Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
124/23.6T8VRL.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
RATIFICAÇÃO DE EMBARGO EXTRAJUDICIAL DE OBRA NOVA
REQUISITOS
ABASTECIMENTO DE ÁGUA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. O objeto do recurso de direito pode ficar esvaziado: pela falta de discussão das normas aplicadas, da interpretação e da subsunção realizada, nos termos do art.639º/1 e 2 do CPC.
2. A ratificação de embargo extrajudicial de obra nova exige que os factos provados preencham os requisitos (art.397º/1 do CPC): da titularidade pelo embargante de um direito (real ou pessoal de gozo) ou de posse sobre uma coisa; da realização de uma obra (passível de ofender aquele direito ou posse).
3. O benefício pelo requerente de um abastecimento de água desde 2011, após obras de captação e canalização realizadas num prédio terceiro às partes, sem alegação e prova de factos que permitam considerar, ainda que indiciariamente, que adquiriram um direito real ou pessoal à água (arts.1394º e 1395º do CC, em referência para o art.1390º do CC e, este, em referência, v.g., aos arts.1316º, 1440º, 1547º e 1548º do CC; arts.397º ss do CC) ou exerceram atos possessórios sobre a mesma (arts.1251º ss do C. Civil), não é suficiente para preencher o primeiro requisito referido em 2 supra.
Decisão Texto Integral:
As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte

ACÓRDÃO

I. Relatório:

AA e mulher BB instauraram o presente procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova contra CC e DD, no qual:

1. Os requerentes:        
1.1. Pediram a ratificação do embargo extrajudicial efetuado com efeitos retroativos às 9 horas e 30 minutos do dia 9 de janeiro de 2023.
1.1. Alegaram, para o efeito:
* Que são donos e legítimos proprietários de 1/5 de um prédio rústico composto de cultura, pastagem e mato, designado de “A...”, a confrontar de Norte com EE, de Sul com FF, de Nascente com GG e de Poente com caminho, inscrito na matriz respetiva da União de Freguesias ..., ... e ... sob o artigo ...92.º e ainda de um prédio urbano composto de casa de ... e andar, sito na ..., em ..., a confrontar de norte com Rua ..., de Sul e Nascente com caminho público e de Poente com HH, inscrito na matriz respetiva da União de Freguesias ..., ... e ... sob o artigo ...33.º.
* Que ambos os prédios são abastecidos de água explorada e coletada numa propriedade de uma irmã e cunhado do Requerente marido (artigo rústico ...98.º da freguesia ..., ... e ...) e depois conduzida àqueles prédios e à casa de habitação da irmã e cunhado do Requerente marido, captação subterrânea essa que legalizaram e concretizaram através do licenciamento junto à Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P., em 13 de Junho de 2011, da abertura de um poço e da condução da água através de tubagem soterrada no solo, obras nas quais despenderam quantia superior a 30.000,00 € (trinta mil euros).
* Que em 9 de Janeiro de 2023 pelas 9 horas e 30 minutos o Requerido marido, com recurso a uma retroescavadora, dirigiu-se com outras pessoas ao prédio rústico com o art.º ...98.º da União de Freguesias ..., ... e ... e pretendia demolir a estrutura de captação de águas existente naquele prédio e posteriormente encaminhar as águas para um prédio de sua pertença situado a Sul daquele, alegando para o efeito terem uma ordem judicial; que desde o interior do seu terreno e em direção ao terreno onde se encontra coletada a água usada pelos Requerentes em manilhas de cimento justapostas na vertical, com recurso à dita retroescavadora começaram a escavar o solo visando alcançar a estrutura de cimento onde são armazenadas as águas, situada numa cota superior em relação ao terreno onde foi iniciada a escavação.
* Que, então, o Requerente marido, acompanhado do advogado Dr. II e de duas testemunhas, se dirigiu ao Requerido marido e notificou-o verbalmente para parar imediatamente com os trabalhos em curso, o que este fez.
* Que têm receio de que os Requeridos retomem os trabalhos de demolição, o que causará prejuízos aos Requerentes que ficarão privados de continuar a utilizar e fruir a água ali nascente.

1.2. Determinada a audição dos Requeridos estes, regularmente citados, deduziram oposição, na qual:
a) Invocaram a ilegitimidade ativa dos requerentes por entenderem: que os mesmos não eram titulares do direito de propriedade ou de outro direito real sobre o prédio denominado “L...” inscrito na matriz predial rústica da União das Freguesias ..., ... e ... sob o artigo ...98.º, como entenderam ter sido confessado no requerimento inicial, por a mesma propriedade ser da irmã e do cunhado do Requerente marido, JJ e KK; que não são titulares do direito de propriedade ou qualquer outro direito real sobre as águas existentes no referido prédio.
b) Invocaram a caducidade do procedimento.
c) Defenderam a improcedência do procedimento, impugnando a matéria de facto alegada pelos Requerentes e alegando: que o licenciamento e obras para captação/condução de águas no prédio denominado “L...” foram realizadas por LL e marido KK, os quais foram, de resto, Réus na ação de processo sumário intentado pelos Requeridos, na qual aqueles foram patrocinados pelo Senhor Dr. II e no âmbito da qual o Requerente marido foi ouvido na qualidade de testemunha, tendo corrido seus termos pela Instância Local Cível ... – Juiz ... com o n.º 893/11....; que na referida ação judicial LL e o marido foram condenados, além do mais, a abster-se de praticar quaisquer atos que prejudicassem o direito dos ali Autores, aqui Requeridos, a explorar águas subterrâneas no referido prédio “L...”; que transitada em julgado a sentença, foi intentada a ação executiva da sentença com o n.º 255/17.... do Tribunal de Execução ..., Comarca ..., no âmbito da qual – novamente patrocinados pelo Senhor Dr. II e arrolando como testemunha o aqui Requerente marido, após oposição à execução e recursos, foi realizada perícia para determinação das obras necessárias a repor o direito dos ali exequentes, ora Requeridos sobre as águas em causa e a determinar o respetivo curso; que até em 22 de Outubro de 2022 os Requeridos informaram o Tribunal de que iam mandar fazer, por terceiro, as obras e trabalhos considerados necessários e adequados a repor o seu direito sobre as águas e, notificando por ordem do Tribunal o mandatário dos executados, Senhor Dr. II, da realização das obras em 9 de Janeiro de 2023, foram surpreendidos, ainda dentro do próprio prédio, pelo Requerente marido e pelo referido Senhor Advogado, e foram notificados verbalmente para parar imediatamente com os trabalhos em curso, ficando a obra embargada – o que o Requerido marido fez.
d) Terminaram pedindo a declaração de improcedência do procedimento, por não provado, e a condenação dos requerentes como litigantes de má-fé por alterarem a verdade dos factos com o propósito de deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam, entendendo que deveria fixar-se multa e uma indemnização a favor dos requeridos em montante não inferior a 1.250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros).
3. Procedeu-se à audiência.
4. Proferiu-se sentença, que julgou improcedente o pedido de ratificação de embargo de obra nova.
5. Os requerentes interpuseram recurso, no qual apresentaram as seguintes conclusões:
«A- O embargo de obra nova, como providência cautelar que é, visa apenas acautelar o efeito útil da acção que tenha por fundamento o direito, ofendido ou ameaçado do embargante.
B- No que concerne à titularidade do direito, em sede de providência cautelar não é necessário que a prova produzida fundamente um juízo de certeza, bastando que permita formular um juízo de verosimilhança ou de forte probabilidade acerca dessa titularidade.
C- O decretamento de certa providência cautelar depende, em regra, da verificação cumulativa de dois requisitos: a existência (provável) de um direito e o dano ou perigo de dano desse direito, sendo este requisito directamente correspondente a cada tipo especial de providência.
D- Ao embargo de obra nova não resulta a aplicação de um dos requisitos do procedimento cautelar comum, o periculum in mora, ou seja, a necessidade de o requerente alegar e provar indiciariamente o fundado receio de que o seu direito sofrerá lesão grave e de difícil reparação, se não for de imediato tutelado pela providência peticionada. Na verdade,
E- O prejuízo não carece de valoração autónoma, pois de alguma forma já está ínsito na ofensa do direito, e o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa, não sendo necessário alegar a existência de perdas e danos, por o dano ser jurídico. Desde que o facto tem a feição de ilícito, porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para efeitos de embargo de obra nova - cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. 2°, p. 63 e segs.; Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, p. 30; Ac. RC de 8/01/91, C.J. 1°,42 e Ac. RE de 29/11/2001, CJ, 5°,253.
F- Com efeito, admitir-se a adopção da posição contrária e defender-se a exigibilidade de uma qualquer demonstração qualitativa dos prejuízos sofridos pelos apelantes, decorrentes do comportamento abusivo dos apelados, significaria, naprática, determinar o proprietário a assistir, serenamente, àinvasão da sua propriedade por um terceiro, que estaria, pelo menos até ao trânsito em julgado da decisão dos autos principais, perfeitamente legitimado a aí permanecer e edificar o que bem entendesse.
G- Tal posição redundaria, obviamente, numa manifesta violação do direito fundamental à propriedade privada, constitucionalmente garantido e consagrado (art° 62° da CRP, que o Código Civil bem define no art° 1305°, eliminando, sem mais, a possibilidade de quem quer que seja, que não o proprietário, a usar exclusivamente do bem) e bem assim do princípio da segurança jurídica (art° 2° da CRP).
H- O requisito do receio de "lesão grave e dificilmente reparável", previsto no art. 362° nº 1 do CPC para as providências cautelares não especificadas, não é aplicável às providências especificadas,designadamenteaoembargo deobranova (art° 376° n° 1 e 397° n° 1 do CPC).
I- Os procedimentos cautelares devem ser articulados de forma simples, sumária e concisa, só assim se justificando a sua natureza, que é urgente.
J- No caso “sub judice”, dada a matéria de facto considerada como assente, outra deveria ser a decisão, ou seja, deveria o tribunal a quo ter decretado a ratificação do embargo extrajudicial dirigido aos Requeridos em 9 de Janeiro de 2023, pois daqueles factos provados resulta de forma indiciária quer a titularidade do direito dos apelantes quer o prejuízo causado pela pretendida acção dos apelados tal qual preceitua a disciplina contida no nº 1 do artigo 397º do C.P.C.
K- Ao decidir-se como se decidiu, foi violada, por errada interpretação, a disciplina referente ao embargo de obra nova, nomeadamente, a prevista no artº 397° do CPC e bem assim, a disciplina dos art°s 1251º e 1305° do C.C. e 62° e 2° da C.R.P.
L- Razão pela qual deverá a decisão ser revogada e substituída por outra em que se decida pelo decretamento da ratificação do embargo extrajudicial dirigido aos Requeridos em 9 de Janeiro de 2023.
Assim decidindo, far-se-á, uma vez mais, a costumada e devida JUSTIÇA».
6. Os requeridos responderam ao recurso, defendendo a decisão recorrida.
7. Foi admitido o recurso em 1ª instância (como recurso de apelação, com subida imediata e nos próprios autos) e, após subida, foi recebido nesta Relação de Guimarães.
8. Realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do C. P. Civil.
Definem-se como questões a decidir, se a decisão recorrida incorreu em erro de direito, por estar preenchido de forma indiciária quer a titularidade do direito dos apelantes quer o prejuízo causado pela pretendida ação dos apelados tal qual preceitua a disciplina contida no nº 1 do artigo 397º do C.P.C (sem que, no entender do requerente, seja necessário demonstrar o periculum in mora da "lesão grave e dificilmente reparável", previsto no art. 362° nº 1 do CPC para as providências cautelares não especificadas).

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto da decisão de facto da sentença recorrida:
1.1. Matéria de facto indiciariamente provada pelo Tribunal a quo:
«1 – O Requerente marido consta na matriz rústica com o artigo ...92.º da União das Freguesias ..., ... e ... como titular de propriedade plena de um quinto do prédio rústico composto de cultura, pastagem e mato, designado de A..., a confrontar de Norte com EE, de Sul com FF, de Nascente com GG e de Poente com caminho.
2 – O Requerente marido consta na matriz urbana com o artigo ...33.º da União das Freguesias ..., ... e ... como titular de propriedade plena do prédio urbano composto de casa de ... e andar sito na ..., em ..., a confrontar de norte com Rua ..., de Sul e Nascente com caminho público e de Poente com HH.
3 – Tanto um prédio como o outro são abastecidos de água explorada e colectada numa propriedade de uma irmã e cunhado do Requerente marido, artigo rústico ...98.º da freguesia ..., ... e ..., e depois conduzida a esses prédios e ainda à casa de habitação da irmã e cunhado do Requerente marido.
4 – Em data anterior a 2011 a irmã do Requerente marido decidiu fazer uma captação de água subterrânea no prédio com o artigo ...98.º
5 – A irmã do Requerente marido solicitou junto da Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P., autorização de utilização dos recursos hídricos para captação de água subterrânea, que tomou o n.º de processo 1974/2011, tendo-lhe sido concedida por aquela entidade em 13.06.2011.
6 – Munida dessa autorização, a irmã do Requerente marido procedeu à abertura de um poço no prédio atrás citado, explorando e colectando a água ali nascente.
7 – Posteriormente, conduziu essa água através de tubagem soterrada no solo ao longo de várias centenas de metros até à respectiva casa de habitação, à casa de habitação do Requerente marido e ao prédio rústico identificado no ponto 1-dos factos provados.
8 – Desde data não concretamente apurada mas situada em momento posterior à referida em 5- e até ao presente o Requerente marido tem utilizado essa água para as suas necessidades domésticas e para o granjeio da exploração agrícola que possui no prédio rústico identificado em 1.
9 – O Requerente marido cultiva diferentes variedades de produtos hortícolas e cria gado bovino, suíno e aves no prédio referido em 1-.
10 – A autorização de captação de água subterrânea emitida pela Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P. ainda se encontra em vigor.
11 – No dia 9 de Janeiro de 2023 cerca das 9 horas, o Requerido marido acompanhado de alguns familiares e trabalhadores sob as suas ordens e direcção, dirigiram-se ao prédio rústico com o artigo ...98.º da União das Freguesias ..., ... e ... e, com recurso a uma retroescavadora, pretendia demolir a estrutura de captação de águas existente naquele prédio eencaminhar as águas para um prédio de sua pertença situado a Sul daquele, alegando para o efeito ter uma ordem judicial.
12 – Para esse efeito os Requeridos, desde o interior do seu terreno e em direção ao terreno onde se encontra colectada a água usada pelos Requerentes em manilhas de cimento justapostas na vertical, com recurso àquela retroescavadora, começaram a escavar o solo, visando alcançar a estrutura em cimento onde são armazenadas as águas, situada numa cota superior em relação ao terreno onde foi iniciada a escavação.
13 – Onde, aí chegados, os Requeridos tinham a pretensão de derivar as águas ali colectadas para uma poça existente no seu terreno.
14 – Nesse momento, o Requerente marido, acompanhado do advogado Dr. II, de duas testemunhas de nome HH e MM, dirigiram-se ao Requerido marido que se encontrava presente e o referido advogado notificou-o verbalmente para parar imediatamente com os trabalhos em curso, pelo que embargava a obra.
15 – O Requerido marido parou de imediato com as referidas obras, no entanto deixou nas imediações do local a máquina retroescavadora.
16 – Os Requerentes temem que os Requeridos, a qualquer momento, retomem os trabalhos de demolição, ficando privados de continuar a utilizar e fruir da água ali nascente.
17 – Em data não concretamente apurada mas próxima àquela referida em 5- , JJ e marido KK, irmã e cunhado do Requerente marido, no limite do prédio com o artigo matricial ...98.º mandaram abrir uma vala com cerca de sete metros de comprimento por três metros de profundidade e dois metros de largura e nessa vala abriram um poço e introduziram manilhas justapostas na vertical, coletando a água do prédio para a vala e poço, privando os Requeridos de grande parte da água que era coletada através de uma estrutura de captação e transporte de água, alinhada no sentido do prédio superior para o prédio inferior.
18 – Em 27 de Maio de 2011 os Requeridos intentaram acção de processo sumário contra a referida irmã e cunhado do Requerente marido que correu seus termos sob o processo sumário n.º 893/11.... na Instância Local - Secção Cível – Juiz ....
19 – Os referidos LL e marido KK contestaram a referida acção, sendo seu mandatário na referida acção o Ilustre Advogado Dr. II.
20 – Tendo os referidos LL e marido alegado que foram eles que efectuaram as referidas obras e que foram autorizados pela Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P..
21 – E indicaram como testemunha seu irmão e cunhado o aqui Requerente marido – AA.
22 – Foi realizada a audiência de discussão e julgamento da causa e o aqui Requerente, AA, prestou declarações, como testemunha, a toda a matéria de facto constante da base instrutória.
23 – O Tribunal proferiu sentença tendo dado como provados os seguintes factos com interesse para os presentes autos:
“1. Os Autores são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico composto de terra de cultura (feno e pastagem), situado no lugar das “L... ou T...”, a confrontar de Norte com NN, de Nascente com HH, do Sul Limite da freguesia e Poente com o caminho, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o art.º ...65.
2. O prédio identificado em 1. foi adquirido pelos Autores em 1978, por Escritura Pública de Partilha outorgada no Cartório Notarial ..., no dia 18 de Setembro de 1978 a fls. 20 a 21 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas ....
3. Desde que adquiriram o prédio identificado em 1., os Autores dele se apoderaram, chamando-lhe propriedade sua, pagando as respectivas contribuições prediais, fruindo e possuindo o referido prédio como donos, por si e família, cultivando-o, regando-o, semeando e colhendo feno e pastagens, guardando e pastoreando gados, enfim praticando todos os actos inerentes ao direito de propriedade.
4. mais de 100 anos que por si e antecessores, os Autores encontram-se na posse do referido prédio, como donos, praticando os actos inerentes ao direito de propriedade, frente a todas as pessoas do lugar nomeadamente dos Réus, sem oposição de ninguém, convictos de exercerem direito próprio e na convicção de não lesarem direitos alheios.
5. O prédio identificado em 1. foi adquirido pelo avô dos Autores, OO, a PP por escritura de Venda e Quitação, outorgada em 06 de Maio de 1901.
6. Da escritura referida em 5. consta que o comprador fica com o direito de meter mina, rota ou aqueduto para exploração de águas no prédio do vendedor chamado L....
7. Após a realização da escritura, OO meteu aqueduto no prédio referido em 1. para exploração das águas.
8. Encaminhando as águas do prédio superior para uma poça existente no prédio referido em 1. através duma estrutura de captação e transporte de água alinhada no sentido do prédio superior e constituída sucessivamente por uma vala a céu aberto, depois por aqueduto construído em lajes de pedra, depois por uma mina escavada na rocha a cerca de cinco metros de profundidade e finalmente por um orifício escavado na rocha com cerca de dez centímetros de diâmetro e pelo menos nove metros de extensão, orifício este que extravasa o limite do prédio referido em 1.
9. Na poça referida em 8. existe um engenho que quando a poça enche, abre e vaza a água em rego a céu aberto, para regar o prédio referido em 1.
10. As obras referidas em 8. foram mantidas até ao presente.
11. A água era usada e fruída pelos Autores e seus antecessores para rega do prédio referido em 1., para dar de beber ao gado, sem interrupção sem quezílias, frente a todas as pessoas do lugar, dos Réus e de seus antecessores de boa-fé, na convicção de exercerem um direito próprio.
12. Cerca do ano de 2010, os Réus mandaram abrir uma vala com cerca de 7 metros de comprimento por cerca de 3 metros de profundidade e 2 metros de largura, no limite do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...63.
13. Nessa vala abriram um poço e introduziram manilhas, justapostas na vertical.
14. Colectando deste modo a água do prédio referido em 12. para a vala e poço.
15. Privando os Autores de grande parte da água que era colectada e conduzida através da estrutura referida em 8. para rega e lima do prédio referido em 1.
16. Os Autores ficaram privados de limar o referido prédio, como sempre limaram, durante o Inverno, diminuindo a quantidade do pasto para o gado.
17. E de regar durante o Verão, deixando de colher a quantidade de feno que sempre colheram. (...)”.
24 – Os ali Réus LL e marido, irmã e cunhado do aqui Requerente marido, foram condenados, além do mais, a abster-se de praticar quaisquer actos que prejudiquem o direito dos Autores, aqui Requeridos, a explorar águas subterrâneas no referido prédio “L...”, à data inscrito na matriz predial rústica da extinta freguesia ... sob o artigo ...63.º actualmente artigo ...98.º da União de Freguesias ..., ... e ....
25 – Inconformados com sentença os referidos réus interpuseram recurso de apelação da para o Tribunal da Relação de Guimarães.
26 – O Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente o recurso e manteve a decisão recorrida.
27 – Após trânsito em julgado da referida sentença, foi remetida, pelos aqui Requeridos, carta registada com aviso de recepção, em 16 de Março de 2016, ao Senhor Director do Departamento dos Recursos Hídricos I...- IP, Rua ..., ... ..., a requerer a revogação do título de utilização de recursos hídricos - captação de águas subterrâneas, Autorização A0058/2011-RH3.12.A - concedido a JJ - NIF: ..., em virtude dessa captação prejudicar direitos dos requerentes, adquiridos há mais de 100 anos – art.º 1334º n.º 1 do Código Civil.
28 – Tendo junto certidão da sentença proferida pelo Tribunal da Comarca ... e do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, com trânsito em julgado nos autos de Processo n.º 893/11.....
29 – Entretanto, não tendo os Réus - LL e marido KK - cumprido a decisão supra referida, viram-se os Autores, aqui Requeridos, obrigados a executar judicialmente a sentença, execução essa a correr seus termos sob o processo n.º 255/17.... do Tribunal de Execução ..., Comarca ....
30 – Os Executados - LL e marido KK deduziram oposição à execução, sendo seu mandatário o Ilustre Advogado Dr. II, e indicaram como testemunha o aqui Requerente AA.
31 – Tendo sido proferida sentença que julgou improcedente a referida oposição à execução e determinou o prosseguimento dos autos para prestação de facto, com a realização de perícia com vista a determinar os actos necessários a repor o direito dos exequentes sobre as águas em causa e a determinar o seu custo.
32 – Inconformados com a sentença os referidos Executados interpuseram recurso de apelação da para o Tribunal da Relação de Guimarães.
33 – O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão tendo julgado totalmente improcedente a apelação e confirmou integralmente a decisão recorrida.
34 – Após o que foi nomeado perito para a realização de perícia com vista a determinar os atos necessários a repor o direito dos Exequentes sobre as águas em causa e a determinar o seu custo.
35 – Notificados que foram, Exequentes e Executados, do relatório de peritagem, os segundos deduziram reclamação.
36 – Prestados que foram pelo Senhor Perito os requeridos esclarecimentos, os Executados vieram requerer a realização de uma segunda perícia.
37 – Perícia essa que foi admitida com o mesmo objeto da primeira - a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira.
38 – Foi nomeado novo perito para a realização da segunda perícia, notificados que foram, Exequentes e Executados do segundo relatório de peritagem, aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, os Executados deduziram reclamação.
39 – Prestados os esclarecimentos pelo Senhor Perito vieram os referidos Executados requerer a realização de perícia complementar.
40 – A qual foi indeferida.
41 – Inconformados com o despacho os executados interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães.
42 – Recurso este que não foi admitido por extemporâneo.
43 – Inconformados com o despacho de não admissão do recurso, os executados reclamaram para o Tribunal da Relação de Guimarães.
44 – Tendo sido proferida decisão singular pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que manteve o despacho de não admissão do recurso.
45 – Determinados que foram os actos necessários a repor o direito dos Exequentes, aqui Requeridos, sobre as águas em causa, bem como o seu custo, em 22.10.2022 os Exequentes, aqui Requeridos, informaram o Tribunal que iam mandar fazer, por terceiro, as obras e trabalhos necessários a repor o direito dos Exequentes sobre as águas em causa, prestando contas ao Tribunal.
46 – Tendo nessa data notificado o Ilustre Mandatário dos Executados - Dr. II.
47 – Prevendo a possibilidade dos Executados impedirem a execução dos trabalhos requereram ao Tribunal fosse requisitado ao Comando Territorial ... da Guarda Nacional Republicana uma brigada no local na data de início dos trabalhos.
48 – Tendo sido proferido despacho “...de que não se encontrando demonstrado que os Executados se iriam opor à realização das ditas obras, tanto mais que tiveram conhecimento da pretensão dos Exequentes, com a notificação efetuada ao seu ilustre mandatário em 22/10/2022, sendo prudente, a nosso ver, que previamente à realização das mesmas, os Exequentes informem os Executados do dia em que o terceiro irá ao local realizar os ditos trabalhos e obras para que estes últimos possam contar com dita intervenção.”.
49 – Notificados do douto despacho os Exequentes, aqui Requeridos, em 07.12.2022 ofereceram requerimento aos autos a informar que já se encontravam penhorados bens dos executados com vista ao pagamento ao terceiro que realize os trabalhos e as obras.
50 – Mais informaram que os trabalhos e obras a realizar por terceiro teriam início no dia 9 de Janeiro de 2023.
51 – Requerimento este notificado no referido dia 07.12.2022 ao Ilustre Mandatário dos Executados - irmã e cunhado do aqui Requerente marido - Dr. II.».

1.2. Matéria de facto julgada não provada:
«1 – Os Requerentes são donos e legítimos proprietários de um quinto do prédio identificado em 1- dos factos provados.
2 – Os Requerentes são donos e legítimos proprietários do prédio identificado em 2- dos factos provados.
3 – Os Requerentes, por si e seus antecessores, há mais de vinte e trinta anos, colhem e fruem todas as suas utilidades, utilizando o urbano para sua habitação, à vista e com o conhecimento de todas as pessoas, designadamente dos Requeridos, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja, ininterruptamente, convictos de estarem a exercer um direito próprio, sem prejudicar ou lesar direitos alheios, em tudo se comportando como proprietários.
4 – Durante o ano de 2008 os Requerentes e o cunhado do Requerente marido, porque necessitavam de abastecer de água as casas de habitação de ambos e ainda um prédio rústico pertencente aos Requerentes, decidiram fazer uma captação de água subterrânea no prédio com o artigo ...98.º.
5 – Que os Requerentes tenham solicitado conjuntamente com a irmã do Requerente marido a autorização referida em 5- dos factos provados.
6 – Que os Requerentes tenham, em comunhão de esforços e de meios financeiros, procedido às obras referidas em 6- e 7- dos factos provados.
7 – Que a Requerente mulher pratique os actos referidos em 8- e 9- dos factos provados.
8 – Que a exploração referida em 8- e 9- dos factos provados não seja possível sem o recurso à água captada nos moldes referidos.
9 – Que os Requerentes, juntamente com a irmã e o cunhado do Requerente marido, tivessem despendido com a exploração, captação e condução daquelas águas subterrâneas um valor superior a 30.000,00 € (trinta mil euros).
10 – Que a notificação referida em 14- dos factos provados tenha sido proferida pelo Requerente marido.
11 – Que a privação da utilização e fruição da água referida em 16- dos factos provados causará prejuízos aos Requerentes.
12 – Os Requerentes alteraram a verdade dos factos com o fim de deduzirem intencionalmente, e com dolo, petição cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer.
13 – Os Requerentes causaram aos Requeridos profunda humilhação e descrédito, não só perante todos os que estavam presentes no local, mas também perante os vizinhos, moradores na aldeia de ..., que vêm comentando o sucedido.
14 – Os Requeridos pagaram 650,00 € (seiscentos e cinquenta euros) à empresa que ia executar os trabalhos, pela deslocação e recolha da máquina retroescavadora.»
2. Apreciação do mérito do recurso:
A decisão recorrida julgou improcedente o procedimento cautelar por entender que, entre os quatro requisitos exigíveis, os factos indiciados não permitiam concluir que a obra nova poderia afetar direito dos requerentes (de propriedade ou de servidão) sobre a água, nos seguintes termos:
«Nos termos do art.º 397.º do Código de Processo Civil, aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade (singular ou comum) ou em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou ainda na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer que a obra/trabalho/serviço seja mandado suspender imediatamente, desde que o requeira dentro de trinta dias a contar do conhecimento do facto.
Trata-se, o embargo de obra nova, de uma providência cautelar com funções preventivas ou conservatórias, visando evitar o perigo real de ocorrência de danos ou de agravamento de uma situação de facto ainda remediável, enquanto o litígio não é definitivamente resolvido na acção principal.
São, assim, requisitos cumulativos da providência:
a) a probabilidade da titularidade de um direito de propriedade singular ou comum, de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse;
b) que esse direito tenha sido ofendido por obra/trabalho/serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo;
c) ser requerida a providência através da instauração do respectivo procedimento específico dentro dos trinta dias contados do conhecimento do facto que ofende aquele(s) direito(s);
d) o periculum in mora que justifica qualquer providência cautelar.
Analisemos cada um dos pressupostos do decretamento da providência.
Primeiramente, conforme resulta do elenco dos factos provados/não provados, desde logo não ficou assente que a água que se encontra conduzida para a parcela de terreno correspondente a uma quinta parte do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...92.º, seja objecto de qualquer direito titulado pelos Requerentes.
Efectivamente, a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não seja desintegrado do domínio, por lei ou negócio jurídico – art.º 1344.º n.º 1 do Código Civil. Assim, “enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou negócio jurídico, as águas são partes componentes dos respectivos prédios, tal como a terra, as pedras, etc. Quando desintegradas, adquirem autonomia e são consideradas, de per si, imóveis” (Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, página 196). Consequentemente, as águas são coisas imóveis, quando desintegradas da propriedade superficiária – art.º 204.º n.º 1 alínea b) do Código Civil.
As águas podem ser públicas ou particulares – art.º 1385.º e, entre outras, são particulares as águas subterrâneas existentes em prédios particulares (art.º 1386.º n.º 1 alínea b) do Código Civil.
Considera-se justo título de aquisição das águas das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões, art.º 1390.º n.º 1 do Código Civil; a usucapião, porém, só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio, art.º 1390.º n.º 2.
O direito à água que nasce em prédio alheio, conforme o título da sua constituição, “pode ser um direito ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, e pode ser apenas o direito de a aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes, por conseguinte, às necessidades deste. No primeiro caso, a figura constituída é a da propriedade da água, no segundo, é a da servidão” (Pires de Lima e Antunes Varela, op cit., Volume III, 2.ª edição, página 305). Consequentemente, sobre uma água existente ou nascida em prédio alheio podem constituir-se dois tipos distintos de situações: o direito de propriedade sempre que, desintegrada a água da propriedade superficiária, o seu titular pode usá-la, frui-la e dispor dela livremente; o direito de servidão quando, continuando a água a pertencer ao dono do solo ou de um outro prédio, se concede a terceiro a possibilidade de aproveitá-la, em função das necessidades de um prédio diferente.
A constituição de um direito de propriedade depende da existência de um título capaz de a transferir. A constituição de uma servidão resulta da existência de um dos meios referidos no art.º 1547.º do Código Civil: contrato, testamento, usucapião, destinação do pai de família, sentença e decisão administrativa (Pires de Lima e Antunes Varela, op cit., Volume III, 2.ª edição, página 305).
No requerimento inicial, os Requerentes pedem a ratificação de um embargo extrajudicial feito com base na invocação de um direito a águas captadas em um prédio da propriedade de uma irmã do Requerente marido e conduzidas à parcela de terreno integrante de um prédio rústico e de um prédio urbano, águas essas utilizadas para a manutenção de uma exploração agrícola e consumo doméstico. Mais alegaram que tal captação no prédio da irmã do Requerente se iniciou em 2011, data a partir da qual também passaram a usufruir da dita água conduzida para os prédios que granjeiam/habitam.
Ocorre, porém, que os Requerentes não lograram provar, sequer indiciariamente, qualquer um dos modos de aquisição de qualquer direito às ditas águas – considerando-se a possibilidade de propriedade plena (no caso de a água ter sido desintegrada do prédio da irmã do Requerente) ou de servidão (no caso de aproveitamento em função das necessidades de prédios diferentes daquele onde as mesmas nascem).
Limitaram-se a invocar o aproveitamento das águas desde 2011, sem enquadrar a forma de aquisição das mesmas por título legítimo (pois, como se referiu acima, as águas, enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou por negócio jurídico, são partes componentes do respectivo prédio onde nascem – neste caso, do prédio de LL). Também não estão reunidos os pressupostos da usucapião, já que, continuando a água a ser pertença do prédio onde nasce, para poder ser adquirido pelos Requerentes por usucapião os elementos constitutivos teriam que ter perdurado por tempo suficiente para a consumar – art.ºs 1296.º e 1390.º n.º 2 do Código Civil – o que não aconteceu (2011-2023).
Não existe, pois, qualquer título capaz de transferir a propriedade da água que nasce no prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...98.º da União de Freguesias ..., ... e ... para os Requerentes.
Quanto à obra nova (a qual tem que se mostrar ser a causa da ofensa ao direito real invocado pelos Requerentes) temos como provado que os Requeridos pretendiam iniciar o desmantelamento das construções de captação de águas no prédio propriedade de LL e marido por forma a executar sentença judicial transitada em julgado, pelo que a obra não é ilícita.
Assim, tendo em conta os elementos que ficaram provados e, maxime, os que não ficaram provados, não podemos considerar que há a probabilidade séria da existência de um direito real titulado pelo Requerentes que esteja em perigo de ser violado pelas obras a levar a cabo pelos Requeridos.
Como expressão dos princípios do dispositivo e da iniciativa das partes, que trespassam todo o processo civil, impende sobre as mesmas o ónus da alegação dos factos essenciais que produzem o efeito jurídico pretendido com o procedimento intentado (art.ºs 552.º n.º 1 d) e 3.º n.º 1 do Código de Processo Civil). Tais princípios aplicam-se a quaisquer acções cíveis, e, naturalmente, aos procedimentos cautelares.
E, assim, não tendo resultado estabelecida como provável a existência do direito real invocado pelos Requerentes, não se justifica avançarmos na apreciação dos restantes requisitos de verificação de fundamentos para o decretamento da providência cautelar requerida.
Conforme se aventou acima, os requisitos do decretamento da providência de ratificação de embargo de obra nova requerida são cumulativos pelo que, na falta da verificação de um deles, a pretensão deduzida terá que soçobrar.».
Os recorrentes, no recurso da decisão recorrida: não impugnaram os factos julgados provados e não provados pelo Tribunal a quo, nos termos do art.640º do CPC, razão pela qual os mesmos (referidos em III-1 supra) se julgam definitivamente assentes; limitaram-se a tecer considerações gerais sobre os requisitos da providência especificada de embargos de obra nova (contestando a indicação abstrata do tribunal a quo do requisito periculum in mora) e a defender que se encontravam violadas as normas dos arts.1251º ss e 1305º do C.C. e 62º da CRP, sem discutir especificamente os termos em que julgava verificado o único requisito (ou os dois únicos requisitos) tratado(s) em concreto na decisão recorrida (que entendeu que os requerentes/aqui recorrentes não alegaram e provaram indiciariamente a aquisição de um direito de propriedade ou um direito de servidão de águas, que pudesse ser afetado ou lesado com o prosseguimento da obra judicialmente embargada, falta esta que prejudicava a necessidade de conhecimento dos demais requisitos).
Importa, assim, reapreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de direito, que tenha violado, de acordo com as conclusões do art.639º/1 e 2 do CPC, as invocadas normas dos arts.1251º e 1305º do C. Civil e 62º da Constituição da República Portuguesa.
Por um lado, reconhece-se que, do ponto de vista dos requisitos abstratos de que a lei faz depender o decretamento da providência de ratificação de embargo de obra nova, estes podem considerar-se mais restritos do que aqueles que vigoram para os procedimentos cautelares comuns, de acordo com a formulação da norma específica do art.397º do C. P. Civil e do entendimento que da mesma tem sido feito.
De facto, apesar da lei exigir como requisitos, pelo menos, a existência de uma obra e a ofensa pela mesma de um direito (real ou pessoal de gozo) ou da posse, tem sido considerado controverso se o prejuízo ou a ameaça do prejuízo que a ofensa exige se considera um requisito autónomo[i] E, neste âmbito, e como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, «A lei prescindiu da quantificação e da qualificação dos prejuízos, de modo que, demonstrada a ofensa de direitos de natureza patrimonial, é indiferente para a procedência dos embargos a gravidade dos danos, diversamente do que ocorre quanto ao procedimento cautelar comum (art.368º, nº2), sem prejuízo da eventual autorização da continuação da obra, nos termos do art.401º.». 
Por outro lado, todavia, o Tribunal a quo fez soçobrar a providência na 1ª instância por entender que os factos provados, conjugados com aqueles cuja prova não se fez, não permitiam reconhecer a verificação do primeiro e prévio requisito de que depende o decretamento da providência- a existência de um direito sobre as águas, que pudesse vir a ser ofendido com a realização da obra de demolição do sistema de captação implantado em prédio terceiro (em relação aos prédios das partes).
Os recorrentes, em relação à fundamentação dada pelo Tribunal a quo para extrair esta conclusão, com referência ao regime civil, não indicaram, como lhes era exigido nos termos do art.639º/1 e 2 do CPC: quais foram as normas que foram aplicadas pelo Tribunal a quo de forma errada; qual o sentido com que, no seu entender, as normas que constituíram fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ou quais as normas não aplicadas e que deveriam ter sido aplicadas; quais os factos que, no seu entender, demonstravam a violação das normas dos invocados arts.1251º ss e 1305º do C. Civil e art.62º do CRP e porquê.
Esta omissão concreta de discussão esvazia o objeto de apreciação do recurso por este Tribunal ad quem.
Todavia, ainda que se considere existir um mínimo de alegação para discutir de forma concreta a decisão recorrida (face à invocação de violação dos arts.1251º ss e 1305º do C. Civil e 62º da CRP), verifica-se que não assiste razão aos requerentes/recorrentes.
De facto, na apreciação dos factos sumariamente provados deve atender-se: que a versão da alegação dos requerentes ficou provada com menor amplitude, face à matéria julgada não provada; que a versão residual provada pelos recorrentes deve ser lida em conjugação com versão provada pelos requeridos. Nesta sede, verifica-se:
a) Que os requerentes lograram apenas provar: que os prédios rústico e urbano provados em 1 e 2 (cujo direito a 1/5 do primeiro e cujo direito ao segundo estão inscritos nas Finanças em nome do requerente) são abastecidos por água coletada no prédio da irmã do requerente, inscrito na matriz sob o art....98º, facto que ocorre após a irmã do requerente ter obtido autorização da Administração da Região Hidrográfica do Norte, IP para captação de águas subterrâneas ali nascentes em junho de 2011, ter construído, depois, um poço e ter feito uma condução subterrânea das águas para a sua casa e para os prédios provados em 1 e 2, águas que o requerente a utiliza para fins agrícolas e domésticos (vide factos provados de 1 a 10); que os requeridos, a 9 de janeiro de 2023, iniciaram obras no prédio inscrito na matriz sob o art....98º, para a derivação da água para uma poça do seu prédio, com invocação de o fazerem por ordem judicial (vide factos provados de 11 a 16), factos que permitem presumir judicialmente que as referidas obras são passíveis de afetar o abastecimento de água provado.
b) Que os requeridos lograram provar: que lhes foi reconhecido por sentença e acórdão transitado em julgado (em ação na qual demandaram a irmã do requerente e marido) um direito à exploração das águas subterrâneas no prédio inscrito no art.3698º (vide factos 18 a 28); que a tutela desse direito encontra-se em fase de execução coerciva, depois de ter transitado em julgado a sentença que julgou improcedente a oposição à execução e de ter terminado a avaliação pericial das obras necessárias a repor o direito dos aqui requeridos/ali exequentes, no contexto do que estes iniciaram as obras de 9 de janeiro de 2023 (vide factos provados de 29 a 51).
Ora, este quadro de facto (não só pela exiguidade e insuficiência da matéria de facto alegada e provada pelos requerentes, mas também pelo direito reconhecido aos requeridos), conjugado com o regime legal aplicável, não permite reconhecer que os requerentes tenham sumariamente demonstrado:
a) Que detêm sobre as águas de que têm beneficiado do abastecimento depois de 2011, provindas do prédio terceiro inscrito na matriz sob o art....98º: de um qualquer direito real (em particular, de propriedade, de usufruto ou de servidão), adquirido de acordo com uma das formas previstas por lei (arts.1394º e 1395º do CC, em referência para o art.1390º do CC e, este, em referência ao art.1316º do CC («O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei»), ao art.1440º do CC  («O usufruto pode ser constituído por contrato, testamento, usucapião ou disposição da lei»), aos arts.1547º («1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usufruto ou destinação de pai de família. 2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou pode decisão administrativa, conforme os casos») e 1548º do CC («1. As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião. 2. Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelem por sinais visíveis e permanentes.»); de um qualquer direito pessoal de gozo (arts.397º ss do CC).
b) Que têm exercido verdadeiros atos possessórios sobre as águas, com o conteúdo do direito de propriedade ou doutro direito real (arts.1251º ss do C. Civil), sendo que a matéria residual provada é passível de integrar uma mera detenção de águas facultada pela dona do prédio inscrito na matriz sob o art....98º (art.1253º do C. Civil).
Assim, a prova do benefício pelos requerentes do abastecimento de águas, facultado pela dona do prédio onde as mesmas são captadas, não é suficiente para se pode reconhecer que os requerentes/recorrentes adquiriram um direito real ou pessoal de gozo ou que beneficiam de uma situação de posse, que pudesse ser tutelada pela ratificação judicial de embargo de obra nova.
Em qualquer caso, os requeridos justificaram o seu direito e a obra que iniciaram, ao provarem: que a dona do prédio inscrito no art.3698º (que canalizou e facultou o uso da água pelos requerentes) foi condenada numa ação declarativa a reconhecer o direito dos aqui requeridos às águas captadas no seu prédio, a não perturbar o exercício deste direito e a sujeitar-se às obras no sistema de captação do seu prédio que permitissem derivar as águas para o prédio dos referidos requeridos; que a obra que veio a ser embargada extrajudicialmente e objeto desta ação, foi iniciada como prestação de facto numa ação executiva, em que a dona do prédio é executada para executar a sentença condenatória.
Desta forma, não se reconhecendo que as obras violem o regime da posse (arts.1251º ss do CC) ou da propriedade de águas dos recorrentes (art.1305º do CC e 62º do CRP), invocados pelos recorrentes neste recurso, ou qualquer outro direito real ou pessoal de gozo passível de tutela pelo art.397º do CPC, improcede o recurso de apelação e conforma-se a improcedência do procedimento cautelar decidido na decisão recorrida.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso de apelação.
*
Custas pelos recorrentes (art.527º/1 do CPC).
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Guimarães, 14 de setembro de 2023
Assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora, 1ª Adjunta e 2ª Adjunta

Alexandra Viana Lopes
Lígia Venade
Maria Gorete Morais
           

[i] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 4ª Edição, fevereiro de 2019, nota 4 ao art.397º, pág. 164.