Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO CADUCIDADE INÍCIO DO PRAZO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/20/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
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Sumário: | I - O prazo de caducidade respeitante ao direito de acção às prestações devidas por acidente de trabalho (179º NLAT) só se se desencadeia ou com a comunicação formal ao sinistrado da alta clínica, ou com a equivalente comunicação a ele dirigida de não reconhecimento de direitos, no caso de a seguradora não ter prestado assistência. II - O sinistrado apenas tem o ónus de participar o acidente à empregadora, não podendo ser prejudicado caso a seguradora não participe junto do tribunal o acidente, não obstante esta ter conhecimento da ocorrência de alegado acidente de trabalho que lhe foi participado, embora tardiamente, pela empregadora. III – A caducidade busca a sua razão de ser na segurança jurídica e, bem assim, na atribuição de relevância negativa à atitude omissiva do titular do direito de acção, desvalor esse que inexiste se ao sinistrado não foi feita comunicação formal pela seguradora de alta clínica ou de não reconhecimento do direito a prestações infortunísticas. Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso | ||
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO AUTOR/SINISTRADO: L. F.. RÉ – X Seguros, SA. A presente acção especial emergente de acidente de trabalho iniciou-se através de participação de alegado acidente de trabalho por parte do sinistrado em 11-05-2017. O autor alegou que, em 30-03-2016, sofreu um acidente de viação quando prestava serviços como motorista sob as ordens, direção e fiscalização da entidade patronal – “Taxis…, Lda”. Foi tratado pela seguradora responsável no âmbito do acidente de viação. A ora ré seguradora para quem a empregadora havia transferido a responsabilidade por acidente de trabalho recusa-se a prestar assistência, apesar de participado o acidente de trabalho. A empregadora participou o acidente de trabalho à seguradora ré em 22-11-2016 – documento anexo à participação de AT e documento emitido pela ré em 9-03-2017 junto aos autos em 31-05-2017. O sinistrado através da sua advogada por email de 24-1-2017 questionou a ré sobre marcação de consulta e participação do acidente ao tribunal – documento anexo a participação de AT. Com data de 09-03-2017, a ré dirigiu à empregadora uma comunicação de recusa de responsabilidade alegando que o acidente não foi participado tempestivamente (apenas o foi em 22-11-2016) e que o mesmo já foi reparado pela seguradora Açoriana no âmbito do acidente de viação (doc. junto aos autos em 31-05-107 pela própria ré). Os autos prosseguiram para a fase contenciosa, porquanto a ré seguradora, desde logo, não aceita a caracterização do acidente como sendo de trabalho. A ré contestou e arguiu a excepção de caducidade porque o acidente só foi comunicado ao Tribunal mais de um ano após a “suposta ocorrência” do mesmo. No despacho saneador foi sobre esta questão de caducidade foi proferido o SEGUINTE DESPACHO ORA RECORRIDO: “A R. suscitou a excepção peremptória da caducidade a que alude o artigo 179º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, por entender que o A. só “deu entrada no Tribunal em 11 de Maio de 2017” do requerimento de início de processo, isto é, mais de um ano e quase dois meses após o acidente. Cumpre decidir: O artigo 179º da Lei n.º 98/2009 estabelece que “o direito de acção respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta”. Compulsados os autos, salvo o devido respeito, não se pode concordar com a posição da R. Efectivamente, não consta dos autos, nem foi alegado pela R., que tenha atribuído ao A. data de alta. Acresce referir que única data de alta existente nos autos, 4 de Novembro de 2016, foi atribuída pelo GML. Finalmente, que esta data foi posta em causa pela R. Seguradora que, em sede de contestação, suscitou a realização de junta médica. Dito isto, entendemos que a única data susceptível de se considerar para efeito da caducidade, na falta de uma data de alta, será a data em que a R. declinou a sua responsabilidade, ou seja, a data em que deu a conhecer ao A. tal circunstância. Esta ocorreu, conforme decorre de fls. 12 verso, no dia 9 de Março de 2017. Terá, assim que se considerar que o prazo de caducidade não começou a correr na data indicada pela seguradora, não se tendo produzido a invocada caducidade. Assim, improcede a alegada excepção peremptória da caducidade.” A ré interpôs recurso deste despacho que julgou improcedente a excepção de caducidade. FUNDAMENTOS DO RECURSO DA RÉ- CONCLUSÕES: … 2. O despacho/decisão é contraditório em si mesmo. 3. O despacho/decisão refere primeiramente que a “Ré não alegou que tenha atribuído ao A. data de alta”. 4. Posteriormente refere que “na falta de uma data de alta, será a data em que a R. declinou a sua responsabilidade”. 5. O referido em 3. não corresponde à verdade. 6. O referido em 4. conduziria a que nos casos em que não houvesse participação dos acidentes às Companhias de Seguros, nunca operaria a caducidade do direito de acção. 7. A Ré não conferiu ao Autor qualquer tipo de assistência médica (facto confessado pelo Autor na sua participação ao Tribunal do Trabalho, na sua petição inicial e ainda alegado pela Ré: “que não conferiu ao Autor qualquer tipo de assistência médica ao Sinistrado” 8. Nos casos em que o acidente de trabalho não só não foi participado à seguradora como dele não resultou a morte, deve entender-se, por força das disposições conjugadas dos art.ºs 329.º, do C.C. (o qual postula que: “O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.”), 9. Ao mesmo tempo, o art.º 92.º, alínea a), da Lei nº 98/2009, de 04.09 (o art.º 92º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, dispõe que: “A participação do acidente ao tribunal competente pode ser feita: a) Pelo sinistrado, diretamente ou por interposta pessoa; … .”), que o prazo de caducidade previsto no art.º 179.º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09, começa a correr a partir do dia do acidente de trabalho. 10. Na Petição inicial consta que “acidente ocorreu 30 de Março de 2016” 11. Resulta do documento com a referência Citius 1513127, que o requerimento de início do processo deu entrada no Tribunal em 11 de Maio de 2017, isto é, mais de um ano após a suposta ocorrência do mesmo. 11.O tribunal a quo, salvo o devido respeito, fez uma errada aplicação do direito, nomeadamente na interpretação do artigo 179.º da Lei n.º 98/2009 de 04 de Setembro, não dando por verificada e excepção peremptória de caducidade. 12. Deve ser o despacho/decisão recorrido ser revogado e substituído por outro em que seja proferido despacho em que dê por verificada a excepção peremptória de caducidade e, em consequência, ser a Ré absolvida de tudo o peticionado pelo Autor. CONTRA-ALEGAÇÕES DO AUTOR (CONCLUSÕES): 1. A douta sentença recorrida não merece a censura que a Recorrente lhe aponta. 2. Não se verifica qualquer contradição na decisão de que se recorre. Efetivamente o prazo de caducidade de 1 ano deve contar-se após a data da alta formal, comunicada ao sinistrado. E, no presente, a mesma não existiu. A única comunicação que poderia ser entendida como um encerramento do processo foi a comunicação declinação da responsabilidade por parte da seguradora, constante de fls. 20 dos autos do processo principal. 3. De igual forma, também não se verifica a alegada exceção perentória de caducidade da ação, uma vez que tendo o presente acidente sido participado pela entidade patronal do sinistrado à seguradora em 22.11.2016 – cfr. fls dos autos -, a partir desta data a seguradora só não assistiu o sinistrado porque não quis. 4. Aplicar nestas situações, a contagem do prazo de um ano a partir da ocorrência do acidente seria premiar, a seguradora, ao encurtar o prazo em seu favor, depois desta após lhe ter sido participado um acidente de trabalho se ter votado a um silêncio profundo, não assistindo o sinistrado nem lhe dirigindo qualquer comunicação que fosse. 5. Os acórdãos citados defendiam o entendimento da contagem do prazo de um ano após a ocorrência do acidente nos casos em que a seguradora não tem conhecimento do acidente e apenas toma contato com o mesmo com a participação no Tribunal de Trabalho, o que, na presente situação não é o caso. 6. A própria seguradora a fls. 22 admite que o mesmo lhe foi participado pela entidade patronal do sinistrado mas não assumiu o acidente face ao hiato temporal decorrido que não permitia conhecer das lesões, nem estabelecer o nexo causal. Acrescentando que o acidente já estava a ser seguida pela seguradora do acidente de viação. 7. Apenas em sede de contestação a ré veio alegar a caducidade do direito de ação do A., alegando que a participação do acidente de trabalho deu entrada, no tribunal, mais de um ano após a ocorrência do mesmo. N entanto, em sede de tentativa de conciliação a ré declinava o acidente com base na informação prestada a fls 20 dos autos principais. 8. O sinistrado cumpriu a sua obrigação de participar tempestivamente o acidente ao empregador, e este participou o acidente à seguradora em 30.03.2016. Assim enquanto a seguradora não lhe comunicar a sua alta clínica (ou que não lhe reconhece quaisquer lesões incapacitantes), o que no caso concreto não aconteceu, o prazo de caducidade de um ano não começou a correr. 9. Assim, não se verifica a exceção perentória de caducidade invocada. PARECER DO MINSITÉRIO PÚBLICO Emite parecer no sentido da improcedência do recurso, porque, em suma, o legislador estabeleceu agora no º1, do artigo 179º, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, de forma clara e inequívoca, que o prazo de caducidade do direito de ação respeitante às prestações devidas por acidente de trabalho só se inicia após a comunicação formal ao sinistrado da data da alta clínica. Uma vez que no caso dos autos a seguradora não comunicou formalmente ao sinistrado a data da alta, o prazo de caducidade do direito de ação ainda nem sequer se iniciou. Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC. QUESTÃO A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)): apurar se se verifica a caducidade do direito de acção que o autor/sinistrado pretende exercer nos autos. I.I. FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS: São as constantes do relatório, designadamente quanto à data do alegado acidente de trabalho (30-03-2016), data da participação ao tribunal pelo sinistrado do acidente de trabalho (11-05-2017), participação do acidente de trabalho pela empregadora junto da seguradora (em 22-11-2016) e ausência de assistência do sinistrado por parte da ré seguradora e, consequentemente, de comunicação de alta clinica. A questão que se coloca é a de saber se ocorreu a caducidade do direito de acção das prestações conferidas pela lei dos acidentes de trabalho. Segundo o artigo 179º da Lei 98/2009, de 4-09 (doravante NLAT): “1-O direito de acção respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta”. Ainda de acordo com o artigo 329º do CC “O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”. Como é sabido a caducidade é um instituto que prossegue o interesse público de segurança e certeza jurídica e que penaliza o titular de um direito que, por inércia ou negligência, não exerce o seu direito no prazo que a lei lhe confere. No caso, a NLAT estipula que o mesmo só inicia a partir da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado, excepto se do acidente de trabalho resultar em morte, caso em que se conta a partir desta última. Estes são, portanto, os eventos que desencadeiam o início da contagem do prazo. Isto porque ”Somente a partir de então fica o sinistrado habilitado a exercer os seus direitos se não concordar, quer com a situação de cura clínica, quer com o grau de incapacidade que lhe tenha sido atribuído” (2). Só quando o sinistrado tem conhecimento da posição da seguradora está, portanto, apto a reagir. Repare-se que inclusivamente a norma actual (179º NLAT) que sucedeu à anterior (32º LAT) tem uma redacção que precisamente sublinha a necessidade de o sinistrado ter um inequívoco conhecimento da sua situação e da posição da seguradora conforme decorre da expressão “…a contar da alta clinica formalmente comunicada ao sinistrado…” Contudo, a lei prevê de um modo expresso apenas as situações típicas “normais” e a situação dos autos escapa um pouco a essa previsão. Efectivamente, no presente caso a ré nunca comunicou a alta clínica simplesmente porque não prestou sequer assistência ao “sinistrado”, não reconhecendo o acidente como sendo de trabalho. E, ademais, nunca participou o acidente ao tribunal, não obstante a empregadora lhe ter participado o acidente como sendo de trabalho. Quid juris? Há que relembrar, como o faz alguma jurisprudência, que a lei de acidentes de trabalho estabeleceu toda uma arquitectura a respeitar no que se refere ao sistema de participações de acidentes de trabalho. Assim, a lei prevê as participações obrigatórias que são as seguintes: As que recaem sobre o sinistrado, ou sobre os beneficiários legais em caso de morte, de participar o acidente à empregadora nas 48h seguintes (3), salvo se a empregadora tiver presenciado ou tiver conhecimento ao acidente (86º NLAT); As que recaem sobre a empregadora de participar o acidente à seguradora nas 24h seguintes no caso de ter a responsabilidade transferida ou, em caso contrário, ao tribunal no prazo de 8 dias após o acidente ou do seu conhecimento e, em caso de morte, de imediato ou a seguir ao seu conhecimento (87º e 88º NLAT); As que recaem sobre à seguradora de participar o acidente ao tribunal no prazo de 8 dias a contar da alta clínica no caso de resultar incapacidade permanente, ou de 8 dias a contar da sua verificação no caso de IT´s superiores a 12 meses, ou imediatamente após o conhecimento em caso de morte (90º NLAT); A lei prevê também as participações que são meramente facultativas que podem ser feitas pelo sinistrado, por um seu familiar ou equiparado, por qualquer autoridade com direito a receber o valor das prestações, pelas autoridades policiais ou administrativas que tenham tomado conhecimento do acidente, ou pelo director do estabelecimento hospitalar, assistencial, ou prisional onde o sistrado esteja internado, tendo o acidente ocorrido ao serviço doutra entidade (92º NLAT). Deste sistema resulta, no que ao caso interessa, que o sinistrado apenas tem o ónus de participar o acidente à empregadora, sendo esta quem tem de participar à seguradora e, esta, por sua vez, ao tribunal. Há também que atentar no facto de a acção de acidente de trabalhar se considerar proposta com a participação do acidente de trabalho – 99º CPT. Participação essa que, no caso, face à transferência de responsabilidade da empregadora, competia à seguradora, independentemente de esta declinar ou não a responsabilidade. E não ao trabalhador, o qual não deve ser prejudicado por um diferendo que, ao que parece, se relaciona com o facto de a empregadora não ter respeitado os prazos de participação à seguradora e com o facto de outra companhia de seguros do ramo automóvel ter eventualmente assumido parte dos danos, que, diga-se, não se sabe quais. Tal tarefa competirá posteriormente ao tribunal descortinar. Repare-se que a empregadora teve conhecimento do acidente e, portanto, o sinistrado não incumpriu qualquer ónus que sobre recaísse. Se a empregadora, por sua vez, participou tardiamente à seguradora tal não se pode repercutir sobre os direitos do sinistrado, apenas dando lugar à “responsabilidade por perdas e danos” da empregadora perante a seguradora – 87º NLAT. Ademais, não se diga que o sinistrado sempre poderia ele próprio ter participado o acidente porque esta é uma faculdade e não uma obrigação, sendo que esta última recai sobre a seguradora, portando do seu incumprimento não se podem extrair argumentos contra o sinistrado, tal seria premiar incumprimentos. Donde se conclui que o prazo de caducidade não começa a correr se, por um lado, o sinistrado cumpriu o seu ónus de participação (a empregadora teve conhecimento do acidente) e se, por outro lado, a seguradora nunca lhe comunicou formalmente a data de alta clinica ou se nunca lhe comunicou formalmente a ele sinistrado que não lhe reconhece qualquer lesão ou direito. Assim, a ausência destas comunicações formais e inequívocas a fazer perante o sinistrado, impede que se formule o juízo negativo de inércia que está subjacente à caducidade (4). I.I.I. DECISÃO Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663. do C.P.C, acorda-se em negar provimento ao recurso confirmando-se na íntegra a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente. Notifique. Guimarães, 20-02-2020 Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) Antero Dinis Ramos Veiga Vera Sottomayor 1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s. 2. Carlos Alegre, Acidente de trabalho e doenças profissionais, 2º ed, p. 152, em anotação ao artigo equivalente da lei anterior Lei 100/97, de 13-09, com inteira pertinência na nova lei. 3. Se o estado do sinistrado não o permitir, conta-se a partir da cessação do impedimento. 4. Neste sentido Ac. STJ de 22-02-2017 (que revogou a jurisprudência oposta do Ac. da RP de 23-05-2016) e RL de 23-05-2018 e 11-07-2018. |