Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO MATOS | ||
Descritores: | SENTENÇA ACTO JURÍDICO FORMAL E RECEPTÍCIO LIBERDADE CONTRATUAL INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/14/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: |
I. Sendo a sentença um acto jurídico, formal e receptício, subtraído à liberdade negocial, na sua interpretação não se procura a reconstituição de uma declaração pessoal de vontade do julgador (entendida na base da determinação de um propósito subjectivo), mas sim o correcto entendimento do resultado final e objectivo de um percurso pré-ordenado à obtenção da dita decisão. II. A interpretação da sentença deve, então, fazer-se de acordo com sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário - a parte ou outro tribunal - possa deduzir do seu contexto, ponderando quer o dispositivo final, quer a antecedente fundamentação, quer inclusivamente a globalidade dos actos que precederam a dita decisão, bem como quaisquer circunstâncias relevantes posteriores à sua prolação (art. 236º, nº 1 do C.C., aplicável ex vi do art. 295º do mesmo diploma). III. Sendo reivindicada uma faixa de terreno, onde terceiro edificou um muro (cujas dimensões apenas foram fornecidas de forma aproximada, sem que chegassem a ser determinadas com rigor), provando-se que todo o muro foi efectivamente construído sobre o prédio do autor, e por isso ordenada a sua demolição, a singela indicação das respectivas dimensões, no dispositivo da sentença (sem a precisão de que eram medidas aproximadas) não obsta a que se execute a forçada demolição do muro em toda a sua extensão, por claramente fluir da interpretação devida da sentença ser esse o seu sentido. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1ª Adjunta - Rita Maria Pereira Romeira; 2ª Adjunta - Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente. I – RELATÓRIO 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. AA, residente na Rua X, concelho de Ponte de Lima, (aqui Recorrente), propôs uns autos de embargos de executado (por apenso a uma acção executiva para prestação de facto, movida contra si), contra BB, residente no Lugar X, em Gaifar, (aqui Recorrido), pedindo que: · se declarasse que já prestou o facto que lhe foi imposto pela sentença dada à execução; · se declarasse que, em relação a qualquer outro facto diferente do que consta do seu dispositivo, a sentença não constitui título executivo, sendo, nessa medida, inexistente e inexequível (com a correlativa consequência da inexigibilidade da obrigação invocada pelo Exequente); · se declarasse, a final, extinta a execução. Alegou para o efeito, em síntese, que tendo ela própria sido condenada «a demolir o muro divisório dentro do (…) prédio do Autor, numa faixa de 40 cm por 6 metros, entregando ao Autor tal trato de terreno livre de qualquer construção, coisas ou pessoas, repondo o prédio no estado anterior», já o fez. Mais alegou que, não obstante, o Exequente/Embargado veio intentar contra si a acção executiva que constitui os autos principais, apresentando como título executivo a referida sentença condenatória, pretendendo obter desse modo a demolição de muito mais do que 6 metros de muro, e a entrega de uma faixa muito maior do que a assinalada (de 6 metros por 40 centímetros). Defendeu, por isso, a Embargante não dispor o Embargado de título executivo bastante para a sua pretensão. 1.1.2. Foi proferido despacho, admitindo liminarmente a oposição deduzida, e ordenando a notificação do Exequente/Embargado para, querendo e em vinte dias, a contestar (arts. 728º, nº 1 e 732º, nº 1 e nº 2, ambos do C.P.C.). 1.1.3. Notificado, o Embargado contestou, pedindo que os embargos de executado fossem julgados improcedentes. Alegou para o efeito, em síntese, ser elemento essencial do decidido na sentença que se executa a «reposição do prédio no estado anterior», conforme se alcança pela sua interpretação, o que necessariamente pressupõe a destruição integral do muro construído pela Executada/Embargante (faltando para o efeito cerca de dois metros). 1.1.4. Em sede de audiência prévia, e exercido o devido contraditório pelas partes, foi proferida sentença, julgando os embargos improcedentes, e absolvendo-se dos mesmos o Exequente/Embargado, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Em face do exposto, julgo os presentes embargos de executado improcedentes, por não provados, deles absolvendo o embargado/exequente. (…)» * 1.2. Recurso (fundamentos)Foi precisamente inconformada com esta decisão que a Executada/Embargante (Maria Gonçalves da Silva) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido, revogando-se a sentença recorrida. Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições de processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais): 1ª - A sentença que se executa julgou procedente o pedido formulado pelo Autor, nos seus precisos termos («demolir o muro divisório construído dentro do mesmo prédio do Autor, numa faixa de 40 cm x 6 m, entregando ao Autor tal trato de terreno»), tendo-a ela própria já cumprido. 1 - A douta sentença que serve de título executivo condenou a ora Recorrente a “demolir o muro divisório construído dentro, do mesmo prédio do Autor, numa faixa de 40 cm x 6 m, entregando ao Autor tal trato de terreno [...]”, 2 - julgando procedente o pedido formulado pelo Autor nesses precisos termos. 3 - A Recorrente “demoliu o muro em causa numa exata extensão de 6 m de comprimento por 40 cm de largura”, 4 - e restituiu, por conseguinte, ao Recorrente uma faixa de 40 cm x 6 m. 5 - Cumpriu, desse modo e com inteiro rigor, a ordem contida na douta sentença executada. 2ª - A sentença recorrida, atribuindo à que se executa um sentido diferente e contrário aos seus conteúdo e dispositivo, ofendeu o caso julgado que sobre ela se formou. 6 - Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida atribuiu à douta sentença executada um sentido diferente e contrário ao seu conteúdo e dispositivo e, por essa via, ofendeu o caso julgado que sobre ela se formou e o disposto, entre outros, no nº 1 do artº 619º CPC. * 1.3. Contra-alegações O Exequente/Embargado (BB) contra-alegou, pedindo que o recurso fosse julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições de processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais): 1 - A decisão do Exmo Senhor Juiz " a quo" que decidiu pela improcedência dos embargos, uma vez que, entre outros, considerou provados os factos em a), b), c), d) e e) da matéria de facto. 2 - A linha divisória dos prédios à data da construção do muro sub judice e da entrada da presente acção, é e sempre foi a mesma. 3 - A condenação constante da douta sentença advém da interpretação dos elementos essenciais do decidido, " repondo o prédio no estado anterior". 4 - Elemento fundamental da douta decisão, decisão transitada da qual resulta a obrigação imposta à Executada/Recorrente. 5 - Necessário se torna demolir o muro divisório construído dentro do prédio do Autor pela Ré, na sua globalidade, constituindo mero elemento acessório ao decidido aquela referência numa faixa de 40 cm por 6 metros. 6 - A Recorrente não ignora a natureza e espécie da obra que executou, da ofensa ao prédio do A. e que o mesmo somente será reposto ao seu estado anterior se demolir a totalidade do muro divisório construído dentro do mesmo prédio do Autor. 7 - A douta sentença não comportará a compressão daquela reposição, designadamente, a não demolição da parte do muro ainda não demolida pela Ré numa extensão aproximada de 2 (dois) metros. 8 - A parte do muro em blocos de cimento, com comprimento de 6 metros por 0,60 cm de largura, ainda existente no solo do prédio do Autor é o remanescente da parte não demolida pela Ré e compreendido entre os dois prédios. 9 - Não se verifica qualquer ofensa do caso julgado, " ... só assim se cumprindo a decisão na sua lógica global, ..." . * II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do CPC). * 2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciarMercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal: · Quais as regras a aplicar quanto à interpretação de uma decisão judicial (por forma a determinar se a prestação de facto pretendida pelo Exequente/Embargado se contem, ou não, no decidido na sentença condenatória que se executa) ? * III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOCom interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (nestes, e nos autos onde foi proferida a sentença que se executa) - por confissão, acordo das partes e documentos autênticos -, os seguintes factos (aqui considerados nos termos do art. 607º, nº 4 do C.P.C., aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, do mesmo diploma): 1 - BB intentou uma acção declarativa de condenação, então sob a forma de processos ordinário, contra AA (que correu termos na Instância Central de Viana do Castelo, sob o nº XXX/11.4TBPTL), pedindo que a ali Ré fosse condenada: «A) A reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o prédio identificado no art. 1 desta petição [prédio urbano sito no Lugar de Lagoas, da freguesia de S. Julião de Freixo, em Ponte de Lima, inscrito na matriz respectiva sob o art. XXX e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n.º XXX]; B) a demolir o muro divisório construído dentro do prédio do A., entregando ao A. aquele trato de terreno livre de qualquer construção, coisas ou pessoas, repondo o prédio no estado anterior». 2 - Na acção declarativa referida no facto anterior, o respectivo Autor alegou, para caracterizar a sua pretensão, nomeadamente que: . «No passado mês de Junho, a Ré executou a construção de um muro divisório de ambas as propriedades» (nº 11); . «Ocupando com essa construção parte do prédio do Autor» (nº 12); . «A Ré edificou um muro em blocos de cimento com aproximadamente 40 cm de altura e 6 m de comprimento» (nº 13); . «O qual ultrapassa o limite da sua propriedade e, consequentemente, invade a propriedade do Autor, dela ocupando uma faixa de terreno de cerca de 40 cm x 6 m» (nº 14); . «Construiu a Ré, um muro em blocos de cimento, de cerca de 40 cm de altura, numa extensão aproximada de 6 m» (nº 15); . «Pelo que, com tal construção invadiu o prédio do Autor, lesando manifestamente o direito de propriedade do A» (nº 16). 3 - Na acção declarativa referida nos factos anteriores foi proferida sentença, já transitada em julgado, que é fls. 176 a 182 da mesma e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, lendo-se nomeadamente: «(…) Resultam provados os seguintes factos1, com relevância para a decisão da causa: 1 Mantém-se a enumeração da matéria assente; a que resultou da produção de prova será subordinada a números, sem relação directa com os da base instrutória. A) - O Autor é dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito no Lugar X, em Ponte de Lima, inscrito na matriz respectiva sob o art. AAA e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n.º BBB, adquirido por compra e venda de Deolinda de Jesus Gonçalves da Silva e marido Daniel Américo Machado da Silva, em 30/12/2008. B) a E) - O Autor, por si e antepossuidores, tem usado e fruído aquele prédio urbano, dele retirando todas as utilidades e proveitos, assim como suportando os inerentes encargos, pagando impostos, taxas e despesas de conservação, limpando e colhendo os frutos, desde há mais de dez, quinze, vinte ou trinta anos, dia após dia, sem oposição ou hiato, à vista de toda a gente e com inteira publicidade, sem oposição ou embargo de ninguém, nomeadamente da Ré, com animus, propósito e boa fé de quem julga e quer exercer direitos inerentes à propriedade plena. F) - O direito de propriedade de tal prédio encontra-se definitivamente registado a favor do Autor através da Ap. 9 de 30/12/2008. G) - A Ré é proprietária de um prédio urbano contíguo ao do Autor, composto de casa de rés-do-chão e andar, sito no Lugar X, no concelho de Ponte de Lima. H) - O prédio do Autor confronta a norte, junto à empena lateral direita, com o prédio da Ré. J) - A Ré edificou um muro em blocos de cimento com, aproximadamente, 40 cm de altura e 6 m de comprimento. L) - A norte do prédio do Autor e com ele confrontando, existe um prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão, destinado a comércio, e dois andares, inscrito na matriz urbana sob o art. XXXº e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número XXX/20031113, que confronta a norte com herdeiros de António, sul com o Autor (antes, com Araújo), nascente com Estrada Nacional e poente com Correia. M) a Q) - Que a Ré, por si e antepossuidores, tem vindo a deter, usar e fruir, dele colhendo todos os benefícios e proveitos (por exemplo, cultivando-o, enquanto foi rústico, construindo nele um edifício que habitou e habita, e no qual abriu comércio) e suportando os inerentes encargos (por exemplo, pagando os tributos fiscais que o oneram e os custos da sua construção, manutenção e melhoramento), há muito mais de vinte e trinta anos, dia após dia, sem interrupção, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção e com o ânimo de exercer – como exercia e exerce – um direito seu, de propriedade, sem intenção nem consciência de lesar, como lesou, nenhum direito alheio. R) - Esse prédio – que pertenceu ao casal que a Ré, sob o regime da comunhão geral, formou com o seu falecido marido – tem hoje por adjudicação em partilha judicial, inscrição definitiva no Registo Predial como propriedade exclusiva dela. S) a U) - O prédio do Autor integrou o património do mencionado casal da Ré, tendo sido adjudicado, na partilha subsequente ao óbito do marido, à filha de ambos, Silva, que, no dia 30 de Dezembro de 2008, o vendeu ao Autor e à mulher deste. 1 - O muro referido em J) foi construído no prédio aludido em A). 2 - A divisória entre o prédio da Ré (do lado sul), e o prédio do Autor é constituída pelos restos de um muro em tijolo encostado à parede sul da garagem daquele. 3 - A construção do muro foi efectuada de forma livre e consciente pela Ré. 4 - O muro em causa foi construído sem conhecimento nem consentimento do Autor. 5 - Na altura em que o prédio referido em A) lhes pertencia, a Ré e o seu falecido marido construíram o edifício que existe hoje. 6 - Existe na parte superior da parede norte do prédio do Autor, e em toda a extensão desta, um rufo com cerca de 6 cm de largura. Não se provou: - que, na construção referida em 5, a parede norte tenha sido erguida sobre a linha que define a respectiva estrema desse lado; - que o rufo referido em 6 tenha sido colocado pelo Autor no dia 29 de Abril de 2011; - que tal rufo se projecte sobre o prédio da Ré; - que o mesmo rufo tenha sido colocado sem autorização da Ré e contra a sua vontade. * A convicção do tribunal assentou na análise crítica da prova produzida, à luz das regras da experiência comum. Para a configuração do local e dos prédios tal como são hoje, relevaram as fotografias de fls. 28 a 31, 56 (para o rufo) e 73/74, complementadas com a inspecção judicial, aí se tendo realizado uma parte da inquirição das testemunhas. Quanto aos limites dos dois prédios, na fase em que o da Ré era já urbano e o agora do Autor ainda era terreno de cultivo – sendo por aí que importa reportar aquela delimitação –, foram de grande importância os depoimentos, credíveis, serenos e seguros, de Domingos, José e Cerqueira, que conhecem o sítio há mais de 30 anos (tendo sido o pai deste último que construiu o prédio da Ré), e se referiram à existência do muro de blocos, cujos restos ainda são visíveis nas fotografias juntas aos autos, como a divisória deste imóvel; no mesmo sentido foram os depoimentos de Manuel e Silva que, apesar de zangados com a Ré, sua mãe, mostraram não só um conhecimento directo da questão, por terem usado o prédio muitos anos, como também se referiram (à semelhança do que já o tinha feito o aludido José) à cota mais elevada do prédio vizinho, enquanto rústico, e à existência de um muro de suporte de terras, ao lado do qual o pai construiu o referido muro de blocos. Estas últimas circunstâncias foram também descritas, de forma detalhada e sem qualquer vislumbre de interesse na causa, por Armindo, cuja mãe trabalhou durante mais de 15 anos aquele prédio rústico. As fotografias aéreas fornecidas pela DGT (de 1983, 1994 e 1995) – portanto, todas anteriores à edificação feita pela Ré no prédio referido em A), como decorre das datas apostas nas plantas de fls. 52 a 54 e 71, e onde se circundaram os prédios a vermelho, tendo como referência a topografia alargada de fls. 53 – vieram precisamente reforçar os depoimentos referidos, já que, sobretudo nas duas mais recentes e pese embora não se distingam dois muros, é visível que a reentrância é claramente do rústico para o urbano, e não o inverso. Face a tais elementos de prova, careceram de qualquer credibilidade os demais depoimentos: de António (que construiu o muro e tem um claro interesse directo na causa, pelo seu envolvimento afectivo com a Ré, afirmado pelos filhos desta e que o mesmo escondeu), de José e mulher Júlia (que moraram vários anos em frente aos imóveis, mas de lá saíram há mais de 20), e de António (que admitiu nem sequer saber se o muro estava “no sítio certo”), tendo estes três feito finca-pé em afirmar a existência de um espaço (!) entre os dois muros primitivos. As plantas de fls. 52 a 55, 72, 123 e 124, sendo da lavra da parte que as apresentou, não revestem valor probatório, apenas traduzindo a respectiva versão quanto aos limites. * Cumpre decidir. Começando pelo direito de propriedade do Autor sobre o prédio referido em A), o mesmo é indiscutível e até aceite pela Ré (salvo, evidentemente, na questão dos limites). O Autor beneficia não só da presunção do registo (art. 7.º Cód. Registo Predial) como também estão provados todos os factos susceptíveis de afirmar a aquisição originária, por usucapião, do mesmo prédio pelo Autor, face ao disposto nos arts. 1296.º, 1287.º e 1258.º a 1262.º, todos do Código Civil2. 2 Diploma legal donde provêm as normas a seguir citadas sem indicação de origem. Assim, deve proceder o primeiro pedido formulado pelo Autor. Relativamente à demolição do muro, eram do ónus probatório do Autor factos que levassem à conclusão de que a construção do mesmo tinha violado aquele direito de propriedade do Autor: é que o proprietário “goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem” (art. 1305.º), podendo “exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence” (art. 1311.º, n.º 1). Ora, analisando a matéria de facto provada, verifica-se que o Autor logrou demonstrar o que pretendia: é que o muro em causa foi construído no seu prédio, sendo a divisória entre o prédio da Ré, do lado sul, e o do Autor, constituída pelos restos de um muro de tijolo encostado à parede sul da garagem daquele, ou seja, tal divisória está mais para norte do local onde foi agora construído o muro referido em J). Assim, e porque a restituição aludida no art. 1311.º, n.º 1, é feita à custa do esbulhador, e no lugar do esbulho (art. 1312.º), deve também ter integral êxito o segundo pedido formulado pelo Autor. Passando à reconvenção, pouco há a referir: o primeiro pedido está automaticamente prejudicado pela procedência da acção (o muro não pode estar ao mesmo tempo no prédio do Autor e no da Ré…); quanto ao rufo (cuja data e autoria de colocação se desconhece), não se tendo provado que o mesmo se projecte sobre o prédio da Ré – situação em que violaria o seu direito de propriedade, face ao disposto no art. 1344.º, n.º 1 – não há fundamento para o mandar retirar. Está, por isso, a reconvenção destinada ao fracasso. * Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente por provada e, em consequência: - condena-se a Ré AA a reconhecer o direito de propriedade do Autor BB sobre o prédio urbano sito no Lugar de X, em Ponte de Lima, inscrito na matriz respectiva sob o art. XXX e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n.º XXXX; - condena-se a Ré a demolir o muro divisório construído dentro do mesmo prédio do Autor, numa faixa de 40 cm por 6 m, entregando ao Autor tal trato de terreno livre de qualquer construção, coisas ou pessoas, repondo o prédio no estado anterior. Julga-se improcedente por não provada a reconvenção, absolvendo-se o Autor dos pedidos contra ele formulados pela Ré. (…)» 4 - O facto provado enunciado na sentença reproduzida no facto anterior sob o número 1 («O muro referido em J) foi construído no prédio aludido em A).») resultou da prova restritiva do anterior Quesito 1º, onde se perguntava: «O muro que a Ré edificou ultrapassa o limite da sua propriedade, e consequentemente, invade a propriedade do Autor, dela ocupando uma faixa de cerca de 40 cm x 6m ?». 5 - BB intentou uma acção executiva para prestação de facto, contra AA, apresentando como título executivo a sentença condenatória referida nos factos anteriores. 6 - A aqui Executada/Embargante demoliu o muro em causa numa exacta extensão de 6 (seis) metros de comprimento, por 40 (quarenta) centímetros de largura. 7 - Com a demolição referida no facto anterior, o muro mencionado na sentença condenatória que se executa não foi totalmente demolido pela Executada/Embargante, mantendo-se uma parte erigida junto à empena lateral direita do prédio do Exequente/Embargado. * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO4.1. Determinação e interpretação do Direito 4.1.1. Título executivo - Fundamentos de oposição 4.1.1.1. Título executivo - Sentença Lê-se no art. 10º, nº 5 do C.P.C. que toda «a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva». Mais se lê, no art. 53º, nº 1 do mesmo diploma que a «execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor». Não se dizendo «no preceito em causa que são partes legítimas, como exequente e executado, credor e devedor, respectivamente, mas aqueles que no título figurem nessas qualidades», «vale por dizer que uma pessoa pode aparecer no título na posição de credor ou de devedor sem que seja realmente titular de um direito de crédito ou sujeito de uma obrigação. Apenas o título executivo faz presumir a existência de um crédito e de uma dívida» (Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 12ª edição, Almedina, Janeiro de 2010, p. 74). Lê-se ainda, no art. 713º do C.P.C. que a «execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo». Dispõem os artigos seguintes do mesmo diploma sobre o que sejam obrigações incertas, inexigíveis e ilíquidas, nomeadamente os arts. 714º, 715º e 716. Assim, a obrigação será: . incerta - quanto ao seu objecto - quando seja alternativa (isto é, quando tenha por objecto uma de várias prestações individualmente determinadas, incertum ex certis - art. 543º do C.C.); . inexigível - quando o seu cumprimento esteja dependente de certas condições de facto ou de tempo, nomeadamente por depender de certo prazo ou termo inicial, ou de alguma condição suspensiva, ou do adimplemento do contrato, por parte do credor, sendo a obrigação sinalagmática, ou da prévia excussão do património doutro devedor, quando haja responsabilidade subsidiária; . ilíquida - quando a sua importância ainda não se encontre determinada, podendo-o ser mediante simples operação aritmética (conta), ou por determinação da própria quantidade da prestação (liquidação). Já a determinação dos títulos executivos encontra-se taxativamente feita no art. 703º, nº 1 do C.P.C., sendo que a sentença condenatória figura em primeiro lugar nessa enumeração. Exige-se, porém, que haja transitado em julgado, excepto se o recurso dela interposto tiver efeito meramente devolutivo (art. 704º, nº 1 do C.P.C.). * 4.1.1.2. Fundamentos de oposição ao título executivo sentença Sendo executada uma sentença, pode o executado opor-se à execução nela baseada, mas apenas com limitados fundamentos, enumerados no art. 729º do C.P.C.. Com efeito, pressupondo-se a prévia existência de uma acção declarativa, onde constitucional e legalmente se garante o direito de contraditório (art. 20º da C.R.P e art. 3º do C.P.C.), e onde o réu deverá concentrar na respectiva contestação toda a defesa que possua à pretensão do autor, sob pena de preclusão da sua futura invocação (art. 573º do C.P.C.), limitam-se no art. 729º do C.P.C. os fundamentos da oposição a, grosso modo: vícios do próprio título; à falta de pressupostos processuais da instância executiva; à violação do efectivo direito de contraditório na acção declarativa; ao caso julgado anterior à sentença que se executa; e à inexistência actual da obrigação exequenda, incluindo a compensação. Precisando, e no que ora nos interessa, lê-se no art. 729º do C.C., que, fundando-se «a execução em sentença, a oposição só pode ter alguns dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título» - considerando-se que o título é exequível quando a obrigação que certifica é certa, exequível e líquida (art. 713º do C.P.C.), e não ocorre excesso de execução (isto é, não se pretende executar para além do título). Explicita-se apenas que, em regra, a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida, ou o seu vencimento depende (de acordo com estipulação expressa, ou com a norma supletiva geral do art. 777º do C.C.) de simples interpelação do devedor. * 4.1.2. Natureza da sentença - Regras de interpretação Lê-se no art. 152º, nº 1 do actual C.P.C. (como já antes se lia no art. 156º do anterior C.P.C.) que os «juízes têm o dever de administrar a justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes». Mais se lê, no nº 2 da mesma disposição legal, que diz-se «”sentença” o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa», isto é, uma pretensão deduzida contra outrem, que oportunamente foi chamado para deduzir oposição (ainda arts. 2º e 3º, ambos do actual e do anterior C.P.C.). Lê-se ainda no art. 154º, nº 1 e nº 2 do C.P.C. (como já antes se lia no art. 158º do anterior C.P.C.) que as «decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas», não podendo em princípio a justificação «consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição» (reiterando na lei ordinária o que o art. 205º, nº 1 da C.R.P. expressamente impõe, quando nele se afirma que as «decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei»). Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art. 3º, nº 1 do actual e do anterior C.P.C.), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação (M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 348, com bold apócrifo). Reconhece-se, deste modo, que é precisamente a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado. Compreende-se, por isso, que a falta de especificação dos respectivos fundamentos, de facto ou de direito, consubstancie causa de nulidade da decisão judicial assim afectada (art. 615º, nº 1, al. b) do C.P.C., com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, como já antes se lia no anterior art. 668º, nº 1, al. b) do mesmo diploma). Contudo, e conforme é próprio de qualquer acto de comunicação humana (de exteriorização do pensamento por meio da linguagem) admite-se que o mesmo não seja absolutamente claro ou inequívoco, impondo por isso a respectiva interpretação: «as decisões, como os contratos, como as leis, como, afinal, todos os textos, têm de ser interpretados e não lidos; ler não é o fim; é o princípio da interpretação» (Ac. do S.T.J. de 28.07.1994, CJ, Ano II; Tomo 2, p. 166). Sendo a decisão judicial indiscutivelmente um acto jurídico, ser-lhe-ão aplicáveis as regras de interpretação consignadas para os negócios jurídicos, conforme expressamente referido no art. 295º do C.C.. Lê-se, a propósito, no art. 236º, nº 1 do C.C., que «a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele». Contudo, «sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida» (nº 2 do art. 236º citado). Logo, enquanto que o nº 1 do art. 236º do C.C. consagrou uma interpretação objectivista (denominada teoria da impressão do destinatário), o seu nº 2 consagrou um interpretação subjectivista, relativamente à qual deixa de se justificar a protecção das legítimas expectativas do declaratário e da segurança do tráfico. Contudo, e tendo em conta o concreto acto jurídico aqui em causa - acto puramente funcional, que não pode ser considerado como marcado pela liberdade de celebração - tem-se «por adquirido que a interpretação da decisão judicial não tem por objecto a reconstrução da mens judicis - mas a descoberta do sentido preceptivo que se evidencia no texto do acto processual, a determinação da estatuição nele presente» (Ac. da RC, de 15.01.2013, Henrique Antunes, Processo nº 1500/03.6TBGRD-B.C1, com bold apócrifo, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). Por outras palavras, «não se tratando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei”, no caso concreto, correspondendo ao “resultado de uma operação intelectual que consiste no apuramento de uma situação de facto e na aplicação do direito objectivo a essa situação” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/11/1998, processo nº 98B712, ITIJ, citando Rosenberg e Schwab)» (Ac. do STJ, de 03.02.2011, Lopes do Rego, Processo nº 190-A/1999.E1.S1, com bold apócrifo). Compreende-se, por isso, que a jurisprudência venha maioritariamente defendendo que a decisão judicial deve ser interpretada de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário - a parte ou outro tribunal - possa deduzir do seu contexto. (Neste sentido, entre muitos: Ac. do STJ, de 05.12.2002, Ferreira Girão, Processo nº 02B3349, Ac. do STJ, de 05.11.2009, Oliveira Rocha, Processo nº 4800/05.TBAMD-A.S1, Ac. do STJ, de 03.02.2011, Lopes do Rego, Processo nº 190-A/1999.E1.S1, Ac. do STJ, de 26.04.2012, Maria do Prazeres Beleza, Processo nº 289/10.7TBPTB.G1.S1, ou Ac. do STJ, de 20.03.2014, Fernandes do Vale, Processo nº 392/10.3TBBRG.G1.S1; Ac. do STA, de 23.02.2012, Francisco Rothes, Processo nº 01153/11; Ac. da RC, de 22.03.2011, Teles Pereira, Processo nº 243/06.3TBFND-B.C1, ou Ac. da RC, de 15.01.2013, Henrique Antunes, Processo nº 1500/03.6TBGRD-B.C1. Contudo, no citado Ac. da RC, de 22.03.2011, Teles Pereira - de modo exaustivo e superiormente fundamentado - refere-se e justifica-se a necessidade de se ponderarem, simultaneamente, as regras próprias da interpretação da lei, face novamente à particular natureza do acto a interpretar em causa). Entende-se por «declaratário normal» o que seja «medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante», a não ser que este, razoavelmente, não pudesse contar com tal sentido (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 223). Já o «comportamento do declarante» (a que se refere o nº 1 do art. 236º do C.C.) terá aqui que ser desvalorizado ou habilmente concretizado, importando antes de mais ter presente que qualquer decisão judicial é a necessária conclusão de um pré-ordenado procedimento; e que o seu autor «se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no artigo 9º do Código Civil, dirigindo-se a outros técnicos de direito» (Ac. do STJ, de 03.02.2011, Lopes do Rego, Processo nº 190-A/1999.E1.S1). «Assim, as afirmações decisórias contidas num pronunciamento judicial, não valem desgarradas do acto de aplicação do Direito que as determinou ou, tão pouco, pela sua aparência semântica. Valem, isso sim, no quadro jurídico que a elas conduziu e na medida - e só nessa medida - em que nesse quadro adquiriram significado e são passíveis de uma reconstrução racional. Valem, pois, enfim, como afirmações decisórias de cariz técnico-jurídico cujo sentido passa pelo processo argumentativo que as justificou. É neste sentido que os elementos objectivos (correspondentes ao acto de interpretação e aplicação do Direito, visto este como percurso do qual a decisão constitui o ponto de chegada) se destacam (os elementos objectivos), na compreensão do sentido de uma decisão judicial, da pura afirmação, descontextualizada desse acto, que essa decisão pareça expressar, se isso (o que nela pareça) não obtiver uma efectiva comprovação, racionalmente expressa, no antecedente acto de interpretação e aplicação do Direito» (Ac. da RC, de 22.03.2011, Teles Pereira, Processo nº 243/06.3TBFND-B.C1). Logo, na interpretação da decisão judicial ter-se-á que anteder (conforme toda a jurisprudência anteriormente citada): à parte decisória propriamente dita (ao dispositivo final); aos seus fundamentos; e mesmo à globalidade dos actos que a precederam (quer se trate de actos das partes, ou de actos do tribunal), bem como a outras circunstâncias relevantes, mesmo posteriores à respectiva elaboração. «Por outras palavras, a identificação do objecto da decisão passa pala definição da sua estrutura, constituída pela correlação teleológica entre a motivação e o dispositivo decisório, elementos que reciprocamente se condicionam e determinam, fundindo-se em síntese normativa concreta (cfr. Castanheira Neves, RLJ 110º, pags. 289 e 305). De realçar, ainda, que, embora o objecto da interpretação seja a própria sentença, a verdade é que, nessa tarefa interpretativa, há que ter em conta outras circunstâncias, mesmo que posteriores, que funcionam como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar (Vaz Serra, RLJ, 110-42)» (Ac. do STJ, de 05.11.2009, Oliveira Rocha, Processo nº 4800/05.TBAMD-A.S1). Sendo, porém, a decisão judicial um acto formal, - amplamente regulamentado pela lei de processo e implicando uma «objectivação» da composição de interesses nela contida -, «não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso» (art. 238º, nº 1 do C.C.). Concluindo, para a interpretação de uma sentença, «não basta considerar a parte decisória, cumprindo tomar em conta a fundamentação, o contexto, os antecedentes da sentença e os demais elementos que se revelem pertinentes, sempre garantindo que o sentido apurado tem a devida tradução no texto» (Ac. do STJ, de 26.04.2012, Maria do Prazeres Beleza, Processo nº 289/10.7TBPTB.G1.S1). * 4.2. Caso concreto4.2.1. Concretizando, verifica-se que, tendo sido intentada uma acção executiva para prestação de facto, foi apresentado com título executivo uma sentença, em cujo dispositivo se lê: «(…) - condena-se a Ré AA a reconhecer o direito de propriedade do Autor BB sobre o prédio urbano sito no Lugar de X, em Ponte de Lima, inscrito na matriz respectiva sob o art. XXX e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n.º XXXX; - condena-se a Ré a demolir o muro divisório construído dentro do mesmo prédio do Autor, numa faixa de 40 cm por 6 m, entregando ao Autor tal trato de terreno livre de qualquer construção, coisas ou pessoas, repondo o prédio no estado anterior. (…)» Face ao mesmo dispositivo, e tendo a ali Ré (aqui, Executada/Embargante) já demolido o muro referido, numa extensão de 40 centímetros por 6 metros, entende ter dado cumprimento à condenação de que foi alvo, enquanto que o ali Autor (aqui Exequente/Embargado) entende que lhe cabe demolir o dito muro em toda a sua extensão, faltando para o efeito dois metros. Tem, assim, efectivamente razão a Executada/Embargante, quando alicerçou os presentes embargos de executado na alegada inexistência/inexequibilidade do concreto título apresentado (uma sentença condenatória), por alegadamente ter ocorrido um excesso de execução (isto é, pretender-se-ia executar uma prestação de facto para além do título). Importa, por isso, interpretá-lo. * 4.2.2. Concretizando novamente, verifica-se que, atendendo este Tribunal de Recurso apenas ao dispositivo da sentença que se executa (nomeadamente, ao seu segundo segmento), e interpretando-o literalmente, seria tentado a dar razão à Executada/Embargante.Com efeito, ali se lhe impõe a demolição do «muro divisório construído dentro do mesmo prédio do Autor, numa faixa de 40 cm por 6 m, entregando ao Autor tal trato de terreno livre de qualquer construção, coisas ou pessoas, repondo o prédio no estado anterior» (bold apócrifo). Contudo, e lida no seu todo a acção declarativa onde a mesma sentença foi proferida, verifica-se que: . logo na petição inicial, e de forma sistemática, o ali Autor deixou claro reivindicar como sua a faixa de terreno onde a Ré edificara um novo muro, só depois apresentando as dimensões deste, de forma aproximada e nunca certa («aproximadamente», «de cerca de», «40 cm de altura, numa extensão aproximada de 6 m», conforme artigos 13º, 14º e 15º da petição inicial); . posteriormente, na fase de saneamento dos autos, foi dado desde logo como assente que a Ré construiu um muro com as dimensões aproximadas em causa («A Ré edificou um muro em blocos de cimento com, aproximadamente, 40 cm de altura e 6 m de comprimento»), ficando apenas em dúvida que o tivesse feito sobre o prédio do Autor, e serem precisas e certas as ditas dimensões aproximadas, assim se explicando a redacção do Quesito 1º («O muro que a Ré edificou ultrapassa o limite da sua propriedade, e consequentemente, invade a propriedade do Autor, dela ocupando uma faixa de cerca de 40cmx6m ?»); . realizado o julgamento dos autos, o Quesito 1º viria a merecer uma resposta restritiva («O muro referido em J) foi construído no prédio aludido em A)»), da mesma resultando inequivocamente que todo o muro se encontrava assente no prédio do Autor, mas não que a indevida ocupação que fazia do mesmo correspondesse apenas a uma faixa de 40cm x 6m; . proferida a sentença, na respectiva fundamentação de facto verifica-se que se manteve a indicação aproximada, e não certa, das dimensões do muro em casa («J) - A Ré edificou um muro em blocos de cimento com, aproximadamente, 40 cm de altura e 6 m de comprimento»), inexistindo na motivação de uma tal decisão de facto qualquer actualizada referência a que as ditas dimensões aproximadas (sempre apresentadas nos autos como tais) coincidissem com as reais, nomeadamente porque tivessem sido medidas na inspecção judicial realizada (só assim, de resto, se justificando a resposta restritiva ao Quesito 1º); . na mesma sentença, deixou-se claramente afirmado que «deve também ter integral êxito o segundo pedido formulado pelo Autor» (recorda-se, ser a Ré condenada «a demolir o muro divisório construído dentro do prédio do A., entregando ao A. aquele trato de terreno livre de qualquer construção, coisas ou pessoas, repondo o prédio no estado anterior»), uma vez que, «analisando a matéria de facto provada, verifica-se que o Autor logrou demonstrar o que pretendia: é que o muro em causa foi construído no seu prédio, sendo a divisória entre o prédio da Ré, do lado sul, e o do Autor, constituída pelos restos de um muro de tijolo encostado à parede sul da garagem daquele, ou seja, tal divisória está mais para norte do local onde foi agora construído o muro referido em J)». Dir-se-á assim, sem margem para qualquer dúvida, que da conjunta ponderação do pedido formulado na petição inicial, dos factos seleccionados como assentes e como controvertidos, da prova que estes últimos mereceram após o julgamento respectivo, e da fundamentação de facto e de direito da sentença proferida, resulta que o muro construído pela Ré, «em blocos de cimento com, aproximadamente, 40 cm de altura e 6 m de comprimento» (alínea J), sobre o terreno do Autor (facto provado enunciado sob o número 1), é aquele que a mesma tem de demolir integralmente, por só dessa forma lhe restituirá o terreno base da sua implantação, conforme procedência total do pedido por ele formulado («condena-se a Ré a demolir o muro divisório construído dentro do mesmo prédio do Autor»). A indicação das medidas do mesmo muro, feita no dispositivo da sentença em causa («muro divisório construído dentro do mesmo prédio do Autor, numa faixa de 40 cm por 6 m»), terá de ser interpretada no contexto de toda a decisão judicial proferida, conforme sobejamente explicitado supra, sendo aquelas medidas meramente aproximadas (como inalteradamente foram apresentadas ao longo dos autos), e não taxativas (já que, repete-se, o muro - material, tal como foi edificado - foi tido como totalmente implantado no prédio do Autor, tendo a faixa assim ocupada sido reivindicada por este com sucesso). Não pode, por isso, uma menos completa ou feliz expressão do Tribunal a quo, isolada no, e sincopada do, dispositivo da sentença por ele proferida, alterar o seu anterior e coerente juízo de mérito. * Deverá, por isso, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto por Maria Gonçalves da Silva, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.* V – DECISÃOPelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por Maria Gonçalves da Silva e, em consequência, em confirmar integralmente a sentença recorrida. * Custas da oposição pela Executada/Embargante (artigo 527º, nº 1 do CPC).* Guimarães, 14 de Junho 2017. (Relatora) (Maria João Marques Pinto de Matos) (1ª Adjunta) (Rita Maria Pereira Romeira) (2ª Adjunta) (Elisabete de Jesus Santos Oliveira Valente) |