Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6879/23.0T8BRG.G2
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
REQUISITOS
PERICULUM IN MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No âmbito do procedimento cautelar, demonstrado um direito, consubstanciado na elementar probabilidade da sua efetiva existência, a demonstração do perigo da sua insatisfação, traduz-se no fundado receio que a demora natural da tramitação do pleito cause um prejuízo grave e de difícil reparação.
II - Na aferição da gravidade da lesão deve o juiz “fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deva beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua tutela jurídica.”
III - O juízo de prognose deverá assentar nos seguintes pressupostos:
- se as circunstâncias de facto do caso em concreto indiciam a existência de um motivo sério para recear o facto danoso;
- se o facto receado carece de tutela urgente e se é necessário acautelar a sua proteção pela via provisória;
- qual a melhor maneira de providenciar a sua proteção, uma vez ponderados os interesses do requerente e do requerido - Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2ª edição, pags. 214/215.
IV – A situação de impossibilidade de recurso a crédito bancário, por ação da contraparte, que já impediu os Requerentes de adquirirem uma habitação e os impede de adquirir qualquer outro bem, como sendo, automóvel, computador, televisão, eletrodomésticos, além de verem o seu nome, honra e consideração pessoais afetados, constitui a alegação de uma lesão grave, numa parte já consumada mas noutra ainda latente, não sendo exigível que tal situação de risco seja suportada pelos titulares do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano se apresenta de difícil reparação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

RELATÓRIO:

AA e mulher BB, residentes na Rua ..., freguesia ..., ... instauraram contra EMP01..., S.A, NIPC ...78, com sede na Avenida ..., ..., ...- ... e Banco 1..., S.A., com sede em ..., Edifício ..., ..., ..., ... Porto ..., procedimento cautelar não especificado, pedindo:
- que seja ordenada a notificação das Requeridas para notificar o Banco de Portugal para eliminar de imediato a informação da Central de Riscos de Crédito transmitida pela EMP01..., S.A. quanto aos Requerentes, relativamente ao crédito de 8.101,47€, com incumprimento desde ../../2003;
- pagar aos Requerentes a quantia de 50,00€, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na comunicação do Banco de Portugal do ordenado na alínea anterior.
Para o efeito alegam, em síntese, que em novembro de 2003 a Requerida instaurou contra os Requerentes uma ação executiva para pagamento de quantia certa, tendo nesse processo, os executados deduzido embargos. Por despacho proferido em 12/2/14, na execução, ao abrigo do disposto no art. 750º, nº 2 do C. P. Civil (falta de indicação de bens penhoráveis), foi ordenada a extinção da execução, tendo os embargos sido também extintos, mas por inutilidade superveniente da lide.
Os ora Requerentes recorreram da decisão que julgou extintos os embargos, por entenderem que as questões aí deduzidas pelos executados deveriam ser apreciadas, mas o recurso foi julgado improcedente.
Em 11/4/22, o Requerente marido recebeu uma carta da EMP01...-STC, S.A em que esta o informa que o crédito em causa lhes foi cedido pela anterior credora e que “Nestes termos, vem a EMP01..., na qualidade de participante da Central de Responsabilidade de crédito do Banco de Portugal, pela presente, informar V. Exa que, em cumprimento do dever legal de informação aos devedores previsto na Instrução do Banco de Portugal nº 17/2018, iniciará o reporte a esta entidade dos valores em divida associados ao(s) crédito(s) da operação/contrato melhor identificado em epigrafe. Mais informamos que, neste contexto e com base no cumprimento da referida obrigação legal, iremos disponibilizar os seus dados de identificação e valores em divida ao Banco de Portugal, os quais serão tratados por esta entidade nos termos legalmente previstos”.
O Requerente, por carta enviada à EMP01...-STC, SA opôs-se a essa comunicação, dizendo, nomeadamente, que a dívida em causa não existe.
Em outubro de 2023, os Requerentes, com o objetivo de adquirirem um imóvel, fizeram um pedido de concessão de crédito, tendo esse pedido sido rejeitado por o seu registo de centralização de responsabilidades no Banco de Portugal apresentar um “crédito vencido na instituição EMP01...-STC, S.A, conforme mapa de responsabilidades do Banco de Portugal...”, “... nenhum dos 11 bancos com quem trabalhamos, conseguiu aprovar o financiamento. Todos os departamentos de análises de risco, das respetivas instituições financeiras, foram perentórios em afirmar que enquanto tal responsabilidade constar no respetivo mapa, a aprovação de financiamento de qualquer espécie não será viável.”
Junto do Banco de Portugal os Requerentes verificaram que a Requerida EMP01...-STC, SA, tinha comunicado uma dívida em incumprimento, no valor de 8.101,47€.
Sustentam que a comunicação efetuada pela Requerida ao Banco de Portugal é ilegal e que está a causar prejuízos aos Requerentes, pois estes têm em curso um negócio imobiliário e estão impedidos de recorrer a qualquer tipo de financiamento.

A convite do tribunal, os Requerentes concretizam que:

1. O negócio jurídico de compra e venda pretendido pelos requerentes e que foi alegado na petição inicial já não é possível concretizar pois o vendedor desistiu de fazer o negócio com os AA. em virtude de estes não poderem assumir qualquer compromisso escrito, através de um contrato, para a compra do imóvel,
2. o qual ficaram impedidos de fazer sem a possibilidade de recurso ao crédito bancário a que se propunham recorrer.
3. Contudo, perante o quadro factual que consta dos autos, continuam os Requerentes a sofrer de forma atual na sua esfera jurídica de um prejuízo grave e dificilmente reparável.
4. Tal como foi alegado na petição inicial, nos artºs 26.º e 27.º os requerentes estão impedidos de recorrer a qualquer tipo de financiamento bancário, o que, lhes acarreta, como é obvio, um prejuízo eminente considerável, uma vez que não podem sequer pensar na possibilidade de concretização de um negócio de compra e venda para adquirirem uma habitação própria,
5. ou qualquer outro bem, como sendo, automóvel, computador, televisão eletrodomésticos, com o recurso ao crédito ou financiamento por qualquer instituição de crédito.
6. Acresce que, para além do supra referido, por força da atuação ilícita das requeridas, os requerentes têm o seu bom nome, honra e consideração pessoais permanentemente afetados e      sentem-se humilhados e comprometidos na sua vida particular,
7. direitos de personalidade que, de acordo com o artigo 18º, nº 1 da CRP, por serem diretamente aplicáveis, legitimam os ofendidos a requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, seja para evitar a consumação da ameaça, seja para atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
*
Foi proferida decisão liminar, julgando a presente providência improcedente, pela verificação da exceção dilatória inominada de manifesta improcedência, absolvendo os requeridos do peticionado por ausência de demonstração factual e de prova do dano que o não-decretamento da providência possa provocar (artigo 590.º, n.º 1 do CPC).
*
Inconformados vieram os Requerentes recorrer formulando as seguintes conclusões:

1. O decretamento da providência cautelar depende da verificação dos seguintes requisitos fundamentais: i) Probabilidade séria da existência do direito invocado; ii) Fundado receio de que outrem, antes de a ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito (periculum in mora); iii) Inexistência de providência específica que acautele aquele direito; iv) O prejuízo resultante da providência não exceder o valor do dano que com ela se pretende evitar.
2. O indeferimento liminar do procedimento cautelar só é admissível nas situações previstas no artigo 590º, nº 1, do CPC (conjugado com o artigo 226º, nº 4, alínea b), do mesmo diploma), isto é, quando «o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente».
3. Tanto a gravidade da lesão como a sua difícil reparação devem ser aferidas pela sua repercussão na esfera jurídica dos requerentes do procedimento cautelar.
4. Não considera o Tribunal recorrido a factualidade concreta, real e efetiva e o grave prejuízo para os Recorrentes por estarem impedidos de fazer qualquer negócio a crédito, seja a compra de uma habitação, um automóvel, uma televisão ou outro eletrodoméstico e de terem em permanência o seu direito ao bom nome e honra afetados por uma comunicação feita ao Banco de Portugal de forma ilegal e contrária à lei.
5. Da sentença em crise, exige-se que os Recorrentes aleguem a existência de um prejuízo de difícil reparação, que se reconduza necessariamente uma situação concreta, sem se atender a uma situação de lesão grave e permanente, impeditiva para os Recorrentes de recorrer a qualquer tipo de crédito junto de uma instituição e a repercussão desta situação criada pelas Recorridas na afetação do bom nome, consideração e honra pessoais dos Recorrentes.
6. A ofensa ao seu direito sofrida pelos Recorrentes não é uma coisa abstrata, pelo facto de os mesmos não terem em vista a possibilidade de perder um outro qualquer negócio, seja de que natureza for.
7. O prejuízo sofrido pelos Recorrentes é um prejuízo atual, constante e permanente nas suas vidas, que os constrange na sua liberdade de decisão do ponto de vista patrimonial, por um lado e, por outro lado, do ponto de vista do seu bom nome, honra e consideração pessoais.
8. O facto de os Recorrentes se encontrarem impedidos de recorrer ao financiamento ou crédito por parte de qualquer instituição, por motivos a que não deram causa e que a lei não permite, como é o caso relatado nos autos, consubstancia por si só um prejuízo de difícil reparação em concreto e que afeta a vida quotidiana dos Recorrentes.
9. A circunstância de os Recorrentes terem o seu bom nome, reputação e credibilidade afetados com uma atuação ilegal de uma instituição de crédito que comunicou ao Banco de Portugal uma informação que, para além de não ser verdadeira, não podia ser comunicada (facto de que lhes foi dado conhecimento expresso), constitui sem margem para dúvidas um prejuízo de difícil reparação.
10. O direito ao bom nome, honra e consideração pessoais, enquanto direitos de personalidade, são direitos absolutos, oponíveis erga omnes, e de aplicação direta e imediata, merecendo, por isso, o respeito universal, de acordo com o artigo 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, sendo reconhecido no artigo 70º do Código Civil, o direito de qualquer pessoa, à proteção contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, reconhecendo-se ao ofendido a legitimidade para requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, seja para evitar a consumação da ameaça, seja para atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
11. Ainda que considerando apenas a violação dos direitos de personalidade dos Recorrentes, sempre a decisão em crise devia ter considerado que a sua violação ilegítima e sem fundamento legal se traduz num prejuízo de difícil reparação, sendo merecedora de tutela jurídica e, com base nisso, ter determinado o prosseguimento do procedimento cautelar.
12. A douta decisão impugnada não pode manter-se, pois violou entre outros, o disposto nos artigos 362. n.º 1 e 368 n.º 1 e 560, nº 1 todos do CPC, fazendo uma interpretação incorreta de tais artigos.
*
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando as Recorridas pela manutenção do decidido.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

A única questão a decidir consiste em saber se, no caso, há elementos factuais alegados para o fundado o receio de que ocorra lesão grave e dificilmente reparável ao direito dos requerentes.  
*
III - FUNDAMENTAÇÃO

Entendeu o Tribunal a quo que, no caso, não se verificava o requisito do “periculum in mora” e, consequentemente, julgou improcedente o procedimento cautelar.

Fundamentou-se da seguinte forma:
«(…), analisando a p.i apresentada pelos requerentes, bem como o requerimento de aperfeiçoamento junto com refª ...19 (06/03/2024), na sequência do Douto Acórdão com refª ...07 (25/01/2024), verifica-se que os mesmos continuam a fundamentar o »periculum in mora«, de que depende a prolação da providência, de uma forma absolutamente genérica: com efeito,  alegam:
- que se frustrou um negócio que pretendiam fazer: assim demonstrando eles próprios a inexistência de periculum in mora pois o perigo já cessou (pontos 1 e 2);
- que a conduta das requeridas está a causar prejuízos aos requerentes - sem especificar quais; o Tribunal não consegue discernir em que prejuízos incorreram os requerentes (ponto 3);  
- que estão impedidos de recorrer a qualquer tipo de financiamento bancário, o que lhes acarreta (a seu ver) um prejuízo eminente considerável, uma vez que não podem sequer pensar na possibilidade de concretização de um negócio de compra e venda para adquirirem uma habitação própria ou de adquirirem qualquer outro bem: assim demonstrando uma vez mais, a inexistência de periculum in mora visto que inexiste qualquer financiamento ou negócio em crise mas somente a expectativa de um financiamento (pontos 4 e 5);
- que têm o seu bom nome, honra e consideração pessoais permanentemente afetados e sentem-se humilhados e comprometidos na sua vida particular: trata-se de uma alegação perfeitamente genérica pois não decorre daqui qualquer prejuízo, qualquer dano quantificável; por outro lado, a indemnização de danos não patrimoniais deve ter lugar em sede própria, numa acção a instaurar e não em sede de procedimento cautelar (pontos 6 e 7).
Ora o Tribunal entende que não fundamentaram o periculum in mora necessário para a prolação da providência requerida.
Em primeiro lugar, conforme alegam os autores, os mesmos já nem sequer estão a tentar fazer um negócio imobiliário, somente aludem à mera possibilidade de aquisição – de onde se deduz que inexiste certeza da concretização do mesmo ou que esse só deixará que se realizar se as requeridas não adoptarem a conduta solicitada.
Em segundo lugar, conforme decorre da própria fundamentação dos autores, estes não conseguem quantificar os prejuízos, nem sequer propor uma indemnização, refugiando-se numa frase hiperbólica de »graves prejuízos« e de atentado ao seu bom nome; ora além de não especificar os prejuízos que a situação lhe causa, nem tão pouco fundamentar a sua gravidade, então a providência cautelar carece absolutamente de sentido pois esta, conforme vimos supra, destina-se a prevenir um dano concreto, especificado, fundamentado, concretizado. 
Como tal, o Tribunal considera que se verifica aqui a excepção dilatória inominada de manifesta improcedência, por ausência de demonstração factual e de prova do dano que o não-decretamento da providência possa provocar (art 590º, n.º 1 do Cód de Proc Civil).»
Vamos, então, deter-nos sobre este requisito do periculum in mora, no sentido de apurar se é fundado o receio de que ocorra lesão grave e dificilmente reparável ao direito dos requerentes.
O cariz excecional de um procedimento cautelar, dada a sua natureza indiciária e provisória, obriga a que seja usado apenas em situações de urgência e verdadeira necessidade, e só mesmo quando a ação de que é dependente não possa, atempadamente, apreciar e tutelar o pedido do interessado. Pretende-se, em suma, que a tutela cautelar, por natureza provisória e sumária e dotada de menores garantias de segurança quanto ao preenchimento dos requisitos de facto e de direito, fique reservada para situações em que se anuncie o perigo de ocorrência daquelas lesões decorrente da tramitação do processo principal.
Demonstrado um direito, consubstanciado na elementar probabilidade da sua efetiva existência, a demonstração do perigo da sua insatisfação, traduz-se no fundado receio que a demora natural da tramitação do pleito cause um prejuízo grave e de difícil reparação. Não é, pois, qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória. Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade – neste sentido, Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, pag. 101.
Por outro lado, a situação de perigo deve apresentar-se como de ocorrência iminente ou em curso e, neste caso, desde que possam prevenir-se ainda novos danos ou o agravamento dos entretanto já ocorridos. Extrai-se daqui que estão fora do âmbito de proteção de um procedimento cautelar as lesões de direitos já inteiramente consumadas, ainda que se trate de lesões graves, porém, como adianta Abrantes Geraldes, “já nada obsta a que, relativamente a lesões continuadas ou repetidas, seja proferida decisão que previna a continuação ou a repetição de actos lesivos” – obra e local citado.
O periculum in mora refere-se ao perigo no retardamento da tutela jurisdicional, “procurando-se evitar que por causa do tempo necessário para o julgamento definitivo do mérito da causa, o direito que se pretende fazer valer em juízo acabe por ficar irremediavelmente comprometido”. Cabendo assim ao requerente fazer prova de que “não pode aguardar a decisão do processo principal sem sofrer um prejuízo de consequências graves e irreparáveis” – neste sentido, Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2ª edição, pag. 200/201.
Na aferição da gravidade da lesão justificativa do deferimento de uma providência deve o juiz “fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deva beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua tutela jurídica.”
Juízo de prognose que assentará nos seguintes pressupostos:
“se as circunstâncias de facto do caso em concreto indiciam a existência de um motivo sério para recear o facto danoso;
- se o facto receado carece de tutela urgente e se é necessário acautelar a sua proteção pela via provisória;
- qual a melhor maneira de providenciar a sua proteção, uma vez ponderados os interesses do requerente e do requerido” - Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., pag. 214/215.
Revertendo ao caso sub judice, ressalta da factualidade alegada que os Requerentes, com o objetivo de adquirirem um imóvel, fizeram um pedido de concessão de crédito, tendo esse pedido sido rejeitado por o seu registo de centralização de responsabilidades no Banco de Portugal apresentar um “crédito vencido na instituição EMP01...-STC, S.A, conforme mapa de responsabilidades do Banco de Portugal...”, e que todos os departamentos de análises de risco, das respetivas instituições financeiras, foram perentórios em afirmar que enquanto tal responsabilidade constar no respetivo mapa, a aprovação de financiamento de qualquer espécie não será viável.
Acrescentaram, que entretanto o negócio de compra e venda pretendido já não é possível concretizar por o vendedor ter desistido, em virtude de os Requerentes não conseguirem o crédito bancário a que se propuseram.
A situação de impossibilidade de recurso a crédito bancário impede os Requerentes de adquirirem uma habitação própria, como pretendiam, ou qualquer outro bem, como sendo, automóvel, computador, televisão, eletrodomésticos.
Ademais, veem o seu nome, honra e consideração pessoais afetados e sentem-se humilhados e comprometidos na sua vida particular.
Deste quadro factual somos levados a concluir pela alegação de uma lesão grave, numa parte já consumada mas noutra ainda latente, não sendo exigível que tal situação de risco seja suportada pelos titulares do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano se apresenta de difícil reparação.
Apresenta-se legitima a conclusão extraída pelos Recorrentes quando sustentam que o prejuízo por si sofrido é um prejuízo atual, constante e permanente nas suas vidas, que os constrange na sua liberdade de decisão do ponto de vista patrimonial, por um lado e, por outro lado, do ponto de vista do seu bom nome, honra e consideração pessoais.
Com efeito, a alegação de que perderam de forma definitiva um negócio imobiliário que pretendiam fazer, por si só, é já um dano considerável, mas que não afasta o prejuízo permanente e concreto que a situação lhes está a causar ao impedir a celebração de quaisquer outros negócios com o recurso a crédito.
O facto de os requerentes se encontrarem impedidos de recorrer ao financiamento ou crédito por parte de qualquer instituição, consubstancia por si só um prejuízo de difícil reparação em concreto e que afeta a vida quotidiana dos Recorrentes.
A situação descrita tem um carácter de atualidade, permanência e continuidade, não colhendo, a nosso ver, o argumento de que “os mesmos já nem sequer estão a tentar fazer um negócio imobiliário, somente aludem à mera possibilidade de aquisição”, pois que dada a frustração do primeiro negócio por não poderem recorrer ao crédito, com outros negócios não podem avançar precisamente por essa razão, restando-lhes como tal a alegação de que estão impedidos de adquirir seja o que for por impossibilidade de recurso a financiamento.
Donde, não obstante a consumação de uma lesão, nem assim se pode afirmar que a providência cautelar ficou destituída de qualquer utilidade, pois que existe a possibilidade e probabilidade da repetição do ato.
Tal possibilidade, demanda a adoção de medidas tendentes a evitar o prejuízo cujo conteúdo em face dos antecedentes verificados já se conhece.
Porque assim, a possibilidade de repetição do ato apresenta-se como suscetível de gerar novos danos ainda preveníveis, sendo o receio fundado, em termos sérios e objetivos, sendo o mecanismo para acautelar o direito dos Requerentes a providencia cautelar por eles requerida.
Como é sabido, a todo o direito corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação (artigo 2.º do CPC). Nessa conformidade é conferido àquele que mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, o direito a requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do seu direito (artigo 362.º do CPC).
Em conclusão, os Requerentes alegaram os factos constitutivos da sua causa de pedir, tendo alegado os elementos fáticos necessários para integrarem o requisito do periculum in mora, nomeadamente com a concretização dos danos que o não-decretamento da providência lhes pode provocar.
A situação descrita pelos Requerentes, a demonstrar-se, é merecedora de tutela jurídica, devendo assim ser determinado o prosseguimento dos termos do procedimento cautelar.
Termos em que procede a apelação.
*
SUMÁRIO (artigo 663.º n º7 do Código do Processo Civil)

I - No âmbito do procedimento cautelar, demonstrado um direito, consubstanciado na elementar probabilidade da sua efetiva existência, a demonstração do perigo da sua insatisfação, traduz-se no fundado receio que a demora natural da tramitação do pleito cause um prejuízo grave e de difícil reparação.
II - Na aferição da gravidade da lesão deve o juiz “fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deva beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua tutela jurídica.”
III - O juízo de prognose deverá assentar nos seguintes pressupostos:
- se as circunstâncias de facto do caso em concreto indiciam a existência de um motivo sério para recear o facto danoso;
- se o facto receado carece de tutela urgente e se é necessário acautelar a sua proteção pela via provisória;
- qual a melhor maneira de providenciar a sua proteção, uma vez ponderados os interesses do requerente e do requerido - Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2ª edição, pags. 214/215.
IV – A situação de impossibilidade de recurso a crédito bancário, por ação da contraparte, que já impediu os Requerentes de adquirirem uma habitação e os impede de adquirir qualquer outro bem, como sendo, automóvel, computador, televisão, eletrodomésticos, além de verem o seu nome, honra e consideração pessoais afetados, constitui a alegação de uma lesão grave, numa parte já consumada mas noutra ainda latente, não sendo exigível que tal situação de risco seja suportada pelos titulares do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano se apresenta de difícil reparação.
*
IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos com a produção de prova que ao caso couber.
Custas da apelação pelas Requeridas (artigo 527.º, do CPC).
Guimarães, 16 de Maio de 2024

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Paula Ribas
2º Adj. – Maria Amália Santos