos os bens a partilhar, incluindo o valor do bem doado”, não determinando que as Verbas 1 e 2 são bens próprios do Inventariado BB, com as respectivas consequências, e por fim, que os quinhões serão preenchidos em função dos valores das licitações quanto aos bens que forem licitados;
B. Sempre com o devido respeito, verifica-se que a decisão recorrida é omissa quer em relação ao destino da parte sobrante da quota disponível da Inventariada CC, após ser deduzido o valor de 50% do prédio doado à filha EE, quer em relação ao destino da legítima que o Inventariado BB herda da CC, pelo que tal decisão é nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, n.º1, al. d) do Código do Processo Civil;
C. Sem conceder, afigura-se sempre com o devido respeito que o tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não fez correta interpretação e aplicação dos preceitos legais atinentes, como se passa a demonstrar;
D. Do despacho que dá forma à partilha discorda-se dos seguintes segmentos da decisão:
a) de não se encontrar atribuído a nenhum dos herdeiros ou interessados o valor sobrante da quota disponível da herança da Inventariada CC, após subtraído o valor de metade do prédio doado, tendo o Mmo. Juiz a quo caído numa omissão sobre este valor, não tendo fundamentado a sua decisão de facto nem de direito;
b) De não se encontrar atribuído a nenhum dos herdeiros ou interessados a quota hereditária que o Inventariado BB herdou da Inventariada CC, quota essa que terá obrigatoriamente que entrar na esfera jurídica (património da herança indivisa) do Inventariado BB, tendo também sobre esta questão o Mmo. Juiz a quo caído numa omissão (total) de pronúncia sobre este valor, não tendo fundamentado a sua decisão de facto nem de direito;
c) Contrariar a matéria de facto que o Mmo. Juiz a quo deu como provada no despacho datado de 01.09.2023, conforme elencado no Ponto 10 destas Alegações e, misturando os bens próprios do Inventariado BB (Verbas 1 e 2) com os bens comuns do casal;
d) Não levar em consideração o valor das avaliações quanto aos bens licitados, caso o valor da licitação seja substancialmente inferior, não garantindo com isso a igualdade entre as partes com maior e menor poder económico para licitar, dando possibilidade àquela com maior poder económico, ao licitar, decidir o valor que será atribuído aos bens unilateralmente, violando assim o princípio da igualdade protegido constitucionalmente no artigo 13º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e violação dos artigo 1114º conjugado com o 1113º, ambos do CPC.
E. Com efeito, o tribunal a quo não fundamentou de facto nem de direito a decisão de considerar as Verbas 1 a 6 como bens comuns do casal, pelo que esta decisão padece do vício de nulidade, nos termos e para os efeitos da al. b), do n.º 1 do art.º 615º do CPC;
F. Mais ainda, o tribunal a quo ao não determinar que as Verbas 1 e 2 são bens próprios do interessado BB e, por isso incomunicáveis, está o Mmo. Juiz a quo a não aplicar a al. f), do n.º 1, do art.º 1733º do Código Civil (CC);
G. Assim, ao dar como provado no seu despacho datado de 01.09.2023 (conforme transcrito no Ponto 8 das alegações) que as Verbas 1 e 2 (correspondentes a aliança de casamento e outro anel) sempre foram utilizadas pelo Inventariado na sua mão deveria nesta decisão o Mmo. Juiz a quo ter aplicado a al. f), do n.º 1, do art.º 1733º do CC e, em consequência, determinar que estas Verbas são bens incomunicáveis e, por isso, bens próprios do Inventariado BB;
H. Quanto à quota disponível da Inventariada CC, após lhe ser imputado o valor de 50% do prédio doado à filha EE o Mmo. Juiz a quo não atribui destino ao resto do valor e que, diga-se, terá de ser adicionado à quota indisponível desta, aplicando-se para os respetivos efeitos o artigo 2162º conjugado com o art.º 2114º, ambos do Código Civil;
I. A decisão do Mmo. Juiz a quo também é ilegal por não garantir que a quota hereditária do cônjuge não seja inferior a 1/4 do total da herança, nos termos e para os efeitos do n.º 1, do art.º 2139º do Código Civil;
J. Assim, ao invés de aplicar apenas o artigo 2159º do Código Civil, deveria tê-lo conjugado também com o artigo 2139º do Código Civil;
K. Verifica-se ainda que não é atribuído ao património hereditário do Inventariado BB a quota hereditária que este herdou enquanto cônjuge da Inventariada CC, violando o disposto nos artigos 2159º e n.º 1, do art.º 2139º conjugados com os artigos 2024º e 2025º todos do código Civil;
L. Assim, após determinar a legítima que o Inventariado BB herdou da Inventariada CC, deveria o Mmo. Juiz a quo ter aplicado o disposto nos artigos 2159º e n.º 1, do art.º 2139º conjugados com os artigos 2024º e 2025º todos do Código Civil e, consequentemente, ter contabilizado este valor na herança indivisa daquele;
M. Verifica-se, também, que a decisão recorrida no preenchimento dos quinhões hereditários apenas terá em conta o valor das licitações relativamente aos bens que forem licitados, excluindo o valor atribuído pela avaliação dos mesmos, tratando desfavoravelmente a parte que, pela sua situação económica, não possa entrar na licitação, revelando-se tal interpretação inconstitucional por violação do princípio da igualdade entre as partes, previsto no n.º 1 do art.º 13º da Constituição da República Portuguesa (Constituição);
N. Assim, o Mmo. Juiz a quo deveria ter interpretado os artigos 1113º e 1114º do Código de Processo Civil no sentido em que o valor dos bens licitados será o maior entre o valor que for determinado na avaliação e o valor pelo qual se licita, evitando assim excluir o disposto no artigo 1114º do CPC e integrando estes artigos no princípio da igualdade entre as partes previsto no n.º 1 do art.º 13º da Constituição;
O. Assim, impõe-se alterar a decisão proferida nos termos que se passará a elencar;
P. No parágrafo 2, da página 3 do despacho datado de 17.12.2023 onde consta: “Soma-se os valores de todos os bens a partilhar, incluindo o valor do bem doado”, deve constar:
“Primeiro, somam-se os valores das verbas 3, 4, 5 e 6 e ainda do bem doado (bens comuns do ex-casal), que serão apurados por avaliação, licitação ou acordo dos interessados devendo ser atribuído ao bem o valor mais elevado entre os três. Metade do valor apurado constitui a meação da inventariada CC. A outra metade do valor apurado constitui a meação do inventariado BB.”;
Q. No parágrafo 6, da página 3 do despacho datado de 17.12.2023 onde consta: “A metade da Inventariada CC é dividida em três partes iguais para apurar a sua quota disponível, correspondente a uma dessas três partes (artigo 2.159º, n.º 2, do Código Civil), sendo que terá de ser imputada na sua quota disponível metade do valor da doação efetuada a sua filha EE, e as restantes duas partes iguais (quota indisponível) serão divididas em três partes iguais (a respetiva quota hereditária) que constituem a legítima do ora Inventariado e de cada um dos dois filhos, herdeiros legitimarias (artigos 2.157º e 2.139º, n.º 2, ambos do Código Civil).”, deve constar:
– A meação da inventariada constitui a herança da inventariada CC e divide-se em três partes iguais, sendo 1/3 quota disponível e 2/3 pertencentes à legítima. Ao valor da quota disponível subtrai-se 50% do valor do bem doado, se exceder a quota disponível, tal excesso deve ser imputado na legítima da donatária. Os 2/3 da legítima acrescido do valor da quota disponível não atribuída na doação deverá ser dividido em três partes iguais, que constituem a legítima do inventariado BB, do filho DD e da filha AA (não podendo ser a quota do cônjuge inferior a 1/4 da herança)”;
R. No parágrafo 7, da página 3 do despacho datado de 17.12.2023, onde consta: “Por sua vez, a metade do Inventariado BB, também conhecido por GG, é dividida em três partes iguais para apurar a quota disponível do Inventariado, correspondente a uma dessas três partes (…)”, deve constar: “À meação do inventariado somam-se: os valores das verbas 1 e 2 e o valor da legítima que o inventariado herdou da inventariada CC: a soma destes valores constitui a herança do inventariado BB”;
S. Ao decidir, como decidiu, o tribunal a quo não interpretou nem aplicou correctamente as normas legais atinentes, nomeadamente os artigos: 615º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil (CPC); 615º, n.º 1, al. b) do CPC; 1733º, n.º 1, al. f) do Código Civil (CC); 2139º, n.º 1, 2114º e 2162º todos do CC; 2159º e 2139º, n.º 1 conjugados com os art.º 2024º e 2025 todos do Código Civil; 1114º e 1113º do CPC; e ainda o artigo 13º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Dado o exposto e o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida nos termos que se encontra vertido nas presentes alegações, com as legais consequências.».
*
 Não foram apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal e o recurso, admitido nos mesmos termos, foi inscrito em tabela.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

 O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC). 

As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que assim se sintetizam:

A) Se o despacho é nulo por falta de fundamentação e por não se pronunciar sobre questão que deveria apreciar, nos termos do artigo 615º, n.º1, als. b) e d) do CPC, concretamente:
– Sobre o destino da parte sobrante da quota disponível da Inventariada CC, após ser deduzido o valor de 50% do prédio doado à filha EE e que teria de ser adicionado à quota indisponível desta.
– Sobre o destino da legítima que o Inventariado BB herda da CC.
B) Se deve ser somado à quota indisponível da Inventariada CC o restante da quota disponível, após deduzido o valor de 50% do prédio doado à filha EE por conta da quota disponível.
C) Se a herança deixada pelo Inventariado BB é composta pela sua meação nos bens comuns, acrescida da quota hereditária que lhe compete na herança da Inventariada CC.
D) Se as Verbas 1 e 2 são bens próprios do Inventariado BB e, por isso, não entram no acervo da herança deixada pela sua defunta mulher (inventariada CC)
E) Se, no preenchimento dos quinhões hereditários, o valor dos bens a considerar será o maior entre o valor que for determinado na avaliação e o valor pelo qual se licita.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

A factualidade com interesse para a apreciação deste recurso é a seguinte:
1.  CC, com última residência sita na Travessa ..., na União de Freguesias ... e ..., faleceu no dia ../../2014, no estado de casada em 1ªs e únicas núpcias de ambos, no regime de comunhão geral de bens, com BB, também conhecido por GG.
2. BB, também conhecido por GG, faleceu em ../../2020, no estado de viúvo de CC, com ultima residência habitual na Avenida ..., ... na freguesia ..., concelho ....
3 - Os falecidos fizeram doação comum, em ../../2002, pelas forças das suas quotas disponíveis, a favor de sua filha, a aqui interessada EE, do prédio rústico identificado como “...”, inscrito na matriz da União de Freguesias ... e ..., pelo artigo rústico nº ...40.
4 - O inventariado BB, também conhecido por GG, deixou testamento outorgado em 11-0-2016, a favor de AA, Requerente deste inventario, na qual a instituiu herdeira de toda a sua quota disponível.
5 - Constam da Relação de bens reformulada os seguintes bens:
“VERBA 1: Aliança de casamento do falecido, em ouro maciço, com 0,5 cm de grossura, no valor atribuído de 100,00 €;
VERBA 2: Anel em ouro branco com várias pedras brancas brilhantes com 0,5 cm de grossura no valor de 100,00 €;
VERBA 3: Relógio de bolso com corrente e fixador no valor de 150,00 €.;
VERBA 4: Relógio de Parede de marca reguladora, com tômbolo e sino com altura de 50 cm e largura de 20 cm, no valor de 250,00 €, conforme fotografia que se junta.
BENS DAS VERBAS 1, 2, 3 E 4 NA POSSE DA REQUERENTE INTERESSADA AA QUE OS DEVE ENTREGAR AO CABEÇA-DE-CASAL.
VERBA 5: PRÉDIO URBANO composto de ½ metade indivisa de parte urbana correspondente ao número de polícia ...3 do prédio urbano situado na Travessa ..., para habitação, composto por casa com dois pavimentos e uma dependência com área de 222 m2, inscrito nas matrizes da União de Freguesias ... e ... pelo artigo ...97 Urbano, o qual proveio do anterior artigo ...24 urbano que proveio do artigo ...0 urbano, com valor patrimonial de metade de 41.239,45 €, ou seja, 20.619,75 €; REGISTADO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL COMO PARTE DO Nº 730/20... ... (...);
VERBA 6: PRÉDIO RÚSTICO identificado como “CULTURA, ... E ..., inscrito nas matrizes da União de Freguesias ... e ... pelo artigo ...15 Rústico que proveio do artigo ...12, com valor patrimonial de 187,03 €; REGISTADO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL COMO PARTE DO Nº 730/20... ... (...).
6. Consta ainda, dessa Relação de Bens, ter sido doado em ../../2002, pela quota disponível do (s) falecido (s) a favor da interessada filha EE o seguinte imóvel:
PRÉDIO RÚSTICO, identificado como “...”, inscrito nas matrizes da União de Freguesias ... e ... pelo artigo ...40 Rústico que proveio do artigo 819 o qual sobreveio do 1.078 rústico, com valor patrimonial de 164,60 €; REGISTADO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL SOB O Nº ...7... ... (...).

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A Nulidades do despacho
A.1. Nulidade prevista na al. b) do art.º 615º do CPC
Se bem entendemos as conclusões da apelante, esta sustenta que o despacho recorrido padece da nulidade prevista na alínea b) do art.º 615º do CPC porquanto o Tribunal “a quo” não fundamentou de facto nem de direito a decisão de considerar as Verbas 1 a 6 como bens comuns do casal.
No que se refere à nulidade dos despachos aplica-se o regime previsto para as nulidades da sentença no art.º 615º ex vi art.º 613º nº 3, ambos do CPC.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros na apreciação da prova ou na aplicação das normas jurídicas aos factos dados como apurados, que constituem erros de julgamento, a sindicar noutro âmbito.
O vício de falta de fundamentação da decisão judicial só ocorre quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
É certo que o artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa impõe que as decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, sejam fundamentadas na forma prevista na lei.
Por seu turno o artigo 154.º do CPC, em concretização de tal preceito constitucional, impõe ao juiz o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (n.º 1), sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).
Contudo, atenta a natureza do despacho em crise, meramente determinativa da forma à partilha e tendo em conta que a questão dos bens a partilhar já se mostrava decidida previamente nos autos, ou seja, não é questão que nesta fase se mostre controvertida, conclui-se que o mesmo se mostra suficientemente fundamentado, não incorrendo no assacado vício, sem prejuízo de incorrer em erro na aplicação do direito, que é questão diversa e que será apreciado em sede própria.
A.2.  Nulidade prevista na al. d) do art.º 615º do CPC
Alega a apelante que o despacho é nulo, nos termos do artigo 615º, n.º1, al. d) do CPC, por ser omisso quer em relação ao destino da parte sobrante da quota disponível da Inventariada CC, após ser deduzido o valor de 50% do prédio doado à filha EE, quer em relação ao destino da legítima que o Inventariado BB herda da CC.
A nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Discordamos da apelante no tocante à alegada omissão de pronúncia em relação ao destino da parte sobrante da quota disponível da inventariada CC.
Efectivamente, no despacho recorrido e para o cálculo da meação da inventariada, incluiu-se todos os bens relacionados (segundo a apelante até incluiu bens próprios do outro cônjuge) objecto de partilha nos termos a seguir expostos e nada mais tinha de ser considerado (o cálculo da quota disponível, no qual se integrou o de metade do valor da doação feita por conta da mesma, destina-se apenas a aferir da eventual inoficiosidade desta), como infra exposto.
Concordamos com a apelante no tocante à alegada omissão de inclusão no valor dos bens (ou direitos) a partilhar por morte do cônjuge supérstite (inventariado BB), da sua quota ou quinhão (1/3) na herança da sua pré-falecida mulher.
Tal nulidade será por nós suprida.

B) Demais questões

Para melhor compreensão apreciaremos em conjunto as restantes questões suscitadas.
Cumprindo previamente, citando Lopes do Rego[1], assinalar:
– «Este novo modelo procedimental parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, envolvendo apelo decisivo a um princípio de concentração, propiciador de que determinado tipo de questões deva ser necessariamente suscitado em certa fase procedimental (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte; e assim, o modelo procedimental instituído para o inventário na Lei n.º 117/19 comporta:
I) Uma fase de articulados (em que as partes, para além de requererem a instauração do processo, têm obrigatoriamente de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respetivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, ativo e passivo, que constitui objeto da sucessão) – abrangendo a fase inicial e a fase das oposições e verificação do passivo.
Na verdade, nos arts. 1097.º/1108.º CPC procura construir-se uma verdadeira fase de articulados: o processo inicia-se tendencialmente (ao menos, quando requerido por quem deva exercer as funções de cabeça de casal) com uma verdadeira petição inicial (e não como o mero requerimento tabelar de instauração de inventário) de que devem constar todos os elementos relevantes para a partilha.
Procurou, deste modo, evitar-se que seja sistemática e desnecessariamente relegada para momento ulterior ao início do processo a apresentação de uma série de elementos e documentos essenciais à boa prossecução da causa, como ocorria no regime prescrito no anterior CPC.
Após despacho liminar (em que o juiz verifica se o processo está em condições de passar à fase subsequente), inicia-se a fase seguinte, da oposição ou do contraditório, exercendo os interessados citados o direito ao contraditório, cabendo-lhes impugnar concentradamente no próprio articulado de oposição tudo o que respeite à definição do universo dos interessados diretos e respetivas quotas hereditárias, à competência do cabeça de casal e à delimitação do património hereditário, incluindo o passivo (cuja verificação é, deste modo, antecipada – do momento da conferência de interessados – para o da dedução de oposição e impugnações);
II) Uma fase de saneamento, em que o juiz, após realização das diligências necessárias, e com a possibilidade de realizar uma audiência/conferência prévia, deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar, proferindo também, nesse momento processual – e após contraditório das partes – despacho contendo a forma à partilha (também ele agora antecipado para esta fase de saneamento, anterior à conferência de interessados), em que define as quotas ideais dos vários interessados na herança, antes de convocar a conferência de interessados;
III) Um procedimento específico para a verificação e redução de eventuais inoficiosidades, através de um incidente com a estrutura de uma ação enxertada no inventário, compreendendo a formulação pelo herdeiro legitimário de um pedido, explícito e fundamentado, de redução de liberalidades e o exercício subsequente do contraditório pelos requeridos/beneficiários das liberalidades alegadamente inoficiosas, culminando, após produção de prova, numa decisão que decreta ou rejeita a pretendida redução por inoficiosidade – incidente este que deve iniciar-se até ao momento do início das licitações;
IV) A fase da partilha, consubstanciada, desde logo, nas diligências e atos que integram a conferência de interessados, em que devem realizar-se todas as diligências que culminam na consumação ou realização concreta da partilha: frustrando-se o acordo (por unanimidade dos interessados, nos termos da lei civil e por exigência do princípio da intangibilidade da legítima), a partilha do acervo hereditário resultará das licitações (que pressupõem a necessária estabilização do valor dos bens, já que funciona como momento terminal para o pedido de avaliação precisamente o início das licitações), que estão compreendidas no âmbito dos atos que integram a própria conferência de interessados, devendo ser também nela deduzidas as oposições a um eventual excesso de licitação por algum dos herdeiros; e, subsidiariamente, terão cabimento as diligências da formação de lotes igualitários, do sorteio ou – como ultima ratio – da adjudicação de bens em contitularidade.
Só depois de encerradas estas diligências se passa à elaboração do mapa da partilha, concretizando, na sequência do resultado dessas várias diligências anteriores, os bens que integram o quinhão hereditário de cada interessado – e encerrando-se naturalmente o processo com a prolação de sentença homologatória da partilha.
6. Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, anteriormente inexistentes, levando naturalmente – em reforço de um princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo – a que (como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil) as objecções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição.
(…)
Em regra, todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar – tal como a definição do modo como deve ser organizada, no plano jurídico, a partilha, fixando as quotas ideais de cada um dos interessadosdevem mostrar-se solucionadas na fase de saneamento do processo (precedida, quando necessário, da realização da audiência/conferência prévia prevista no art. 1109.º CPC) e não no decurso da própria conferência de interessados, nos termos do art. 1353.º, n.º 4, al. b) do anterior CPC ou (no caso do despacho determinativo da partilha) anteriormente à elaboração do mapa da partilha, como decorria dos termos do art. 1373.º do anterior CPC.
Em suma: com este regime de antecipação/concentração na suscitação de questões prévias à partilha ou de meios de defesa, associado ao estabelecimento de cominações e preclusões, pretende evitar-se que a colocação tardia de questões – que podiam perfeitamente ter sido suscitadas em anterior momento ou fase processual – ponha em causa o regular e célere andamento do processo, acabando por inquinar irremediavelmente o resultado de atos e diligências já aparentemente sedimentados, tendentes nomeadamente à concretização da partilha, obrigando o processo a recuar várias casas, com os consequentes prejuízos ao nível da celeridade e eficácia na realização do seu fim último.»
“Estruturação sequencial” ou compartimentação, que se reflecte no regime de recursos, admitindo-se agora apelação autónoma das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha , com cuja prolação se consideram resolvidas todas as questões susceptíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, (oposições, impugnações, reclamações à relação de bens, verificação do passivo), como resulta do art.º 1123º do CPC e dos momentos em que tais decisões podem ser impugnadas.
Assim, no actual processo de inventário, contrariamente ao que acontecia no anterior Código de Processo Civil, o despacho determinativo da forma à partilha é proferido antes da conferência de interessados, das eventuais avaliações de bens (art.º 1114º), das licitações (art.º 1113º) e do incidente de redução de doações (art.º 1118º), destinando-se apenas a definir as quotas ideais de cada um dos interessados independentemente do resultado daquelas.
Depois de resolvidas tais questões e da conferência de interessados, as partes são chamadas apresentarem proposta de mapa da partilha, da qual constem os direitos de cada interessado e o preenchimento dos seus quinhões, de acordo com o despacho determinativo da partilha e os elementos resultantes da conferência de interessados.
Ou seja, o despacho sobre a forma à partilha previsto no art.º 1373º do anterior CPC, foi cindido em dois, o primeiro com vista a definir as quotas ideais de cada um dos interessados e o segundo com vista ao preenchimento dos quinhões de acordo com o antes determinado e o que resultar dos termos subsequentes do processo, nomeadamente, quer da conferência de interessados, quer da avaliação de bens, quer das licitações ou do eventual incidente por inoficiosidade da doação.
Por outro lado, para que tal despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados, possa ser proferido, têm de se mostrar já decididas todas as questões susceptíveis de influírem na partilha e na determinação dos bens a partilhar (art.º 1110º nº 1 al. a) do CPC).
Realçando-se que, no presente caso, não foi objecto de reclamação se os bens relacionados ou algum deles, era próprio ou comum, nem oportunamente impugnada a sentença que decidiu as reclamações à relação de bens.
Feitas estas considerações passemos à análise do caso concreto.
Os inventariados doaram à respectiva filha, interessada EE, por conta das respectivas quotas disponíveis um prédio.
Nos termos do art.º 2104º do Código Civil (doravante CC), os descendentes que pretendam entrar na sucessão do ascendente devem restituir à massa da herança, para igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram doados por este: esta restituição tem o nome de colação.
Contudo, atento o disposto nos art.º 2113º do CC, a herdeira legitimária donatária, EE, está dispensada de colação, pois a doação por conta da quota disponível equivale a uma dispensa de colação, afastando a igualdade na partilha.
Sendo a doação de bens comuns feita por ambos os cônjuges, conferir-se-á metade por morte de cada um deles.  O valor de cada uma das metades é o que ela tiver ao tempo da abertura da sucessão respectiva (art.º 2117ª do CC).
Significa isto, que o bem imóvel doado, que já não integrava o património dos inventariados quando faleceram, por dele terem disposto em vida, não tem de ser “restituído”, não entra no acervo a partilhar e a doação é imputada na quota disponível do doador (2114.º do CC), para cujo cálculo se atenderá ao seu valor e apenas para esse efeito.
Isto sem prejuízo de, em caso de eventual inoficiosidade (art.º 2168º nº 1 do CC) e sendo requerida a sua redução nos termos do art.º 2169.º do CC pelo outro herdeiro legitimário (aqui Cabeça de Casal) a mesma poder ser reduzida no montante indispensável ao preenchimento da legítima dele, o que na prática leva à imputação do excesso na quota legitimária da donatária. Em princípio só haverá lugar à restituição (em regra do valor e não da coisa) se e na medida em que exceda o valor desta[[2]].
Para tanto, prevê-se no CPC que, em momento processualmente posterior ao despacho recorrido e até à abertura das licitações, qualquer herdeiro legitimário requeira, no confronto do donatário, a redução das doações ou legados que considere viciadas por inoficiosidade, nos termos do art.º 1118º do CPC, estando as consequências da inoficiosidade previstas no art.º 1119º do mesmo diploma.
Do exposto resulta que, como acima já decidido, não acompanhamos as conclusões da apelante quando afirma que o despacho é nulo por omissão de pronúncia, “por não se encontrar atribuído a nenhum dos herdeiros ou interessados o valor sobrante da quota disponível da herança da Inventariada CC, após subtraído o valor de metade do prédio doado.
É que, em princípio, não havendo lugar colação, o bem doado já não existe no património dos doadores – a imputação de metade do valor do bem doado destina-se apenas ao cálculo do valor da quota disponível para aferir da eventual inoficiosidade da doação. Inoficiosidade que nunca poderá ser invocada nem beneficiará a herdeira testamentária aqui recorrente.
Assim, os bens a partilhar na herança aberta por óbito de CC, correspondem à sua meação nos bens que integravam o património comum à data do seu óbito (sem neles se incluir o imóvel doado). A eventual inoficiosidade constituirá incidente a tramitar posteriormente, nos termos e com as consequências já referidos.
Crentes que a questão ficou suficientemente explanada, passemos à seguinte.
Sendo o regime matrimonial de bens dos inventariados o da comunhão geral, apenas são exceptuados da comunhão os bens incomunicáveis, elencados no art.º 1733º do CC.
Face ao teor da decisão proferida sobre a reclamação contra a relação de bens, que manteve a Relação de Bens Reformulada/Rectificada, apresentada pelo Cabeça-de-Casal, decisão da qual não foi interposto recurso (art.º 1123º nº 2 al. b) do CPC) e que transitou em julgado, se não antes, pelo menos com a prolação do despacho saneador (n.º 4 do citado artigo), apenas a verba nº 1 (aliança de casamento do falecido, em ouro maciço, com 0,5 cm de grossura, no valor atribuído de 100,00 €) é considerada bem próprio do falecido, nos termos da alínea f) do nº 1 do referido art.º 1733º do CC e será excluída do acervo dos bens comuns.
Efectivamente, no que tange à verba nº 2 (anel), o teor da supra referida decisão e a descrição de tal bem na Relação de Bens reformulada, não permitem qualificá-lo como objecto de uso pessoal e exclusivo do cônjuge marido (nem se especifica nessa Relação de Bens se é um anel de homem ou de mulher).
Se os factos provados na sentença que versou sobre a reclamação à Relação de Bens e a indeferiu nos termos supra expostos, conduziam a que se tivesse decidido que o anel era bem próprio do BB, ou à alteração da redacção de tal verba na Relação de Bens, a ora recorrente deveria ter interposto o pertinente recurso ou pedido a sua reforma.
Consequentemente, a herança a partilhar por óbito da inventariada CC é constituída pela sua meação – metade do valor dos bens comuns existentes à data do seu óbito (verbas nºs 2 a 6).
A herança aberta por seu óbito, será dividida de forma igual (por cabeça) pelos seus herdeiros (dois filhos e marido), atribuindo-se a cada um deles 1/3 desse valor, nos termos dos artigos 2131º, 2133º nº 1 al. a), 2136º e 2139º nº 1 do Código Civil, não tendo aqui aplicação o disposto na parte final deste nº 1 (“a quota do cônjuge, porém, não pode ser inferior a uma quarta parte da herança”), porque é evidente que 1/3 é superior a 1/4 (só tem cabimento quando o número de filhos é superior a 3) .
No tocante à herança aberta por óbito do cônjuge supérstite, BB, também conhecido por GG, falecido em ../../2020, a mesma é integrada pela sua meação nos bens comuns, acrescida do valor do seu quinhão ou quota hereditária na herança aberta por óbito de sua pré falecida esposa e pelo valor da verba nº 1 (bem próprio) – em termos práticos, 1/2 do valor das verbas nºs 2 a 6 (sua meação), acrescido do valor do bem próprio (verba nº1) e do seu quinhão hereditário (1/3 do valor da meação de sua esposa nos termos acima definidos).
Como o falecido dispôs por doação em vida e por testamento da sua quota disponível, o valor de metade do bem doado, com referência à data do seu óbito, será adicionado para efeito do cálculo da quota disponível, que corresponde a 1/3, pois a legítima dos filhos é de 2/3, nos termos do art.º 2159ª do CC.
Calculada a quota disponível, imputa-se na mesma o valor de metade da referida doação, como já exposto.
O remanescente da quota disponível, se existir, corresponde ao valor da deixa testamentária a favor da Requerente do Inventário (cfr. art.º 2171º do Código Civil).
A quota indisponível (2/3) é dividida em partes iguais pelos interessados filhos.
Desta forma e sem prejuízo de eventual redução da doação, que só hipoteticamente se configura e apenas beneficiaria o outro herdeiro legitimário e nunca a herdeira testamentária (ver artºs. 1118º e 1119º do CPC e artºs 2168º e 2169º e 2171º do CC), esta deverá ser a forma a observar na partilha, assim se definindo as quotas ideais de cada um dos interessados.
*
No despacho recorrido determinou-se que “(…) os aludidos preenchimento e composição dos quinhões hereditários serão efetuados em função dos valores das licitações, quanto aos bens que forem licitados, e dos demais valores dos restantes bens”.
Segundo a recorrente, do assim determinado resulta, que, no preenchimento dos quinhões hereditários, apenas se terá em conta o valor das licitações relativamente aos bens que forem licitados, excluindo o valor atribuído pela avaliação dos mesmos.  Situação que, no entender do recorrente, corresponde a tratar desfavoravelmente a parte que, pela sua situação económica, não possa entrar na licitação, revelando-se tal interpretação inconstitucional por violação do princípio da igualdade entre as partes, previsto no n.º 1 do art.º 13º da Constituição da República Portuguesa.
Cremos que a apelante está a configurar a hipótese de os bens serem licitados por valor inferior ao da avaliação.
Sem prejuízo do que a seguir se expenderá, cremos que a parte final do despacho recorrido ultrapassa as questões que se impunha conhecer nesta fase, pois só subsequentemente se colocarão as questões relativas ao preenchimento e composição dos quinhões hereditários (artºs. 1111º a 1120º nº 1 do CPC), o que, contudo, não sindicaremos, por extravasar o objecto do recurso.
Apreciando
Numa fase posterior à determinação da forma à partilha, já em sede de elaboração do mapa da partilha, notificados os interessados para apresentarem proposta de mapa da partilha, da qual constem os direitos de cada interessado e o preenchimento dos seus quinhões, de acordo com o despacho determinativo da partilha e os elementos resultantes da conferência de interessados, estabelece o art.º 1120º nº 3 do CPC:
- Para a formação do mapa determina-se, em primeiro lugar, a importância total do ativo, somando-se os valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efetuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos, após o que se determina o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens, e por fim faz-se o preenchimento de cada quota com referência às verbas ou lotes dos bens relacionados.
Redacção que não difere da prevista no art.º 1375º nº 2 do antigo CPC (Para a formação do mapa acha-se, em primeiro lugar, a importância total do activo, somando-se os valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efectuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos; em seguida, determina-se o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens; por fim, faz-se o preenchimento de cada quota com referência aos números das verbas da descrição)
Entendemos que, neste conspecto, não há razões para divergir de doutrina e jurisprudência, há muito firmadas no domínio do anterior CPC, no sentido de que se somam os valores dos bens (resultante de avaliação ou acordo das partes) com o aumento eventualmente resultante das licitações[[3]]. É esse o sentido da norma actual que não diverge da anterior-

Efectivamente, nos termos do art.º 1114º nº 1 do CPC:
1 - Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído.
2 - O deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens.
Sobre as licitações rege o art.º 1113º e sobre o excesso de licitação o art.º 1116º, ambos do CPC.
Intuindo-se que o valor base de tal licitação será o da avaliação.
Neste sentido diz-se no sumário do acórdão do TRC de 20-9-2016 (proc. n.º748/06.6TBLMG.C1) in www.dgsi.pt:
«(…)
2. A faculdade de os interessados reclamarem contra o valor dos bens antes das licitações não visa senão evitar que a base de licitação esteja acentuadamente falseada - a base de licitação, a concretização desta e o valor final da herança a partilhar são pressupostos de que depende, obviamente, a partilha que se pretende equitativa e justa; a justa determinação do valor constitui regra de imperativa aceitação, pois é mercê dela que vai atribuir-se a cada um aquilo a que tem legítimo direito.
3. O n.º 1 do art.º 1362º, do CPC, limitou o momento até ao qual é admissível o requerimento de avaliação de bens (“até ao início das licitações”) de modo a evitar a inutilização de licitações já efectuadas, em consonância com os princípios da economia e da boa fé processual.
4. Não sendo deduzida reclamação até ao início das licitações (contra eventuais excessos da avaliação) e/ou na falta de acordo dos interessados para uma nova alteração do valor dos bens, o valor da avaliação constituirá a base de partida das licitações
Jurisprudência que se mantém actual, por não ter sido introduzida alteração nesta matéria com a Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro.
Assim sendo, não se vislumbra como possa a recorrente ser prejudicada, pois que o valor base da licitação será sempre o da avaliação, avaliação que poderá requerer, caso discorde dos valores atribuídos na relação de bens (art.º 1114º do CPC).
A posterior licitação partirá desse valor, e, se o bem for licitado por valor superior, o acréscimo relevará para o valor a partilhar e concomitantemente, para o valor dos quinhões hereditários, cujo preenchimento e composição terá de ser efectuado em função dos valores das licitações, quanto aos bens que forem licitados, ou da avaliação relativamente aos que o não forem, como dispõe o art.º 1120º nº 3 do CPC.
Pelo exposto, não acompanhamos as conclusões da apelante, por o despacho em crise não colidir com o direito à igualdade das partes. 
Consequentemente, na procedência parcial das conclusões da apelante, revoga-se parcialmente o despacho determinativo da forma à partilha, que se reformula nos seguintes termos:
CC faleceu no dia ../../2014, no estado de casada em 1ªs e únicas núpcias de ambos, no regime de comunhão geral de bens com BB também conhecido por GG.
A falecida teve os seguintes filhos:
1. DD, divorciado.
2. EE, casada no regime da comunhão de adquiridos com FF.
O marido da inventariada, BB, também conhecido por GG, faleceu no dia ../../2020, no estado de viúvo da inventariada CC.
Teve os seguintes filhos:
1. DD, divorciado.
2. EE, casada no regime da comunhão de adquiridos com FF.
Este inventariado instituiu herdeira testamentária da “quota disponível de toda a sua herança” AA, Requerente do Inventário.
Ambos os falecidos, fizeram doação, em ../../2002, por conta das suas quotas disponíveis, a favor da respectiva filha, a aqui interessada EE, do imóvel correspondente ao prédio rústico identificado como “...”, inscrito na matriz da União de Freguesias ... e ..., pelo artigo rústico nº ...40.
São bens comuns do casal as verbas nºs 2 a 6 da última Relação de Bens apresentada nos presentes autos em 04.07.2022 (Ref. Citius nº 13235678) – art.º 1732º do Código Civil (CC).
É bem próprio do inventariado BB o bem relacionado sob a verba nº1 (aliança), nos termos do art.º 1733º nº 1 al. f) do CC (objecto de uso pessoal).
Não há passivo.
 Determina-se que a Partilha dos bens seja efectuada da seguinte forma:
A. Herança aberta por óbito de CC
Somam-se os valores das verbas nºs 2 a 6, com o aumento resultante das licitações e das avaliações, (artigo 1120º, nº 3, do Código de Processo Civil – CPC).
 O total da soma é dividido em duas partes iguais.
Uma dessas metades constitui a meação da Inventariada e a herança a partilhar por seu óbito.
A outra metade constitui a meação do Inventariado.
À metade (meação) da Inventariada CC adiciona-se metade do valor do imóvel doado, com referência á data do seu óbito.
O valor encontrado é dividido em três partes iguais para apurar a sua quota disponível, correspondente a uma dessas três partes (artigo 2159º, nº 1, do Código Civil – CC), sendo que nela será imputada metade do valor da doação efectuada a sua filha EE (art.º 2114º do CC).
A meação da inventariada (metade do valor das verbas nºs 2 a 6) [[4]] – será dividido entre os seus herdeiros, todos legitimários (2157º do CC), por cabeça (art.º 2139º nº 1 do CC), em três partes iguais, constituindo cada uma dessas partes o respectivo quinhão hereditário.
B. Herança aberta por óbito de BB, também conhecido por GG:
A herança deixada pelo inventariado BB, também conhecido por GG, é constituída pelo valor da sua meação nos bens comuns (metade do valor das verbas nºs 2 a 6), acrescida do valor do quinhão hereditário que lhe couber na partilha da herança da sua pré-falecida esposa CC (1/3), e do valor da verba n.º 1 da Relação de Bens reformulada (bem próprio).
Como fez doação a sua filha por conta da quota disponível e instituiu herdeira de toda a sua quota disponível a requerente do inventário, a fim de determinar o valor de tal quota adiciona-se o valor de metade do imóvel doado à data do seu óbito.
Sendo a legítima dos filhos é de 2/3 (art.º 2159º nº 2 do CC), o valor encontrado é dividido em três partes iguais.
A sua quota disponível do inventariado BB corresponde a uma dessa terças partes.
Na quota disponível do inventariado BB é imputada em primeiro lugar metade do valor da doação efectuada a sua filha EE (art.º 2117º do CC).
O remanescente da quota disponível, se existir, corresponde à deixa testamentária a favor da Requerente do inventário (art.º 2171º do CC).
  As restantes duas partes (quota indisponível) constituem a quota legitimária dos filhos e é por estes dividida em partes iguais (artigos 2.157º e 2.139º, nº 2, ambos do Código Civil).
Como já referido, a doação, dispensada de colação, é imputada na quota disponível dos inventariados. Caso a doação exceda o valor da quota disponível, o excesso é imputado na quota legitimária da donatária, sem prejuízo da redução prevista no art.º 2169º do CC, se ofender a legítima de outro herdeiro legitimário (o irmão, aqui Cabeça de Casal) e este a vier requerer, suscitando o incidente previsto nos artºs. 1118º e 1119º do CPC.
No preenchimento dos quinhões hereditários, e se não vier a ser requerida a composição de quinhões pelos interessados credores de tornas, serão adjudicados aos licitantes os bens que forem licitados e à donatária o bem doado.
Sendo requerida a composição de quinhões, os bens devem ser adjudicados em conformidade com tal composição.
Os aludidos preenchimento e composição dos quinhões hereditários serão efectuados em função dos valores das licitações, quanto aos bens que forem licitados, e dos demais valores atribuídos aos bens não licitados na Relação de Bens reformulada, ou em resultado de acordo dos interessados ou de avaliação, se vier a ser requerida. Esclarecendo-se que o valor da licitação não poderá ser inferior ao da avaliação.
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A última parte do despacho recorrido refere-se: “cabem aqui os bens relacionados sob as Verbas 1, 2, 3, e 4 - ou os respetivos valores dos mesmos, licitados, acordados ou constantes da relação de bens - na posse da requerente e reclamante, AA, a qual responde pela existência dos mesmos, cujos valores serão considerados no preenchimento dos quinhões hereditários em causa”. Entendemos que, em sede de determinação da forma à partilha, é desnecessária tal referência, que nele não tem cabimento.
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Não tendo sido indicado outro valor no recurso, atento o disposto no art.º 12º nº 2 do RCP, atender-se-á ao valor do inventário, nos termos do art.º 302.º nº 3 do CPC, que, nesta fase, corresponde à soma dos valores atribuídos aos bens na “Relação de bens reformulada”.
A responsabilidade pelas custas da apelação e sua repartição, nos termos do disposto nos artºs. 1130º nº 4, 527º e 528º do CPC, é estabelecida na seguinte proporção: 50% para a apelante e os restantes 50% para os apelados (demais interessados) na proporção que por eles for devida a final.  

V - DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, revogam parcialmente o despacho determinativo da forma à partilha, que se reformula nos termos supra expostos.
As custas da apelação são da responsabilidade da apelante e dos apelados, cabendo 50% à primeira e os restantes 50% aos apelados, na proporção que por eles for devida a final.                                                            
Guimarães, 23-05-2024

Eva Almeida      
Maria dos Anjos Melo Nogueira
Afonso Cabral de Andrade


[1] A recapitulação do inventário, Carlos Lopes do Rego, Revista Julgar  Online, dezembro de 2019 | 11 https://julgar.pt/a-recapitulacao-do-inventario/
[2] Ver Domingos Silva Carvalho de Sá, Do Inventário, Descrever, Avaliar e Partir., pág. 156 -158.
[3] Ver a título meramente exemplificativo ma das fórmulas sugeridas por João António Lopes Cardoso em Partilhas Judiciais, 4º edição (1990) Vol. II, pág. 382: “somam-se os valores dos bens descritos com o aumento proveniente das licitações”, a mesma expressão se usando nas fórmulas a fls. 383, 388, etc.
[4] Sem prejuízo da eventual redução da doação por inoficiosidade, como adiante referido.