Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ANTÓNIO BEÇA PEREIRA | ||
| Descritores: | SEGUNDA PERÍCIA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 01/12/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | O regime da Lei 45/2004 de 19 de Agosto não inviabiliza a realização de uma segunda perícia médico-legal, que terá lugar quando a parte, em conformidade com o disposto no artigo 487.º n.º 1 CPC, alegar "fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado". | ||
| Decisão Texto Integral: | Sumário O regime da Lei 45/2004 de 19 de Agosto não inviabiliza a realização de uma segunda perícia médico-legal, que terá lugar quando a parte, em conformidade com o disposto no artigo 487.º n.º 1 CPC, alegar "fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado". Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I A instaurou a presente acção declarativa, que corre termos na Secção Cível e Criminal da Instância Central de Bragança, da Comarca de Bragança, contra G.No decorrer da lide, a 8-6-2016, a autora apresentou o seguinte requerimento: "Malgrado os esclarecimentos que os Srs. Peritos médicos acabam de fazer, notificados à A. sob a referência n.º 19426800, persistem as razões de facto e de direito plasmados no requerimento que a Autora remeteu a juízo a 10/03/2016. Assim sendo, reitera-se o pedido de realização do 2.º exame pericial na pessoa da Autora, por subsistirem, totalmente, os fundamentos alegados no predito requerimento de 10/03/2016, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido." O Meritíssimo Juiz, apreciando tal pretensão, a 19-10-2016 proferiu despacho em que decidiu: "Pelo exposto, indefiro ao requerido, nos termos sobreditos, pelo que não ordeno a realização de 2.ª perícia." Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: I. Nos termos do disposto no art. 487.º n.º 1 do Código de Processo Civil, qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, alegando fundamentadamente, as razões da sua discordância relativamente ao resultado da primeira; II. A segunda perícia tem por objecto os mesmos factos sobre os quais a primeira incidiu e destina-se a corrigir eventuais erros ou incorrecções desta; III. Não basta à parte discordante que manifeste a sua discordância, sendo imprescindível que a fundamente, explicitando as razões pelas quais entende que o resultado deveria ser diferente; IV. Tratando-se de matéria de elevada complexidade e que exige bons conhecimentos técnicos e científicos, ao Tribunal não cabe aprofundar o bem ou mal fundado da argumentação discordante da Recorrente; V. Uma vez que a Recorrente alegou as razões da sua discordância e fundamentou as mesmas, caberá então ao Tribunal verificar se a sua argumentação redunda ou não em mera impertinência ou se se reconduz a ato com carácter manifestamente dilatório, sendo que não foi esse o caso; VI. In casu, a Recorrente não concordando com o teor do relatório pericial, por entender que aquele padece de falta de clareza, insuficiência e inconsistência na sua fundamentação, requereu ao tribunal a realização de segunda perícia, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 487.º n.º 1 do CPC; VII. A Recorrente não se limitou a requerer a realização da 2ª perícia, por si só, pelo contrário, indicou todos os fundamentos que, aos seus olhos, eram factores de divergência e de insuficiência, nomeadamente, citando outro parecer clínico que demonstrava a existência de um resultado conflituante com o relatório pericial, bem como ofereceu a respectiva prova. VIIL Foram os Peritos notificados para virem prestar esclarecimentos, alcançando-se dos mesmos, que nada acrescentam ao relatório junto aos autos e apenas reiteram o conteúdo do relatório pericial; IX. Pelo que, a Recorrente manteve, como aliás mantém, a posição antes requerida de realização da 2ª perícia; X. A Recorrente não se conforma com o grau atribuído ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica arbitrado pelos senhores peritos do INML (8 pontos), pois, de harmonia com os elementos clínicos de que dispõe, essa desvalorização é bastante superior, fixando-se, pelo menos, em 14 pontos; XL Acresce que, no relatório pericial não foi arbitrada, à Recorrente, qualquer desvalorização a título de Dano Futuro ou sequer feita alguma referência quanto à possibilidade de dano futuro/agravamento das sequelas, sendo o relatório, de resto, totalmente omisso a este respeito. XII. Ademais, no relatório pericial não é tido em conta o relatório clínico produzido pela Ora. M - psicoterapeuta - nem nunca é este referido no relatório pericial, nem sequer constando da enumeração do ponto "B. DADOS DOCUMENTAIS"; XIII. O requerimento da Recorrente, foi tempestivo e pertinente e contém a devida fundamentação, não cabendo ao Tribunal a quo, atenta a elevada complexidade e o grau de conhecimentos técnico-científicas exigidos, subsumir as dúvidas da Recorrente a "simples divergência de opiniões técnicas" e o teor do seu requerimento ao seu pedido; XIV. O relatório pericial peca por manifesto defeito e é gritantemente insuficiente; XV. Deve, pois, ser ordenada a realização de segunda perícia, com o mesmo objecto da primeira; XVI. O douto despacho recorrido violou os art.s 7.º e 487.º e seguintes do Código de Processo Civil, devendo, por isso, ser substituído por outro que determine a realização de segunda perícia. Não foram apresentadas contra-alegações. As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil São deste código todas as disposições adiante mencionadas sem qualquer outra referência., delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se deve ser deferido o pedido de realização de segunda perícia. II O Meritíssimo Juiz a quo, depois de lembrar que nesta matéria há que observar as regras estabelecidas na Lei 45/2004 de 19 de Agosto, indefere o pretendido pela autora dizendo, no essencial, que:1.º "O que no fundo a autora pretende é substituir o juízo dos Peritos pelo do Ilustre Professor citado ex abundante no seu requerimento - o que, evidentemente, não é causa de 2ª perícia, e isto, repise-se, "dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do Instituto", pelo que apenas um erro crasso, grosseiro, e de resto, dificilmente concebível face à consagrada especialização, poderia fundamentar a repetição da perícia, com a realização de nova perícia e colegial, mas e ainda assim e sempre, privativa do INML. A simples divergência de opiniões técnicas não integra, seguramente, tal pressuposto." Naturalmente que, dado o disposto na Lei 45/2004, as perícias médico-legais não estão sujeitas unicamente às regras do Código de Processo Civil. Mas o regime deste não deixa de ser "aplicável em sede de perícias médico legais, nada lhes restringindo o seu específico âmbito. Com efeito, do estabelecido pela Lei 45/2004 (…), "ex vi" do n.º 3 do art.º 467.º do nCPC (e do n.º 3 do artº 568.º do C.P.Civil), não deriva a inaplicabilidade, no que respeita às perícias no âmbito da clínica médico-legal e forense, do disposto nos art.ºs 467º, 415º, 475º, 485º, 487º a 489º do nCPC." Teixeira de Sousa, Comentário de 11-3-2016, em http://blogippc.blogspot.pt. O n.º 1 do artigo 487.º enuncia o princípio de que a parte que pretende a realização de segunda perícia terá que alegar "fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado". Não se acompanha, assim, o Meritíssimo Juiz a quo quando afirma que somente "um erro crasso, grosseiro (…) poderia fundamentar a repetição da perícia". Portanto, "a admissibilidade da segunda perícia apenas está condicionada ao facto de a parte manifestar a sua discordância relativamente aos resultados da primeira e de fundamentar a sua discordância (…), [e] tendo sido cumprido esse dever de fundamentação, a 2ª perícia terá que ser ordenada e efectuada" Ac. Rel. Guimarães de 8-5-2012 no Proc. 944/10.1TBVVD-A.G1, www.gde.mj.pt.. No caso dos autos, no seu requerimento de 8-6-2016 a autora reitera "o pedido de realização do 2.º exame pericial na pessoa da Autora, por subsistirem, totalmente, os fundamentos alegados no predito requerimento de 10/03/2016, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido." E nesse requerimento de 10-3-2016 a autora tinha enunciado "as razões da sua discordância", o que fez de modo fundamentado - veja-se a título de exemplo os artigos 8.º a 12.º e 16.º dessa peça processual -, apoiando-se num parecer elaborado por um médico. Aqui chegados, dúvidas não restam de que a autora respeitou o exigido pelo citado artigo 487.º, o mesmo é dizer que deve ser ordenada a realização da segunda perícia. Todavia, em virtude do estabelecido nos artigos 467.º n.º 3 e 2.º n.º 1, este da Lei 45/2004, esta segunda perícia terá que ser realizada, "obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal", não podendo, por isso, a autora, como quer, indicar um dos peritos Neste sentido veja-se Ac. Rel. Coimbra de 15-11-2011 no Proc. 194/09.0TBAVZ-A.C1, Ac. Rel. Guimarães de 5-11-2015 no Proc. 1399/13.9TBCBT-A.G1 e Ac. Rel. Porto de 11-1-2016 no Proc. 4135/14.4TBMAI-A.P1, em www.gde.mj.pt, e Ac. Rel. Guimarães de 18-04-2013 no Proc. 1053/10.9TBVVD-A.G1, em bdjur.almedina.net.. E tendo a primeira perícia sido efectuada por dois peritos, face ao disposto na alínea b) do artigo 488.º, a segunda também terá que ter esse mesmo número Neste sentido veja-se o citado Ac. Rel. Porto de 11-1-2016 no Proc. 4135/14.4TBMAI-A.P1.. III Com fundamento no atrás exposto, julga-se procedente o recurso pelo que:a) revoga-se a decisão recorrida; b) ordena-se que se efectue segunda perícia, a realizar pelo INML e na qual terão que participar dois peritos, não podendo, no entanto, nela intervir os peritos que participaram na primeira. Custas pelo réu. 12 de Janeiro de 2017 (António Beça Pereira) (Maria Amália Santos) (Ana Cristina Duarte) |