Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Reclamação de despacho do relator
[1] Vem o arguido .... reclamar para a conferência do despacho que indeferiu o requerimento para realização de audiência por não terem sido indicadas as questões a debater e determinou o julgamento em conferência. Argumenta, citando Paulo Albuquerque, que o direito de requerer que o recurso seja julgado em audiência é um direito discricionário; que a imposição de enunciar as questões a debater não encontra sanção legal; que tem o direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo; e que deveria ter sido convidado a aperfeiçoar o requerimento.
[2] Os assistentes responderam, no sentido da improcedência da reclamação.
[3] O legislador consagrou, desde a versão original do Código de Processo Penal, sistema de recurso assente no julgamento precedido de audiência. Assim, e com excepção de recursos manifestamente improcedentes, com verificação de causa extintiva do procedimento criminal ou perante recurso de decisões intercalar, emergia da conjugação dos artigos 419º, nº4 e 423º entendeu-se que o debate oral constituía a forma mais adequada de consagrar o recurso com «conhecimento autêntico de problemas e conflitos reais, mediatizado pela intervenção motivada pelas pessoas» Ponto 7 do Preâmbulo do Código de Processo Penal. .
[4] Porém, em 2007, o legislador alterou esse sistema e inverteu a regra da oralidade da audiência de recurso, passando agora a audiência a realizar-se apenas quando requerida pelo arguido. Esse propósito encontrou expressão na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 109/X-2, na origem da Lei nº 48/2007, de 29/8: «tendo presente que a audiência no tribunal de recurso corresponde a um direito renunciável, prevê-se que o recorrente requeira a sua realização, especificando os pontos que pretende ver debatidos» e encontra na sua origem, como aponta Simas Santos Cfr. Simas Santos, Revisão do processo penal: os recursos, inserido na colectânea Que futuro para o Direito Processual Penal?, 2009, págs. 180 a 183. , a consideração de que a audiência havia-se convertido frequentemente em acto processual supérfluo, sendo muito raro acontecer no sistema de audiência obrigatória verdadeiro debate oral sobre as razões do recurso, que não se restringe ao acto de alegar, passando também pelo questionamento clarificador por parte do Tribunal. A prática judiciária passava pela simples leitura das motivações, quando não pela falta de comparência sistemática do mandatário do recorrente e a sua substituição por defensor oficioso, o que correspondeu naturalmente à generalizada desvalorização do acto.
[5] Assim, no nº5 do artº 411º, na redacção conferida pela referida Lei nº48/2007, de 29/8, veio o legislador estabelecer que a audiência apenas se realiza a requerimento do recorrente. Mas, não se ficou por esse conteúdo normativo: estabeleceu limitação ao exercício do direito à audiência em recurso, impondo ao requerente que especificasse contemporaneamente o objecto do debate oral pretendido. Perante as razões da mudança da regra da oralidade introduzida, a teleologia desse segmento normativo surge clara: introduzir regras que evitem o abuso do instituto e a repetição da degradação das audiências facultativas, e determinar no requerente reflexão sobre o seu interesse através da imposição de concretização do que se pretendia ver discutido.
[6] Dito isto, importa referir que o legislador de 2007 não foi inteiramente feliz, na medida em que deixou intocado o disposto no artº 423º, nº1 do CPP, no qual se confere ao relator o dever de «enunciar as questões que o tribunal entende merecerem exame especial», numa aparente sobreposição relativamente ao ónus constante do nº5 do artº 411º do CPP. Dizemos aparente porque, cremos, a compatibilização entre os preceitos não é difícil: significa que o enunciado formulado pelo relator toma como ponto de partida o leque de questões apresentadas no requerimento formulado para realização de audiência. Esse é o entendimento sufragado por Simas Santos sobre o conteúdo daquele nº1, cuja formulação que se transcreve:
«Nessa exposição, que incide sobre o objecto do recurso, o relator enuncia as questões que o tribunal entende merecerem exame especial.
Tal exposição, para cumprir o seu objectivo, não deve consistir na fastidiosa leitura do projecto de acórdão, como tantas vezes sucede, mas deve limitar-se, depois de indicar sinteticamente o objecto do recurso, a referir as questões em apreciação, de preferência sobre a forma de perguntas. Deve notar-se alguma contradição criada com a disposição que impõe que o recorrente, ao requerer a audiência, a especificação dos pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos (nº5 do artº 411º), contradição que deve ser resolvida no sentido de caber ao relator a enunciação das questões que merecem exame especial, designadamente de entre as indicadas pelo recorrente» Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 123..
[7] Ora, no caso em apreço, o recorrente exerceu o direito a requerer a audiência mas não respeitou o ónus de formular as questões a debater, impedindo inerentemente o exercício pelo relator do dever de selecção, em função da respectiva pertinência, e, então, deixou a audiência sem objecto, inútil.
[8] Considera o reclamante que o direito a requerer a audiência conforma-se como direito discricionário e cita Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 3ª Ed. (2009), pág. 1118 e 1119., no seu comentário, pág. 1131. Porém, salvo o devido respeito, esse autor refere essa discricionariedade à oportunidade do exercício do direito e não também quando a revestir os requisitos estabelecidos por lei. Por isso reputa o direito de vinculado, a controlar pelo relator. Acresce que Germano Marques da Silva também nada diz de diferente pois a sua posição - de direito a constituir, note-se – apenas versa o momento mais adequado para o recorrente valorar a oportunidade da audiência Reforma do Sistema Penal de 2007- Garantias e Eficácia, pág.s 55 e 56, ponderando o segmento citado pelo reclamante..
[9] Outra objecção prende-se com a circunstância do legislador não dizer expressamente que o requerimento se especificação das questões a debater deve ser indeferido. Porém, não tem de o dizer. Abundam no ordenamento penal institutos em relação aos quais são estabelecidos requisitos, traduzindo formas de evitar desvios às respectivas finalidades, sem que fique expressa a sanção processual para a sua omissão. O indeferimento do exercício de direito sem o respeito pelos requisitos legais estará, por decorrência da imperatividade, votado ao fracasso, o que se traduz processualmente pela denegação judicial da pretensão.
[10] Denegada audiência, porque não regularmente requerida, encontra aplicação a norma da al. c) do nº3 do artº 419º do CPP, a estabelecer a regra do julgamento em conferência. Não colhe a interpretação para que apela o recorrente de que basta o requerimento para afastar esse normativo pois, a ser assim, teria que se admitir a audiência em todos os recursos mesmo naqueles em que o legislador não a admite, como é o caso do julgamento de reclamação de decisão sumária (salvo se for necessária renovação da prova) e os recursos de decisão não final. Ou também as situações de intempestividade. Em suma, presumindo-se que o legislador soube exprimir-se adequadamente e consagrou as soluções mais acertadas (artº 9º, nº3 do CC), cremos que a parte final do nº5 do artº 411º do CPP não constitui exemplo de regra sem sanção.
[11] Sustenta ainda o reclamante que o despacho que lhe indeferiu o requerimento para realização de audiência violou o direito, constitucionalmente consagrado, de escolher advogado e ser por ele assistido em todos os actos do processo e apela para o disposto no artº 61º, nº1 do CPP e o ditame dos artºs 18º, nº1 e 2 da CRP. Porém, não se encontra qualquer propriedade na convocação dessa dimensão normativa: o despacho reclamado não operou qualquer substituição de defensor, que se mantém na pessoa do mesmo mandatário judicial, nem se vislumbra qualquer indefesa no julgamento em conferência, tendo em atenção toda a argumentação constante da motivação. Note-se que o Tribunal Constitucional foi já chamado a pronunciar-se quando intervenção do arguido e do seu defensor durante o julgamento do recurso, concluindo que o direito ao recurso não inclui necessariamente a realização de audiência pública no Tribunal Superior e a oralidade na discussão do recurso Acs. do Tribunal Constitucional nºs. 352/98 e 322/93, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt . Aliás, a própria lei do processo perante aquele Tribunal (Lei 22/82, de 15/11), não prevê qualquer audiência pública, mesmo a requerimento do recorrente. E, porque assim é, não há lugar a qualquer convite a fazer o que não fez, na medida em que não se mostra necessário compatibilizar o ordenamento processual penal com a consagração constitucional do direito ao recurso, salvaguardado no seu núcleo essencial com o julgamento em conferência. Não existindo norma que o permita, o convite ao aperfeiçoamento proposto constituiria, na verdade, a renovação do prazo para exercício de direito renunciável, contrariando a vontade do legislador. Afasta-se, assim, a pretendida violação do disposto nos artºs 61º, nº1 do CPP e no artº 32º, nº3 da CRP.
[12] Face ao exposto, cumpre julgar improcedente a reclamação, passando a apreciar o recurso, em obediência ao disposto no artº 417º, nº10 do CPP.
II. Relatório
[13] Nos presentes autos com o NUIPC .... das Varas de Competência Mista de Guimarães, foi o arguido ...., condenado, por acórdão proferido em 04/02/2009, na pena de quatro anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada, p. e p. pelos artºs 30º, nº2, 79º e 172º, nºs 1 e 2 do Código Penal Doravante referido pelo acrónimo «CP»..
[14] Mais foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e condenado o mesmo ... nos seguintes termos:
Julgando o pedido de indemnização parcialmente provado e procedente condena o demandado ... a pagar aos demandantes ..., que representam em Juízo sua filha ..., os seguintes montantes:
- €510,11 a título de reparação pelos danos patrimoniais sofridos em deslocações e frequência de centro pedagógico, acrescido de juros à taxa legal de 4% desde 6 de Novembro de 2008 até integral e efectivo cumprimento;
- O que vier a ser liquidado a título de perdas salariais da mãe da menor, até ao montante máximo peticionado de € 117;
- € 15.000 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efectivo cumprimento.
[15] Inconformado, veio o arguido/demandado interpor recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões Transcrição.:
1. A discordância do recorrente do acórdão recorrido tem a ver com o julgamento da matéria de facto, mas também com aspectos jurídicos e processuais que lhe serviram de fundamento;
2. No caso dos autos, foram tomadas declarações para memória futura à ofendida, conforme consta da acta de fls. 114, a qual foi presidida pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal, Dr. ..., sendo as mesmas gravadas em suporte magnético e posteriormente ouvidas em audiência de julgamento, sendo que não pertencendo o juiz em causa ao Colectivo a quo, na perspectiva do recorrente, tal circunstancialismo constitui violação dos princípios da oralidade, da imediação e da plenitude da assistência dos juízes
3. As testemunhas, os arguidos ou os ofendidos durante o depoimento têm reacções e comportamentos que apenas podem ser percepcionados e valorados por quem os presencia, não sendo possível ao Tribunal formar uma convicção apenas pela audição de uma gravação (cfr. neste sentido Miguel Teixeira de Sousa in Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex 1997, págs. 399-400) supra citado.
4. A imediação “traduz-se na utilização dos meios de prova originais” e, por outro lado, pressupõe “a oralidade do processo; os sujeitos processuais devem conhecer directa e pessoalmente das provas para obterem uma visão conjunta dos fundamentos de facto da causa.” - Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 134 e 135 e no mesmo sentido Prof. Figueiredo Dias (citado por José António Barreiros, “O julgamento no novo C.P.P.,”, in Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, pág. 177) supra citados.
5. Atribuída competência aos juízes que vão proceder à condução de um julgamento, estes não podem ser substituídos, sob pena de se perder a “relação comunicante” entre esses mesmos juízes e o conjunto da prova produzida, ou por outro lado o juiz que interveio na obtenção de prova posteriormente valorada em julgamento teria de compor o tribunal colectivo.
6. A questão é tão mais pertinente se atentarmos ao facto da ofendida, em grande parte das respostas às questões colocadas pelo Mmo. Juiz de Instrução, o ter feito com recurso a gestos, o que não é apreensível pelo Tribunal de Julgamento na simples audição da gravação.
7. Ora, o Tribunal Colectivo, ao valorar as declarações para memória futura da ofendida, violou o princípio da imediação e da plenitude da assistência dos Juizes, porquanto estas foram ouvidas e presenciadas por juiz que não interveio no julgamento, tendo também sido violadas as regras legais de composição do Tribunal.
8. Além disso, no caso em apreço, estamos perante a violação das regras de composição do Tribunal, porquanto na obtenção prova valorada no acórdão intervieram 4 juízes, o que constitui nulidade insanável prevista no art.º 119º al. a) e e) do Código de Processo Penal devendo, em consequência, ser declarada a nulidade do julgamento.
9. A ofendida deveria ter sido ouvida em audiência de julgamento, sendo que a tal entendimento não se opõe o disposto no nº 2 do artº 271º do Código de Processo Penal, porquanto não afasta a possibilidade de o ofendido ser ouvido em audiência de julgamento, “se necessário” (cfr. o nº1 e 8 da mesma norma).
10. De facto, remetendo o nº 8 para os números anteriores do artº 271º do Código de Processo Penal, este não afasta a inquirição do ofendido em audiência de julgamento, porquanto se assim fosse estaria expressamente afastada tal possibilidade na lei e ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus.
11. Por outro lado, se o ofendido é ouvido em declarações para memória futura para que “o depoimento possa ser tomado em conta em audiência se necessário”, tal necessidade tem de ser judicialmente aferida, pelo que o Tribunal tem de se pronunciar sobre a matéria afirmando a necessidade ou desnecessidade de o ofendido ser ouvido em julgamento e fundamentando tal entendimento, tendo em conta ainda que a mesma estava arrolada na acusação.
12. A interpretação que se extraia do disposto nos nºs 1, 2 e 8 do artº 271º e 374º nº2 do Código de Processo Penal no sentido de que ouvido o ofendido menor no inquérito, a sua inquirição em julgamento é sempre desnecessária, sendo dispensável proferir despacho fundamentado quanto a essa dispensa por banda do juiz de julgamento, podendo o mesmo fundamentar a sentença/acórdão no seu depoimento em inquérito, é inconstitucional por violação do princípio das garantias de defesa e do contraditório (cfr. artºs 32º nº1 e 5 e 204º nº1 da Constituição).
13. Além do mais, todos os actos praticados no inquérito devem ser reduzidos a auto (artº 275º nº 1 do Código de Processo Penal), sendo-o obrigatoriamente a tomada de declarações para memória futura conforme o disposto no art.º 275º n.º 2 do Código de Processo Penal, o que não aconteceu.
14. Apesar de as declarações para memória futura prestadas pela ofendida terem sido gravadas em suporte magnético, não se encontra dispensada a sua transcrição (cfr. o artº 101º nº2 do Código de Processo Penal), sendo que o cumprimento do formalismo descrito no artº 99º nº3 do Código de Processo Penal quanto à elaboração do auto não é, de todo, despiciendo, porquanto visa que o Tribunal de Julgamento e os restantes intervenientes processuais, vejam minorada em sede de audiência de Julgamento a falta da imediação.
15. Daí que, para além da identificação das pessoas que intervieram no acto, as causas da ausência das pessoas cuja intervenção estava prevista, o auto deveria conter uma “descrição especificada das operações praticadas, da intervenção de cada um dos participantes processuais, das declarações prestadas, do modo como o foram e das circunstâncias em que o foram, (...) de modo a garantir a genuína expressão da ocorrência e qualquer ocorrência relevante para a apreciação da prova ou da regularidade do acto (cfr. o artº 99º nº 3 al. c) e d) do Código de Processo Penal).
16. Tendo em conta que não foi elaborado auto com a transcrição do depoimento e com a descrição dos restantes elementos exigidos pelo art.º 99º do CPP, não se poderá considerar a existência de declarações para memória futura, porquanto, como refere Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, edição Universidade Católica Portuguesa, pag. 274 “A falta do auto corresponde à falta da diligência a que ele diz respeito”, em consonância com o princípio quod non est in actis non est in mundo.
17. Assim, o Colectivo a quo não podia examinar criticamente as declarações para memória futura, dizendo que “a menor se mostrou desenvolta no relato que fez; a tal circunstância não terá sido alheia a psicóloga Dra. ... como elemento securisante; usou linguagem apropriada à sua faixa etária”, desde logo porque lhe faltava uma premissa, qual seja a de que o auto estivesse regularmente elaborado, designadamente sem aqueles elementos previstos no artº 99º nº 3 al. c) e d) do Código de Processo Penal.
18. Pelo exposto, o exame crítico desta prova, por falta de imediação da mesma ou de mitigação da sua falta, não poderia ser realizado, pelo que o Tribunal conheceu de questões de que não poderia tomar conhecimento, fazendo um exame crítico da prova sem que tivesse elementos para o efeito, devendo concluir-se que o acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto nos artºs 374º nº2 e 379º nº1 als. a) e c) do Código de Processo Penal.
19. Os presentes autos foram distribuídos ao 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, e, por conseguinte, o Ex.mo Senhor Juiz ..., sendo este o titular do processo, devendo o Tribunal Colectivo, ser composto por “(....) dois Juizes de circulo e pelo juiz do processo” (cfr. artº 105º nº2 da LOFTJ).
20. No entanto, este não interveio no julgamento, nem na prolação do acórdão, sendo que se desconhece qual o motivo da constituição anómala do Tribunal Colectivo, porquanto nenhum despacho consta dos autos onde se refira as razões da ausência do Ex.mo Senhor Juiz titular do processo ou o porquê da sua eventual substituição (cfr. artº 68º da LOFTJ).
21. O princípio do juiz natural tem como corolário nos dizeres de Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, pág. 207, o princípio da fixação de competência, que impõe a obrigatoriedade de se observar as competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz a aplicação dos preceitos que de forma imediata ou mediata são decisivos para a determinação do juiz da causa, sendo que nos termos do artº 209º do Código de Processo Civil “É pela distribuição que, a fim de repartir com igualdade o serviço do tribunal se designa a secção e a vara ou juízo em que o processo há-de correr ou o juiz que há-de exercer as funções de relator”.
22. Ora, “A violação das regras de composição do Tribunal Colectivo ou de Júri inclui a falta de juízes previstos na lei, com excepção no disposto nos artºs 41º nº3 e 43º nº5 (...)” do Código de Processo Penal - cfr. Comentário do Código de Processo Penal de Paulo Pinto de Albuquerque, pag. 309 -, pelo que não tendo sido respeitado o principio do juiz natural, por violação do art.ºs 105º da LOFTJ, o julgamento efectuado nestes autos encontra-se ferido de nulidade, por “(...) violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição” do Tribunal, conforme o disposto no art.º 119º al. a) do Código de Processo Penal.
23. Fundou o tribunal a sua convicção para a decisão da matéria de facto nos depoimentos da ofendida, da mãe da ofendida e das testemunhas arroladas, quer pela acusação quer pela defesa, mas a factualidade constante dos pontos 3 a 8 jamais devia ter sido considerada provada.
24. De facto, o Relatório de natureza sexual de fls. 36 a 39 não resulta qualquer juízo em desfavor do arguido ou prova de que este cometeu o crime pelo qual foi condenado, ou ainda matéria fundamentadora dos factos provados nos pontos 3 a 8 do acórdão recorrido.
25. Os Relatórios elaborado de fls. 47 a 49, Plano de intervenção a fls. 50 a 54, o Relatório de avaliação psicológica a fls. 55 a 60 e o relatório de exame psicológico da menor, a fls. 80 a 83 foram elaborados pela psicóloga Dra. ... que é prima da ofendida, o que legitima que o recorrente ponha em causa a objectividade dos mesmos, sendo que independentemente da objectividade de tais relatórios e pareceres, que de nenhum pode resultar com segurança, que não seja com meras dúvidas e subjectivismo, que o arguido tenha cometido o crime de que vem acusado.
26. Isto porque:
- o relatório de fls. 47 a 49, elaborado pela prima da ofendida mais não é do que uma descrição do que lhe foi dito pela ofendida;
- o relatório de fls. 55 a 60, nada tem a ver com a problemática sub judice, tendo como objectivo uma avaliação psicológica, tal como afirmou no seu depoimento a própria psicóloga Dra. ... que, ao minuto 19:55 do seu depoimento, afirmou que este “Relatório é de cariz cognitivo e não emocional”.
- o relatório de fls. 80 a 83 dos autos, pelos mesmos motivos supra invocados, com o devido respeito pela opinião contrária, entende o recorrente que este relatório conclui de forma subjectiva e com pouca certeza sobre a veracidade das afirmações da ofendida, apenas se referindo em conclusão que “considera-se a hipótese da existência de credibilidade do relato da mesma”.
27. Ora, não sendo a prova documental analisada conclusiva e afirmativa da veracidade e verificação dos factos dados como provados e atento o princípio in dubio pro reo, não poderia o Tribunal recorrido dar como provados os factos 3 a 8 elencados no acórdão.
28. E, por outro lado, a sua convicção sobre a matéria de facto vertida nos nºs 3 a 8 não pode decorrer do depoimento das testemunhas ou da ofendida, porquanto se violaram as regras da inquirição das testemunhas e valoração das mesmas (cfr. artºs 127º, 128º e 129º do Código de Processo Penal.
29. De facto, nenhuma testemunha afirmou ter visto ou assistido a qualquer dos factos constantes da acusação, limitando-se a verbalizar o que ouviram dizer pela ofendida ou por terceiros, pelo que quanto a esta parte, e uma vez que se trata de prova negativa, ou seja, prova de que nenhuma prova foi feita, impõe-se a audição de toda a prova gravada no que se refere ao depoimento das testemunhas de forma a aquilatar do supra referido.
30. Mas, ainda assim, entende o recorrente que as conclusões extraídas pelo Tribunal relativamente ao depoimento da testemunha ... não poderiam ser por forma a confirmar a ocorrência dos factos da acusação, desde logo porque é prima da ofendida o que leva a por em causa a objectividade do seu depoimento e em nenhum momento a testemunha referiu algum facto dos constantes da acusação, limitando-se a remeter para o relatório por si elaborados e já analisados supra.
31. Acresce que, no seu depoimento, questionada sobre a veracidade dos relatos da ofendida, diz o seguinte “Pareceu-me verídico (...) neste caso parece-me ser coerente mas isto é tudo muito subjectivo” e ainda a testemunha a minutos 9:22 e ss. do seu depoimento que “(...) a professora tinha abordado(...) a problemática sexual antes do período de férias de Natal com os miúdos, falou do sistema reprodutor (...) quando ela voltou de férias penso começou a chorar estava a desenvolver sintomas de uma gravidez psicológica, foi para a casa de banho e disse que estrava grávida, e a professora reconheceu no discurso dela coisas que tinha ensinado antes(...)”
33. A mãe da ofendida afirmou que “(...) não queria saber por ninguém mas sim pela minha filha, mas a minha filha nunca me contou, sendo que apenas terá contado à Dra. ..., não se referindo uma única vez aos factos constantes da acusação.
34. Também do depoimento da professora da menor ... também nenhum facto em concreto é referido, dizendo com relevo apenas que ”um dos pontos do programa do 3º anos era falar nas funções genitais e eu falei na reprodução e então deduzo eu, que talvez tivesse vindo daí, deduzo, falei na reprodução e elucidei os miúdos do comportamento que deveriam ter (...)”Notei que a ... era uma miúda carente”, sendo que no mais do depoimento a testemunha limita-se também a referir considerações genéricas e não refere um único facto dos constantes na acusação.
35. A testemunha ... também se limita a fazer considerações genéricas sem em concreto referir qualquer facto dos constantes na acusação.
36. Por fim, a inquirição da ofendida foi “conduzida”, eivada de “factos induzidos” e sendo as respostas antecipadas pelo Mmo. Juiz de Instrução violando o artº 138º nº2 do Código de Processo Penal que diz que às testemunhas não devem ser feitas perguntas sugestivas, nem quaisquer outras que possam prejudicar a espontaneidade e sinceridade das respostas, pelo que a inquirição da ofendida para memória futura violou tal disposição.
37. Assim, também da prova testemunhal produzida nos autos, não resulta com suficiência que o Tribunal pudesse dar como provados os factos 3 a 8 como deu, porquanto para além de nenhuma testemunha se referir a factos, mas sim limitar-se genericamente a remeter ora para o que lhe disse a menor, ora para o que lhe disseram outras testemunhas, sempre os depoimentos deveriam ser considerados indirectos e, por conseguinte, insusceptíveis de serem valorados em sede de decisão final.
38. De facto, as testemunhas no seu depoimento fazem apenas alusão ao que ouviram dizer da menor, pelo que para que estes depoimentos pudessem ser valorados teria de ser a ofendida ouvida em sede de discussão e julgamento, não se bastando com a audição da gravação do seu depoimento para memória futura, conforme o disposto no art.º 271º do Código de Processo Penal, pelo que o Tribunal não podia valorar os referidos depoimentos (cfr. o artº 129º nº1 do Código de Processo Penal e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/11/2004, votado por unanimidade, publicado em www.dgsi.pt, em que foi Relator Varges Gomes, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Maio de 1995, publicado in www.dgsi.pt. supra citados.
39. Assim, tendo em conta o supra exposto o tribunal recorrido ao lançar mão de depoimento indirecto para fundar a sua convicção, conheceu de matéria que não podia conhecer e, como tal, o acórdão recorrido é nulo nos termos do disposto no artº 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal.
40. A mera descrição do que as testemunhas disseram, embora detalhada como se pode ver do acórdão recorrido, não dispensa o exame crítico da prova que leva a que não se consiga discernir quais as provas nas quais o tribunal fundou a sua convicção.
41. Com efeito, no acórdão recorrido, ainda que sumariamente, dever-se-ia dizer quais as testemunhas que mereceram maior credibilidade e porquê e fazer-se uma análise dos documentos, sob pena de não se perceber, como não se percebe, qual o raciocínio lógico que subjaz à matéria de facto dada como assente (cfr. neste sentido o acórdão do STJ de 3 de Outubro de 2007, relatado por Henriques Gaspar, publicado in www.dgsi.pt supra transcrito) e o exame crítico das provas era tanto mais necessário quanto é certo que o que as testemunhas declaram constitui depoimento indirecto.
42. Vale isto por dizer que a motivação da decisão de facto não pode deixar de contemplar, para além da indicação das provas a partir das quais se formou a convicção do tribunal, também os motivos que levaram o Tribunal a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras e, bem assim, os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substrato racional que conduziu à convicção concretamente estabelecida - veja-se, a propósito, o Acórdão, da Relação de Coimbra, de 5-10-2000 (Colectânea de Jurisprudência, ano XXV, tomo IV, pp. 53 e segs..
43. Assim, o acórdão recorrido ao não fazer uma reflexão e exame crítico da prova produzida em audiência, incorreu no vício de falta de fundamentação previsto nas normas conjugadas dos artºs 374º n.º2 e 379º n.º1 al. a) do Código de Processo Penal e, como tal, deve ser julgado nulo.
44. Não é correcto o critério seguido pelo Tribunal recorrido em relação à condenação do aqui recorrente, quer quanto à pena aplicada que se considera excessiva, quer quanto a decisão de não suspensão da mesma.
45. De facto, quanto à medida da pena ponderou-se que a ilicitude dos factos assume um grau elevado face ao bem jurídico protegido e à sua posição na hierarquia axiológico-normativa da tutela penal, mas tais questões foram já ponderadas na moldura penal abstracta aplicável ao crime em causa, constituindo a sua valoração em sede de medida da pena, violação do princípio “non bis in idem” e do principio da proibição da dupla valoração da prova (neste sentido Figueiredo Dias e Anabela Miranda Rodrigues, in “A determinação da medida da pena privativa da liberdade”, Coimbra Editora, 1995, pags. 594 e seguintes supra transcrito).
46. Por outro lado, não se pode valorar negativamente “a boa imagem que arguido faz passar perante a comunidade e a família”, porquanto, da prova produzida nada indica que “o facto de estar bem inserido na comunidade constitui uma farsa baseada na falsa imagem que transmite, comum, aliás, a boa parte dos pedófilos e constitui um maior perigo para as reais e potenciais vítimas”.
47. De facto, não fazendo o acórdão recorrido um exame crítico da prova não se consegue concluir como se concretiza a “farsa” a que alude o acórdão na determinação da medida da pena e o tribunal só poderia assim concluir se algum dos meios prova coligidos em sede de audiência, designadamente através do relatório social - que não foi elaborado nos presentes autos - para aí apontasse, sendo que tal parte do acórdão recorrido constitui uma presunção e extrapolação não permitida pela matéria de facto assente.
48. Tanto mais que os factos que levam a considerar que o arguido se encontra socialmente inserido (cfr. pontos 13 e 14 dos factos assentes) não foram considerados não provados.
49. Acresce que, afirmar-se por um lado os factos assentes nos pontos 13 e 14 e na fundamentação dizer-se que os mesmos são uma “farsa que o arguido montou” para encapotar o seu comportamento desviante, constitui contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, devendo em consequência ser anulado nesta parte o acórdão recorrido (cfr. o artº 410º nº2 al. b) do Código de Processo Penal).
50. Além disso, não se pode dizer afoitamente, como se disse no acórdão recorrido que o arguido não demonstrou qualquer arrependimento e estruturou a sua defesa de forma a fazer crer que é uma pessoa respeitadora e correcta e que os factos que constam da acusação só podiam resultado de uma fantasia da menor.
51. Com efeito, não tendo o arguido prestado declarações não se pode concluir se este está arrependido ou não, porquanto tal equivaleria a valorar negativamente o silêncio do arguido, violando-se o direito ao silêncio, a proibição da auto-incriminação e o princípio da presunção de inocência.
52. A assim acontecer - como aconteceu - a interpretação que extrai no disposto no artigo 343º, n.º1 do Código de Processo Penal, no sentido de que o silêncio do arguido pode levar a que se conclua que este não está arrependido sem se ponderar qualquer outra prova nesse sentido na fundamentação da sentença, deve ser considerado inconstitucional por violação do princípio da garantia de defesa, do Estado do Direito, da segurança jurídica e da presunção de inocência (cfr. arts. 2º e 32.º, ns. 1 e 2 da Constituição).
53. Por outro lado, o arrependimento do arguido constitui matéria de facto que não foi dada como provada, pelo que não pode relevar em sede de medida da pena.
54. Acresce que é violador dos supra mencionados princípios constitucionais dizer-se que o arguido estruturou a sua defesa de forma a fazer crer que é pessoa respeitadora e correcta e que os factos só poderiam ser resultado de uma fantasia da menor, porquanto apesar de tal factualidade constar da contestação, esta não foi dada como provada ou não provada no acórdão recorrido e, além do mais, não se reporta a declarações do arguido.
55. O advogado, na estruturação da defesa possui autonomia técnica e, nos termos art.º 95º n.º 1 al. b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, é dever do advogado para com o seu cliente “estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade”.
56. Pelo exposto, deve considerar-se que, as supra mencionadas circunstâncias agravativas da medida da pena, devem ser inobservadas, sendo que, não o tendo feito o acórdão recorrido, este é nulo porque infundamentado por falta de exame crítico, omisso na pronúncia quanto à matéria de facto alegada na contestação e por excesso de pronuncia quanto às considerações aí expendidas quanto ao arrependimento do arguido (cfr. os arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) e c) do Código de Processo Penal).
57. Do que se constata de todo o processo nomeadamente do depoimento das testemunhas ... e ..., quanto à personalidade do recorrente, das suas condições de vida e integração social, não se pode concluir que haja qualquer razão para supor que o arguido tenha inclinação para a prática de crimes, designadamente da mesma natureza daquele pelo qual foi agora condenado.
58. De facto, conforme se acha demonstrado nos autos, o arguido não tem antecedentes criminais, vive integrado numa família estável, está reformado, ocupa-se da agricultura e é tido como respeitador, bom pai e bom marido, encontrando-se integrado socialmente (cfr. ponto 13 da matéria de facto assente), pelo que o quantum da pena aplicada ao recorrente a cumprir em prisão efectiva, ao invés de ser suspensa a sua execução, torna a mesma desutil para as necessidades de prevenção especial e para os fins ressocializadores, em contrário ao disposto no art.º 71º do Código Penal, sendo que uma pena entre três e quatro anos satisfaria as necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto.
59. Para além do que supra se expôs, verifica-se que a opção pela suspensão da execução da pena aplicada é um poder – dever do Tribunal que deve ser utilizado quando se conclua que o arguido presumivelmente não voltará a cometer o mesmo crime e como bem diz o acórdão recorrido o Tribunal para efeito de suspensão da execução da pena deve atender especialmente às condições de vida e à sua conduta anterior e posterior aos factos.
60. Ao invés do sobredito, o Tribunal recorrido, para fundamentar a opção pela não suspensão da pena, em contravenção ao disposto no artº 50º do Código Penal, reponderou as circunstâncias que já havia ponderado em sede de medida da pena e acrescentou razões de prevenção geral.
61. Todos os requisitos de aplicação da medida de suspensão da execução da pena, à excepção de a pena aplicável ser inferior a cinco anos, atendem a motivos de prevenção especial, pelo que na aplicação deste instituto não há que curar das necessidades de prevenção geral (Neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/02, publicado in www.dgsi.pt., que teve como Relator Simas Santos supra transcrito e Ainda no mesmo sentido, Simas Santos e Leal-Henriques in “O Código Penal de 1982”, vol I, pag. 291 em anotação ao artº 48º desse Código também transcrito acima).
62. Ora, no que concerne às condições da sua vida - situação familiar, social e económica do arguido que está bem inserido, assim como à sua conduta anterior - ausência de antecedentes criminais - e posterior - não consta que o arguido tenha voltado a delinquir -, o Tribunal recorrido deveria decretar a suspensão da execução da pena.
63. O Tribunal deve esgotar todas as possibilidades de aplicar ao arguido pena de prisão efectiva, ponderando-as e aplicando-as, só não o fazendo quando estas não realizarem as finalidades da punição, pelo que se abria a possibilidade de suspender a pena aplicada sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou ainda com regime de prova (cfr. os artºs 50º, 51º, 52º e 53º do Código Penal), o que não fez.
64. Mas, o Tribunal no acórdão recorrido ao não ponderar a aplicação de tais medidas violou o princípio da fundamentação das sentenças judiciais, pelo que o acordão recorrido é nulo por violação do disposto no artº 374º nº2, 375º nº1 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal, sendo certo que a interpretação que se extraia do disposto no artº 70º do Código Penal e dos artº 374º nº2 e 375º nº1 do Código de Processo Penal no sentido de que o Tribunal pode não ponderar todas as hipóteses de, perante a factualidade provada e a matéria de direito, aplicar pena de prisão não efectiva, é violadora dos princípios do Estado de Direito, do recurso e da fundamentação das decisões judiciais, nos termos do disposto nos artº 2º, 32º nº1 e 204º nº1 da Constituição.
65. Entende o recorrente, na sequência da errada convicção do Tribunal acerca dos factos dados como provados, como explanado supra, não tem de pagar qualquer indemnização à assistente seja a título de danos patrimoniais, seja a título de danos não patrimoniais, mas a subsistir a condenação criminal, o que não se concede, o montante da indemnização por danos não patrimoniais em que foi condenado deve ser reduzido, à luz do disposto no art. 496º do Cód. Civil.
66. Quanto ao dano patrimonial decorrente dos pontos 23 e 24 do acórdão recorrido este sempre se verificaria se a conduta não tivesse ocorrido, porquanto se a menor passava já as férias fora de casa, ou porque os pais iam para fora ou por qualquer outro motivo, sendo que estes apenas nada pagavam por tomar conta da menor porque esta estava entregue aos cuidados da mulher do arguido, pelo que a alteração dessas circunstâncias não é causal do ilícito, pois que se assim fosse a menor teria de frequentar o centro pedagógico fora do período de férias também (cfr. o artº 483º nº1 e 563º do Código Civil).
67. A modesta condição económica do agente que não foi ponderada, sendo a sentença nula por violação do disposto no artº 668º nº1 al. d) do Código de Processo Civil.
68. Atenta a gravidade das ofensas, julga-se que não foi causada à ofendida um sofrimento que mereça uma compensação tão elevada como a que foi fixada no acórdão, a qual deve ser fixada em montante bastante inferior a arbitrar doutamente por este Venerando Tribunal.
69. O acórdão recorrido violou ou fez errada interpretação do disposto nos artºs 68º, 105º nº2 e 106º al. a) da LOFTJ, 483º, 496º nº3 e 563º do Código Civil, 209º, 654º e 668º nº1 al. d) do Código de Processo Civil, 40º nº2, 50º, 51º, 52º, 53º, 70º e 71º do Código Penal, 2º, 29º nº5, 32º nº1, 2, 5 e 9, 203º, 204º, 205º e 211º da Constituição e dos artºs 4º, 14º, 96º, 99º nº3 als. c) e d), 119º al. a) e e), 127º, 128º nº1, 129º nº1, 138º nº2, 271º nº1, 2 e 8, 332º nº7, 343º, 348º nº1, 350º, 352º nº1 al. b), 374º nº2 e 375º nº1 do Código de Processo Penal.
Termos em que relevado que seja o facto de as conclusões serem extensas, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser o arguido absolvido ou quando assim não se entenda acórdão recorrido julgado nulo, só assim se fazendo justiça.
[16] O Ministério Público, através da Srª Procuradora da República junto do tribunal recorrido, apresentou resposta, a qual terminou da seguinte forma Transcrição.:
1ª O douto acórdão recorrido não enferma de qualquer vício ou nulidade, designadamente, do vício de erro notório na apreciação da prova (art°. 410° n° 2 al. c) do C. P. Penal).
2ª O tribunal "a quo" fez uma criteriosa apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.
3ª Dessa apreciação resultou a inevitável conclusão de que o arguido praticou, com a sua conduta, um crime continuado de abuso sexual de criança p. e p. nos art's. 30° n° 2, 79° e 172° nºs. 1 e 2 do Código Penal.
4ª De acordo com os critérios estabelecidos no art°. 71° do C. Penal, mostra-se adequada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada ao arguido.
5ª Pena essa que não deverá ser suspensa na sua execução, por não se verificarem os pressupostos do art°. 50° do C. Penal.
6ª Uma vez que, não é possível formular um juízo de prognose favorável quanto à conduta futura do arguido e por a tal se oporem exigências especiais de reprovação e prevenção deste tipo de crimes.
7ª Não foi violado qualquer preceito legal.
[17] Também a demandante veio apresentar resposta, deixando, por seu turno, estas conclusões Transcrição.:
a) Não assiste qualquer razão ao recorrente no presente recurso e nas questões nele suscitas, pois em nosso entender o douto acórdão proferido não merece a censura que lhe é feita.
b) O recorrente coloca em causa a valoração, em sede de julgamento, das declarações para memória futura que foram tomadas à ofendida, pretendendo sustentar uma tese de que " tal circunstancialismo constitui violação dos princípios da oralidade, da imediação e da plenitude da assistência dos juízes".
c) Como vem expressamente consagrado no artigo 355° do Código de Processo Penal " Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência".
d) Contudo, aquele mesmo normativo legal, no seu n° 2, faz uma ressalva, abrindo espaço à valoração das provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, entre elas, as declarações para memória futura, por aplicação do disposto no artigo 356°, n°2, alínea a) do Código de Processo Penal.
e) Aliás, "o procedimento da produção de declarações para memória futura configura-se como uma antecipação da audiência, nomeadamente pela garantia da direcção por um juiz e do contraditório (...)" - cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, II, pág. 138.
f) Abrindo a lei uma excepção quanto a estas provas, permitindo a sua valoração em sede de julgamento, não pode admitir-se, que o uso de tal faculdade possa depois constituir uma violação dos princípios da oralidade, da imediação e da plenitude da assistência dos juízes.
g) Sustenta o recorrente que, ao optar por proceder à audição das declarações prestadas para memória futura, deveria o tribunal "a quo" ter-se pronunciado sobre a matéria, afirmando a necessidade ou desnecessidade de a ofendida ser ouvida em julgamento, sob pena de nulidade.
h) Esta nulidade, a ter existido, é uma nulidade relativa, sujeita à disciplina do artigo 120, n°2 e 3, alínea a) do Código de Processo Penal, tal como o afirmou o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 1992, in BMJ, 415, 464.
i) Nos termos daquele artigo, poderia a mesma ter sido arguida antes que o acto estivesse terminado, uma vez que foi assistido pelo interessado. Não o tendo sido, e a admitir-se eventualmente a sua existência, sempre a mesma deverá considerar-se sanada.
j) Assim, não pode lograr obter acolhimento o argumento do recorrente de que "o exame critico desta prova, por falta de imediação da mesma ou de mitigação da sua falta, não poderia ser realizado".
k) Tanto mais que, como vem afirmando o Tribunal da Relação de Lisboa, nomeadamente num seu Acórdão de 19 de Fevereiro de 2008 " A imediação é apreciada pelo conjunto e não elemento a elemento, e pressupõe a conjugação sistémica com todos os elementos de prova processualmente admissíveis e produzidos nas condições da lei, como são as declarações para memória futura cuja validade não depende da leitura das declarações em audiência e não as sobrevalorando em relação à prova produzida com oralidade, imediação e respeito pelo contraditório.".
1) Alega o arguido a falta de auto da diligência de tomada de declarações para
memória futura, nos termos do artigo 275° do Código de Processo Penal.
m) Compulsados os autos, facilmente se constata que tal afirmação não corresponde à verdade, pois, a fls. dos autos encontra-se efectivamente o auto de declarações prestadas pela menor/ofendida.
n) A não ter cumprido qualquer dos elementos exigidos pelo artigo 99° do C.P:P., e a entender-se que esta falta poderá consubstanciar nulidade e não uma mera irregularidade, a mesma não cabe no elenco das nulidades insanáveis, pelo que sempre a mesma deverá considerar-se sanada uma vez que não foi arguida no prazo legalmente estipulado para o efeito, nos termos do n° 3 do artigo 120° do C.P.P..
o) Refere o recorrente que se deverá concluir pela nulidade do acórdão sob recurso, nos termos do disposto nos artigos 374°, n°2 e 379°, n°1 alíneas a) e c) do C.P.P..
p) Ora, nos termos do n°2 do artigo 374° do C.P.P. no douto acórdão recorrido, o Tribunal "a quo", a seguir à enumeração dos factos provados e não provados, procedeu a uma exposição dos elementos de prova nos quais baseou a sua convicção, com indicação dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão.
q) O "artigo 374°, n°2, do CPP não exige a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, mas tão-só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não impondo a lei a menção das inferências indutivas levadas a cabo pelo tribunal ou dos critérios de valoração das provas e contraprovas." — cfr. Ac. do STJ de 9 de Janeiro de 1997, in CJ, V, tomo I, 172.
r) Ainda neste sentido, veio o Supremo Tribunal de Justiça afirmar, em douto acórdão de 30 de Junho de 1999 que " A lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que e relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível (..)"
s) Pelo que, da leitura do acórdão sob recurso, duvidas não restam de que foi respeitado na íntegra o requisito de validade contido no n°2 do artigo 374° do CPP.
t) Quanto à invocada nulidade por violação das regras de composição do tribunal colectivo e violação do princípio do juiz natural, também esta não deve merecer qualquer acolhimento.
u) À luz do princípio do Juiz Natural, nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.
v) Assim, parece-nos não ter havido qualquer violação deste princípio, tuna vez que, iniciado o processo no tribunal cuja competência foi fixada nos termos da lei vigente, o mesmo aí seguiu os seus ulteriores termos, designadamente a audiência de discussão e julgamento.
w) É importante reter que o Tribunal que julgou este crime, foi, presidido por uma Senhora Juiz das Varas de Competência Mista, a quem sempre ficaria como ficou acometida a tarefa de julgar o mesmo, sendo que foi acompanhada por outra senhora Juiz da mesma Vara e por uma senhora Juiz do Tribunal Judicial de Fafe, que apenas completou o Tribunal Colectivo por ausência inesperada do Juiz do processo, nos termos do artigo 68° da L.O.F.T.J.
x) Pelo que, sempre o Tribunal de Julgamento se mostrou devida e regularmente constituído e com plenos poderes para realizar o julgamento e decidir.
y) Aliás, quanto à composição do tribunal colectivo, sempre deverá atender-se que o artigo 105°, n°1 da LOFTJ impõe que o mesmo seja por três juízes, o que, in casu, sucedeu.
z) Mais sustenta o recorrente a sua posição dizendo que "estamos perante a violação das regras de composição do Tribunal, porquanto na obtenção da prova valorada no acórdão intervieram 4 juízes ( ...)".
aa) Tal argumento, salvo o devido respeito por diferente opinião, não se percebe nem concebe, pois no julgamento apenas participaram três Juízes, correspondente ao número pelo qual deve ser constituído como foi o Tribunal Colectivo.
bb) Com tal argumento, julgamos que pretende neste ponto, o recorrente referir-se certamente às declarações para memória futura, pois que apenas aquelas foram tomadas pelo Juiz de Instrução.
cc) Com efeito, conforme resulta expressamente do artigo 271°, é ao juiz de instrução a quem compete proceder à inquirição, no decurso do inquérito, das vítimas de crimes sexuais, conferindo ao acto o devido formalismo a que devem estar sujeito, para posteriormente, se necessário, serem valoradas, como foram, em sede de audiência de discussão e julgamento.
dd) Assim, a intervenção do juiz de instrução, que actuou ao abrigo das competências que a lei lhe confere, não poderá consubstanciar qualquer situação irregular ou mesmo geradora de nulidade.
ee) Sendo que, não pode neste contexto configurar-se que houve a participação em sede de julgamento de quatro Juízes, como refere o recorrente.
ff) Dando aqui por integralmente reproduzida a matéria de facto dada como provada no douto acórdão, outra decisão não seria de esperar senão aquela que resulta dos autos.
gg) O recorrente vem alegar no seu douto recurso que "todos os relatórios e pareceres psicológicos valorados por este Tribunal para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto foram elaborados pela psicóloga Dra. ... que é prima da ofendida, o que legitima que o recorrente ponha em causa a objectividade dos mesmos".
hh) Desde logo importará salientar que a psicóloga Dra. ..., ao minuto 1:30 do seu depoimento, e quando questionada se acompanhou a menor como familiar ou como psicóloga, prestou o seguinte esclarecimento: "Acompanhei como psicóloga, a partir da altura em que surgiu esta problemática passei o caso para a colega ( ...)a questão familiar não era muito vinculativa."
ii) É infundado e incompreensível o descrédito demonstrado pelo recorrente relativamente a uma profissional, sujeita às regras deontológicas da sua mui nobre profissão, e que, além do mais, sempre agiu com toda a diligência e profissionalismo, tendo inclusivamente, assim que se apercebeu da problemática em questão, entregue o caso a uma outra colega de profissão.
jj) Sem prejuízo deste facto, se é verdade que o Relatório elaborado a fls 47 a 49 e o Plano de Intervenção a fls. 50 a 54 dos autos foram elaborados por aquela psicóloga, o mesmo não sucede relativamente ao Relatório de Perícia de Natureza Sexual a fls. 36 a 39, bem com relativamente ao Relatório de Exame Psicológico da menor a fls. 80 a 83.
kk) Se da perícia de natureza sexual a fls. 36 a 39 resulta, em conclusão, que " a informação relativa ao suspeito evento e a totalidade dos exames efectuados e acima descritos, pode considerar-se que a compatibilidade entre essa informação e os exames efectuados é possível mas não demonstrável", o mesmo não poderá dizer-se quanto ao Relatório de Exame Psicológico da menor a fls. 80 a 83 que conclui pela credibilidade do relato da menor que, segundo esse mesmo relatório apresenta "dificuldades estruturo-desenvolvimentais, sobretudo no que diz respeito às capacidades de raciocínio lógico, do pensamento categorial e da abstracção", o que, como bem observou o tribunal "a quo", torna extremamente difícil a possibilidade de o seu relato corresponder a uma fantasia e reforça a sua credibilidade.
11) Do depoimento prestado pela psicóloga ..., ao minuto 07:07, a mesma diz o seguinte "Eu descrevi tal e qual (...) passei exactamente com as palavras que ela disse (...) aquele discurso não era propriamente para uma criança daquela idade, os pormenores que ela utilizou".
mm) Quando questionada sobre a veracidade do relato da ofendida, importa ter em conta não só a parte que o recorrente entendeu transcrever, mas todo o conteúdo da resposta da depoente à referida questão: "Pareceu-me verídico, já acompanho e tenho conhecimento de alguns casos em que são efectivamente fantasia e existem, só que o acontece e o que não foi acontecendo neste caso (...) a ... conta os factos sempre da mesma forma. E uma característica que acontece quando há realmente invenção (...) a criança vai acrescentando ou retirando, não consegue manter o discurso coerente. "
nn) Nas declarações tomadas à assistente, quando questionada se a menor sempre foi segura no relato que fez, refere a mesma, a minutos 6:00: " (..) e dei-lhe umas porradas e ela disse "Matar pode-me matar mas verdade é! ""
oo) Do depoimento da testemunha ..., importa salientar que, muito embora um dos pontos do programa escolar a levasse a falar das funções genitais, tal não explica o comportamento e o relato da menor, como refere a testemunha a minutos 8:35 "E a ... contava-me em pormenor, desceu mesmo aquele pormenor que eu acho que realmente uma criança não sabe (...) na aula de educação sexual eu não entro nesses pormenores que o que a ... mais citava era aquilo que se não o diz, não é, era o que eu nunca falaria dentro da sala de aula, ela contava tudo muito em pormenor".
pp) Pelo que, não poderia o tribunal "a quo" ter decidido de forma diversa, desde logo porque todas as testemunhas supra citadas se mostraram coerentes no seu discurso e em coerência com o relato da menor.
qq) Sendo certo que, na parte em que as mesmas relatam o que lhes foi dito pela ofendida, e apenas nesta parte, prestaram um testemunho indirecto, que é também ele meio de prova sempre que ouvida a pessoa a quem se ouviu dizer, o que, in casu, se verificou.
rr) No que à inquirição da ofendida diz respeito, vem o recorrente alegar que a inquirição foi "conduzida" e eivada de "factos induzidos".
ss) Salvo o devido respeito por diferente opinião, em nenhum momento o Exmo. Sr. Dr. juiz de Instrução "conduziu" a inquirição de forma a que possamos concluir que a menor foi influenciada pelo seu discurso.
tt) Aliás, como doutamente constatou o tribunal "a quo", a menor mostrou-se desenvolta no relato que fez.
uu) Obviamente não poderíamos esperar um discurso fluente e terminologicamente correcto, dada a idade da menor, e daí o recurso da mesma por vezes a gestos, que foram devidamente explicados pelo Exmo. Juiz de Instrução.
vv) Assim, toda a prova testemunhal abundante, que foi produzida em sede de julgamento, acrescida das declarações da menor e da prova documental junta aos autos, permitiram habilitar os Meritíssimos Juízes que formaram o tribunal "a quo" na formulação da sua decisão.
ww) Entende o recorrente que o montante fixado a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos é exagerado, tendo em conta o dano moral sofrido.
xx) Ora, conforme resultou provado, e citando o douto acórdão proferido pelo tribunal "a quo", "devido ao comportamento do arguido, a menor ... foi vítima de um trauma que teve, tem e terá repercussão negativa na sua vida.".
yy) Aliás, face ao estado psicológico da menor, esta tem inclusive necessidade de estar medicada e ser acompanhada a longo prazo por um psicólogo, como pode colher-se do depoimento da psicóloga ... a minutos 2:20 do seu depoimento.
zz) Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais o julgador tem de ter em conta o disposto nos artigos 483°, 496°, n°1, 562° e 566°, n°1 e 2 do Código Civil.
aaa) Sendo que esta indemnização visa, por um lado, reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada e por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. — Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª edição, pág. 630.
bbb) Tem vindo a ser decidido que a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.
ccc) São extensos e graves os danos não patrimoniais sofridos pela menor, como supra se expôs, e requerem uma compensação condigna.
ddd) Quanto ao dano patrimonial decorrente da necessidade da menor frequentar um centro pedagógico, de facto, da prova produzida constata-se, como refere o recorrente, que a menor passava já férias fora de casa, mas igualmente se constata que a mesma apenas frequentava a casa do arguido porque o mesmo é vizinho e a sua esposa é mesmo familiar dos avós da menor, a quem esta era confiada.
eee) E, ao contrário do que é afirmado pelo recorrente, o facto de a menor ter necessidade de passar a frequentar um centro pedagógico, onde é devidamente acompanhada durante todo o ano, com especial incidência durante as férias escolares, constitui uma consequência directa do ilícito e do estado psicológico que o comportamento do arguido provocou na menor.
fff) Mais se deve reter que na decisão proferida pelo Tribunal "a quo" se refere que se teve "em conta as condições sócio económicas do arguido.", mais acrescentando ter a compensação por base os actuais critérios jurisprudenciais neste domínio.
ggg) Tudo ponderado, sempre será de considerar justo, proporcional e equitativo o montante indemnizatório fixado pelo tribunal "a quo".
hhh) Assim, ao contrário do alegado pelo recorrente, o douto acórdão proferido pelo Tribunal "a quo" não padece dos vícios que este lhe aponta e por isso não merece a censura que lhe é feita, não tendo violado qualquer disposição legal.
Termos em negando provimento ao recurso apresentado pelo recorrente arguido e confirmando o acórdão proferido pelo Tribunal "a quo" em conformidade com o supra alegado, fará este Tribunal a costumada, Justiça.
[18] Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, através do Sr. Procurador-Geral Adjunto, apresentou parecer, reiterando a posição assumida na 1ª instância e considerado que a decisão recorrida não afronta os princípios e preceitos legais indicados pelo recorrente, que inexiste qualquer erro na apreciação da prova, que a decisão encontra-se adequadamente fundamentada, e bem assim que não se verificam as nulidades apontadas. Relativamente à medida da pena e afastamento de pena de substituição, afirma igualmente o acerto da decisão recorrida, concluindo que o recurso não merece provimento.
[19] Cumprido o disposto no artº 417º, nº2 do Código de Processo Penal Doravante «CPP»., veio o arguido remeter para a motivação apresentada.
[20] Em sede de exame preliminar, foi indeferida a requerida realização de audiência.
[21] Foram colhidos os vistos e procedeu-se a conferência.
III. Fundamentação
2.1. Âmbito do recurso
[22] É pacífica a doutrina e jurisprudência Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 24/03/99, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95..
[23] As questões colocadas nas motivações e reflectidas nas conclusões são as seguintes, organizadas por ordem dos efeitos da sua eventual procedência:
A. Nulidade insanável, por participação de quatro juízes na obtenção da prova, por violação do juiz natural e por violação das regras de competência do Tribunal;
B. Nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia;
C. Nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia;
D. Nulidade do acórdão, por falta de fundamentação;
E. Impugnação ampla da decisão em matéria de facto, com referência aos pontos 3 a 8 dos factos provados;
F. Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
G. Medida da pena de prisão;
H. Aplicação de pena de substituição;
I. Condenação por danos patrimoniais e não patrimoniais.
2.2. Das nulidades insanáveis
[24] As duas primeiras questões a abordar decorrem da alegação no recurso da verificação das nulidades insanáveis contempladas nas als. a) e e) do artº 119º do CPP. Sem o menor fundamento, como se verá.
[25] A primeira das nulidades afirmadas pelo recorrente prende-se com a «violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal» porque «na obtenção da prova valorada no acórdão intervieram 4 juízes». É assim que vem referido na 8ª conclusão mas, no corpo da motivação, surge afirmação distinta, pois diz-se, entre aspas, que o tribunal «foi composto por quatro juízes». Sendo o vício relativo ao Tribunal Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira em anotação ao artº 205 da Constituição da República Portuguesa, 3ª ed., 1993, «A Constituição não define o que são tribunais, cujo conceito, tem, por isso, de procurar-se em conexão com o de «função jurisdicional» (nº2) e com o de «juiz» (artº. 218º). São assim tribunais os órgãos do estado («órgãos de soberania») dotados de independência (artº.206º), em que um ou mais juízes procedem à administração da justiça». e à sua constituição, enquanto órgão decisório do Estado, plural ou singular, de administração da justiça, releva para o efeito quem interveio no específico acto inscrito na função jurisdicional e não quem interveio no processo globalmente considerado ou mesmo numa específica tipologia de actos, mormente nos actos de «obtenção de prova», pois a lei processual e de organização judiciária contempla a intervenção de diversos Tribunais, consoante o acto e a fase processual em que se desenvolvem.
[26] Ora, como é patente das actas de audiência e do acórdão condenatório, o arguido foi julgado e condenado por três juízes, em conformidade com o disposto no artº 106º, al. a) da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e 14º do CPP. Outro juiz interveio em acto processual distinto, a saber, a tomada de declarações para memória futura, acto processual da competência do juiz de instrução nas fases de inquérito e de instrução, conforme os artºs 271º e 294º do CPP. Nessa medida, é manifesto que não houve falta, nem excesso, do número de juízes que deviam constituir o Tribunal Colectivo e assegurar o julgamento do arguido, do mesmo modo que a intervenção singular no acto de recolha de declarações para memória futura respeitou o ordenamento processual, o que basta para afastar, com mediana clareza, a presença da nulidade contemplada na al. a) do artº 119º do CPP.
[27] Paralelamente, não se vê qual o argumento em que se funda o recorrente para evocar a al. e) do mesmo preceito. Esta prevê a infracção das regras de competência material do tribunal como seria o julgamento de determinado processo por tribunal singular impondo a lei tribunal colectivo. Não foi manifestamente o caso, nem, como em certos trechos parece inculcar o recorrente, o juiz de instrução participou na audiência de julgamento e participou na decisão condenatória. Limitou-se a intervir na obtenção de prova pré-constituída, com referência ao momento do início do julgamento, como acontece em muitos processos relativamente a actos processuais que contêm ou conduzem à obtenção de prova valorável ao abrigo do nº2 do artº 355º do CPP.
[28] Este mesmo raciocínio é retomado noutra parte do recurso, na medida em que o recorrente afirma ter sido violado o princípio da «plenitude da assistência dos juízes», o que procura sustentar no disposto no artº 654º do CPC. Porém, como decorre expressamente daquele preceito, a norma significa apenas que não podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que assistiram integralmente à audiência final Como refere Teixeira de Sousa, Código de Processo Civil, anotado, Coimbra Ed., 2008, em anotação ao artigo 654º, pág. 667, o princípio da plenitude da assistência dos juízes circunscreve-se no âmbitos do actos da audiência final. e, de forma patente, foi o que aconteceu nos presentes autos. Os Juízes que integraram o Tribunal Colectivo assistiram a todos os actos praticados na audiência final.
[29] Entende o recorrente que, sendo as declarações para memória futura acto que se projecta na audiência, o princípio só será respeitado na sua plenitude, de garantia da participação directa e originária no acto de recolha da prova pessoal valorada, se «o juiz que interveio na obtenção de prova posteriormente valorada em julgamento» Cfr. 5ª Conclusão. . Todavia, a essa extensão do princípio opõe-se o regime dos artº. 355º, 356º e 357º do CPP, na medida em que traduzem a opção legislativa de introduzir a prova no conhecimento do(s) julgador(es) e sujeitos processuais através da sua leitura e reprodução. Ou seja, mesmo numa concepção mais abrangente do princípio, aquele regime constitui excepção ao princípio. Aliás, não se vê como poderia acontecer de outra forma, já que nenhum sistema jurídico sobreviveria à necessidade de designar o mesmo juiz do princípio ao fim do processo, para não referir o evidente impedimento existente sempre que a recolha de prova acontece noutros país, através de rogatória. Será que o recorrente defende que, nessas situações, o juiz estrangeiro teria que participar no julgamento em Portugal, sob pena de se perder a devida imediação? Ou, noutra hipótese, que todos os membros do Tribunal de julgamento – que até pode corresponder a Tribunal de Júri – teriam que ser logo fixados e impor ao país estrangeiro a respectiva participação no acto rogado, sob pena de invalidade?
[30] Noutro passo do recurso, vem o recorrente afirmar a violação do juiz natural, na medida em que, tendo os autos sido distribuídos ao 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o respectivo titular não interveio no julgamento. A este propósito, diz o recorrente que «se desconhece qual o motivo da constituição anómala do Tribunal Colectivo, porquanto nenhum despacho consta dos autos onde se refira as razões da ausência do Ex.mo Senhor Juiz titular do processo ou o porquê da sua eventual substituição (cfr. artº 68º da LOFTJ)».
[31] O princípio do juiz natural ou do juiz legal consiste essencialmente na predeterminação do tribunal competente para julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição da competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime, e integra um dos corolário do princípio da legalidade, enquanto «necessária garantia dos direitos da pessoa, ligada à ordenação da administração da justiça, à exigência de julgamentos independentes e imparciais e à confiança da comunidade naquela administração» Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1981, Coimbra Ed., pág. 322.. Garantia que encontra assento no artº 32º, nº9 da CRP - Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior - e tem como corolários a exigência de determinabilidade, o princípio da fixação de competência, e a aleatoriedade na divisão funcional interna (distribuição) Gomes Canotilho e Vital Moreira, Op Cit, pág. 207.. Podemos considerar que, no caso, este princípio foi violado, mormente com a intervenção de outro juiz que não o titular do juízo ao qual foi distribuído? A resposta é claramente negativa.
[32] Com efeito, a argumentação do recorrente é inteiramente falaciosa. Em boa verdade, o arguido admite que ocorreu uma substituição, o que constitui uma evidência, pois da acta de fls. 211 não consta a intervenção do Sr. Juiz do 1º Juízo do T.J. de Fafe, mas sim da Srª Juiz do 2º Juízo, sua substituta legal, nos termos do nº2 do artº 68º da Lei 3/99. E, paralelamente, não sustenta que essa substituição foi ilegal: limita-se a dizer que não sabe porque aconteceu, na medida que nenhum despacho consta dos autos sobre essa matéria, eximindo-se a qualquer esforço de esclarecimento sobre o que se passou.
[33] A circunstância de não se ter sido lavrado despacho sobre essa substituição ou, como seria a prática mais aconselhada, feita referência na acta à substituição O que deve acontecer, para maior transparência, mesmo nas situações de acumulação ou de outra determinação no âmbito da competência de gestão do Conselho Superior da Magistratura., não permite, ipso facto, concluir que ocorreu violação das regras de substituição, ou seja, que o juiz substituído não faltou nem estava impedido na hora indicada para início da audiência e que, ao invés, foi afastado do julgamento e designado arbitrariamente outro juiz em seu lugar. Sobre o circunstancionalismo que conduziu à substituição e com o valor reforçado de ter estado presente na audiência - o que não aconteceu com o causídico subscritor do recurso – diz a Srª Advogada signatária da resposta da demandante que ocorreu «ausência inesperada» do Sr. Juiz do 1º Juízo do T.J. de Fafe. Acresce que não cabe aos sujeitos processuais, mas sim ao Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, e, em última análise, ao Conselho Superior da Magistratura, apreciar da justificação para essa falta, e não há lugar nesta fase de recurso a qualquer iniciativa investigatória a esse propósito.
[34] Assim, e em síntese, perante a afirmação dubitativa do vício pelo recorrente, sobre quem incumbia o ónus de recolher de elementos e dissipar as suas perplexidades, afasta-se, por indemonstrada, a violação do disposto no artº 68º da Lei 3/99. Então, verificada a falta, a qualidade de juiz natural ou legal para os efeitos do nº2 do artº 105º da Lei 3/99, passa a corresponder ao substituto previsto na Lei, o qual assume as mesmas condições de determinabilidade, fixação de competência e de aleatoriedade do juiz substituído.
[35] Cumpre concluir, também aqui, pela inverificação da nulidade prevista na al. a) do artº 119º do CPP.
2.3. Da decisão recorrida (quanto aos factos)
[36] Para a decisão das demais questões, relativas aos termos do acórdão recorrido, impõe-se, desde logo, convocar os termos da decisão recorrida, a começar pelos fundamentos de facto. Deixemos, então, exarado o seu teor Transcrição.:
Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1. A menor ..., nasceu no dia 25 de Março de 1998, sendo filha de ... e de ... e reside com os seus pais na Avenida ...
2. No mês de Dezembro de 2006, durante as férias de Natal, a menor ... passava os dias na casa dos primos de sua mãe, sita na Rua ....
3. Durante as referidas férias, em dias e a hora não concretamente apurados, o arguido ..., marido da prima da mãe da menor, aproveitando a estadia desta última na sua residência e ao vê-la sozinha na cozinha, próxima de um escabelo, despiu-lhe as calças e as cuecas, ao mesmo tempo que baixava as suas calças e as cuecas e, uma vez com o pénis erecto, encostou-o à vagina da menor ....
4. De seguida, introduziu o pénis na boca da menor ... por diversas vezes, retirando-o repetidas vezes.
5. A referida conduta veio a acontecer um número não concretamente apurado de vezes, no mesmo local e aproveitando-se da circunstância de não existir mais ninguém no interior da referida residência.
6. Por vezes, o arguido começava a masturbar-se até ejacular à frente da menor.
7. No mês de Abril de 2007, no período das férias da Páscoa, a menor ... foi novamente enviada pelos seus pais passar uns dias na casa dos primos.
8. Nessa ocasião, o arguido ...voltou a actuar pela forma descrita em 3) e 4) sobre a menor em número não apurado de vezes.
9. As supra referidas condutas foram desenvolvidas pelo arguido de forma persistente, pelo facto de nenhum dos elementos da sua família ter conhecimento da situação.
10. Em todas as ocasiões, o arguido, fazendo-se valer da sua idade e autoridade, dizia à menor que não poderia contar o sucedido a ninguém, como sucedeu até Maio de 2007.
11. O arguido agiu de modo livre e voluntário, com o propósito de satisfazer as suas paixões lascivas, atentando contra a auto-determinação da menor ... que, de tenra idade, não tinha ainda o discernimento necessário para, em relação ao sexo se exprimir com liberdade e autenticidade.
12. O arguido é marido de uma prima da menor ... e conhecia a sua idade.
13. O arguido:
- não tem antecedentes criminais;
- é casado e tem uma filha;
- vive numa casa herdada pela esposa, a qual é reformada;
- pratica agricultura de subsistência;
- encontra-se reformado;
- é tido como um homem respeitador, bom pai e bom marido.
14. As pessoas no meio social onde o arguido se insere não o acham capaz dos actos de que foi acusado.
15. Em Abril de 2007 nenhum dos elementos da família da menor se tinha apercebido da situação.
16. Os factos descritos ocasionaram instabilidade emocional à menor.
17. A menor sentiu e sente ainda vergonha, insegurança e ansiedade.
18. Tem medo de estar sozinha mesmo durante o dia.
19. Tem dificuldades em adormecer, assim como pesadelos e sobressaltos ao longo da noite.
20. A menor recorda constantemente os factos, sendo alvo de comentários depreciativos das pessoas do meio onde vive que, por ser pequeno, tudo se sabe e se comenta.
21. Todos esses factores provocaram um défice significativo nos relacionamentos sociais e escolares da menor.
22. A menor passava grande parte das férias em casa dos avós, que são vizinhos do arguido.
23. Face ao estado psicológico da menor e para a proteger de idênticas situações, aquela passou a ser deixada ao cuidado de um centro pedagógico para ter apoio e segurança necessárias no período de férias.
24. Com a frequência do centro pedagógico os pais da menor suportaram despesas no montante de € 470,99.
25. A mãe da menor teve de se deslocar com esta a consultas médicas, nomeadamente, de psiquiatria forense.
26. A mãe da menor é operária têxtil, auferindo montante não concretamente apurado.
27. A deslocação para as consultas com a menor resultou para a sua progenitora uma perda de um número indeterminado de horas de trabalho.
28. O facto referido em 27) implicou um prejuízo de montante não apurado.
29. Nas deslocações ao Hospital de S. Marcos, em Braga e ao Gabinete médico-legal de Guimarães a mãe da menor suportou € 39,12 em despesas de autocarro.
***
Não se provaram quaisquer outros factos da acusação, designadamente, que:
- a conduta referida em 3) e 4) veio a ocorrer cerca de vinte vezes;
- a conduta referida em 8) ocorresse cerca de seis vezes;
- o arguido amedrontasse a menor;
- o arguido conhecesse a menor desde o nascimento.
Os factos descritos sob os artigos 2º a 14º do pedido de indemnização consubstanciam uma repetição da matéria da acusação.
Além dos que constam supra, não se provaram quaisquer outros factos do pedido de indemnização, designadamente que:
- o comportamento da menor se alterou, tornando-se menos comunicativa e dinâmica;
- a mãe da menor aufira € 3/ hora;
- a mãe da menor tivesse perdido 39 horas de trabalho e sofresse um prejuízo de € 117, acrescido de subsídios de alimentação no valor de € 33;
- a mãe da menor tivesse necessidade de efectuar o percurso ... em automóvel particular e suportasse uma despesa de cerca de € 50;
A alegação contida nos artigos 15º, 16º [excepção feita à parte acolhida supra sob o nº 16)], 22º a 25º, 36º a 38º é conclusiva.
***
Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção baseando-se:
» no relatório de perícia de natureza sexual a fls. 36 a 39;
» no relatório elaborado pela psicóloga ..., a fls. 47 a 49, datado de 10 de Maio de 2007, respeitante a uma síntese do relato do abuso pela menor;
» no plano de intervenção elaborado pela psicóloga ..., datado de 23 de Maio de 2007, a fls. 50 a 54, dirigido ao desenvolvimento de competências comportamentais por parte da menor;
» no relatório de avaliação psicológica elaborado pela psicóloga ..., datado de 8 de Maio de 2007, a fls. 55 a 60, do qual resulta, com relevo que:
- a menor é proveniente de uma família pautada por défices acentuados ao nível dos recursos sócio-económicos e intelectuais, o que condicionou o percurso de desenvolvimento daquela (dificuldades sentidas a nível de aquisições adequadas à sua idade e défices na prestação de cuidados, na estimulação multi-sensorial, com falhas graves do ambiente em providenciar as oportunidades esperadas para o desenvolvimento normal de uma criança);
- a sub-prova gravuras, que apela a capacidades para perceber a situação no seu conjunto, ordenar lógica e temporalmente situações concretas, relevou dificuldades da menor em captar o significado de uma situação social e de ordenamento temporal lógico (a percepção da menor dos factos que estão em julgamento apenas se tornou possível, pensamos, com as aulas sobre reprodução que teve antes das férias do Natal – estas permitiram-lhe perceber o significado dos actos consigo praticados e sentir mal estar por deles ter sido alvo);
- a prova de aritmética traduziu problemas de concentração;
- a menor é pouco desenvolvida sob o ponto de vista intelectual, evidenciando percepção visual confusa, sincretismo e dificuldade de análise visual e espacial;
- do ponto de vista comportamental a menor evidencia dependência do adulto e falta de autonomia em áreas que deveriam estar sob a sua responsabilidade; é uma criança pouco estimulada, com necessidade de desenvolver as suas competências; é pouco reflexiva e impulsiva, apresentando dificuldades em manter a atenção e o esforço continuado em actividades que requerem esforço mental, deixando-se facilmente influenciar pelos estímulos externos (ou seja, distrai-se com facilidade);
A análise do conteúdo deste relatório permite concluir que a menor tem limitações a nível intelectual, derivadas de falta de estímulos adequados ao seu crescimento, o que torna extremamente difícil a possibilidade de o seu relato corresponder a uma fantasia e reforça a sua credibilidade.
» no relatório de exame psicológico da menor, a fls. 80 a 83, que conclui pela credibilidade do relato; com relevo salienta-se, também, o seguinte:
- a menor revela um potencial cognitivo situado um pouco aquém do nível médio esperado para o seu grupo etário;
- a menor revela imaturidade do funcionamento afectivo, vivendo dificuldades específicas na conquista de autonomias sócio-afectivas (o que parece estar relacionado com algumas práticas educacionais que não as promovem, como seja, a permissão dos pais em dormir com os mesmos até aos 8 anos e depois com a mãe no seu quarto – em sede de julgamento a mãe explicou que o fizeram devido a medos que a menor sentia quando sozinha); sentimentos fortes de apego relativamente à mãe e também de receio associados à interiorização de uma imagem materna por vezes muito nervosa e irritável, com manifestação de uma disponibilidade lúdica e afectiva pouco consistente; apesar do papel de destaque dos pais no mundo afectivo e existencial da menor, existe da parte desta sentimentos de decepção devido à percepção de pouca eficácia enquanto seus protectores, o que apela a sentimentos de vulnerabilidade e insegurança afectiva na presença de estímulos externos que percebe como aversivos ou ameaçadores; na construção das histórias solicitadas, a menor fez relatos de crianças indefesas face a malfeitores, interiorizados essencialmente como personagens idosos enquanto os pais permaneciam ausentes e não disponíveis para a sua defesa (o que basicamente foi o aconteceu no caso presente); a menor sente-se decepcionada por perceber que a mãe não acredita no seu relato de abuso pelo arguido;
- o relato do evento coincide com a descrição da conversa mantida com a professora e a psicóloga dias após a última situação de abuso, com linguagem apropriada à sua idade, revelando sentimentos de vergonha e de revolta relativamente ao sucedido;
» no certificado de registo criminal de fls. 93;
» na certidão do assento de nascimento da menor ..., a fls. 97;
» na audição da gravação das declarações para memória futura prestadas pela menor a 21 de Julho de 2008; a menor relatou que costumava ir para casa do arguido durante as férias e que nas de Natal de 2006, quando a esposa e a filha deste se ausentavam para o campo (sendo que ela própria não estava autorizada pela mãe a ir para os campos), ficava com aquele e o mesmo abeirava-se de si, na cozinha, puxava as calças para baixo e tirava-lhe as suas calças e cuecas, obrigava-lhe a pôr as mãos no pénis, metia-lho na boca e encostava-o à vagina, não chegando a metê-lo; referiu, também, que de vez em quando deitava líquido (outras vezes ia à casa de banho a correr) e a esposa não desconfiava, mas verificando que havia zonas molhadas, perguntava o que se passava, sendo-lhe respondido que era água; a menor mostrou-se desenvolta no relato que fez; a tal circunstância não terá sido alheia a presença da psicóloga Dr.ª ..., que surgiu nesse contexto como um elemento securisante; usou linguagem apropriada à sua faixa etária;
» nos recibos de fls. 144 a 151;
» nas declarações de presença da menor no Hospital de S. Marcos em 14 de Março, 28 de Março e 16 de Abril de 2008, acompanhada pela mãe, a fls. 152 a 157;
» nos bilhetes de autocarro referentes a viagens da menor e de sua mãe, a fls. 158 e 159: em 24 de Agosto de 2007 para realização do exame de perícia sexual (cfr. fls. 33); em 14 de Março, 28 de Março e 16 de Abril de 2008 para as entrevistas necessárias à realização da perícia psicológica no Hospital de S. Marcos (cfr. fls. 152 a 157);
» nas declarações de ..., mãe da menor e assistente, prima e amiga de infância da esposa do arguido; explicou que a menor frequentou o infantário até aos 6 anos, depois a escola da aldeia e, enquanto ia trabalhar, durante o período de férias deixava a filha em casa dos progenitores que são vizinhos do arguido, indo levá-la de manhã e buscá-la ao fim da tarde; referiu que deixou a menina na casa da prima, casada com o arguido, nas férias de Natal de 2006 e, no final de Janeiro de 2007, a professora da menor chamou-a, alertando para diferenças de comportamento que notava, aconselhando-a a levá-la ao psicólogo, o que fez; explicou que a psicóloga a informou sobre o que passou com o arguido e a sua descrença devido à confiança e amizade que nutria para com ele; revelou que chamou a atenção da filha para a gravidade da situação e chegou a bater-lhe, mas ela persistiu segura, dizendo que podia matá-la, mas continuava a dizer o mesmo; notou que, depois das férias de Natal, a filha ficou agressiva, com medos, apresentando enjoos e vómitos, ficando a saber que na escola chegou a dizer que estava grávida; referiu que a menor deixou de ter contactos com o arguido, a quem chama de “tolo” e “porco”; explicou que a filha dorme mal, sendo que costuma dormir com ela porque tem medo, recusando-se a ficar sozinha em casa; precisou que a menor começou a ter acompanhamento psicológico com regularidade semanal a partir de 18 de Fevereiro de 2007, que mantém actualmente, verificando que parece estar a ultrapassar um bocadinho a situação;
» nos depoimentos de:
- ..., psicóloga que acompanhou a menor, inicialmente, a pedido da mãe, por conselho da professora que identificara comportamentos menos adequados; explicou que, embora seja da família da mãe da menor (e também parente afastada do arguido), não tem contactos com esta parte da família; aludiu aos relatórios que apresentou e ao contacto que fez com a Comissão de Protecção de Menores; referiu que a menor se apresentou muito instável emocionalmente, não parava quieta e abordava a temática sexual fora do contexto e sem pudor; contou que, num sábado, foi contactada pela professora da menor, que se mostrava muito preocupada, e marcaram encontro na escola na segunda feira seguinte, que veio a concretizar-se na presença da menor, a qual relatou o que se tinha passado com o arguido; precisou que lhe pareceu um relato verídico pela coerência do discurso, designadamente, do que ficou a saber através de outras duas psicólogas que têm acompanhado ...; referiu que a menor tem uma relação muito aberta com a professora (a qual lhe referiu que antes do Natal abordou nas aulas a temática do aparelho reprodutivo e que após as férias a menor apresentava sintomas de gravidez psicológica); tem conhecimento que as casas do arguido e dos avós da menor ficam de frente uma para a outra; referiu que esta situação afectou o rendimento escolar da menor, a qual, embora tenha um QI não muito elevado, que se reflecte nos níveis de concentração e produtividade, era uma aluna razoável; contou, ainda, que foi quem deu conhecimento do relato da menor à progenitora, explicando que a mesma devia ser retirada daquele contexto – necessidade de acompanhamento e vigilância nas visitas aos avós e frequência do ATL durante os períodos de férias; revelou que a progenitora da menor se mostrou muito chocada com o que lhe contou; referiu que a menor mantém acompanhamento psicológico e encontra-se medicada; esclareceu que a afirmação que consta a fls. 60 se insere num relatório de cariz cognitivo e não emocional, significando que perante um estímulo externo a menor desconcentra-se do que estava a fazer anteriormente; sabe que a menor dorme com os pais devido a medos associados e pesadelos, chorando quando colocada perante a possibilidade de ficar sozinha; precisou que os progenitores da menor são pessoas conservadoras, pelo que esta nunca terá presenciado comportamentos de natureza sexual da parte daqueles;
- ..., que foi professora da menor nos 3º e 4º anos de escolaridade, sendo que a mesma se encontra a frequentar o 5º ano; explicou que teve contacto com a menor em Setembro de 2006, quando por força do encerramento de diversas escolas, aquela foi integrada no estabelecimento onde dá aulas, verificando que a mesma se integrou bem e era uma criança normal; depois das férias do Natal uma funcionária da escola alertou-a para o facto de a menor estar fechada na casa de banho a chorar dizendo estar grávida e nessa altura repreendeu-a, gritando com ela; referiu que a mesma só falava em sexo e tornou-se hiperactiva, sem qualquer controle, o que a levou a chamar a mãe e aconselhar a consulta de psicólogo; com o decorrer do tempo, volta e meia, a menor dizia que lhe queria contar uma coisa, mas depois retraía-se, até que na Primavera chamou-a ao exterior da sala de aula e relatou o que se passava com o arguido, fazendo uma descrição que tinha de corresponder a algo que tivesse assistido (designadamente, o pormenor da necessidade de limpar um escabelo porque ficara molhado e da desculpa que era água quando esposa do arguido perguntou); perante o relato, advertia-a que o que dizia era muito grave, pecado e que não gostava de mentiras, mas ela persistia; explicou que tinha uma boa relação com a ..., que se mostrava afectivamente carente, sentindo que a via como uma mãe, mostrando medo do pai; sabia que os familiares reagiram muito mal quando souberam, tendo tido necessidade de repreender a mãe porque soube que chegou a bater na filha, pois tinha a família em causa em grande conta, eram amigos e a esposa do arguido como uma irmã; referiu que a menor continuou irrequieta, vomitava na sala de aula e parecia destrambelhada, desconcentrava-se pela mínima coisa, fazia associações despropositadas a sexo; sentiu que a menor precisou de desabafar, acha que foi um alívio e nota que continua a ter necessidade de falar sobre o assunto; recordou que a menor fez o relato da situação numa sexta-feira, o que a levou a comunicar ao conselho executivo e a contactar a psicóloga no sábado, marcando encontro para a segunda-feira seguinte, que veio a concretizar-se com novo relato, tendo pedido à psicóloga para contar à progenitora; apercebeu-se que a menor se sentia revoltada porque a mãe não acreditava nela; mantém contacto com a menor, apesar de não ser sua professora, sabe que não melhorou o comportamento, chegando a ser expulsa das aulas, e conta sonhos recorrentes com o arguido e que a mãe lhe tinha dado um tiro;
- ..., psicóloga da menor desde Setembro de 2008; referiu que leu os relatórios anteriores verificando que a menor é muito coerente nos relatos sucessivos não acrescentando pormenores; explicou que a ... tem apresentado comportamento instável do ponto de vista afectivo e emocional na escola e nas relações, o que vem a reflectir-se nos resultados escolares; explicou que a menor não fala espontaneamente sobre o assunto, mas apenas quando o focam; referiu que é recomendável que mantenha acompanhamento e que se encontra medicada por pedopsiquiatra devido à falta de atenção e concentração;
- ..., que conhece o arguido desde pequena e convive com ele, designadamente, em viagens; afirmou que é um homem respeitador, casado e com uma filha, bom pai e bom marido; ficou admirada com a acusação, não acredita nela, pois acha-a um absurdo, o mesmo se passando com as pessoas que o conhecem, sendo que o assunto é muito comentado; falou sobre as condições económicas e sociais do arguido;
- ..., que vive em ... e foi vizinha do arguido; referiu que é mais velha que o arguido um ano, andavam nos montes com o gado quando jovens, sendo que aquele era muito educado e respeitador, não beijava as raparigas nem tentava apalpar um seio; quanto aos factos que constam da acusação referiu que acha impossível a sua ocorrência e afirmou que as demais pessoas acham que não era capaz de actos da natureza dos que estão em causa; referiu que o arguido esteve em França onde teve um acidente de trabalho, recebendo uma pequena pensão; vive na casa que foi dos sogros, a esposa é cardíaca, tem uma filha e cuida da horta.
O arguido exerceu o direito de não prestar declarações.
2.4. Da nulidade, por omissão de pronúncia
[37] Nas suas prolixas conclusões Ainda que compreensíveis, o que tornou redundante o convite ao aperfeiçoamento., o recorrente evoca por duas vezes a verificação de nulidade do acórdão do recorrido em virtude de omissão de pronúncia, vicio contemplado na al. c) do nº1 do artº 379º do CPP. Encontra-se na 56ª conclusão referência a que o acórdão é «omisso na pronúncia quanto à matéria de facto alegada na contestação» e depois, na 67ª conclusão, que não foi ponderada a condição económica do agente, o que seria, no seu entender, fundamento da nulidade contemplada no artº 668º, nº1, al. d) do CPC. Refira-se desde já que esse preceito do ordenamento processual civil é idêntico ao que consta da referida al. c) do nº1 do artº 379º do CPP pelo que, inexistindo omissão do ordenamento processual penal, não existe propriedade na convocação de norma do CPC (artº 4º do CPP). Será então apreciada a questão à luz da disposição processual penal.
[38] Posto isto, deparamos, em ambas as situações, com fundamento manifestamente improcedente. Para que se verifique nulidade por omissão de pronúncia é necessário que o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões pertinentes para o objecto do processo, tal como delimitado pela acusação e pela contestação. Como vem entendendo jurisprudência, sem dissonância, a não ponderação de algum argumento, tese ou doutrina esgrimidos pelos sujeitos processuais escapa ao referido vício decisório, desde que a questão seja efectivamente apreciada Cfr., entre muitos, o Ac. do STJ de 02/02/2006, Pº 05P2646, relator Cons. Simas Santos..
[39] Ora, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, não existe qualquer omissão de pronúncia quanto a factos constantes da contestação pois a referência no artº 3º da contestação a «irreal narrativa decorrente do exercício de imaginação da menor» é claramente argumentativa, constituindo uma conclusão, e não o oferecimento de facto sobre o qual o tribunal devesse tomar posição.
[40] No que concerne ao conhecimento da situação económica do arguido, não se compreende como pode o recorrente sustentar que não foi apreciada, quando se dá como provado que «vive numa casa herdada pela esposa, a qual é reformada», «pratica agricultura de subsistência» e «encontra-se reformado». É certo que, de forma pouco compreensível, não se diz qual o valor da pensão auferida, mas não menos certo que no início do parágrafo em que fixa a compensação por danos não patrimoniais, o Tribunal Colectivo referiu: «Tendo presente as condições sócio económicas do arguido...», compreendendo-se que se ponderou condição económica marcada por parcos recursos, como emerge da finalidade de «subsistência» no amanho da terra.
[41] Improcedem, assim, e sem necessidade de mais considerações, tais arguições de nulidade, por omissão de pronúncia.
2.5. Da nulidade, por excesso de pronúncia
[42] Para além da evocação de omissão de pronúncia, o recorrente considera igualmente que o acórdão recorrido incorreu no vício da al. c) do nº1 do artº 379º do CPP, agora por ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento. Evoca o vício nas conclusões 18ª, 39ª e 56ª.
[43] Nas conclusões 10ª a 18ª, o recorrente sustenta que o Tribunal Colectivo ponderou prova inexistente, argumentando que as declarações para memória futura prestadas por ... deveriam ter sido reduzidas a auto, por assim impor o disposto nos artº 99º, nº3 e 275º, nº2 do CPP. E, a partir da evocação do princípio quod non est in actis non est in mundo, afirma que «não se poderá considerar a existência de declarações para memória futura».
[44] Decorre do auto de fls. 114 que no dia 21/07/2008 foram colhidas declarações para memória futura a ..., sendo o acto presidido pelo Sr. Juiz ..., com a presença de magistrado do Ministério Público e de defensor do arguido. Consignou-se ainda o acompanhamento da criança pela Drª .... As declarações foram gravadas em fita magnética, registo sonoro esse que, como decorre de fls. 314, foi inteiramente reproduzido na audiência realizada em 14/01/2009.
[45] O regime de recolha de declarações para memória futura encontra-se no artº 271º do CPP, normativo que sofreu profunda remodelação com a Lei nº 48/2007, de 29/8, tendo especialmente em atenção processos com objecto similar ao dos presentes autos e o reforço do contraditório. Assim, nos processos por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual do menor, passou a impor-se a inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior e também que esse acto seja realizado em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, impondo-se ainda a assistência do menor por técnico habilitado para o efeito. Com essas alterações, procurou o legislador, a um tempo, garantir a protecção dos ofendidos menores de crimes sexuais e impedir a vitimização secundária decorrente da repetição ao longo das diversas fases do processo da descrição do sucedido, unanimemente considerada prejudicial da plena recuperação plena recuperação do trauma psicológico, sem desrespeitar os princípios estruturantes do processo penal Sobre a questão, Ana Pereira e Rui Abrunhosa Gonçalves, À descoberta do tribunal..., Psicologia Forense, Quarteto, 2005, págs. 353-365.. Trata-se, como em muitos domínios do processo penal, de procurar atingir concordância prática de direitos fundamentais - os direitos da vítima, em especial da vítima-criança, e os direitos de defesa - como emerge da exposição de motivos da proposta de Lei nº 109/X: «Nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, passa a ser obrigatória a recolha de declarações para memória futura (hoje prevista como facultativa), durante o inquérito. Em todos os casos de declarações para memória futura, passa a garantir-se o contraditório na sua plenitude, uma vez que está em causa uma antecipação parcial da audiência de julgamento. Assim, admite-se que os sujeitos inquiram directamente, nos termos gerais, as testemunhas (artigo 271º)» Acessível em http://www.mj.gov.pt/sections/justica-e-tribunais/justica-criminal/unidade-de-missao-para/proposta-de-lei-n-109-x/..
[46] Importa aqui sublinhar que essa alteração legislativa decorre também das obrigações assumidas pelo Estado Português no plano internacional e, em especial, da Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15/03/2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal. Com efeito, foi neste domínio que surgiu a precursora Pois ultrapassou a estrutura de pilares que caracterizou o direito comunitário, conferindo às decisões-quadro proferidas no âmbito do chamado terceiro pilar força vinculativa que antes apenas acontecia com os instrumentos do primeiro pilar. Consabidamente, o Tratado de Lisboa significa o toque de finados dessa estreita distribuição do ordenamento comunitária em três pilares. decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades – caso Pupino, de 16/05/2005 Caso CO-105/03. Encontra-se acessível em http://curia.europa.eu e foi publicado na Colectânea de Jurisprudência (STJ), ano XIII, tomo II, pág. 19. - a reconhecer não só carácter vinculativo e obrigatório das Decisões-Quadro na esfera estatal como também a sua evocação «directa» perante as instâncias jurisdicionais nacionais pelos cidadãos, através da afirmação do princípio de interpretação do direito nacional conforme às Decisões-Quadro. Concluiu nesse aresto o Tribunal de Justiça das Comunidades que:
Os artigos 2º, 3º, 8º, nº4, da Decisão-Quadro 2001/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal, devem ser interpretados no sentido de que o órgão jurisdicional nacional deve ter a possibilidade de autorizar que crianças de tenra idade, que, como no processo principal, aleguem ter sido vítimas de maus tratos, prestem o seu depoimento segundo modalidades que permitam assegurar a estas crianças um nível adequado de protecção, por exemplo, sem ser na audiência pública e antes da sua realização.
[47] Assim, e na prossecução desse desiderato de toda a união europeia Indo para além do que resulta da referida Decisão-Quadro, ao estabelecer as declarações para memória futura de vítimas menores de crimes sexuais como obrigatórias., o legislador processual penal português contempla as declarações para memória futura como incidente de produção de prova pessoal de antecipação da audiência, e sujeito ao mesmo regime de documentação desta. É o que resulta do nº6 do artº 271º do CPP, pois torna aplicável à recolha de declarações para memória futura a forma de documentação constante dos artº 364º do mesmo código. Ou seja, a documentação das declarações prestadas oralmente é, por regra efectuada através de gravação magnetofónica ou audiovisual, consignando o início e termo da gravação, tal como na audiência de julgamento. Esse regime especial afasta o regime geral de documentação da prova pessoal em inquérito, decorrente dos artºs. 99º e 275º do CPP.
[48] Ora, impondo o legislador a gravação da prova pessoal colhida para memória futura e configurando esse acto como constituição de prova em julgamento, assim antecipado, e não como acto de inquérito ou de instrução - sem postergar o respectivo significado indiciário para efeitos do despacho final do inquérito e da decisão instrutória - então também a reprodução da gravação em audiência é permitida, como era a leitura do auto de declarações para memória futura, como emerge do disposto na al. a) do nº1, conjugada com o nº8 do artº 356º do CPP. Note-se que este preceito, assim como o artº 355º, foram alterados pela Lei nº 48/2007, de 29/8, no sentido de contemplar não apenas a «leitura» de actos processuais em audiência mas também a «visualização ou audição em audiência», o que traduz a vontade de acolher exactamente o que aconteceu nos presentes autos, também por razões de maior celeridade processual As mesmas razões presidiram à alteração do artº 296º do CPP, em que se passou a admitir que todas as diligências de prova em instrução sejam gravadas, sem esquecer a possibilidade da sua utilização em audiência, no quadro do nº3 do artº 356º do CPP. e de melhor valoração das declarações prestadas Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pág. 705..
[49] Assim, e ao contrário do que pretende o recorrente, a documentação do depoimento prestado para memória futura por ... através de registo áudio respeitou inteiramente o ordenamento processual penal vigente.
[50] Entende ainda o recorrente que essa gravação em suporte magnético e posterior audição em audiência de julgamento violam os princípios da oralidade, da imediação e da plenitude da assistência dos juízes. Inteiramente sem razão.
[51] Como ensina Figueiredo Dias Direito Processual Penal, Coimbra Ed., 1981, pág. 229 a 230., os princípios da oralidade e da imediação constituem princípios estruturantes do processo penal de índole acusatória, enquanto meio mais adequado para atingir uma justa decisão, com relevo principal na regulação da audiência de julgamento. Porém, esses princípios não podem ser perspectivados de forma absoluta, como valores em si mesmos, mas sim como instrumentos dialécticos ao serviço da descoberta da verdade e realização da Justiça, o que fundamenta materialmente a inscrição de limitações ou mesmo de excepções à imediação e à oralidade.
[52] É assim que, como aponta o mesmo ilustre Professor, «oralidade não significa exclusão da escrita, no sentido de proibição de que actos que tenham lugar oralmente fiquem registos, protocolos ou actas que tenham lugar oralmente fiquem registos, protocolos, ou actas, a servir v.g. fins de controlo de assunção da prova, maxime em matéria de recursos». O princípio da oralidade, enquanto princípio geral do processo geral, significa não mais do que «a forma oral de atingir a decisão». Foi o que aconteceu nos presentes autos, não se vendo de que forma a recolha incidental e registo em suporte magnético do depoimento, com a vantagem de permitir o acesso directo à voz do depoente, e depois a sua reprodução em audiência postergou o princípio da oralidade. Pelo contrário, a tramitação seguida representa mesmo um reforço desse princípio, face ao que constava do regime anterior à Lei nº48/2007, de 29/08.
[53] Por seu turno, intrinsecamente ligado à oralidade, o princípio da imediação pode ser definido como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão» Direito Processual Penal, op. cit., pág. 232.. Esta mesma definição do Prof. Figueiredo Dias vem referida pelo recorrente a partir de uma citação de José António Barreiros Observa-se que a passagem citada encontra-se na pág. 277 e não na pág. 177, incorrendo o recorrente em lapso material. mas melhor seria que tivesse recorrido à obra original, pois teria constatado que esse parágrafo prossegue, dizendo «Também aqui, como no princípio da oralidade, o ponto de vista decisivo é o da forma de obter a decisão», E, mais adiante, salienta-se «também os princípios da oralidade e da imediação não se afirmam sem limitações». É o que acontece na situação em análise, em função dos direitos da vítima-criança.
[54] Ora, o regime da prova pessoal antecipada, justificado materialmente pelo receio objectivo da sua perda, por ausência ou morte, ou por circunstâncias específicas de vulnerabilidade do depoente, integra exactamente uma excepção à imediação com a fonte de prova sem postergar o núcleo essencial do princípio, enquanto forma de obter a decisão, o que corresponde ao exame crítico de todas as provas. A este propósito, e pronunciando-se sobre situação em que foi seguido o regime anterior à Lei nº48/2007, de 29/08, com leitura em audiência das declarações lavradas em auto, pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça em 07/07/2007 Pº 07P3630, relator Henriques Gaspar, acessível em ww.dgsi.pt. : «O princípio da imediação também foi respeitado. A imediação é apreciada pelo conjunto e não elemento a elemento, e pressupõe a conjugação sistémica com todos os elementos de prova processualmente admissíveis e produzidos nas condições da lei, como são as declarações para memória futura».
[55] Posto isto, passemos a apreciar a alegada violação de proibição de prova, por indevida ponderação de depoimento indirecto. O cerne do raciocínio do recorrente encontra-se na indicação de que «só poderia ser valorado o depoimento indirecto das testemunhas se o depoimento da ofendida não fosse possível por algum dos motivos elencados na última parte do artº 129º nº1 do CPP». Porém, esse argumento assenta em dois equívocos: o de que o depoimento indirecto apenas é admissível naquele quadro de circunstâncias e de que ... não foi validamente ouvida.
[56] O depoimento indirecto ou «de ouvir dizer» não é proibido pela ordem jurídica portuguesa Nem, em rigor, por qualquer ordem jurídica da área que nos é próxima. Mesmo nos sistemas da common law, nos quais a heasay evidence rule surge como regra probatória derivada do respeito pelo contraditório em audiência – direito do arguido a confrontar directamente quem acusa -, existem excepções à regra decorrentes da lei ou de precedente. Cfr. Murphy on Evidence, Oxford, 10ª Ed.,2008, pág. 205 e segs., pois não se encontra contemplado no artº 126º do CPP, nem vedado ou qualquer outra norma, mas a sua validade depende, em primeiro lugar, da identificação da «fonte» e, depois, da audição dessa «fonte», ou seja, do meio de prova directo, facultando o exercício do contraditório pela defesa e também a imediação, mesmo que mitigada. Essa «fonte» encontra-se, no caso em apreço, na criança vítima dos factos imputados ao arguido.
[57] Ora, como se viu, ... foi regularmente inquirida e apropriadamente documentado o que disse, constituindo as suas declarações prova pré-constituída e antecipada, rodeada de todas as garantias processuais adequadas e cuja valoração em sede de julgamento pode, e deve, ser efectuada, de acordo com o disposto no artº 355º, nº 2, do CPP, mesmo que não tenham sido produzidas perante o Tribunal Colectivo. Consequentemente, a regra constante do artº 129º, nº1, do CPP, foi inteiramente respeitada, tendo validamente colhido o depoimento directo correspondente ao relato formulado em audiência pelas testemunhas de conversas com a vítima O recorrente cita em seu apoio os Acs. da Relação de Lisboa de 29/11/2004 e da Relação do Porto de 03/05/1995, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. Ora, a situação ponderada em ambos é totalmente distinta da dos presentes autos pois a pessoa determinada de que foi feito eco no depoimento indirecto não foi ouvida nem sujeita a contraditório, podendo sê-lo..
[58] Importa ainda esclarecer que o depoimento apenas é indirecto na parte em que se limita a ecoar o que outra pessoa disse. Já todos os aspectos relativos à forma como se comportou essa pessoa antes e depois dessas palavras e também a indicação da forma como foram proferidas constitui depoimento directo, porque percepção fundada apenas nos sentidos da testemunha.
[59] O problema seguinte encontra expressão nas conclusões 9ª a 12ª e decorre da consideração do recorrente de que a criança deveria ter sido ouvida em audiência, atendendo ao que dispõe o nº8 do artº 271º do CPP e que, tendo sido arrolada, sempre teria o Tribunal Colectivo de se pronunciar sobre tal matéria.
[60] Compulsando as provas indicadas pelos sujeitos processuais, constata-se que apenas o Ministério Público indicou no seu rol a testemunha .... Porém, e como se verifica claramente de fls. 120, essa menção tem em atenção a prova já adquirida e não exprime vontade de ver repetida a inquirição em audiência. Esse é o sentido inequívoco da frase «já inquirida nos termos do disposto no artº 271º, nº2 do CPP, estando junto aos autos o suporte áudio respectivo» Corrige-se lapso manifesto na indicação do preceito, pois é feita referência ao artº 277º, nº2, norma que se refere ao encerramento do inquérito.. Por outro lado, nada foi requerido em audiência relativamente a essa inquirição, mormente pelo arguido, nem se encontra despacho que aluda a tal necessidade ou desnecessidade.
[61] Decorre efectivamente do nº8 do artº 271º do CPP que «A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar». E, por seu turno, o nº1 do mesmo preceito refere na sua parte final que o depoimento antecipado pode, se necessário, ser tomado em conta no julgamento. Porém, a conjugação desses segmentos normativos significa que o legislador procurou sublinhar o que sempre decorreria do princípio da investigação ou da verdade material, consagrado no artº 340º do CPP, ou seja, que o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade ou à boa decisão da causa. Também na limitação dessa reinquirição aos casos em que for possível nada se acrescenta ao que se dispõe na al. b) do nº4 do artº 340º, pois, e até pela natureza das coisas, a produção de prova de «obtenção impossível» sempre estará vedado ao fracasso.
[62] A inovação encontra-se, então, na condição negativa relacionada com o meio de prova pessoal antecipado, na medida em que o legislador de 2007 passou a vedar a reinquirição sempre que não for possível assegurar a preservação da saúde física ou psíquica do depoente. A sua justificação material encontra-se estreitamente conexionada com a obrigatoriedade de recolha de declarações das vítimas menores de crimes sexuais, em relação às quais existe uma presunção de especial vulnerabilidade e de carência de protecção dessa categoria de pessoa Nesse sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pág. 705..
[63] Ora, nada tendo sido requerido, e não impondo o legislador a repetição das declarações para memória futura, apenas na situação em que decidisse proceder oficiosamente a esse acto recaía sobre o Tribunal o dever de exarar em acta a decisão e respectiva fundamentação. Só os actos decisórios carecem de ser fundamentados (artº 97º, nº4 do CPP), não sendo de exigir ao Tribunal que se pronuncie negativamente relativamente a todos os meios de prova que considera desnecessários.
[64] Mas, mesmo que se considerasse que o legislador impunha que o Tribunal tomasse posição expressa sobre essa questão, ainda assim estaríamos perante a omissão de acto que não vem previsto nos artºs 118º a 122º, ou em qualquer outra norma, como nulidade, ou seja, face à taxatividade como são previstos esses vícios, como mera irregularidade. Irregularidade essa que se deve ter como sanada, porque não arguida no momento do encerramento da produção de prova e para cuja arguição apenas tinha legitimidade o sujeito processual que indicou o meio de prova (artº 123º, nº1 do CPP).
[65] A encerrar as suas razões sobre este problema, considera o recorrente que «A interpretação que se extraia do disposto nos nºs 1, 2 e 8 do artº 271º e 374º nº2 do Código de Processo Penal no sentido de que ouvido o ofendido menor no inquérito, a sua inquirição em julgamento é sempre desnecessária, sendo dispensável proferir despacho fundamentado quanto a essa dispensa por banda do juiz de julgamento, podendo o mesmo fundamentar a sentença/acórdão no seu depoimento em inquérito, é inconstitucional por violação do princípio das garantias de defesa e do contraditório (cfr. artºs. 32º nº1 e 5 e 204º nº1 da Constituição» 12ª Conclusão.. Em bom rigor, essa formulação abrange três planos distintos de pretérita infracção constitucional: que é sempre desnecessário ouvir novamente em audiência a vítima que prestou declarações para memória futura; que essa «dispensa» não exige despacho fundamentado; e que pode a decisão final considerar aquelas declarações quando essa decisão não tenha sido proferida.
[66] Em primeiro lugar, não decorre da norma do nº8 do artº 271º do CPP ou de qualquer outra, nem assim entendemos, que a repetição da inquirição seja sempre desnecessária. Até o pode ser na maior parte das vezes mas só caso a caso pode ser aferida a presença de razões ponderosas que o justifiquem. Podem, por exemplo, as declarações prestadas ser omissas relativa a parte do objecto do processo ou surjam em julgamento elementos novos que a tanto aconselhem.
[67] Por outro lado, não vemos que aquele normativo, assim interpretado, afecte os direitos de defesa e muito menos postergue o núcleo essencial do princípio do contraditório e, inerentemente, as garantias de defesa consignada no artº 32º, nº1 da CRP. O defensor do arguido esteve presente no acto de tomada de declarações para memória futura, pôde controlar a regularidade da inquirição e foi admitido a contribuir dialecticamente para o conteúdo das declarações pois formulou questões directamente à criança. Saliente-se aqui que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já se pronunciou diversas vezes no sentido da conformidade com o artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem de procedimentos em que o arguido não tenha possibilidade de confrontar directamente a vítima em audiência, desde que o seu defensor possa inquirir a testemunha nas fases prévias ao julgamento, mormente em incidente de produção de prova antecipada Cfr. Casos Saidi c. França, 1993; Doorson c. Os Países Baixos 1996; A.M. c. Itália, 1999; P.S. c. Alemanha, 2001, S.N. c. Suécia, 2002; Rachdad c. França, 2004; e Accardi c Itália, 2005, todos acessíveis em www.echr.coe . Na jurisprudência nacional, cfr. o Ac. do STJ de 07/11/2007, Pº 07P3630, relator Cons. Henriques Gaspar, www.dgsi.pt. , como aconteceu nos presentes autos.
[68] Quanto à não fundamentação da «dispensa», importa dizer que não existiu verdadeiramente uma dispensa mas sim, e como já se disse, a ausência de juízo positivo quanto à necessidade ou indispensabilidade do acto. A regra constitucional do artº 205º, nº1 da CRP impõe a obrigação de fundamentação para as decisões dos tribunais quando, mesmo na argumentação do recorrente, o que houve foi uma «não decisão».
[69] O terceiro, e último, plano de infracção constitucional colocado pelo recorrente vem dirigido ao acórdão, por refracção das questões anteriores. Se bem entendemos o raciocínio formulado, considera que os obstáculos que indica inquinam de forma indelével as declarações para memória futura e, então, a respectiva valoração no acórdão condenatório seria igualmente – por consequência - passível de censura. Pela nossa parte, não vemos em que medida essa ponderação violou as garantias de defesa, mormente o contraditório. Como se escreveu supra, todas as normas legais e princípios estruturantes do processo, incluindo o contraditório, foram integralmente respeitados, não se vislumbrando ainda qual a interpretação normativa do artº 374º, nº2 do CPP, que colida com os preceitos constitucionais evocados. Este preceito rege o conteúdo do dever de fundamentação do acórdão ou sentença, mormente quanto à indicação e exame crítico da prova, enquanto a divergência do recorrente coloca-se no plano da substância dessa apreciação crítica, ou seja, quanto ao mérito da fundamentação, o que escapa ao preceito.
[70] Para encerrar o leque de razões indicadas como recorrente em suporte de nulidade, por excesso de pronúncia, cabe referir o argumentário constante da 56ª conclusão, relativo às «considerações aí expendidas quanto ao arrependimento do arguido». Ora, o tribunal recorrido limita-se a afirmar que não se pode ter em conta esse facto psicológico positivo, mormente para efeito de prognose favorável quanto à capacidade do arguido de ressocialização em liberdade, como adiante melhor se explicará. Em todo o caso, encontramo-nos novamente no campo dos argumentos relativos à determinação da sanção, questão obrigatoriamente conhecida na sentença condenatória, como decorre dos artºs 368º e 369º do CPP, pelo que nunca poderíamos afirmar verificada nulidade da decisão, por excesso de pronúncia.
[71] Falece, pelo exposto, fundamento à arguição de nulidade da decisão recorrida, por conhecer de questões que lhe estavam vedadas.
2.6. Da nulidade do acórdão, por falta de fundamentação
[72] Prosseguindo, importa agora ponderar outra arguição de nulidade da decisão, agora por violação da obrigação de fundamentação. Nas conclusões 18ª, 43ª, 47ª, 56ª, 64ª, o recorrente considera que o acórdão padece de falta de fundamentação, maxime do exame crítico da prova, e, por isso, é nulo. Tanto o Ministério Público como a demandante consideram que a decisão não é merecedora dessa crítica.
[73] O artº 374º, nº2, do CPP contempla as exigências de fundamentação da sentença penal, desenvolvendo o imperativo constitucional constante do artº 205º, nº1, da CRP Artº 205º da CRP: As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.. Face a esse preceito, a sentença comporta necessariamente, sob pena de nulidade, a enumeração dos factos provados e não provados, de forma a assegurar que o Tribunal ponderou todos os factos relevantes; a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos que conduziram à decisão, por referência às fontes de prova; e, finalmente, a explicitação do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, ou seja, «os elementos que, em razão das regras da experiência ou critérios lógicos, constituem o substrato lógico-racional que conduziu a que a convicção probatória se determinasse num dado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios probatórios» Ac. do STJ de 29-03-2006, relator Santos Monteiro, Pº 06P478, www.stj.pt., sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão não é ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras de experiência comum.
[74] Num Estado de Direito Democrático as decisões judiciais impõem-se pela razão que lhes subjaz, não pela autoridade de quem as profere Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 289., pelo que a fundamentação assegura, a um tempo, a independência e imparcialidade da decisão, porque assente exclusivamente no apuramento objectivo dos factos e na interpretação válida da norma de direito Michele Taruffo, Note sulla garanzia costituzionale della motivazione, BFDUC, 1979, vol L, págs. 31-32., e a sua legitimação externa, através da possibilidade que confere aos cidadãos de verificar os pressupostos e critérios valorativos que determinaram o juízo, situando-se então esse dever no cerne do «compromisso» democrático do órgão de soberania «tribunais» com o Povo, em nome do qual administra a Justiça Ac do STJ de 20/04/2006, relator Rodrigues da Costa, Proc. 06P363, www.dgsi.pt. Sobre a evolução e dimensão da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, destaquem-se os arestos do Tribunal Constitucional nº 680/98, 147/2000, 258/2001 e 61/2006.. Por outro lado, numa perspectiva intraprocessual, a exigência de fundamentação respeita ainda a finalidade de atingir o convencimento dos sujeitos processuais e, quando tal não acontece, a reapreciação da decisão no âmbito do sistema de recursos, permitindo ao tribunal superior conhecer o processo de formação do juízo lógico-racional contido na decisão recorrida para, sobre tais fundamentos, quando impugnados, formular o seu próprio juízo Essa tríplice função da obrigação de fundamentação encontra-se em muitas decisões do STJ, de que é exemplo o Ac. de 25/06/2009, Pº 537/03.0PBVRL, relator Cons. Oliveira Mendes, e em Paulo Saraggoça da Matta, A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, 221 e segs. .
[75] Tendo em atenção tais exigências, importa apreciar a forma como o Tribunal Colectivo explicitou o processo de formação da convicção na decisão sobre os factos, com especial enfoque relativamente aos segmentos aludidos pelo recorrente.
[76] Na 18ª conclusão, o arguido considera que o Tribunal fez «um exame crítico da prova sem que tivesse elementos para o efeito». Nessa medida, o próprio recorrente admite que teve lugar exame crítico e que foram explicitados os fundamentos da convicção do Tribunal, pese embora sem a sua adesão, o que torna evidente a inverificação da nulidade prevista na al. a) do nº1 do artº 379º do CPP.
[77] Todavia, diz o recorrente na 43ª conclusão, e repete na 56ª, que falta ao acórdão recorrido «reflexão e exame crítico da prova produzida em audiência» e sustenta nas conclusões precedentes que foi exarada mera descrição do que as testemunhas disseram, sem cuidar de indicar quais as que mereceram maior credibilidade e o raciocínio lógico seguido.
[78] Concorda-se que a mera indicação, por súmula, do que foi dito por cada testemunha, em jeito de transcrição de apontamentos tirados em sala de audiência, fica aquém do mínimo admissível. Sendo certo que não se exige que a fundamentação esgote todos os raciocínios e inferências, o que remeteria para esforços muitas vezes ciclópicos, ou até épicos Cfr. Acs. do STJ de 31/10/2007, Pº 07P3218, relator Cons. Armindo Monteiro, de 13/02/2008, Pº 07P4729, e de 08/10/2008, Pº 08P3068, ambos relatados pelo Cons. Pires da Graça e de 22/04/2009, relator Cons Fernando Fróis, Pº 303.06.0GEVFX todos em www.dgsi.pt. , para além de contrariar a indicação legal de concisão, é bom que não se caia no outro limite, como seja o recurso a fórmulas que não permitem obviar à crítica da arbitrariedade. Sobre a técnica que designa de globalizadora, escreve Marina Gascón Abellán: «Se justificar os enunciados fácticos consiste em indicar as razões que permitam considerá-los verdadeiros (ou prováveis em grau suficiente) à luz das provas produzidas, não se vê que tipo de justificação pode trazer o simples relato, ou seja, com uma sucessão de enunciados sobre factos provados, melhor ou pior narrados. O relato pressupõe a verdade dos enunciados que o compõem, mas não constitui per se justificação dos mesmos. Dito de outro modo, nada impede que a decisão probatória possa concluir com um relato, mas não com qualquer relato, por mais coerente e persuasivo que este seja, antes com aquele que possa estimar-se verdadeiro, e para tanto essa veracidade deverá justificar-se. O relato, pois, não exime da necessidade de justificação as afirmações que o compõem. Para mais, e ligado com o anterior, a técnica do relato está também em relação com uma das funções básica que cumpre a motivação, e que se cifra em limitar a actividade irracional ou arbitrária do juiz através dos recursos: dificilmente poderá controlar-se a racionalidade da decisão probatória mediante os recursos se na sentença não se expressam os critérios que supostamente a sustentam e se opta por uma simples narração factiva» Marina Gascón Abellán, La argumentación en el derecho, Ed. Palestra, 2ª ed., 2005, págs. 417 e 418. Tradução do relator.. Como bem observa o Desembargador Sérgio Poças: «...quando o juiz apenas diz o que a testemunha disse, ainda pouco diz sobre a credibilidade do depoimento. Ao reproduzir acriticamente o depoimento, o juiz não está a fazer nenhum juízo sobre o depoimento – está apenas a dizer o que a testemunha disse. Mas a questão é outra: o juiz acreditou ou não no que a testemunha disse? Conforme for o caso, o tribunal está obrigado a explicitar as razões pelas quais o depoimento lhe mereceu credibilidade ou não (...). É este o juízo crítico objectivado que a lei exige ao juiz. Na verdade, com a simples reprodução dos depoimentos fica-se sem saber qual a convicção do tribunal, mas ainda que se pudesse deduzir qual fosse, o que seguramente não se fica a saber são as razões da referida convicção» Sérgio Poças, Da sentença penal – Fundamentação de facto, revista Julgar, Ed. ASJP, nº3, Set/Dez 2007, pág.42..
[79] Dito isto, podemos considerar que a decisão recorrente constitui exemplo dessa técnica globalizadora, com mero enunciado das provas? Cremos que a resposta a esta questão é negativa, pese embora a técnica utilizada não fosse a melhor. Compreende-se, sem grande esforço interpretativo, que o Tribunal Colectivo ponderou de forma prevalecente as declarações prestadas em 21707/2008 por ... e que retirou da constância e consistência do relato e do comportamento da menor após as férias de Natal de 2006 e Janeiro de 2007, referidos em audiência nas declarações da mãe e depoimentos de ... e de ..., o factor de credibilização e verosimilhança prevalecentes para a afirmação dos factos provados. Compreende-se igualmente que foram ponderados os relatórios de fls. 55 a 60 e de fls. 80 a 83 na caracterização psicológica da criança, quanto aos efeitos sofridos por esta e também no afastamento da hipótese, sustentada na contestação, de ter relatado uma fantasia.
[80] Aliás, tanto assim é que o recorrente alicerça a impugnação ampla da decisão constante dos pontos 3 a 8 dos factos provados - o cerne da imputação jurídico-penal que lhe é dirigida – exactamente na defesa da irrelevância das declarações para memória futura e da inconclusividade do depoimento da mãe da criança e dos testemunhos de ... e de ...., bem como dos exames realizados, em ataque que procurou alinhar com os meios de prova apreciados criticamente e apontados como mais impressivos pelo Tribunal Colectivo.
[81] Face ao exposto, afasta-se a evocada nulidade, por ausência de indicação do exame crítico da prova imposto pelo nº2 do artº 374º do CPP.
[82] A última alegação de nulidade, por falta de fundamentação, encontra-se na 64ª conclusão, na qual o recorrente sustenta que o Tribunal Colectivo não ponderou a possibilidade de suspender a pena de prisão e, inerentemente, não fundamentou esse juízo.
[83] Ora, essa questão – a pena de substituição contemplada no artº 50º do CP – foi efectivamente ponderada e explicitadas as razões para a não suspensão da execução da pena, com ou sem condições, ou acompanhada de regime de prova. Lê-se na decisão:
A gravidade da conduta do arguido, tendo em atenção o bem jurídico violado, a idade da vítima, o contexto da actuação e o lapso de tempo em que a sujeitou ao seu comportamento desviante, bem como a falta de arrependimento não permitem fazer um juízo de prognose favorável à sua ressocialização em liberdade.
Por isso, decide o Tribunal não suspender a pena de prisão.
[84] Assim, pode o recorrente discordar da decisão – e assim acontece, pois pugna no recurso pela modificação da decisão nessa parte – mas carece de fundamento para considerar que não foi ponderada a única pena de substituição admissível e faltou explicitar os motivos que conduziram à rejeição dessa reacção penal. E, cumpre acrescentar, não emerge da decisão recorrida, nem se sufraga neste acórdão, qualquer interpretação normativa dos artsº 70º do CP e 374º, nº 2 e 375º, nº1 do CPP, no sentido de que o julgador não está obrigado a ponderar todas as penas de substituição da prisão e a fundamentar essa decisão, o que torna espúria a tarefa de apreciar a conformidade constitucional dessa pretérita interpretação.
[85] Inexiste, pois, qualquer das nulidades alegadas pelo recorrente.
2.7. Impugnação ampla da decisão em matéria de facto/erro notório na apreciação da prova
[86] Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº3 do mesmo código.
[87] Tem sido salientado a uma voz pelos Tribunais Superiores que o recurso em matéria de facto é de fulcral importância para a salvaguarda dos direitos constitucionais de defesa e, para tanto, deve a Relação proceder a efectivo controlo da matéria de facto provada na 1ª instância, por confronto desta com a documentação da prova produzida oralmente na audiência. Porém, essa dimensão do recurso não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente Ac. do S.T.J. de 17/05/2007, Pº 071397, relatado por Santos Carvalho, acessível em www.dgsi.pt. Cfr., ainda, dentre a jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, acessível no mesmo sítio internet, os Acs. de 23/05/2007, Pº 07P1498 (relator Henriques Gaspar), 14/03/2007, Pº 07P21 (relator Santos Cabral) e de 15/03/2007, Pº 07P610 (relator Pereira Madeira)..
[88] Assim, para atingir a completa delimitação do objecto do recurso e obstar à utilização do recurso apenas para sobrepor uma nova apreciação àquela formulada em 1ª instância, veio o legislador processual penal da revisão operada pela Lei 48/2007, de 29/8, a par da eliminação da exigência da transcrição dos depoimentos O que foi justificado na proposta de Lei nº 109X da seguinte forma: «No âmbito da motivação, para pôr cobro a uma das principais causas da morosidade na tramitação do recurso, elimina-se a exigência de transcrição da audiência de julgamento. O recorrente pode referir as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida indicando as passagens das gravações; não é obrigado a proceder à respectiva transcrição (artigo 412.º). O tribunal ad quem procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que, porventura, considere relevantes»., impor ao recorrente em matéria de facto que na motivação proceda a uma tríplice especificação: concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e ainda, quando o solicitar, concretas provas a renovar. Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: deve o recorrente ter como referência o consignado na acta quanto ao registo áudio ou vídeo das prova prestadas em audiência mas também indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 5 do artº 412º do CPP). Tal exigência justifica materialmente a extensão do prazo de recurso de 20 para 30 dias Sem elaborar sobre a necessidade para o exercício da defesa de tal prazo, não pode deixar de se confrontar o mesmo com o prazo concedido pelo legislador para a prolação de sentença nos casos de especial complexidade – 10 dias, nos termos do artº 373º do CPP – e para a elaboração de projecto de acórdão ou elaboração da decisão – 15 dias, nos termos do artºs. 417º, nº9 e 425º, nº3, do CPP..
[89] Compulsada a motivação apresentada, verifica-se que a recorrente concretiza os pontos de facto que reputa de incorrectamente julgados: pretende a modificação da decisão de dar como provados os factos constantes dos pontos 3 a 8. Encontra-se, então, respeitado o ónus imposto pela al. a) do nº3 do artº 412º do CPP.
[90] Já no que respeita às provas que impõem – esse é o critério legal – decisão diversa da recorrida o recorrente é menos claro. No entanto, e sem grande esforço, compreende-se que apela à reapreciação dos relatórios de fls. 36 a 39, 47 a 49, 55 a 60 e 80 a 83 bem como do plano de intervenção de fls. 50 a 54. Relativamente à prova pessoal, suscita a apreciação de passagens, que especifica e situa no registo áudio, das declarações de ... e dos depoimentos de ... e de .... Mostram-se, pois, respeitados todos ónus previstos na al. b) do nº 3 e nº 4 do artº 412º do CPP, cumprindo apreciar os argumentos apresentados.
[91] Estamos, assim, em condições de iniciar a apreciação das provas indicadas pelo recorrente na impugnação ampla da decisão em matéria de facto, para o que toda a prova pessoal gravada foi ouvida e considerada, incluindo o registo do que foi dito em 21/07/2008 por ....
[92] Desde logo, essa audição permite afastar o que é dito na conclusão 29ª. Não corresponde à realidade que o Tribunal não contou com contributo probatório presencial relativamente aos factos narrados na acusação pois contou com a narrativa de ... e o recorrente falha, pelas razões atrás expostas, no propósito de a silenciar. Então, e com mediana clareza, cumpre afastar o argumento de que «nenhuma testemunha afirmou ter visto ou assistido a qualquer dos factos constantes da acusação». E, cumpre acrescentar, a credibilidade daquele relato resulta reforçada pela presença dos sinais relevantes para o efeito, a saber: compatibilidade do relato com as características cognitivas e socioculturais da criança; compatibilidade do relato com o seu nível de desenvolvimento; e claros sinais de ajustamento a trauma de natureza sexual (coping) Para maior desenvolvimento sobre esses indicadores, cfr. Carla Machado e Carla Antunes, Avaliação de vítimas de abuso sexual, Psicologia Forense, 2005, págs. 207-229., tendo como ponto de partida a caracterização psicológica constante do relatório de fls. 80 a 83, como aponta o Tribunal a quo.
[93] Depois de ter antes sustentado a inexistência jurídica dessas declarações, sustenta o recorrente que a inquirição da criança foi «conduzida» e os «factos induzidos» 36ª Conclusão. . No corpo da motivação diz ainda que as respostas foram antecipadas pelo Sr. Juiz de Instrução e exemplifica com quatro interrogações, relativamente às quais não esclarece nos registos quando aconteceram. Conclui ter sido violado o disposto no artº 138º, nº2 do CPP.
[94] Ouvido o registo sonoro, verifica-se que o desenvolvimento da inquirição não merece a crítica que lhe é feita. O questionamento de uma criança é sempre difícil, desde logo pela inibição natural em responder a um estranho sobre matérias fortemente perturbantes, passando pelo domínio limitado da linguagem. Seja nas quatro questões que o recorrente individualiza – todas votadas a precisar o que a criança já narrara -, colocadas no contexto em que ocorreram, seja pelo conjunto das declarações, entendemos que a espontaneidade e sinceridade das respostas não foram postas em crise, mormente através de perguntas sugestivas. Observa-se, porém, que não foi utilizado instrumento importante na facilitação do testemunho de criança e na prevenção ou mitigação de eventuais consequências negativas de saúde mental, como é o instituto da visita prévia para fins exclusivos de apresentação e contacto com o local de testemunha especialmente vulnerável, previsto no artº 30º da Lei nº93/99, de 14/7 Como salientam Ana Pereira e Rui Abrunhosa Gonçalves, op. cit., pág. 356, «... de forma algo perversa, para uma vítima de crime que não consiga ultrapassar esta panóplia de constrangimentos e ainda envolver-se num processo terapêutico que é sempre exigente, a ida a tribunal é, em simultâneo, um derradeiro desafio e uma última esperança. Daí que se considere a antecipação da ida a tribunal como um elemento essencial da e para a terapia. Por um lado, porque a preparação prévia da experiência de envolvimento da vítima no processo judicial é importante na redução da ansiedade que lhe é inerente. Por outro, porque estando menos ansiosa, a vítima experienciará sentimentos de controlo e mestria na sua actuação, que poderão retroalimentar o processo terapêutico e promover a generalização dos ganhos a outras áreas da vida»..
[95] O recorrente alude ainda a um passo do depoimento em que a criança foi questionada sobre a idade do irmão e ficou calada. Do registo não resulta claro que tenha negado saber esse elemento. À míngua de elementos que só a imediação permite aferir, a gravação sugere mais inibição ou mesmo resistência a falar no irmão, que não integra o seu agregado familiar. Trata-se, no entanto, de um aspecto lateral e sem qualquer significado para a verosimilhança do relato, no qual refere todas as condutas constantes dos factos provados, em consonância com a síntese contida na motivação da decisão em matéria de facto exarada no acórdão recorrido.
[96] Relativamente à testemunha ..., evidencia-se no recurso que é prima da vítima e o arguido considera que, por esse facto, não merece crédito. Ora, o simples parentesco apenas permite afastar o depoimento nas situações de possível recusa de depoimento contempladas no artº 134º do CPP, nas quais não se encontra qualquer relação familiar com a vítima, o que significa que tais ligações devem ser consideradas no âmbito da livre apreciação da prova, como foram. E, sendo certo que esse princípio consente qualquer arbitrariedade Como refere o Germano Marques da Silva «a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão», in Direito Processual Penal, vol. II, Verbo, pág. 111., não é menos verdade que as opções do tribunal recorrido de valoração de prova pessoal fundada essencialmente em elementos que só a imediação permite – as hesitações, os olhares, os gestos, os suores, as expressões faciais, em suma, toda a panóplia de particularidades que compõem a comunicação não-verbal, inapreensíveis a partir da simples audição de registo sonoro – apenas podem ser afastadas se não forem de todo razoáveis Assim, Ac. do STJ de 15/07/2008, Pº 08P418, relator Cons. Souto Moura, www.dgsi.pt..
[97] Depois, e fundamentalmente, o recorrente não contraria a indicação de que não tinha contacto com essa parte da família, inexistindo fundamento para considerar que o seu contributo probatório foi parcial e empenhado. Aliás, e em substância, o recorrente não afasta minimamente a caracterização psicológica que aquela efectuou da criança, com destaque para a abordagem da temática sexual fora do contexto e sem pudor, o que não é próprio da idade, sendo compatível com trauma dessa natureza. Limita-se a indicar duas curtas passagens do seu depoimento: uma em que refere a subjectividade da avaliação da credibilidade do relato da criança e outra em que alude ao comportamento da criança na altura em que abordou na escola a problemática sexual, sem esclarecer qual o significado que atribui a uma e a outro. Ora, a primeira afirmação é uma evidência: não existem testes objectivos que garantam que o que alguma pessoa diz é verdade, seja adulto ou criança: como escrevem Carla Machado e Carla Antunes, «A avaliação da veracidade é um processo complexo, que não pode ser entendido como correspondendo à aplicação de um qualquer algoritmo infalível» Op. cit., pág. 217.. A segunda também não causa qualquer estranheza ou põe minimamente em questão a verosimilhança da narração da vítima. Pelo contrário, revela uma tensão interior muito forte e inteiramente compaginável com o que referiu no seu depoimento, pois só assim se compreende que tenha dito na escola que estava grávida Como apontam Carla Machado e Carla Antunes, op. cit., pág. 218, nota 2 «Dever-se-á estar particularmente atento a condutas sexualizadas que envolvem coerção, afecto negativo, intensa culpabilidade, vergonha ou ansiedade ou ainda que envolvem conhecimentos ou comportamentos inadequados para a idade e diferentes dos apresentados por pares»..
[98] Relativamente aos relatórios subscritos pela mesma testemunha ..., na qualidade de psicóloga, e também ao relatório de fls. 80 a 83, esse da autoria da Drª ..., o recorrente sustenta que não são conclusivos. E, de facto, a ponderação desses elementos não permitiria, por si só, afirmar os factos imputados ao arguido. Mas, pelo mesmo motivo, também não impõem decisão diferente da recorrida, pois não permitem afirmar a verificação de erro de julgamento, face à necessária ponderação global do conjunto probatório em presença. Diferente seria se fosse essa a única prova ou a prova principal considerada pelo Tribunal Colectiva, mas assim não acontece.
[99] Essa mesma conclusão tem aplicação relativamente ao relatório de fls. 36 a 39. Concorda-se que esse relatório médico-legal não é «desfavorável» ao arguido, na medida em que não refere qualquer sinal físico de contacto sexual. Mas também não lhe é «favorável» no esforço de demonstração que a decisão recorrida deve ser modificada, pois as práticas dadas como provadas não deixam, de acordo com a experiência comum, sinais no corpo ou vestígios biológicos que perdurem vários meses. Recorde-se que foi dado como provado que o arguido encostou o pénis à zona vulvar da criança e que lhe introduziu o pénis na boca.
[100] Resta apreciar as alusões constantes do recurso relativamente às declarações de ..., mãe da criança, e de ..., sua professora na altura. Também aqui, ao mesmo tempo que impugna a decisão por ter valorado essa prova, o recorrente sustenta daí nada resulta em seu desfavor. Concorda-se que dos trechos evidenciados pelo recorrente não se pode extrair qualquer conclusão firme quanto ao que aconteceu. Porém, e inexoravelmente, essa mesma asserção tem como consequência que também não permitem a modificação da decisão recorrida, pois falham inteiramente na demonstração de que não foi feita justiça.
[101] Por outro lado, os curtos trechos seleccionados pelo recorrente Quanto à mãe da criança, evidenciou apenas o seguinte: “(...) não queria saber por ninguém mas sim pela minha filha, mas a minha filha nunca me contou.
A quem ele contou?
Contou à psicóloga Dra. ....
Foi ela que a acompanhou e foi a Dra. ... que me deu a saber(...)
A mim quem me contou primeiramente foi a Dra. ...»./ Quanto a ... concretizou apenas estas passagens:
«Um dos pontos do programa do 3º ano era falar nas funções genitais e eu falei na reprodução e então deduzo eu, que talvez tivesse vindo daí, deduzo, falei na reprodução e elucidei os miúdos do comportamento que deveriam ter (...)».
«Notei que a ... era uma miúda carente»., estão longe de traduzir o sentido geral dos depoimentos de cada uma das testemunhas. Como bem salienta a demandante, a mãe da criança não se limitou a remeter para a Drª .... Também relatou a percepção de alterações de comportamento da filha em Janeiro «Ficou muito agressiva». Foi caracterizada como sendo antes brincalhona e, depois do Natal e Páscoa, ter passado a evidenciar medo e agressividade e a sofrer de enjoos e vómitos., na sequência de chamada de atenção da professora, e a impressiva reacção da ... depois de a ter questionado sobre o assunto Abordagem essa que a testemunha caracterizou com a expressão «apertei com ela»., em termos fortemente censórios «Disse-lhe que isto era muito mau estar a acusar uma pessoa de que ...». e com sevícias «Um dia até lhe dei umas porradas bastantes».. Respondeu à mãe: «Até pode-me matar, mas verdade é» Aos 6.07 minutos do registo sonoro das declarações.. Nada mais afastado do comportamento característico da fantasia e da sugestionabilidade. Por seu turno, a professora da criança afastou claramente a possibilidade de sugestão pela abordagem na escola da sexualidade quando disse:
«E a ... contava-me em pormenor. Ela desceu mesmo àquele pormenor que eu acho que realmente uma criança não sabe...» Aos 8:40 minutos..
«Não, na aula de edução sexual eu não entro nesses pormenores porque o que a ... mais citava era o que se não diz - não é - era o que eu nunca falaria dentro da sala de aula» Aos 8:53 minutos..
[102] Refira-se ainda a singela alusão na 35ª conclusão ao testemunho de ..., igual ao que consta no corpo da motivação. Novamente, o recorrente diz apenas que essa testemunha fez «considerações genéricas», o que seguramente não impõe decisão diferente da recorrida, nem põe minimamente em crise a apreciação crítica da prova efectuada pelo tribunal a quo.
[103] Cabe, a finalizar esta questão, ponderar o princípio in dubio pro reo, para o qual apela o recorrente na 27ª conclusão. Reconhecidamente, esse princípio constitui manifestação da presunção de inocência e representa a outra face do princípio da livre apreciação da prova, contemplado no artº 127º do CPP, entendido como «liberdade para a objectividade, uma verdade que transcende a pura subjectividade e por isso se comunica aos outros» Germano Marques da Silva, Produção e valoração da prova em processo penal, revista do C.E.J., nº4, 2006, pág, 46.. Constitui um limite normativo de tal princípio, determinando que ante uma dúvida positiva e racional que impeça um juízo de certeza condenatória, que não exclua a possibilidade de as coisas se passarem num dado sentido mas não afaste a consistente hipótese do contrário, deve esse non liquet ser ultrapassado em favor do arguido Ac. do STJ de 11/7/2007, Pº 07P1416, relator Pereira Madeira, www.dgsi.pt.. Porém, embora constitua princípio probatório, o in dubio pro reo postula a finalização da apreciação das provas e, por isso, em bom rigor não constitui regra de valoração probatória Claus Roxin, Derecho Procesal Penal, Ed. Del Puerto, Bueno Aires, 2000, p. 111.
[104] Ora, não se vê que o Tribunal Colectivo tenha constatado, ou devesse constatar, situação geradora de dúvida e que a tenha ultrapassado in pejus, nem que o recorrente tenha fundamento para dizer que a decisão assentou em «meras dúvidas e subjectivismo». Nessa medida, na aplicação da regra processual do art. 127.º do CPP – livre apreciação da prova -, não haverá que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela presunção de inocência do acusado, pois a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador, não conduz «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto» Ac. do STJ de 08-11-2007, Pº 07P3164, relator Carmona da Mota, www.dgsi.pt.. Ao invés, conduz a um juízo de certeza firme, racional e objectivo, sem postergar que toda a reconstituição de factos, e também o conhecimento judicial, envolve uma inexpugnável margem de incerteza, o que determina que que todo o juízo, mesmo aquele inteiramente honesto e responsável, apenas atinge o nível da certeza relativa. Esta, como salienta Marina Gascón Abellán Marina Gascón Abellán, La Argumentación en el Derecho, Ed. Palestra, 2005, pág. 384., significa em processo penal a conclusão por probabilidade preponderante para além de qualquer dúvida razoável, e não uma certeza absoluta.
[105] Falece, pelo exposto, a impugnação da decisão em matéria de facto.
2.8. Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão
[106] O último problema suscitado na dimensão do recurso incidente sobre a questão-de-facto encontra-se enunciado nas conclusões 48º e 49ª. Pretende o recorrente que se verifica vício contemplado no artº 410º, nº2, al. b) do CPP – contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – porque a referência a «farsa» encontra-se em contradição com os pontos 13 e 14 dos factos provados.
[107] Como refere o Supremo Tribunal de Justiça «A contradição insanável da fundamentação, ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente, ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito. A contradição e a não conciliabilidade têm, pois, de se referir aos factos, entre si ou enquanto fundamentos, mas não a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos» Ac. do STJ de 3/10/2007, Pº07P1779, relator Henriques Gaspar, ww.dgsi.pt.. Acontece que o recorrente não afirma verdadeiramente qualquer contradição no plano do apuramento dos factos, por si ou enquanto fundamentos. Apenas discorda de argumento constante da fundamentação da medida da pena, porque o considera desajustado face ao que ficou provado nos pontos 13 e 14, o que não tem enquadramento no vício evocado.
[108] Improcede, assim, mais esta questão colocada no recurso e, não sendo evocados outros vícios da decisão, nem se encontrando no texto e contexto da decisão qualquer dos vícios previstos no nº2 do artº 410º do CPP, cumpre considerar sedimentada a decisão em matéria de facto. Passemos à questão-de-direito.
2.9. Medida da pena de prisão
[109] O recorrente não coloca em crise a subsunção jurídico-penal, que se mostra correcta. Dirige a sua discordância em primeira linha para o quantum da pena de prisão fixado pelo Tribunal a quo, dizendo apenas que é excessivo.
[110] Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do artº 71º do C.P., cumpre determinar a sanção tendo como limite a culpa do agente e em função das exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente, sendo incompatível com o Estado de direito democrático finalidade retributiva Figueiredo Dias, Fundamento, sentido e finalidades da pena criminal, Coimbra Ed., 2001, pág. 104 e segs.. O modelo que enforma o regime penal vigente, norteado, como decorre do artº 40º do CP, pelo binómio prevenção-culpa, determina que se encontre primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, achada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Ed. Aequitas, 1993, pág. 227.. Fixada esta, correspondendo nos seus limites inferior e superior à protecção óptima e à protecção mínima do bem jurídico afectado, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antijurídica. Nesse momento, os critérios do artº 71º do CP «têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha e medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente)» Ac. do STJ de 28/09/2005, Pº 05P2537, relator Cons. Henriques Gaspar, www.dgsi.pt..
[111] O Tribunal a quo motivou a escolha e medida da pena do recorrente da seguinte forma:
Passemos agora a fazer a determinação da medida da pena.
Numa concepção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, sendo este conceito que justifica a respectiva moldura.
Com efeito, esta corresponde ao limite que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas.
O limite máximo da pena constitui o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. No entanto, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas. O limite mínimo da pena surge, neste contexto, como o ponto absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral, encarado sob a forma de defesa da ordem jurídica.
A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.
Por sua vez, a culpa é chamada a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas.
Não podemos esquecer que a determinação concreta da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, isto é, a reintegração social do delinquente e a protecção dos bens jurídicos.
A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos, incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte destes. Traduz, ainda, prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial.
Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na sua execução.
Finalmente, no que tange à retribuição, a pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.
Em suma, a escolha da pena terá assim de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no artigo 40º do Código Penal.
Contra o arguido depõem várias circunstâncias, sendo de considerar:
- a actuação com dolo directo intenso aproveitando-se, de início, da confiança da menor devido aos laços de amizade que uniam as duas família e, mais tarde, da fragilidade desta e da ascendência que facilmente tinha sobre ela devido à idade;
- a ilicitude dos factos assume um elevado grau, face ao bem jurídico protegido e à sua posição na hierarquia axiológico-normativa da tutela penal, à concreta idade da menor nessa ocasião (8 anos no início) e o lapso de tempo durante o qual foi sujeita aos seus actos (dois períodos de férias escolares no espaço de meio ano);
- a gravidade das consequências para a ofendida, atento o trauma psicológico traduzido em instabilidade emocional, perturbações do sono, medo de estar sozinha, os sentimentos de vergonha, ansiedade e insegurança, assim como a solidão devida à incredulidade dos adultos, derivada, principalmente da boa imagem que o arguido consegue fazer passar perante a comunidade e a família, já para não falar dos comentários depreciativos das pessoas do meio onde vive; é preciso, ainda, ter em atenção o perigo para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico da menor, assim como a potencial repercussão para o futuro no modo de encarar a sexualidade;
- a conduta posterior aos factos, visto não ter mostrado qualquer arrependimento, estruturando a sua defesa de forma a fazer crer que é uma pessoa respeitadora e correcta e que os factos que constam da acusação só poderiam ser resultado de uma fantasia da menor.
Resulta a favor do arguido, apenas, a circunstância de ser delinquente primário. O facto de estar bem inserido na comunidade constitui uma farsa baseada na falsa imagem que transmite, comum, aliás, a boa parte dos pedófilos e constitui o maior perigo para as reais e potenciais vítimas.
A necessidade de protecção do bem jurídico da liberdade sexual de crianças assume, entre nós, uma preocupação comunitária de primeira grandeza pela denúncia crescente da sua ofensa, suas dimensões e gravíssimas consequências, tanto individual como colectivamente, causa de traumas e motivo de repúdio generalizado, sendo certo que se tem a percepção do alcance planetário, com intervenção de autênticas redes/associações criminosas e propiciado pelas novas tecnologias, e de apenas se conhecer a “ponta do iceberg” no âmbito do aparelho judicial.
Existem, pois, elevadas expectativas da comunidade na reposição da norma violada.
Fazem sentir-se, igualmente, elevadas necessidades de prevenção especial, porquanto o arguido não demonstrou arrependimento e beneficia de uma imagem contrária à sua real personalidade.
A culpa é elevada atenta a intensidade do dolo revelado.
(...)
Fazendo a ponderação dos factores supra enunciados, afigura-se que a pena de quatro anos e seis meses satisfaz as necessidades da punição.
[112] Ponderando o disposto no artº 71º do CP, e as exigências preventivas, gerais e especiais, temos essa pena como correcta, sem ultrapassar o limite da culpa do arguido. Com efeito, encontramos nos factos repetida actuação de arguido que aproveitou o facto de integrar o círculo familiar e a proximidade e confiança inerente para sujeitar uma criança de oito e nove anos a coito oral - ponderando que a ... completou o seu aniversário entre as férias do Natal e da Páscoa -, precedido de outros autos actos sexuais de relevo, como acontece com o contacto peniano na zona vulvar, seguido de masturbação até atingir a ejaculação em frente da vítima. Numa moldura abstracta com o seu início em três anos e o máximo em dez anos, a pena fixada não peca por exagero, mesmo tendo em atenção que não se pode atender a mais do que duas acções no mês de Dezembro de 2006 e outras tantas em Abril de 2007, face à indeterminação quanto ao número de vezes em que a conduta aconteceu. Com efeito, nos pontos 3, 5 e 8 dos factos provados utiliza-se o plural nos substantivos «dias» e «vezes», o que, ao mesmo tempo, significa que a conduta aconteceu mais do que uma vez mas não permite ultrapassar a pluralidade mínima.
[113] Relativamente à medida da pena, considera o arguido que não se pode ponderar a ilicitude dos factos pois a mesma já foi valorada pelo legislador em sede de moldura abstracta e evoca violação do princípio non bis in idem e o princípio da proibição da dupla valoração dos factos. Porém, não se trata aqui de valorar duplamente o facto de que depende a agravação da moldura abstracta – no caso, o coito oral – mas de atender ao grau de ilicitude, no círculo de condutas compreendidas no tipo agravado do artº 172º, nº2 do CP. É diferente, na perspectiva da tutela do bem jurídico, a concreta idade da criança, sendo tanto mais grave quanto se distancie do limite de 14 anos, acima do qual o tipo penal aplicável é outro. E, por outro lado, não obstante o crime continuado seja punido com a pena aplicável à conduta mais grave (artº 79º do CP), releva o número de condutas inscritas na continuação criminosa e também a circunstância de todas elas preencherem o tipo penal agravado de abuso sexual de criança. Como refere Figueiredo Dias, o princípio da proibição de dupla valoração, consagrado no artº 72º, nº2 do CP, não obsta a que «a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso [...] O que está aqui em causa é unicamente, como se exprime Bruns com propriedade, a legítima consideração das “modalidade de realização tipo” e não uma violação do princípio da proibição de dupla valoração» Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 235.. Afasta-se, pois, a reclamada violação dos princípio ne bis in idem e da proibição da dupla valoração dos factos.
[114] Também neste domínio, o recorrente insurge-se relativamente ao segmento da fundamentação onde se refere que «o facto de estar bem inserido na comunidade constitui uma farsa baseada na falsa imagem que transmite, comum, aliás, a boa parte dos pedófilos e constitui um maior perigo para as reais e potenciais vítimas», dizendo que o Tribunal Colectivo extrai conclusões da prova que não lhe são permitidas. Com efeito, não se encontra nos factos provados elementos que permitam qualificar a sua interacção comunitária como uma «farsa» e também não se deu como provado que padeça de tal distúrbio sexual ou que tenha sido diagnosticado em conformidade. A pedofilia não integra o ordenamento jurídico-penal, apesar de se encontrar amiúde no reporte noticioso – mais atreito ao sensacionalismo do que ao rigor conceptual - a identificação entre pedofilia e abuso sexual de crianças Quantos terão procurado, em vão, no Código Penal o propalado «crime de pedofilia»?, desde logo porque pertence à esfera da saúde mental e como tal é classificada pela Organização Mundial de Saúde A Classificação Internacional de Doenças (CID-10), da Organização Mundial da Saúde (OMS), item F65.4, define a pedofilia como preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes. Por seu turno, o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th edition (DSM-IV), define uma pessoa como pedófila quando, ao longo de um período mínimo de 6 meses, tem fantasias sexualmente excitantes recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo actividade sexual com uma (ou mais de uma) criança pré-púbere (geralmente com 13 anos ou menos); Tais fantasias, impulsos sexuais ou comportamentos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo; O indivíduo tem no mínimo 16 anos e é pelo menos 5 anos mais velho que a criança ou crianças.. A prática de abuso sexual de crianças, mesmo repetido, não significa que o agente mereça automaticamente o diagnóstico de pedófilo, do mesmo modo são conhecidos exemplos de pedófilos que nunca chegam a praticar condutas com censura penal, por efeito de compensação externa. Dito isto, importa não ignorar o dado criminológico de que a maioria dos actos de violência contra as crianças, incluindo a violência sexual, acontece no seio da família, em boa parte cometidos por indivíduos que ostentam adequada integração comunitária e boa reputação social Saliente-se, entre muitos, o estudo compreensivo sobre a violência contra as crianças elaborado a pedido do Secretário-geral das Nações Unidas, acessível em www.unviolencestudy.org, e também, pela sua actualidade, o último relatório “Progress for Children” da UNICEF, divulgado no passado dia 06/10/2009, acessível em www.unicef.org/progressforchildren, onde se refere que 10% das raparigas nos países ricos sofre abuso sexual com penetração, e que 80% de todas as formas de abuso são cometidas por parentes ou guardiões..
[115] Outro argumento estribado no recurso consiste na oposição a que se diga que o arguido não demonstrou arrependimento, dizendo que essa asserção viola o seu direito ao silêncio, a proibição de auto-incriminação e a presunção de inocência. Com efeito, decorre do ordenamento constitucional o privilégio do arguido contra a auto-incriminação mas, como vem alertando o Supremo Tribunal de Justiça, o exercício do direito ao silêncio não é isento de consequências, sem desrespeito daqueles princípios. O silêncio significa isso mesmo, o vazio, ou seja, a renúncia do arguido a apresentar directamente ao Tribunal a sua personalidade, as condições de vida sócio-familiares, a sua posição sobre os factos imputados e projectos para o futuro, incluindo naturalmente a reflexão sobre o significado antijurídico da conduta e propósito firme de não a repetir. Constatar esse vazio, como faz o Tribunal Colectivo, não significa qualquer valoração negativa do exercício do direito ao silêncio. Comporta tão-somente a indicação de que o arguido não pode beneficiar de arrependimento, como também não pode contar com o valor mitigante da necessidade da pena decorrente da confissão, o que é inteiramente correcto. Aliás, o que se escreve na decisão recorrida tem exactamente o mesmo significado do que diz o recorrente na 53ª conclusão: «Por outro lado, o arrependimento do arguido constitui matéria de facto que não foi dada como provada, pelo que não pode relevar em sede de medida da pena». Afasta-se, por conseguinte, a reclamada violação dos artºs. 2º e 32º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
[116] Já no que concerne à crítica dirigida no acórdão à estruturação da defesa, tem o recorrente inteira razão. Não pode confundir-se a defesa técnica, através da apresentação de contestação elaborada e subscrita por advogado, com predisposição obnubilante do próprio arguido. Porém, não se vê que o Tribunal recorrido tenha associado qualquer efeito agravante da pena a esse comentário ou à infundada alusão a «farsa».
2.10. Da suspensão de execução da pena de prisão
[117] Aqui chegados, importa apreciar a propriedade de pena de substituição, a saber, a suspensão de execução da pena.
[118] Como afirma Figueiredo Dias, a suspensão de execução da pena constitui entre nós a mais importante das penas de substituição Figueiredo Dias, Direito Penal Português ....., pág. 337., a qual depende da formulação de um prognóstico favorável incidente sobre a capacidade do arguido para atingir a sua ressocialização em liberdade Designada por Maurach e Zipf, Derecho Penal, Parte General, Ed. Astrea, 1995, pág. 824 (tradução da 7 ed. original alemã de 1988), por ressocialização ambulatória.. Na expressão de H.H. Jescheck «a prognose social favorável do arguido, que deve acontecer em todos os casos, consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum delito. Com razão, não se exige já a perspectiva de uma “vida futura ordenada e conforme com a lei [...], já que para o fim preventivo da suspensão basta que não volte a delinquir no futuro. Esperança não significa certeza [...]. O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente, mas se existem dúvidas sérias sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa, o que de facto supõe um " in dubio contra reum". A prognose exige uma valoração total de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido. Estas circunstâncias são a sua personalidade (por ex., inteligência e carácter), a sua vida anterior (por exemplo, outros delitos anteriormente cometidos da mesma ou de outra natureza), as circunstâncias do delito (por exemplo motivações e fins), o seu comportamento depois de ter cometido o crime (por exemplo reparação do dano, arrependimento), as circunstâncias da sua vida (por exemplo, profissão, casamento e família) e os efeitos que se esperam da suspensão [...]» H.H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, vol. I, Bosch, 1981 (tradução da 3ª ed. original alemã), págs. 1154 e 1155 (tradução do relator)..
[119] Nos termos do artº 50º, nº1, do CP, na conformação vigente à data dos factos, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida; à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A revisão operada pela Lei 59/2007, de 4/9, elevou o limite de aplicação dessa pena de substituição para 5 anos de prisão e impôs duração do período de suspensão igual à da pena de prisão determinada na sentença.
[120] Porém, ainda que centrada na pessoa do arguido no momento actual e na avaliação da respectiva capacidade de socialização em liberdade, ou seja, em considerações radicadas na prevenção especial, a decisão que aprecie a propriedade de escolha por esta, ou outra, pena de substituição, deve atender igualmente às exigências de ponderação geral positiva, para que a reacção penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a protecção do bem jurídico afectado, como imposto pela parte final do nº1 do artº 50º do CP. Esse necessário balanceamento entre as finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização, em que a primeira exerce função limitadora da segunda, encontra relação directa com a gravidade da pena e a proximidade do limite de admissibilidade da pena de substituição. Nas palavras do S.T.J.: «A suspensão da mesma pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade. A lei não o diz, mas é uma questão de razoabilidade e lógica jurídica, dimanada dos princípios, a afirmação de que, em termos de prevenção especial, não tem o mesmo significado na aferição na possibilidade de suspensão de execução da pena uma pena de seis meses de prisão ou uma pena de cinco anos de prisão» Ac. do STJ de 05/12/2007, Pº 07P3396, relator Cons. Santos Cabral, www.dgsi.pt ..
[121] Neste ponto, as questões que se colocam passam por aquilatar se existem condições para confiar que o arguido será capaz de se ressocializar em liberdade, sem voltar a práticas similares às aqui censuradas, e, mesmo que esse risco fundado possa ser afirmado, se a pena de substituição não coloca em causa o «limite mínimo de prevenção geral constituído pela defesa irrenunciável do ordenamento jurídico» Figueiredo Dias, As consequências..., pág. 344.. A estas duas questões deu o tribunal a quo resposta negativa e não vemos razões para censurar essa decisão.
[122] O recorrente evidencia a sua situação familiar, social e económica bem como a inserção e reputação social mas, em boa verdade, essas condições já existiam no momento da prática dos factos, não constituindo a sua manutenção contramotivação suficiente para o afastar da conduta antijurídica ou garantia de ultrapassagem de carência de socialização no domínio dos comportamentos antijurídicos do tipo aqui censurado. E, como se disse supra, os crimes de abuso sexual contra crianças acontecem na maior parte das vezes sob recato e a coberto da proximidade familiar, sem possibilidade de controlo social.
[123] Persiste a primariedade penal, num indivíduo hoje com 69 anos O arguido nasceu em ...., mas essa simples circunstância, desacompanhada de arrependimento, não permite fundar, com o mínimo de segurança, a prognose positiva exigida para a escolha da pena de substituição.
[124] Por outro lado, e como se refere na decisão recorrida, o conflito social – na sociedade portuguesa, e não apenas na área onde residem - desencadeado pela conduta antijurídica, mormente face às importantes consequências no desenvolvimento da criança – nos termos provados, instabilidade emocional, vergonha, insegurança, ansiedade, medo de estar sozinha mesmo durante o dia, pesadelos e sobressaltos ao longo da noite, défice significativo nos relacionamentos sociais e escolares – é claramente idóneo a por em crise a confiança dos cidadãos na eficácia do sistema judicial para a aplicar, dimensão essencial da prevenção geral positiva Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Civitas, 1997, págs. 91-92.. Pensamos, assim, que a aplicação da pena de substituição, com ou sem condições, ou acompanhada de regime de prova, sempre será de afastar, pois assim o exige o «limite mínimo de prevenção geral constituído pela defesa irrenunciável do ordenamento jurídico».
[125] Mantém-se, assim, a decisão também nesta parte.
2.11. Do pedido de indemnização civil
[126] O recorrente põe ainda em crise o acerto da condenação em indemnização à menor, seja por danos patrimoniais, seja por danos não patrimoniais. Em relação aos primeiros, pretende que «este sempre se verificaria» porque a menor passava já as férias fora de casa e considera que não existe nexo causal entre a frequência do centro pedagógico e o abuso sexual. No que concerne aos danos não patrimoniais, considera que o valor fixado - €15.000,00, mais juros desde o trânsito - é exagerado, pois «não foi causado à ofendida um sofrimento que mereça uma compensação tão elevada».
[127] Ora, de acordo com o ponto 23 dos factos provados, a frequência do centro pedagógico deveu-se à necessidade de preservar o equilíbrio psicológico da menor e, nessa medida, encontra relação causal directa e adequada com o evento lesivo, para os efeitos do artº 563º do CC. Não têm aqui pertinência as considerações relativamente ao facto da criança já passar as férias fora de casa pois uma coisa é entregar um filho ao cuidado de um familiar e outra, bem diferente, recorrer a ajuda profissional e remunerada. De acordo com o curso normal das coisas, a despesa correspondente não aconteceria não fosse o desequilíbrio emocional em que ficou a vítima.
[128] Por fim, a impugnação do recorrente quanto ao montante da compensação dos danos não patrimoniais. Na fixação da indemnização por danos «morais» ou não patrimoniais devem ter-se em conta juízos de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado, no contexto da situação económica do cidadão médio e do significado do bem jurídico afectado para a vida em sociedade Ac. do STJ de 9/10/97, in BMJ 470, pág. 221.. Como refere o STJ: «sem se cair em exageros, a indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, impondo-se que a jurisprudência caminhe seguramente para indemnizações não miserabilistas» Ac. do STJ de 28/02/2008, proferido no Pº. 08B388, relator Cons. Custódio Montes, www.dgsi.pt.
[129] Já se explicitou que se considera a perturbação do desenvolvimento da criança e as consequências de saúde mental como importantes, sendo o valor fixado - €15.000 - perfeitamente adequado e equitativo, tendo em atenção a situação económica de quem, reformado, se dedica à agricultura de subsistência. Assim, também aqui, cumpre negar provimento ao recurso, o que significa a total falência da impugnação recursória. O recorrente não põe em crise outras verbas peticionadas e em que foi condenado, mormente a indemnização por deslocações, no montante de €39,12, e por perdas salariais da mãe da menor, a liquidar em execução de sentença, até ao máximo de €117,00.
IV. Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
A. Negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido ... e confirmar a decisão recorrida;
B. Condenar o recorrente nas custas do recurso, que se fixam, quanto às custas crime, atenta a complexidade e pluralidade de questões colocadas e a situação económica do devedor, em 10 (dez) Ucs (artºs. 513º, nº1, 82º e 87º, nº1, al. b) do CCJ), bem como nas custas cíveis (artº 523º do CPP e 446º do CPC).
Notifique.
Texto elaborado em computador e revisto (artº 94º nº2 do CPP).
Recurso nº 371/07.8TAFAF.G
Guimarães, 11/11/2009
(Fernando Ventura - relator |