Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA DA CONCEIÇÃO SAMPAIO | ||
Descritores: | REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS CONVIVÊNCIA DOS PROGENITORES EM COMUM OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS COMPENSAÇÃO ABUSO DE DIREITO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A essencialidade de que se reveste a prestação de alimentos a filho menor impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo e lhe assegure o efetivo cumprimento, rodeando-a de defesas que a tornem imune às vicissitudes do relacionamento dos progenitores. II - A compreensão da obrigação de alimentos, posta no plano do direito inerente à personalidade do alimentando e constituindo como tal um direito irrenunciável e indisponível, leva a considerar que, em caso de incumprimento, a sua exigibilidade só em casos muito extremos constituirá um abuso de direito. II - O crédito a alimentos é irrenunciável, incedível, não suscetível de compensação e impenhorável, pelo que não se crê como legítima, em tese, a expectativa do progenitor obrigado, ciente da sua obrigação de prestar alimentos, de não mais proceder ao pagamento, pelo simples facto de não ter sido exigido o cumprimento durante um lapso de tempo. III - Apresenta-se como intolerável em face da importância que a ordem jurídica atribui à prestação de alimentos que, mesmo em caso de convivência em comum, o progenitor obrigado pudesse livremente substituir a prestação de alimentos por outras despesas, eventualmente mais do seu interesse em manter regularizadas. IV – A regulação das responsabilidades parentais não cessa os seus efeitos simplesmente pelo facto de os progenitores manterem ou retomarem a convivência em comum. V - A única via de alterar a regulação das responsabilidades parentais fixada, em caso de retoma da convivência em comum, é por meio de comunicação ao processo da regulação pedindo a declaração de cessação da regulação das responsabilidades parentais em relação aos seus filhos menores, uma vez que o pressuposto básico que a sustentou deixou de existir. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO O Ministério Público, em representação dos menores A. M. e R. M., veio deduzir contra R. J. incidente de Incumprimento do Exercício das Responsabilidades Parentais. Para tanto alegou, em síntese, que o Requerido, no período compreendido entre outubro de 2011 e a data da propositura da ação (13.09.2019), não cumpriu a obrigação de alimentos fixada a favor dos menores, no valor de 75€ por mês por cada menor – a atualizar anualmente, a partir de janeiro de 2012 de acordo com os índices de inflação publicados pelo INE – encontrando-se em dívida, aproximadamente, o montante de 14.400€. * O requerido foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41º, nº 3, in fine, do R.G.P.T.C.. Apresentou alegações com os fundamentos de fls. 23 e ss., sustentando, em síntese, que pese embora requerente e requerido se tenham divorciado em 27.09.2011, certo é que o divórcio em nada alterou a relação que sempre existiu entre ambos. Continuaram a partilhar a casa onde sempre viveram, fazendo as refeições em família e partilhando a mesma cama, vivendo em união de facto até agosto de 2019. Ao longo dos últimos anos (desde 2011 até agosto de 2019) foi o requerido que com o dinheiro fruto do seu salário pagou o empréstimo bancário referente à aquisição da casa de morada de família, seguros de saúde, a água, luz, gás e telefone da casa de morada de família, os telemóveis, as explicações e material escolar de todos os filhos, sendo uma estudante universitária. Sempre viveram em economia comum, nunca se tendo colocado entre o casal a questão da entrega física de dinheiro. De resto, as despesas pagas pelo requerido sempre foram de montante superior, tendo muitas vezes tido a necessidade de fazer horas extra face às despesas do seu agregado familiar, composto pela requerente e quatro filhos. Junta documentos com que pretende demonstrar a realização das referidas despesas. * Foi realizada a conferência de pais a que alude o art.º 41º, n.º 3 do RGPTC, sem que tivesse sido possível a obtenção de acordo. * Requerido e a progenitora apresentaram alegações. O requerido reiterou a posição assumida nas alegações inicialmente apresentadas. A progenitora, para além de secundar o alegado pelo Ministério Público no requerimento inicial, liquidando em 15.098,46€ o montante em dívida, defende que o divórcio se consubstanciou numa efetiva separação do casal. Continuou a residir na mesma habitação que o requerido, fazendo, todavia, refeições em separado e deixando de partilhar o mesmo leito. Relacionavam-se em separado com os filhos, passando férias e dias festivos separados, ausentando-se um e outro sem dar explicações e pagando cada um as suas contas. No que se refere aos documentos apresentados pelo requerido, pronuncia-se sobre a generalidade deles, dizendo que, ou traduzem despesas que nada têm a ver com os menores, ou se reportam a despesas efetuadas em data anterior ao divórcio, ou traduzem despesas que estão a ser reclamadas pelo requerido no processo de inventário, ou traduzem despesas insignificantes ou traduzem despesas suportadas por si e não pelo requerido. * Após julgamento foi proferida sentença que reconhecendo que, no caso, a exigência de alimentos contraria princípios de boa-fé e lealdade considerou não verificado o incumprimento e, em consequência, julgou improcedente o incidente e absolveu o requerido do pedido.* Inconformada com a sentença, veio a progenitora recorrer, formulando as seguintes conclusões:1.ª - Nos presentes autos encontra-se em discussão um incidente de incumprimento das Responsabilidades Parentais deduzido contra o recorrido relativamente aos menores, A. M. e R. M., nomeadamente o não pagamento da pensão de alimentos devida a estes dois menores no período compreendido entre Outubro de 2011 e a data da propositura da ação. 2.ª - O Tribunal a quo decidiu pela improcedência do presente incidente de incumprimento e absolveu o recorrido do pedido, considerando o tribunal a quo que não está em causa a extinção da obrigação de alimentos, por compensação, mas apenas o reconhecimento de que a sua exigência contraria os princípios de boa-fé e lealdade, na modalidade da supressio. 3.ª - A recorrente, salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, discorda da douta sentença recorrida, entendendo que a mesma padece de vícios, insurgindo-se contra a matéria de facto dada como provada e não provada, pois que perscrutando-se a matéria de facto e bem assim a matéria de direito excelsiamente vertida na sentença, julga-se respeitosamente não se poder concordar com o elenco dos factos provados/não provados e que influirá na decisão tomada, bem como na aplicação do direito ao caso, nomeadamente da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não resultou provado o facto constante do ponto H) da matéria de facto dada como provada por produção de prova, devendo antes este facto ser considerado como não provado. 4.ª - A sentença padece de um erro de julgamento, no que toca a este facto, porquanto, contrariamente ao que o tribunal a quo considerou provado, resultou antes amplamente demonstrado que o recorrido e a recorrente não repartiram os encargos da vida em comum, nomeadamente e quanto às despesas havidas com os menores, as despesas com alimentação, vestuário, calçado, as despesas escolares e de saúde dos menores, pois estas foram exclusivamente suportadas pela recorrente, repartindo ambos somente os encargos com os consumos de electricidade, água e gás, com o serviço de televisão e internet ou com a manutenção do veículo automóvel. 5.ª - Assim, cumprindo o ónus de impugnação da matéria de facto como lhe compete, a apelante procedeu, no concreto ponto de facto que considerou incorrectamente julgado, à demonstração dos concretos meios probatórios constantes do processo e registo em gravação nela realizada, que impõe decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diverso da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada. 6.ª - Assim, de acordo com o depoimento da aqui recorrente, L. M., e supra referido e transcrito no corpo da motivação, depoimento que se mostrou isento, espontâneo e credível, resultou que depois do divórcio continuou a viver na mesma habitação que o recorrido, pois por dificuldades económicas não foi possível a nenhum dos dois abandonarem aquela residência, sendo que tal situação ficou estipulada no próprio processo de divórcio. 7.ª - A aqui recorrente sempre insistiu com o recorrido para que colocassem a casa à venda para resolverem o problema, ou até que este último abandonasse a residência, pois para ela era muito mais difícil por causa dos filhos (quatro), o que nunca foi aceite por este, chegando a recorrente, perante a recusa do recorrido em abandonar a habitação, a ir com as suas filhas mais velhas, junto da Câmara Municipal de …, no sentido de conseguir arrendar uma casa com ajuda, mas sem sucesso. 8.ª - Mais referiu a recorrente que ao longo de vários anos, no interior daquela residência, existiram situações de violência doméstica do recorrido contra si e até para com os seus filhos, encontrando-se em curso processo de violência doméstica e o recorrido já acusado pelo crime de violência doméstica - Processo n.º 966/19.7GBBCL, sendo que por esta situação nunca a recorrente exigiu o pagamento da quantia de alimentos devida aos menores. 9.ª - Pelo menos desde 27 de Setembro de 2011, encontram-se a recorrente e o recorrido divorciados, partilhando os dois a partir daquela data unicamente a mesma casa, fazendo, contudo, vidas separadas, não dormindo juntos ou fazendo as refeições em conjunto. 10.ª - Sempre foi a recorrente quem assumiu as despesas relacionadas com os menores, alimentação, vestuário, saúde e educação, sem nunca o recorrido ter contribuído para o efeito, sendo esta quem se ocupava e ocupa dos filhos, quem cuidava e cuida deles, providenciando sempre para que nada lhes falte ao contrário do recorrido. 11.ª - Já quanto aos consumos de eletricidades, gás, água e serviços de telecomunicações e televisão eram pagas ora pela recorrente ora pelo recorrido, o mesmo sucedendo com algumas despesas de educação dos menores (por exemplo, manuais escolares ou explicações) ou mesmo com a manutenção e seguros do veículo. 12.ª - Quando os filhos precisavam de alguma coisa recorriam sempre à mãe e nunca ao pai, até porque o pai sempre foi um marido e pai muito ausente sempre dedicando o seu tempo ao clube de futebol andorinhas. 13.ª - Relativamente às despesas de saúde da família ficou demonstrado que era a recorrente quem as suportava, nunca usufruindo de qualquer seguro de saúde, sendo que relativamente ao empréstimo X e obras na casa de morada de família resultou amplamente demonstrado que nunca existiram, motivo pelo qual foram ambas as despesas consideradas e bem como não provadas pelo tribunal a quo. 14.ª - Referiu a recorrente que exercia a profissão de cabeleireira, de onde retirava cerca de 700 € a 800 € por mês, que não era certo, que dependia dizendo que uns meses podia retirar mais dinheiro da sua actividade, referindo, inclusive, por várias vezes, que não tinha um ordenado fixo. 15.ª - O tribunal a quo para descredibilizar o depoimento da recorrente nesta parte, atendeu ao facto da filha, J. F., ter referido que a mãe despendia cerca de 200 € por semana em alimentação, mas analisado o depoimento desta testemunha conclui-se que não foi bem isto o referido por ela. 16.ª - Assim, andou bem o tribunal a quo ao dar como provados os factos constantes das alíneas a), b), c), d), e), f), g) e i), devendo, igualmente, o tribunal a quo, ter considerado como demonstrado e provado que, durante o período compreendido entre Setembro de 2011 e Agosto de 2019, foi a aqui recorrente quem assumiu, exclusivamente, as despesas com alimentação, vestuário, calçado, as despesas escolares e de saúde dos menores e actividades extracurriculares. 17.ª - Ora, se a recorrente assumiu todos os encargos acima referidos, sendo que os encargos com os consumos de eletricidade, água e gás, com o serviço de televisão e internet ou com a manutenção do veículo automóvel, foram liquidados pelos dois, sendo que o recorrido liquidava o empréstimo mensal da habitação assim como o seu IMI, valores que se encontra a exigir agora no processo de inventário de partilha de bens comuns do casal da recorrente, como pode a presente ação ter sido votada ao insucesso. 18.ª - O que é facto é que o recorrido, no período compreendido entre Outubro de 2011 e Julho de 2019, não efectuou a transferência do montante fixado a título de alimentos como estava obrigado, encontrando-se em incumprimento. 19.ª - No mesmo sentido do depoimento da recorrente depuseram as suas testemunhas, filhas do casal e conhecedoras da realidade vivenciada, nomeadamente, V. C. e J. F., assim como a testemunha M. M., depoimentos referidos e transcritos no corpo da motivação. 20.ª - Por outro lado, o depoimento de recorrido, R. J., depoimento supra referido e transcrito no corpo da motivação, revelou-se pouco espontâneo, deveras parcial e até muito confuso e contraditório em relação à demais prova testemunhal produzida e, ainda, relativamente ao por si alegado nos autos. 21.ª - Ao longo do processo afirmou o recorrido que, pese embora na data de 27 de Setembro de 2011 recorrente e recorrido se tenham divorciado por mútuo consentimento, certo é que o formalismo do divórcio em nada alterou a relação que sempre existiu entre ambos, partilhando a casa onde sempre viveram, fazendo as refeições em família e partilhando a mesma cama, quer dizer viveram em união de facto até agosto de 2019, sendo que como se comprovou tais factos não correspondem à verdade, pois foi demonstrado que a recorrente e recorrido desde há muitos anos faziam vidas separadas. 22.ª - O recorrido começou por afirmar que dormiram juntos até 2015, Junho, Julho de 2015, pois aí apareceu uma dívida do Sr. M. e a partir daí começaram a fazer vidas separadas e que a partir desta data dormiam separados mas comiam juntos, só começando a comer separados a partir de Janeiro, Fevereiro de 2018. 23.ª - Como é possível o recorrido afirmar tais factos, pois e logo à partida o que foi referido por todas as testemunhas com conhecimento directo da situação foi que desde há vários anos recorrente e recorrido não dormiam juntos ou faziam refeições em conjunto, sendo que ao longo do seu depoimento foi o recorrido falando de várias datas para uma separação definitiva do casal, o que não convenceu o tribunal. 24.ª - O recorrido tentou demonstrar ser um pai presente e preocupado com os seus filhos, o que também não logrou fazer prova, bem pelo contrário pelos depoimentos da recorrente e das duas filhas do casal resultou claro que tal não corresponde minimamente à verdade. 25.ª - O recorrido sempre afirmou ao longo do processo que pagou, com o dinheiro fruto do seu salário, o empréstimo bancário referente à aquisição da casa de morada de família, o que foi comprovado e reconhecido, mas já não, por exemplo, relativamente ao seguro de saúde que nunca existiu, sendo que este afirmou ter existido até mais ou menos 2016. 26.ª - Quanto às despesas dos consumos de água, luz, gás, telefone da casa de morada de família apesar do recorrido alegar que as mesmas foram sempre liquidadas por si, resultou demonstrado que eram pagas pelos dois, sendo que quanto às obras na casa de morada de família também foi comprovado nunca terem existido. 27.ª - Surgiram, entretanto, novidades ao longo da audiência de discussão e julgamento, nunca alegadas pelo recorrido, a de que comprava alimentação/mantimentos para os menores, para casa, que os adquiria em supermercados, bem como adquiria roupas para os menores, o que não logrou demonstrar, nem pelo seu depoimento nem pelo depoimento das testemunhas por si arroladas. 28.ª - Preocupação constante do recorrido em denegrir a imagem da recorrente relativamente a dívidas contraídas pelo casal, tentando ele próprio passar a imagem dum marido, companheiro e pai exemplar, bem sabendo que tal não corresponde minimamente à verdade, pois sempre foi um pai muito ausente dedicando o seu tempo ao clube de futebol andorinhas. 29.ª - Assim, andou bem o tribunal a quo ao dar como não provado que no período compreendido entre a data do divórcio e agosto de 2019, o recorrido e a recorrente continuavam a fazer refeições em conjunto e partilhavam a mesma cama, bem como todas as despesas por si alegadamente serem suportadas. 30.ª - Reconheceu o recorrido ter conhecimento da sua obrigação de pagar pensão de alimentos aos seus filhos por transferência bancária e que nunca depositou ou transferiu esses valores, assim, como tinha, igualmente, conhecimento que se encontrava obrigado no pagamento de metade das despesas de saúde e de educação. 31.ª - Arrolou o recorrido como sua testemunha, L. P., depoimento supra referido e transcrito no corpo da motivação, entendendo o tribunal a quo, com referência ao depoimento desta testemunha, que conhecia o recorrido de quem é amigo há cerca de vinte anos, conhecendo, igualmente, a recorrente, posição com a qual não se concorda nem resultou do depoimento desta testemunha. 32.ª - Eram tão amigos, mas nem sequer falavam da vida pessoal, estranha relação de amizade !! 33.ª - Esta testemunha referiu que trabalhava como caixa de um supermercado, onde o recorrido fazia compras com frequência semanal, ora a título pessoal, ora enquanto representante de uma colectividade, indicando numa e noutra ocasião NIFS diferentes. 34.ª - Curioso o depoimento desta testemunha, pois foi referido pela testemunha arrolada pelo recorrente, M. A., que as compras para esta colectividade, nomeadamente o clube de futebol “andorinhas”, eram realizadas no recheio, onde tinham descontos, e o valor nem era pago no imediato, que depois vinha uma factura. 35.ª - Mais referiu esta testemunha que o recorrido comprava artigos de alimentação, massa, arroz, óleo, azeite, leite, despendendo cerca de 30, 40 € por semana, sendo que nunca comentou consigo a que se destinavam tais produtos, presumindo, dada a sua natureza, que se destinassem ao consumo do requerido e da família, já que viviam juntos. 36.ª - Que só há alguns meses tomou conhecimento que a recorrente e o recorrido estavam divorciados, sendo que referiu que o recorrido ia ao supermercado com mais frequência quando se encontrava casado. Ora, como é possível pois nunca falaram da vida pessoal e só teve conhecimento do divórcio há poucos meses, não sabendo desde quando os dois faziam uma vida separada!! 37.ª - Assim, este depoimento revelou-se pouco credível, pois pouco conhecedor da vida do recorrido e muito menos da sua vida pessoal, resultando demonstrado que o recorrido não adquiria alimentação para os seus filhos, o que foi, igualmente, referido pela recorrente e filhas do casal, V. C. e J. F., de que era a mãe que fazia as compras para casa e religiosamente no dia de sábado. 38.ª - Já quanto ao depoimento da testemunha arrolada pelo recorrido, J. P., depoimento que se encontra, igualmente, supra referido e transcrito no corpo da motivação, de pouco ou nada serviu, pois apesar de ser vizinho da recorrente e recorrido há cerca de dezasseis anos nunca frequentou a casa deles, revelando que pouco os conhece, sendo que relativamente à recorrente até referiu apenas conhecê-la de vista, pouco ou nada sabendo do relacionamento entre os dois. 39.ª - Já quanto ao depoimento da testemunha, M. A., depoimento que se encontra supra referido e transcrito no corpo da motivação, referiu ser amigo do recorrido há mais de vintes anos e que se relacionava com ele enquanto dirigentes do clube de futebol “andorinhas”, referindo não conhecer a esposa do recorrido. 40.ª - Questionado se sabia se o recorrido era casado, respondeu que sim, já quanto ao facto de saber se se tinha divorciado, disse que soube há um mês e tal, dois meses, mais referindo que nunca falavam da vida pessoal, da relação em casa com as esposas e os filhos. 41.ª - Questionado, onde é que faziam as compras para o clube, respondeu que eram feitas no recheio, que tinham um cartão de onde usufruíam de alguns descontos, afirmando que nessas ocasiões o recorrido também fazia compras para casa dele, sendo que as do andorinhas é o clube que paga, sendo que quando questionado relativamente ao supermercado P. referiu conhecer o senhor, mas que nunca comprou lá nada, nem para o andorinhas. 42.ª - Mais referiu ser frequente irem às compras e quanto à forma de pagamento as facturas eram separadas, mais afirmando que para a exploração do café aquilo era trinta dias, que vem uma factura que não pagavam logo. 43.ª - Mais afirmou nunca ter visto o aqui recorrido comprar roupa e calçado para os miúdos e questionado se havia convívios no “andorinhas” referiu que sim, mas que se lembre nunca lá viu a D. L. M.. 44.ª - Este depoimento entra em contradição com o depoimento da testemunha inquirida, L. P., que referiu que o aqui recorrido fazia compras no Supermercado P. para o clube de futebol andorinhas e, ainda, para a sua casa. 45.ª - Além disso, a testemunha, L. P., referiu no seu depoimento que o requerido, R. J., ia lá todas as semanas fazer compras, esta testemunha, M. A., referiu, igualmente, que era frequente irem às compras. 46.ª - Obviamente que, perante estes depoimentos a conclusão óbvia é que o aqui recorrido não fazia as compras para casa, revelando-se, assim, este depoimento pouco credível. 47.ª - Já quanto à testemunha, M. O., depoimento que se encontra supra referido e transcrito no corpo da motivação, revelou-se este testemunho pouco credível, confuso e contraditório, a testemunha como mãe do recorrido fez de tudo para proteger o seu filho e falar só em seu benefício, faltando à verdade, sendo sua intenção durante todo o seu depoimento em denegrir a imagem da recorrente. 48.ª - Quando questionada se frequentava a casa do recorrido e recorrente, fugiu à questão e respondeu, o salão, acabando, depois de insistência, por referir que a última vez que frequentou a casa deles foi em Outubro de 2019 por causa de uma situação relacionada com a neta, J. F., o que acabou por ser desmentido por esta última. 49.ª - Afirmou ter conhecimento que os dois se divorciaram em 2011, sendo que quanto ao facto de saber se eles sempre se deram bem, referiu que ela nunca se queixou, que era o seu filho que pagava tudo e que a recorrente nada pagava. 50.ª - Resultou claro que esta testemunha não era frequentadora da casa, até como se pode comprovar pelo depoimento da sua neta, J. F., desconhecendo como funcionavam as coisas lá em casa. 51.ª - Afirmou saber que o recorrido comprava alimentos para casa porque lhe pedia dinheiro para o efeito, o mesmo sucedendo com as despesas de electricidade e água, sendo que do depoimento do recorrido, em momento algum, resultou que este para fazer face às despesas pedisse dinheiro à sua mãe. 52.ª - Mais referiu que sempre viveram bem e sempre se organizaram bem, sendo que do seu depoimento resultou, igualmente, que afinal não era nada assim, pois o seu filho até tinha que fazer compras para casa, comprar alimentos, mercearia, que ia a uma senhora onde a testemunha também lá comprava. 53.ª - Relativamente às roupas, referiu que os netos andavam com roupa que lhe era dada por umas sobrinhas do Porto e que quem comprava muitas das vezes era o seu filho, entrando este depoimento em contradição com o depoimento do recorrido, pois este afirmou que a roupa era oferecida por clientes da D. L. M.. 54.ª - Esta testemunha referiu que só notou diferença na vivência dos dois agora que ele saiu de casa, em Agosto, setembro de 2019, já quanto ao facto de dormirem ou não juntos, fazerem ou não as refeições juntos, referiu ela nunca me disse nada do que se passava, mas porque haveria de ser a recorrente a dizer, se nem pelos vistos o seu filho lhe contava o que na realidade se passava como seria o normal. 55.ª - Assim, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resultou provado que durante o período compreendido entre Setembro de 2011 e Agosto de 2019, foi a progenitora, L. M., aqui recorrente, quem assumiu, exclusivamente, as despesas com alimentação, vestuário, calçado, as despesas escolares e de saúde dos menores, sendo que as despesas com as atividades extracurriculares e os encargos com os consumos de eletricidade, água e gás, com o serviço de televisão e internet ou com a manutenção do veículo automóvel, foram liquidados pelos dois. 56.ª - Assim, Venerandos Desembargadores, deverá dar-se como provado o ponto H) dos factos provados, mas nos seguintes termos: Durante o período compreendido entre o divórcio e agosto de 2019, o requerido e a progenitora continuaram a viver na casa de morada de família, juntamente com os menores, sendo que durante esse período foi a progenitora, L. M., quem assumiu os encargos com os filhos, designadamente, as despesas com alimentação, vestuário, calçado, as despesas escolares e de saúde dos menores. Devendo, ainda, considerar-se como provado que, durante o período referido em g), os encargos com as atividades extracurriculares (explicações), os consumos de eletricidade, água e gás foram liquidados por requerido e progenitora, L. M.. 57.ª - Assim, da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nunca poderia ter resultado a decisão proferida, no sentido de se julgar improcedente o presente incidente e, em consequência, absolver-se o recorrido do pedido. 58.ª - Relativamente ao direito aplicável ao caso concreto e com referência aos filhos menores, a Constituição da República Portuguesa estabelece o princípio da igualdade de deveres dos progenitores em relação à manutenção dos filhos, significando que sobre cada progenitor impende a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o que for necessário ao sustento, habitação e vestuário, bem como à instrução e educação dos menores - artigos 2003.º, 2004.º e 2005.º todos do C. Civil. 59.ª - O dever de prover ao sustento dos menores é um dever prioritário dos pais, em condições de coresponsabilidade, nos termos do artigo 36.º, ns.º 3 e 5 da Constituição da República Portuguesa, artigo 27.º da Convenção sobre os Direitos da Criança e artigos 1874.º e 1878.º, nº 1, do C. Civil. 60.ª - Conforme estabelece o artigo 41º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Civil -“ se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e em indemnização a favor da criança, do requerente ou de ambos”. 61.ª - Nos presentes autos, por decisão de 27.09.2011, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento decretado entre recorrente e recorrido, foi fixada a obrigação alimentícia a favor dos menores, sendo que o recorrido não cumpriu com esta obrigação, não transferindo, no período compreendido entre outubro de 2011 e julho de 2019, o montante a que respeita a obrigação de alimentos. 62.ª - Não restou, assim, outra alternativa à recorrente senão lançar mão do mecanismo legal ao seu dispor para exigir do recorrido o cumprimento das pensões de alimentos não liquidadas que se traduz nos presentes autos de incidente de incumprimento das responsabilidades parentais. 63.ª - A questão colocada pelo tribunal a quo é a de saber se, não obstante esse incumprimento, se deve considerar incumprida a obrigação de alimentos. 64.ª - Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens, conforme previsto no artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil. 65.ª - Ora, esta situação nunca se verificou por parte do recorrido para com os seus filhos, nunca este velou pela segurança ou saúde destes ou sequer assegurou o seu sustento ou dirigiu a sua educação, bem pelo contrário ficou amplamente demonstrado que quem tratava dos filhos a tempo inteiro e a todos os níveis era a recorrente sem a colaboração de recorrido, que sempre se tratou dum marido e pai ausente. 66.ª - Julga-se que, apesar do tribunal a quo ter desvalorizado esta situação do recorrido ser um marido e pai ausente, tais factos constituem factores importantes no sentido de se perceber quem efectivamente cuidava dos menores, pois se um pai como o recorrido nunca estava em casa, se saía directamente do trabalho para o seu clube de futebol, como se ocupou estes anos todos dos seus filhos!!!! 67.ª - A indiferença perante os filhos sempre foi um comportamento pautado pelo recorrido, situação que se mantém na actualidade, sendo que as filhas mais velhas do casal, apesar de saberem que o pai iria ficar magoado, vieram aos autos relatar a realidade do que se passava. 68.ª - O requerido sempre soube dos seus direitos, mas sempre se esqueceu dos seus deveres como pai. 69.ª - Qualificado o dever de alimentos que recai sobre os pais do menor como irrefragável e inafastável, sendo que a obrigação de alimentos é, igualmente, de interesse e ordem pública, de carácter indisponível, irrenunciável, intransmissível e impenhorável, sendo que o obrigado não pode livrar-se dele por meio da compensação, ainda que se trate de prestações já vencidas, de acordo com o previsto no artigo 2008.º, n.º 2, afastando-se, assim, a regra geral do artigo 847.º do Código Civil. 70.ª - Não podem ser ignoradas nem subestimadas as consequências graves que o não cumprimento oportuno das prestações em dívida muito provavelmente terá tido na situação de necessidade do credor e o agravamento dela que a extinção da dívida por compensação acabaria por provocar, sendo que a natureza e o fim específico das dívidas de alimentos ditam a impossibilidade legal do recurso à compensação. 71.ª - O não cumprimento das prestações de alimentos por parte do recorrido colocou a recorrente numa situação económica muito difícil, pois, como ficou demonstrado, esta liquidou todas as despesas com muitas dificuldades económicas, sendo que o direito de compensação não existe no crédito de alimentos. 72.ª - Assim, os eventuais créditos que o recorrido possa ter relativamente à aqui recorrente, relativamente a despesas da casa e outras que fossem da responsabilidade desta e suportadas por aquele, terão de ser decididas noutra sede que não o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, o que está a suceder, em sede de processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal. 73.ª - Foi amplamente abordada pelo tribunal a quo a questão da recorrente ter referido no seu depoimento que auferia mensalmente entre 700, 800 € e que a filha, J. F., referiu que a mãe gastava cerca de duzentos euros por semana no supermercado e que, em face disso, não poderia a recorrente suportar todas as despesas que alegava. 74.ª - Se analisarmos bem esses depoimentos, a recorrente só ao fim de muita insistência adiantou esses valores mensais, dizendo que não era certo e que dependia dos meses, sendo que a filha, J. F., referiu que a mãe despendia por vezes duzentos euros por semana, mas que não sabia, formando o tribunal a quo a sua convicção, igualmente, com base nestes factos, mas erradamente. 75.ª - Segundo o tribunal a quo, em causa neste processo está, não tanto a invocação da exceção de compensação por parte do recorrido, mas a alegação de factos que, provados, poderão tornar inexigível a prestação de alimentos. 76.ª - A obrigação de alimentos assume natureza creditícia, pelo que a obrigação extingue-se pelo pagamento, mediante a realização integral da correspondente prestação debitória, nos termos dos artigos 762.º e 763.º do Código Civil e sendo a realização da prestação debitória um facto extintivo da obrigação, o ónus de a provar recai sobre o devedor, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil. 77.ª - Mais se acrescenta que, uma vez assente o incumprimento, se presume a culpa do devedor, nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil e que sendo esta uma presunção ilidível, cabe ao devedor demonstrar que o não pagamento não procedeu de culpa sua, alegando e provando circunstâncias alheias à sua vontade e que tornaram inexigível outro comportamento. 78.ª - Por outro lado, a regulação das responsabilidades parentais fixada por sentença judicial não cessa os seus efeitos simplesmente pelo facto dos progenitores reatarem a sua convivência em comum., sendo certo que a regulação das responsabilidades parentais pressupõe a cessação da convivência em comum dos progenitores, exigindo, por isso, a dissolução familiar, conforme se atesta da leitura dos artigos 1906.º, 1907.º, 1909.º e 1912.º do Código Civil. 79.ª - Trata-se de uma verdadeira ação constitutiva, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 10.º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Civil, provocando uma mudança na ordem jurídica existente, sendo que se por um lado, define a residência da criança, por outro, estabelece regimes de visitas e, ainda, fixa uma obrigação de alimentos, em regra, através do pagamento de uma quantia pecuniária mensal. 80.ª - A destruição dos efeitos da ação de regulação das responsabilidades parentais, não pode ocorrer ipso facto com a reconciliação dos cônjuges, cessando automaticamente os efeitos produzidos pela sentença judicial que regulou o exercício das responsabilidades parentais, sem que para tal tenha havido qualquer tipo de reconhecimento judicial ou equiparado de tal circunstância fáctica. 81.ª - Sendo o processo de regulação das responsabilidades parentais um processo de jurisdição voluntária, nos termos do artigo 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o valor das decisões proferidas encontra-se sempre sujeito ao artigo 988.º do Código de Processo Civil que determina que podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a sua alteração. 82.ª - Nada impede que seja instaurada ação tutelar comum ou que seja comunicado ao processo da regulação, por ambos os progenitores, manifestando o acordo na retoma da sua vivência em comum, pedindo a declaração de cessação da regulação das responsabilidades parentais em relação aos seus filhos menores, uma vez que o pressuposto básico que a sustentou deixou de existir, pois só, deste modo, o progenitor não residente se desvincula da obrigação de alimentos, constituindo, por isso, ónus do progenitor obrigado a exercer as diligências necessárias no sentido de fazer cessar os efeitos da regulação, o que não se verificou no caso dos autos por parte do recorrido. 83.ª - Ao longo do processo o recorrido assumiu um comportamento reprovável, faltando à verdade, pois aquilo que alegou nos autos e em audiência de discussão e julgamento ficou demonstrado não corresponder à verdade, quer quanto ao facto de alegar que pese embora na data de 27 de Setembro de 2011, o recorrido e a recorrente se tenham divorciado, que o formalismo do divórcio em nada alterou a situação que sempre existiu entre ambos, partilhando a mesma casa onde sempre viveram, fazendo as refeições em família e partilhando a mesma cama, afirmando que viveram em união de facto até Agosto de 2019, o que ficou demonstrado não corresponder à verdade. 84.ª - Já quanto às despesas que alegou serem suportadas por si, referentes a saúde de família, empréstimo X, seguros de saúde, telefones e obras na casa de morada de família, com água, luz, gás e despesas das crianças, nada conseguiu demonstrar e muito menos provar, tendo, inclusive, o tribunal a quo dado estes factos como não provados. 85.ª - Obviamente que até esta fase não poderia o tribunal a quo ter julgado esta ação como improcedente, mas socorreu-se para o efeito pretendido do instituto da supressio, erradamente. 86.ª - Entendeu o tribunal a quo que pressupondo a convivência em comum, a contribuição de ambos os progenitores para os encargos familiares, sempre afrontaria o princípio da boa fé a exigibilidade do pagamento da prestação de alimentos fixada na ação de regulação das responsabilidades parentais e que a exigibilidade da prestação de alimentos sempre seria travada pelo instituto do abuso do direito, consagrado no artigo 334.º do Código Civil. 87.ª - A supressio exige os seguintes requisitos: um não-exercício prolongado; uma situação de confiança, daí derivada; uma justificação para essa confiança; um investimento de confiança, e a imputação da confiança ao não-exercente, sendo que o que a distingue do venire contra factum proprium é a ausência de factum (conduta anterior), bastando o decurso de um período de tempo significativo suscetível de criar à contraparte a fundada expectativa de que o direito não mais será exercido. 88.ª - É possível estabelecer-se algumas referências temporais, sendo que o prazo deverá ser inferior ao prazo de prescrição ordinária, que a lei fixa em 20 anos (artigo 309.º do CC), porque de outro modo perderia utilidade; deverá, por outro lado, equivaler ao período necessário para convencer um homem comum, colocado na posição do real e perante as mesmas circunstâncias, de que não mais seria exercido o direito invocado. 89.ª - A supressio é um remédio subsidiário para uma situação extraordinária e daí que sejam necessárias todas as cautelas na sua aplicação pelos tribunais. 90.ª - O tribunal a quo fundamentou a sua decisão, no não exercício do direito pela recorrente, entre 2011 e 2019, estando também em causa aqui o venire contra factum proprium, que assim, permaneceu durante 8 anos, jamais exigindo do recorrido a entrega efetiva do dinheiro, caso em que por certo seria equacionada uma gestão/repartição diferente dos encargos normais da vida familiar, concluindo o tribunal a quo não estar em causa a extinção da obrigação de alimentos, por compensação, mas apenas o reconhecimento de que a sua exigência contraria princípios de boa-fé e lealdade. 91.ª - Não podemos concordar com a posição assumida pelo tribunal a quo ao lançar mão do mecanismo da supressio para que o presente incidente fosse julgado como improcedente. 92.ª - A recorrente alegou factos para não ter instaurado os presentes autos mais cedo, nomeadamente situações relacionadas com violência doméstica infligidas contra si e contra os filhos do casal, factos relativamente aos quais o recorrido já se encontra acusado. 93.ª - O instituto da supressio pode ser aplicado quando há um comportamento omissivo, tendo gerado à parte contrária a justa expectativa de que não mais seria exercido, o que não se verificou no caso dos autos. 94.ª - O recorrido ficou obrigado a proceder ao pagamento da quantia mensal de 75,00 € a título de prestação de alimentos devidos para cada um dos seus filhos menores, comprometendo-se a entregar à progenitora, aqui recorrente, até ao dia 8 de cada mês, mediante a realização de transferência bancária, devendo as prestações ser actualizadas anualmente de acordo com o índice da taxa de inflação. 95.ª - São estes, pois, os contornos da obrigação de alimentos devidos à recorrente que o recorrido assumiu a partir de Outubro de 2011, como demonstrado e provado nos autos. 96.ª - Tal como já acima referido, a regulação das responsabilidades parentais fixada por sentença judicial não cessa os seus efeitos simplesmente pelo facto dos progenitores reatarem a sua convivência em comum, recaindo sobre o progenitor devedor da prestação de alimentos o ónus de fazer cessar os efeitos da regulação realizada em 2011, de modo a que se desvinculasse da prestação de alimentos tal como fora fixada e não o tendo feito manteve-se vinculado aos termos acordados na regulação, sendo devedor da prestação de alimentos em relação aos seus filhos menores peticionados nos autos, no montante mensal de 75, 00 € para cada um. 97.ª - A prestação de alimentos a que o recorrido se obrigou compreendia o pagamento da quantia certa e determinada de 75, 00 € com referência a cada um dos menores, montante este a transferir para a conta bancária titulada pela progenitora, decorrendo dos factos provados de forma inequívoca que o recorrido em momento algum o fez. 98.ª - Foi apenas considerado como provado que o recorrido procedeu ao pagamento de despesas, mas tanto ele como a aqui recorrente, e que de nada têm que ver com a prestação de alimentos devida, pois tais pagamentos não se prendem com a contribuição devida a título de vestuário, alimentação, educação e lazer dos seus filhos menores. 99.ª - O pagamento de despesas de educação, muito poucas ou praticamente inexistentes dos filhos menores foi determinado como cláusula extra à da mensalidade, não se incluindo, por isso, e parcialmente, na prestação de alimentos devida pelo recorrido. 100.ª - Independentemente do que o tribunal a quo considerou haver sido liquidado pelo recorrido, que agora o está até a exigir em inventário para partilha dos bens comuns do casal, também tais prestações não se relacionam com a obrigação de pagamento da prestação de alimentos propriamente dita, sendo que tais pagamentos extravasam a prestação de alimentos e com ela não se encontram relacionadas, uma vez que a prestação de alimentos foi fixada como uma prestação pecuniária fixa e unitária. 101.ª - Também nada impede que o progenitor obrigado faça, por sua vontade, liberalidades ou pequenas ofertas aos seus filhos menores, contudo, mais uma vez, tais prestações não se confundem com a prestação de alimentos que se prende com uma quantia que deve ser entregue ao progenitor residente, em ordem a que este administre e faça face às despesas do menor com o vestuário, alimentação, educação e lazer. 102.ª - Não é pelo facto do progenitor ter pago algumas das despesas da habitação, que como se referiu encontra-se a exigir no processo de inventário que fazem desonerar o progenitor da prestação de alimentos. 103.ª - O recorrido não demonstrou que tenha liquidado qualquer montante a título de pensão de alimentos, aliás este nunca o reconheceu, pelo contrário apenas alegou para se inibir do seu pagamento que liquidou despesas com a habitação e consumos de água, luz, telefones, que ficou demonstrado que a recorrente, igualmente os liquidava. 104.ª - Não estando em causa problemas de incapacidade financeira por parte do recorrido para prover ao sustento dos seus filhos menores, o que na actualidade realiza sem qualquer objecção, no montante de 150, 00 € para cada menor, não se pode deixar de concluir que o recorrido incumpriu a obrigação de prestar alimentos, na quantia mensal de 75,00 € para cada um dos filhos menores, de forma que lhe é imputável, desde Outubro de 2011, pois bem sabia que se encontrava obrigado a fazê-lo, tendo assim acordado na regulação das responsabilidades parentais, sem que tenha alguma vez lançado mão quer da acção de cessação de prestação de alimentos, quer de alteração da prestação de alimentos. 105.ª - No âmbito dos alimentos devidos a menores, pela sua própria natureza, isto é, por se encontrar intimamente relacionado com a dignidade da vida humana dos filhos, radicando numa ideia de justiça social e de imprescindibilidade para o sustento dos menores, não se compadece com a admissão da aplicação da supressio no caso como o dos autos. 106.ª - O crédito a alimentos é, nos termos do artigo 2008.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, irrenunciável, incedível, não susceptível de compensação e impenhorável, pelo que não se crê como legítima, em tese, a expectativa do progenitor obrigado, ciente da sua obrigação de prestar alimentos, de não mais proceder ao pagamento, pelo simples facto de não ter sido exigido o cumprimento durante um lapso de tempo. No mesmo sentido acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13-06-2019, consultado em www.dgsi.pt. 107.ª - Mesmo existindo um acordo entre os progenitores no sentido da não exigência da pensão de alimentos, este acordo é absolutamente inválido, nulo por falta da forma e dos requisitos procedimentais que a lei prevê em ordem a garantir um conteúdo respeitador do interesse da criança. Pugna a Recorrente pela procedência da apelação e revogação da sentença recorrida que deve ser substituída por outra que condene no pagamento das pensões de alimentos peticionadas. * O Recorrido R. J. a e o Ministério Publico apresentaram contra-alegações, em que pugnam pela manutenção do decidido.* II – Delimitação do objeto do recurso a apreciar:O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artigo 639º, do Código de Processo Civil. A questão enunciada resume-se a saber se, no caso concreto, a exigência da obrigação de alimentos contraria os princípios de boa-fé e lealdade, na modalidade da supressio. * III – FUNDAMENTAÇÃO3.1. Os factos 3.1.1. Os factos provados Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: a) A. M. e R. M. nasceram, respetivamente, em -.06.2007 e -.09.2003, sendo filhos do requerido e de L. M.; b) O requerido e L. M. casaram em -.08.1989; c) Por decisão de 27.09.2011, proferida no processo n.º 8396/2011 que correu termos da CRCivil de …, foi decretado o divórcio entre requerente e L. M.; d) Nessa mesma decisão, foi ainda regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas aos menores, nos seguintes termos: “1º O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância serão exercidas em comum acordo por ambos os progenitores. (…) 3º O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do menor cabe à progenitora com quem reside habitualmente e ao progenitor que com ele se encontra temporariamente. (…) 10º O pai pagará mensalmente aos menores a título de alimentos a quantia mensal de 75€ (setenta e cinco euros) a cada, no total de 300€ (trezentos euros) que pagará por transferência bancária para o NIB (…), até ao dia 8 de cada de mês. Este valor será actualizado anualmente conforme a taxa de inflação praticada pelo S.N.E. 11º As despesas futuras extraordinárias, com educação e com a saúde do menor, não cobertas pelo S.N.S., serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores.”. e) Durante o período compreendido entre o divórcio e julho de 2019, o requerido nunca entregou à progenitora a quantia fixada na cláusula 10ª do regime fixado; f) Em 06.08.2019 e 09.09.2019, o requerido transferiu a quantia de 300€ (150€x2), a título de alimentos; g) Durante o período compreendido entre o divórcio e agosto de 2019, o requerido e a progenitora continuaram a viver na casa de morada de família, juntamente com os menores. h) Durante esse período, o requerido e a progenitora repartiram os encargos da vida em comum, designadamente, as despesas com alimentação, vestuário, calçado, as despesas escolares e de saúde dos menores, as despesas com as atividades extracurriculares (explicações e futebol) e os encargos com os consumos de eletricidade, água e gás, com o serviço de televisão e internet ou com a manutenção do veículo automóvel, em proporção e de forma não concretamente apurada; i) Durante esse período, foi o requerido que suportou, na totalidade, a prestação para amortização do empréstimo contraído para aquisição da habitação, seguros respetivos e IMI, no valor aproximado de 500€ por mês, despesas estas cujo pagamento reclama da requerida no processo de inventário que corre termos sob o n.º 2701/19 no Cartório do Ex.mo Sr. Notário P. C.. 3.1.2. Os factos não provados Não se provou que: - no período compreendido entre a data do divórcio e agosto de 2019, o requerido e a progenitora continuavam a fazer refeições em conjunto e partilhavam a mesma cama; - no ano de 2011 o requerente pagou sozinho o montante de 7.174,86€ referente a despesas relacionadas com a saúde da família, empréstimo X, seguros saúde, telefones e obras na casa de morada de família, com água, luz, gás, despesas das crianças; - no ano de 2012 o requerente pagou sozinho o montante de 4.422,03 € referente a despesas relacionadas, saúde da família, empréstimo X, seguros saúde, telefones e obras na casa de morada de família , com água, luz, gás, despesas das crianças; - no ano de 2013 o requerente pagou sozinho o montante de 588,01 € referente a despesas relacionadas, saúde da família, empréstimo X, seguros saúde, telefones e obras na casa de morada de família, com água, luz, gás, despesas das crianças; - no ano de 2014 o requerente pagou sozinho o montante de 335,23 € referente a despesas relacionadas, saúde da família, empréstimo X, seguros saúde, telefones e obras na casa de morada de família, com água, luz, gás, despesas das crianças; - no ano de 2015 o requerente pagou sozinho o montante de 2.339,8 € referente a despesas relacionadas, saúde da família, empréstimo X, seguros saúde, telefones e obras na casa de morada de família, com água, luz, gás, despesas das crianças; - no ano de 2016 o requerente pagou sozinho o montante de 2562,61 € referente a despesas relacionadas, saúde da família, empréstimo X, seguros saúde, telefones e obras na casa de morada de família, com água, luz, gás, despesas das crianças; - no ano de 2017 o requerente pagou sozinho o montante de 4.844,32 € referente a despesas relacionadas, saúde da família, empréstimo X, seguros saúde, telefones e obras na casa de morada de família, com água, luz, gás, despesas das crianças; - no ano de 2018 o requerente pagou sozinho o montante de 4.138,76 € referente a despesas relacionadas, saúde da família, empréstimo X, seguros saúde, telefones e obras na casa de morada de família, com água, luz, gás, despesas das crianças; - no ano de 2019 o requerente pagou sozinho o montante de 3.177,51 € referente a despesas relacionadas, saúde da família, empréstimo X, seguros saúde, telefones e obras na casa de morada de família, com água, luz, gás, despesas das crianças; - que despesas, das documentadas a fls. 26 a 290, foram suportadas por requerido e pela progenitora dos menores. * 3.2. O Direito3.2.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Em sede de impugnação da matéria de facto, consigna o artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.» Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo artigo 640º que: a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. A Recorrente manifesta a sua discordância relativamente ao ponto H) da matéria de facto dada como provada. O facto tem a seguinte redação: h) Durante esse período, o requerido e a progenitora repartiram os encargos da vida em comum, designadamente, as despesas com alimentação, vestuário, calçado, as despesas escolares e de saúde dos menores, as despesas com as atividades extracurriculares (explicações e futebol) e os encargos com os consumos de eletricidade, água e gás, com o serviço de televisão e internet ou com a manutenção do veículo automóvel, em proporção e de forma não concretamente apurada. Em seu entender, da prova produzida resultou apenas que a Recorrente e o Requerido repartiram tão só os encargos com os consumos de eletricidade, água e gás, com o serviço de televisão e internet ou com a manutenção do veículo automóvel. Vejamos se assiste razão à Recorrente. Ouvidas as declarações do requerido e da progenitora e o depoimento das testemunhas, concordamos com o excerto crítico (resumo) feito na decisão recorrida. Com efeito, o que de essencial se retira das declarações da progenitora é que, depois do divórcio, continuou a viver na mesma habitação que o requerido, ainda que fizessem vidas separadas (não dormiam juntos e não faziam refeições em conjunto, exceção feita às ocasiões de Natal e passagem de ano, numa ou noutra ocasião), e assim foi até julho de 2019, altura em que o requerido saiu da casa de morada de família. Genericamente, afirmou que continuaram a partilhar algumas despesas, ficando a cargo do requerido a amortização do crédito contraído para aquisição da habitação (cerca de 500€ por mês) e o IMI, e a seu cargo todas as despesas relacionadas com os menores (alimentação, calçado e vestuário), e que as despesas com os consumos de eletricidades, gás, água e serviços de telecomunicações e televisão eram pagas, ora por si, ora pelo requerido, o mesmo sucedendo com algumas despesas de educação dos menores (por exemplo, manuais escolares ou explicações) ou mesmo com a manutenção e seguros do veículo. Justificou que nunca exigiu o pagamento da quantia de alimentos devidas aos menores “por causa da violência doméstica”. O requerido referiu que suportava, em exclusivo, a prestação da casa, os consumos de eletricidade, água, serviços de telecomunicações e televisão, bem despesas relativas à educação dos menores (explicações, manuais), a atividades extracurriculares (futebol), seguro de saúde dos menores (até 2016), e que as despesas com alimentação eram pagas, ora por si, ora pela progenitora. Refere que o divórcio serviu, essencialmente para proteger o seu rendimento da cobrança coerciva de alguns créditos, motivo por que o propósito de ambos (requerido e progenitora) era continuarem a dividir como até então as despesas normais da vida familiar. Quanto às testemunhas L. P., J. P., M. A. e M. M. extrai-se, com essencialidade, do seu depoimento que nada mudou com o divórcio, designadamente ao nível das despesas do casal. Com relevância destaca-se o depoimento das duas filhas do requerido e da recorrente, V. C. e J. F.. Referiu a V. C. que os pais se divorciaram em 2011, não obstante, já antes os pais faziam vidas separadas (não dormiam juntos e não saíam ou faziam férias juntos). Caracterizou o pai como uma pessoa ausente, em razão do que era a mãe que tratava da quase totalidade dos assuntos relacionados com os filhos: era a mãe que os acompanhava a consultas médicas (o requerido poucas vezes o fazia), adquiria medicação, comprava alimentos (coisa que o pai, que tivesse visto, nunca fez), levava os menores à escola e comprava vestuário e calçado. Confirma que o requerido a ajudou a liquidar o empréstimo que contraiu para suportar a frequência do curso superior, aproximadamente entre 2011 e 2014. Nega que alguma vez tenham beneficiado de seguro de saúde ou que alguma vez tenham sido realizadas obras na casa de morada de família. Desconhece quem e de que forma eram suportadas outras despesas da vida familiar (por exemplo água e eletricidade), quem pagava os manuais escolares ou as explicações. Referiu que quanto ao modo de vida do requerido e da progenitora, nada se alterou entre o antes e o depois do divórcio. Por sua vez, a J. F. referiu que depois do divórcio, apesar de continuarem a viver na mesma casa, tal como sucedia já desde aproximadamente 2007, os pais não faziam vida em conjunto (não dormiam ou saíam juntos, não faziam refeições em conjunto e faziam compras em separado). Conclui, portanto, que nada mudou com o divórcio, designadamente ao nível das despesas do casal. Era a progenitora que comprava tudo (comida, roupa, calçado), suportava algumas despesas com os consumos de eletricidade e água, levava os filhos a consultas médicas (o pai acompanhou-a apenas uma vez), comprava medicação e levava os menores à escola. Sempre que precisavam se alguma coisa, era à mãe que pediam (o pai dizia sempre que não tinha dinheiro). O requerido pagava a prestação relativa ao empréstimo da casa e algumas despesas de consumos de eletricidade e água. Suportava ainda, em determinadas ocasiões, as despesas com os manuais escolares. Desconhece quem suportava os encargos com as explicações dos menores, com os consumos de telefone e com o serviço de televisão. No que se refere à gestão das despesas da vida familiar, portanto, não notou qualquer diferença entre o antes e o depois do divórcio. Referiu-se às razões que determinaram que os pais continuassem a viver juntos depois do divórcio – essencialmente por questões financeiras, já que a progenitora não tinha possibilidades de ir para outra casa – e afirmou que a progenitora sempre teve muita dificuldade em suportar todas as despesas (concretizou que só em alimentação a progenitora despenderia cerca de 200€ por semana). Destes depoimentos decorre que no período compreendido entre outubro de 2011 e julho de 2019 as despesas com alimentação, vestuário, calçado e saúde dos menores, foram assumidas pela Recorrente ao passo que as despesas com os consumos de eletricidade, água e gás foram liquidadas na sua maioria pelo requerido. Daí que não concordemos integralmente com a apreciação crítica da prova produzida expressa na decisão recorrida. É certo que que não se cura aqui de saber se o requerido foi ou é um pai “presente” ou próximo dos menores, se os menores têm, desse ponto de vista, “razão de queixa” do progenitor, se era ao requerido que os menores se dirigiam quando precisavam de alguma coisa e que resposta obtinham do pai quando tal acontecia, ou que razões determinaram que requerido e a progenitora continuassem a residir debaixo do mesmo teto. Também é correto observar-se que não é possível afirmar, caso a caso, quem efetuou o pagamento das despesas documentadas, decorrendo das regras da experiência comum que existem despesas “faturadas” em nome de um dos progenitores que podem ser suportadas pelo outro. E se tal pode suceder quando os progenitores vivam separados, diremos sem hesitação que é regra quando vivem na mesma casa, por ser menor a preocupação com a questão de quem paga o quê. Já não assim quanto às despesas com a alimentação, vestuário e saúde dos menores, no qual preponderou o depoimento das filhas V. C. e J. F., conhecedoras da realidade de facto vivida no seio familiar, e que, de forma segura e convincente, afirmaram a sua assunção pela progenitora. Do mesmo modo, não corroboramos a conclusão extraída quanto à inércia da progenitora na reclamação da prestação de alimentos, que o Tribunal a quo assenta na circunstância de que, do ponto de vista da gestão dos encargos da vida familiar nada se ter alterado com o divórcio do requerido e da progenitora que continuaram a partilhar a habitação e os encargos normais da vida familiar. A prova produzida não permite que se conclua por esta justificação, sendo que outra foi avançada pela progenitora, e se antes imperava uma determinada gestão patrimonial, a sua continuação após o divórcio, pode não significar que era uma boa gestão ou querida por ambas partes, só porque contra ela não se insurgiram. As relações humanas são demasiado complexas para se aceitar de ânimo leve a aparência do que dita o tempo e uma miríada de razões pode estar na base do comportamento da progenitora. Pelo exposto, dando parcial provimento à impugnação da Recorrente, altera-se a decisão da matéria de facto, passando a alínea h) dos factos provados a ter a seguinte redação: h) Durante esse período a progenitora assumiu as despesas com alimentação, vestuário, calçado, as despesas escolares e de saúde dos menores, sendo que os encargos com os consumos de eletricidade, água e gás, com o serviço de televisão e internet e manutenção do veículo automóvel, foram liquidados pelo requerido. * 3.2.2. Da subsunção jurídica dos factos ao direitoCompete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (art.º 1878º, nº 1, do Código Civil). Esta regra constitui uma emanação do comando constitucional contido nº 5 do art.º 36º, segundo o qual “os pais tem o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” que, por sua vez, se coaduna com o que expressa o nº 2 do art.º 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança: “Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”. O alcance do dever de alimentos devidos a menores suplanta a dimensão dos alimentos em geral, já que, para além de englobar tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreende a instrução e educação do alimentado (art.º 2003º, n.os 1 e 2). No caso concreto, está assente que por decisão de 27.09.2011, foi fixada a obrigação alimentícia a favor dos menores. Está também assente que o requerido não cumpriu a obrigação prevista na cláusula 10ª do regime de exercício das responsabilidades parentais. Não transferiu, no período compreendido entre outubro de 2011 e julho de 2019, o montante a que respeita a obrigação de alimentos. A questão que se coloca é a de saber se, não obstante esse incumprimento, devemos considerar incumprida a obrigação de alimentos. A sentença recorrida concluiu que mantendo a progenitora e o requerido a convivência em comum, esta pressupõe a contribuição de ambos para os encargos familiares, pelo que afrontaria o princípio da boa fé a exigibilidade do pagamento da prestação de alimentos, exigibilidade que deve ser travada pelo instituto do abuso do direito, assim julgando improcedente o incidente, absolvendo o requerido do pedido. Discordamos, ressalvado o devido respeito, e em face das especificidades do caso concreto, do entendimento seguido na sentença. Alicerçamos a nossa posição na dimensão de tutela suprema que os alimentos têm na nossa ordem jurídica. A essencialidade de que se reveste a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo e lhe assegure o efetivo cumprimento, rodeando-a de defesas que a tornem imune às vicissitudes do relacionamento dos progenitores, aos seus acordos, acertos e desacertos, enfim, à volubilidade própria da vida relacional. A este propósito seguimos a argumentação expendida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22. De maio de 2013 (disponível em www.dgsi.pt), esteirado em outras decisões daquele Tribunal e onde se declara que o fundamento sociológico e jurídico da obrigação de alimentos radica na natureza vital e irrenunciável do interesse, juridicamente, tutelado, que tem subjacente a responsabilidade dos pais pela conceção e nascimento dos filhos, independentemente da relação afetiva e do convívio realmente existente entre o progenitor não guardião e os filhos, a ponto de permanecer intacta, na hipótese do mais grave corte da relação entre ambos, como acontece com a situação de inibição do exercício do poder paternal, que em nenhum caso isenta os pais do dever de alimentarem o filho. Expressa-se ainda que a obrigação de alimentos é, igualmente, de interesse e ordem pública, de carácter indisponível, irrenunciável, intransmissível e impenhorável. A obrigação de alimentos dos pais para com os filhos menores representa um exemplar manifesto da catalogação normativa dos deveres reversos dos direitos correspondentes, dos direitos-deveres ou poderes-deveres, com dupla natureza, em que se assiste à elevação deste dever elementar, de ordem social e jurídico, a dever fundamental, no plano constitucional, de modo a assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança, como estabelece o artigo 27º, nº 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança. Evidenciando o dever irrefragável e inafastável que recai sobre os pais de contribuírem para o sustento dos filhos, a lei estabelece o dever de prestação alimentar, como uma obrigação legal, que decorre do estabelecimento de uma relação natural e biológica constituída e tutelada pelo direito, isto é, a relação paternal. Tem sido entendimento doutrinal e jurisprudencial pacifico que independentemente do interesse do menor e para além dele, a lei constitui uma obrigação (de prestação de alimentos) que não se compadece com a situação económica ou familiar de cada um dos progenitores mas, outrossim, atina com um dever irremovível e inderrogável de aqueles que deram vida a alguém terem, enquanto durar a incapacidade de eles angariarem sustento pelos seus próprios meios, proverem ao seu sustento, mediante uma prestação alimentar (citando, ainda o acórdão do STJ de 22.5.2013, disponível em www.dgsi.pt). Apurar ou averiguar qual o montante que essa prestação deve assumir é questão que não colide com o direito em si, mas que importará incorporar no conspecto sócio-familiar e pessoal de cada um dos obrigados à prestação da obrigação e alimentos. É, por essa razão, que a natureza constitucional da obrigação de prestação de alimentos encontra expressão ordinária, ao nível da tutela penal da violação da obrigação do credor de alimentos menor, e na específica compressão, em sede executiva, do próprio direito à sobrevivência condigna do progenitor vinculado ao dever de prestar alimentos (acórdão do STJ de 12.06.2011, disponível em www.dgsi.pt). Neste segmento, estipula a lei que o crédito de alimentos não é penhorável, e o obrigado não pode livrar-se por meio de compensação, ainda que se trate de prestações já vencidas” - artigo 2008º, nº 2, do Código Civil. Esta norma afasta-se, assim, da regra geral sobre compensação, prevista no artigo 847º, nº 1, do Código Civil, segundo a qual quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, desde que o seu crédito seja exigível judicialmente e não proceda contra ele excecão, perentória ou dilatória, de direito material e tenham as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. A razão da exceção está no fim singular a que a obrigação alimentícia se destina. Por esse fundamento, a impossibilidade legal da compensação mantém-se mesmo que as prestações alimentícias se encontrem vencidas, pois que, como afirma Pires de Lima e Antunes Varela, “não podem, com efeito, ser ignoradas nem subestimadas as consequências graves que o não cumprimento oportuno das prestações em dívida muito provavelmente terá tido na situação de necessidade do credor e o agravamento dela, que a extinção da dívida por compensação acabaria por provocar” - Código Civil Anotado, volume V, pág. 590. Ressalva-se na decisão recorrida que em causa não está a compensação de créditos. Nem poderia estar. Falta, desde logo, o requisito da reciprocidade dos créditos, indispensável à compensação. É que o crédito proveniente da prestação alimentícia não é um crédito próprio de qualquer dos progenitores, um direito que se insira na esfera jurídica de cada um deles, mas um crédito dos filhos de ambos. O crédito de alimentos é dos filhos menores; são eles os credores da prestação alimentícia e é deles, por isso, o direito de exigir alimentos de cada um dos pais, ainda que nisso tenham que ser representados. Refere-se, a propósito, no acórdão desta Relação de Guimarães de 10 de julho de 2014 que “ainda que normalmente gerida pelo progenitor que exerce as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho que com ele reside, é habitualmente o outro progenitor que se constitui devedor da pensão de alimentos (art.º 2005º), devendo prestá-los nos termos fixados ou homologados judicialmente. Se ocorre um pai suceder ao outro na obrigação de prestar alimentos, admitir a possibilidade de compensar tais créditos entre eles prejudicaria o próprio filho (o verdadeiro credor), pois que, sendo beneficiário das prestações alimentícias a que ambos os pais estariam obrigados, ficariam sem a possibilidade de delas usufruir por os progenitores se perdoarem mutuamente as prestações devidas, mesmo prestações já vencidas. Levado ao extremo, o menor poderia ser colocado pelos pais numa situação de não beneficiar de qualquer prestação quando, na realidade, o tribunal fixou a pensão a que tem direito por reconhecida necessidade e dependência. Deixar-se-ia nas mãos dos pais a possibilidade de frustrarem o superior interesse do filho menor, judicialmente reconhecido, prejudicando, em alguma medida, o seu sustento, instrução e educação ou ainda que apenas o nível de bem-estar de que o alimentando fruiria se estivesse integrado no meio familiar do obrigado.” – disponível em www.dgsi.pt. Em suma, o instituto da compensação de créditos não é transponível para o domínio da regulação das responsabilidades parentais, por não se verificarem os seus pressupostos legais, nos termos do artigo 847º do Código Civil. Afastada a compensação de créditos, averiguemos se os direitos e as obrigações constituídas pela regulação das responsabilidades parentais são exigíveis durante o período em que a progenitora e o requerido após o divórcio continuaram a viver na casa de morada de família, suportando ela as despesas com alimentação, vestuário, calçado, escolares e de saúde dos menores, e o requerido os encargos com a prestação da casa, os consumos de eletricidade, água e gás, com o serviço de televisão e internet e manutenção do veículo automóvel. Considerou-se na primeira instância que pressupondo a convivência em comum a contribuição de ambos os progenitores para os encargos familiares, sempre afrontaria o princípio da boa fé a exigibilidade do pagamento da prestação de alimentos fixada na ação de regulação das responsabilidades parentais. Não cremos que se possa afirmar, no caso, a existência de uma “convivência comum” dos progenitores de molde a extrapolar para a contribuição de ambos para os encargos familiares, enquanto pressuposto de repartição mais ou menos equitativa das despesas. Depois, não há qualquer indicio que autorize a conclusão de uma concordância ainda que tácita entre os interessados no sentido desta repartição de custos. Não cremos ser despiciendo trazer à colação o facto de o requerido estar a reclamar no processo de inventário os valores que suportou a título de prestação para amortização do empréstimo contraído para aquisição da habitação (além de outros valores que diz ter suportado exclusivamente com o seu vencimento). Esta circunstância coaduna-se mal com a tese defendida pelo requerido de que o divórcio em nada alterou a relação que sempre existiu entre ambos, continuando a partilhar a casa onde sempre viveram, vivendo em união de facto até agosto de 2019, reafirmando que sempre viveram em economia comum. Mas o que é verdadeiramente central para a resolução da questão é a admissibilidade de os interessados, por si, alteraram o regime das responsabilidades parentais fixado. A regulação das responsabilidades parentais pressupõe a cessação da convivência em comum dos progenitores, exigindo, por isso, a dissolução familiar, como claramente decorre dos artigos 1906.º a 1912.º do Código Civil. A dissolução familiar provoca uma mudança na ordem jurídica existente, havendo que definir a residência da criança e estabelecer um regime de visitas e uma obrigação de alimentos. Perante este enquadramento, a destruição dos efeitos da ação de regulação das responsabilidades parentais, não pode ocorrer ipso facto seja com a reconciliação dos cônjuges, seja com acordos paralelos ou práticas desconformes com o regulado. A regulação das responsabilidades parentais não cessa os seus efeitos simplesmente pelo facto de os progenitores manterem ou retomarem a convivência em comum. A única via de alterar a regulação das responsabilidades parentais fixada, em caso de retoma da convivência em comum, é por meio de comunicação ao processo da regulação pedindo a declaração de cessação da regulação das responsabilidades parentais em relação aos seus filhos menores, uma vez que o pressuposto básico que a sustentou deixou de existir. Só deste modo o progenitor não residente se desvincula da obrigação de alimentos, tal como fixada no processo de regulação ou na decisão homologatória proferida administrativamente nos termos dos artigos 274.º-A, n.ºs 4, 5 e 6, e 274.º-B do Código do Registo Civil, constituindo, por isso, ónus do progenitor obrigado exercer as diligências necessárias no sentido de fazer cessar os efeitos da regulação. – neste sentido, o acórdão da Relação do Porto de 13 de junho de 2019, disponível em www.dgsi.pt. No sentido de que a prestação de alimentos deve ser efetiva e que o obrigado deve pagá-la nos precisos termos estabelecidos, escreveu-se no já citado Acórdão desta Relação de 10 de julho de 2014 que “Daí também a necessidade de homologação judicial de um qualquer acordo de alteração da regulação do exercício das responsabilidade parentais, celebrado entre os progenitores, visando essencialmente salvaguardar a proteção dos interesses do menor, não obstando à homologação a inexistência de litígio, importando atender a que, sem tal homologação, não seria possível, em caso de incumprimento, possibilitar ao progenitor não faltoso reagir visto que relevaria apenas e tão-somente a decisão judicial que homologara o acordo entretanto alterado de facto. Impõe-se então ao tribunal verificar, aquando da homologação, se os interesses do menor estão ou não acautelados.” Enquanto a prestação alimentar não for alterada, em sede de procedimento adequado, é devida e tem de ser cumprida. O que não pode é, unilateralmente, deixar de pagar essa prestação a pretexto da manutenção da vida em comum, tendo em conta os interesses em presença, em particular o direito à vida da criança, beneficiária desses alimentos, que poderia ficar seriamente ameaçado. A compreensão da obrigação alimentar, posta no plano do direito inerente à personalidade do alimentando e constituindo como tal um direito irrenunciável e indisponível, leva-nos a considerar que a sua exigibilidade só em casos muito extremos constituirá um abuso de direito. Impõe-se então aferir se a conduta da progenitora recorrente, à luz da sequência lógica e histórica da factologia, preenche os pressupostos do abuso de direito, na modalidade da supressio. A decisão recorrida teceu a propósito a as seguintes considerações teóricas: “Esta outra variante do abuso de direito funda-se na tutela da confiança e na boa-fé. Segundo António Menezes Cordeiro, in “Litigância de Má-Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa In Agendo”, página 58, a supressio exige os seguintes requisitos: um não-exercício prolongado; uma situação de confiança, daí derivada; uma justificação para essa confiança; um investimento de confiança, e a imputação da confiança ao não-exercente. O que a distingue do venire contra factum proprium é a ausência de factum (conduta anterior), bastando o decurso de um período de tempo significativo suscetível de criar à contraparte a fundada expectativa de que o direito não mais será exercido. Assim, o comportamento reiteradamente omissivo da parte que poderia exercer o direito, seguido, ao fim de largo tempo, de um ato comissivo com que a contraparte legitimamente já não contava, constitui abuso de direito na modalidade da supressio. É desnecessária a ocorrência de culpa por parte do titular, bastando a situação objetiva criada a partir da sua inércia, geradora de justificada confiança da pessoa contra quem o direito se dirigia. Mais do que sancionar a inércia do titular do direito, o objetivo da supressio é o de proteger a legítima confiança de quem, ao fim de largo tempo, é surpreendido com uma demanda que já não esperava. O tempo necessário para que a supressio opere dependerá muito das circunstâncias que, combinadamente, contribuam para a formação do estado de confiança, variando naturalmente de caso para caso. É possível, no entanto, estabelecer algumas referências temporais. Assim, deverá ser inferior ao prazo de prescrição ordinária, que a lei fixa em 20 anos (artigo 309º do CC), porque de outro modo perderia utilidade; deverá, por outro lado, equivaler ao período necessário para convencer um homem comum, colocado na posição do real e perante as mesmas circunstâncias, de que não mais seria exercido o direito invocado. Conforme tem sido sublinhado pela doutrina, a supressio (tal como outras modalidades do abuso de direito) é um remédio subsidiário para uma situação extraordinária e daí que sejam necessárias todas as cautelas na sua aplicação pelos tribunais”. Concordamos inteiramente. Transpondo para o caso concreto, fez-se a seguinte subsunção: «Tanto como o não exercício do direito, entre 2011 e 2019, está também em causa aqui o venire contra factum proprium. A progenitora beneficiou de uma situação que – não discutimos aqui se era a pretendida pelos ex-cônjuges e se era ou não a ideal – por via da repartição dos encargos normais da vida familiar, como sucedeu até ao divórcio, foi permitindo dar resposta às necessidades dos menores, no fim de contas, às necessidades que se pretendem acautelar com a prestação de alimentos. Assim permaneceu durante 8 anos, jamais exigindo do requerido a entrega efetiva do dinheiro, caso em que por certo seria equacionada uma gestão/repartição diferente dos encargos normais da vida familiar (as testemunhas ouvidas a esse propósito – em particular as filhas maiores do casal – foram a esse respeito inequívocas: o divórcio nada alterou quanto ao modo de vida do requerido e da progenitora e à gestão do “orçamento” da vida familiar). Beneficiou do pagamento de diversas despesas por parte do requerido: despesas relacionadas com a casa, consumos de eletricidade, água, serviço de televisão e telecomunicações, despesas relacionadas com os menores, de saúde, educação, material escolar. Outras, pagou-as a progenitora. Sempre assim foi, baseando-se as partes num encontro de vontades, se não expresso, pelo menos tácito, concludente no sentido de que as prestações de alimentos durante o período de vida em comum, não seriam – como não foram, até agora – exigidas. A tal não obsta, cremos, a circunstância de não se ter demonstrado com exatidão o montante com que requerido e progenitora contribuíram para os encargos normais da vida familiar e se determinadas despesas ficavam mais por conta de um ou de outro. Admite-se, portanto, que ficassem por conta da progenitora despesas relativas aos menores – ainda que como se viu, não em exclusivo – e, por conta do requerido, despesas de outra natureza. A circunstância de o requerido ter suportados despesas relacionadas com a casa consumos de eletricidade, água, serviço de televisão e telecomunicações e também, por vezes, despesas relacionadas com os menores, de saúde, educação, material escolar – despesas que, noutras condições, seriam repartidas por ambos os progenitores – permitia à progenitora, por certo, canalizar algum do seu rendimento, por exemplo, para a alimentação e vestuário dos menores. Mas, como sabemos, o sustento dos menores não se resume a alimentação e vestuário. Do mesmo modo, ao entendimento que deixamos expresso não obsta a circunstância de se ter demonstrado que algumas despesas suportadas pelo requerido respeitavam à saúde e educação dos menores e que, por via da aplicação da cláusula 11ª do regime fixado, sempre o requerido estaria obrigado a suportá-las na proporção de 50%. É que não só não está demonstrado que tais despesas fossem extraordinárias (e só essas o requerido estava obrigado a suportar na indicada proporção) como não está demonstrado que a progenitora tenha suportado despesas da mesma natureza de idêntico valor.». Desta transposição discordamos. E a nossa discórdia assenta na falta do pressuposto fundamental que é a justificação para a tutela da confiança do requerido de que lhe não seria exigida a prestação de alimentos. Como se decidiu no acórdão desta Relação (por nós subscrito como adjunta), não basta o mero decurso de um longo período de tempo entre o momento em que um crédito é exigível e aquele em que é exigido pelo credor para que se possa desde logo concluir pelo abuso do direito, seja na perspetiva do venire contra factum proprium (tendo em atenção que a omissão se pode ainda considerar como um comportamento do agente), seja na da suppressio (focada diretamente no não exercício do direito). Não há razões para, na suppressio, em que está em causa a omissão do credor em exercer o seu direito em determinado período, sem exceder aquele que as normas da prescrição entendem ser ainda admissível, prescindir das demais circunstâncias exigíveis para que o venire contra factum proprium opere: que a justificação da confiança seja imputável ao credor (ou pelo menos fundada em factos que lhe não são alheios ou que deles deva ter conhecimento) e que tenha ocorrido um investimento de confiança por parte do devedor ou pelo menos, um prejuízo que, não fosse a passividade do credor, aquele não sofreria – disponível em www.dgsi.pt Consideramos, na esteira do defendido no Acórdão da Relação do Porto de13 de Junho de 2019, que no âmbito dos alimentos devidos a menores, pela sua própria natureza, isto é, por se encontrar intimamente relacionado com a dignidade da vida humana dos filhos, radicando numa ideia de justiça social e de imprescindibilidade para o sustento dos menores, não se compadece com a admissão da aplicação da supressio no caso como o dos autos – disponível em www.dgsi.pt. Sufragamos, ainda, que o crédito a alimentos é irrenunciável, incedível, não suscetível de compensação e impenhorável, pelo que não se crê como legítima, em tese, a expectativa do progenitor obrigado, ciente da sua obrigação de prestar alimentos, de não mais proceder ao pagamento, pelo simples facto de não ter sido exigido o cumprimento durante um lapso de tempo. Apresenta-se como intolerável em face da importância que a ordem jurídica atribui à prestação de alimentos que, mesmo em caso de convivência em comum, o progenitor obrigado pudesse livremente substituir a prestação de alimentos por outras despesas, eventualmente mais do seu interesse em manter regularizadas. Saliente-se que não é legalmente admissível, por força do disposto no artigo 4º do Código Civil, o recurso à equidade, num pretenso equilíbrio de prestações devidas mutuamente entre recorrente e recorrido (como parece ter sido feito pela primeira instância). Em conclusão, no âmbito dos alimentos devidos a menores e considerando o quadro factual apurado, o exercício do direito de reclamar o pagamento das prestações em dívida, não configura abuso de direito. Nestes termos, procede o recurso. * IV- DECISÃO* Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, e em conformidade julgar verificado o incumprimento por parte do requerido da obrigação de prestar alimentos aos menores A. M. e R. M., fixando o montante em dívida em 15. 098, 46 € (quinze mil noventa e oito euros e quarenta e seis cêntimos). Custas da apelação pelo Recorrido. Guimarães, 22 de Outubro 2020 Rel. – Des. Conceição Sampaio 1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves 2º - Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes |