Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO MATOS | ||
Descritores: | COMPRA E VENDA DE IMÓVEL MÚTUO COM HIPOTECA REGIME DE COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS FALTA RECTIFICAÇÃO DO ESTADO CIVIL ALTERAÇÃO POR AVERBAMENTO DO REGISTO DE AQUISIÇÃO INTERESSES DE TITULARES INSCRITOS INTERVENÇÃO NO PROCESSO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/07/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC) I. Constando de uma escritura de compra e venda de imóvel, e de mútuo com hipoteca, que a compradora é casada com outrem, em regime de comunhão de adquiridos, e declarando-se aí ambos devedores do empréstimo contraído com vista à aquisição do dito imóvel, garantido por hipoteca que ambos constituíram sobre ele, a posterior rectificação do estado civil da compradora, desacompanhada de idêntica e simultânea rectificação do estado civil do declarado como seu marido, é inidónea para a singela alteração por averbamento do registo de aquisição antes (e conformemente) realizado. II. Sendo o cônjuge registado de compradora de imóvel, e o mutuante beneficiário de hipoteca registada sobre ele, afectados nos seus interesses de titulares inscritos, por pedido de rectificação do registo predial respectivo (por alteração do estado civil daquela), terão obrigatoriamente que intervir nesse processo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. M. M., residente na Rua …, n.º … em Guimarães (aqui Recorrente), requereu, na Conservatória do Registo Predial de ..., a rectificação do registo de aquisição de um imóvel (fracção autónoma) em seu nome, nomeadamente por averbamento do seu estado civil no dito registo (que seria de divorciada de A. A., e não de casada com B. V., no regime de comunhão de adquiridos, como erradamente ali constaria). 1.1.2. A Conservatória do Registo Predial de ... pediu à Requerente (M. M.) o «Suprimento de deficiências», conforme e-mail respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê: «(…) Deu entrada nesta Conservatória um pedido de Retificação a que coube a apresentação nº 2304 de 12 do corrente. Ao ser analisado o processo verifica-se, nomeadamente, que: - O título [escritura pública de compra e venda, e mútuo com hipoteca] foi rectificado quanto ao estado civil da compradora mulher; - Mas do mesmo não resulta que a aquisição é apenas a favor dela; - O prédio foi adquirido pelos dois em compropriedade? Qual o estado civil do comprador B. V.; - O prédio está hipotecado, hipoteca esta constituída pelo casal. Não é possível rectificar sem a intervenção do credor. (…) Assim e nos termos do nº 2 do artigo 73 do Código do Registo Predial (CRP) fica V. Exª notificado para no prazo de 5 (cinco) dias suprir as deficiências acima apontadas, com a cominação de que o não fazendo o registo será lavrado como provisório ou recusado. (…)». 1.1.3. A Requerente (M. M.), perante a Conservadora da Conservatória do Registo Predial de ..., prestou verbalmente os esclarecimentos que entendeu por convenientes. 1.1.4. A Conservadora da Conservatória do Registo Predial de ... proferiu «Despacho de Qualificação» recusando a rectificação do registo de aquisição pretendida, já que por sua natureza não poderia ser lavrado como provisório por dúvidas (arts. 101.º, n.º 3, a contrario, e 69.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Registo Predial (1)). Ponderou para o efeito, em síntese, o concreto teor da escritura de compra e venda, e de mútuo com hipoteca, em causa, e o concreto estado civil nela declarado, quanto à aqui Requerente, ali compradora (M. M.), incluindo o regime de bens respectivo; e concluindo que, face aos mesmos, não se estaria perante uma singela rectificação do estado civil do sujeito activo da aquisição, mas antes de efectiva alteração da titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel objecto da dita escritura. 1.1.5. Discordando, M. M. impugnou judicialmente o despacho referido (art. 140.º do CRP), nomeadamente por entender que: retroagindo o averbamento feito pela Notária que lavrou a escritura de compra e venda em causa (de ser M. M., então, divorciada de A. A.) à data de celebração da mesma, apenas ela poderia ter adquirido o imóvel daquela objecto, conforme aliás constaria da dita escritura de compra e venda; e confundir o despacho de qualificação impugnado o sujeito activo da aquisição (M. M.) com a indicação do seu estado civil (a única coisa cuja rectificação estaria aqui a ser pedida, por ali constar como casada com B. V., quando era - apenas e tão só - divorciada, de A. A.). 1.1.6. A Conservadora da Conservatória do Registo Predial de ... proferiu despacho de sustentação da sua anterior decisão (art. 142.º-A do CRP), reiterando no mesmo o seu anterior entendimento; e enfatizando ainda que o «facto de se rectificar o estado civil da recorrente na escritura, não permite concluir, como a mesma pretende que é a única titular do direito de propriedade», exigindo a «rectificação que possa envolver prejuízos aos demais titulares inscritos demanda a sua intervenção no processo (artigos 120º e seguintes do C.R.P.)», processo de que aquela «se pode socorrer», ou «obter a rectificação da escritura ao abrigo do artigo 80º do Código do Notariado, que vai igualmente exigir a intervenção de todos». 1.1.7. O Ministério Público emitiu parecer (art. 146.º do CRP), onde singelamente referiu ir o mesmo «no sentido da concordância com os fundamentos de facto e de direito invocados pela Exmª Srª Conservadora na manutenção do seu despacho de recusa da requerida rectificação». 1.1.8. Foi proferida sentença, julgando improcedente a impugnação judicial da recusa de registo de averbamento (de estado civil) formulado, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) III. Decisão: Pelo exposto, julga-se improcedente a presente Impugnação Judicial proposta por M. M. Silva Vilar e, consequentemente, decide-se: - Manter, nos seus termos, o Despacho de Recusa do registo do averbamento formulado pela Ap. 1263 ao prédio descrito sob o n.º .../19940210-Q, da freguesia de ..., Guimarães. Mais decide-se condenar a Impugnante no pagamento das custas processuais que sejam devidas, atenta a proporção do seu decaimento supra apurado (100%) (art.º artigo 527º nº 1 e 2, do CPC) (sem prejuízo de isenção ou dispensa de que possam beneficiar). Valor da causa: o valor patrimonial do imóvel registado (art.ºs 296.º, 297.º, 301.º n.º2 e 302.º n.º1, 306.º do CPC). Registe e notifique e d.n.. (…)» * 1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a Requerente (M. M.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se concedesse provimento ao mesmo e se revogasse a sentença recorrida, ordenando-se a realização do registo recusado (passando a constar do original que o estado civil do sujeito activo da aquisição registada - ela própria - era de «divorciada»). Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1 - Da escritura pública levada a registo predial resulta que o prédio em causa nestes autos foi vendido à aqui Recorrente. Não a duas pessoas. Não a um casal. 2 - Por isso que o sujeito ativo da aquisição constante do registo é tão-somente a aqui Recorrente. 3 - Isto é assim porque uma coisa é a identidade do sujeito que adquire e outra são os efeitos patrimoniais decorrentes da aquisição, atento o seu regime de casamento. 4 - Caso da escritura pública constasse o verdadeiro e correto estado civil da Requerente, a aquisição seria sido registada tendo-a a ela como sujeito ativo, não constando do registo o nome de B. V., como não tinha que constar. 5 - Se a aquisição apenas fosse registada depois de averbada na escritura a respetiva correção, obviamente que o nome de B. V. não constaria sequer do registo. 6 - O averbamento efetuado pela Senhora notária retroage à data de celebração da escritura. 7 - Tendo a Recorrente adquirido esta fração no estado de divorciada, apenas ela deveria constar do registo predial como proprietária. 8 - Em face disso, deveria ter-se ordenado a correcção do estado civil da titular inscrita. * 1.2.2. Contra-alegações Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações. * II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC). Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação). * 2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciarMercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Requerente (M. M.) uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem: · Questão Única - Pode ser rectificado, num registo de aquisição de imóvel (por escritura de compra e venda, e de mútuo com hipoteca), o estado civil do sujeito activo da compra (de casado, em comunhão de adquiridos, para divorciado), sem a simultânea rectificação do estado civil do ali registado como seu cônjuge (igualmente representado no acto, mutuário e constituinte de hipoteca), e sem a intervenção do registado cônjuge e do credor hipotecário? * III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOO Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade, «mormente» por «documentos juntos» (sem que qualquer das partes a haja impugnado, ou este Tribunal da Relação tenha tido fundamento para, oficiosamente, a alterar): 1 - Consta do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 156-D uma escritura de «COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA» (documento junto aos autos, e que aqui se dá como integralmente reproduzido), realizada em 30 de Novembro de 1994, entre M. D., como procurador de Construções D. S., Limitada (identificado como «primeiro outorgante»), J. R., outorgando este «na qualidade de procurador e em representação de M. M. (…) e marido B. V., de nacionalidade francesa, casados no regime da comunhão de adquiridos (…), conforme consta da procuração ora apresentada» (identificado como «segundo outorgante»), e J. V. e E. N., estes como procuradores e em representação do Banco ..., S.A. (identificados como «terceiros outorgantes»). 2 - Na escritura de «COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA», referida no facto provado enunciado sob o número 1, o aí 1.º Outorgante (M. D., como procurador de Construções D. S., Lda.) declarou que, em nome da sua representada, «vende à constituinte do segundo outorgante, M. M., e pelo preço já recebido (…) Fração Q – habitação tipo T-2 (…) descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...-Q ... e ainda omisso à matriz», tendo o aí 2.º Outorgante (J. R., como procurador de M. M. e de B. V.) declarado «que em nome daquela sua constituinte esposa, aceita a presente venda nos termos exarados». 3 - Na escritura de «COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA», referida no facto provado enunciado sob o número 1, mais declararam o 2.º Outorgante (J. R., como procurador de M. M. e de B. V.) e 3.ºs Outorgantes (J. V. e E. N., como procuradores do Banco ..., S.A.), nas indicadas qualidades «que o Banco, através da sua sucursal de Paris, França, concedeu aos representados do segundo outorgante um empréstimo do montante (…). Que este empréstimo (…) se destinou à aquisição que acaba por ser efectuada pelos representados do segundo outorgante. Que, pela presente escritura, os representados do segundo outorgante se confessam devedores ao Banco (…) e em garantia do seu pagamento constituem, a favor do mesmo Banco, hipoteca sobre a fracção autónoma já identificada». 4 - Consta do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 156-B um «Averbamento N.º1» à escritura de «COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA», referida no facto provado enunciado sob o número 1, datado de 29 de Outubro de 2020, onde se consignou que a «requerimento de Dr. J. J., Advogado, RETIFICO esta escritura no sentido de ficar a constar que a representada do segundo outorgante M. M. era, à data desta escritura de compra e venda com hipoteca, DIVORCIADA, conforme aliás consta da procuração arquivada a instruir a própria escritura datada de 03/08/1994 e conforme verifiquei pelo assento de nascimento n.º 2382 do ano de 2013 (…), cujo teor arquivo (…)». 5 - Existe um documento intitulado de «PROCURAÇÃO» e como tendo sido realizada no 1.º Cartório Notarial de Guimarães, contendo os seguintes dizeres: no dia 03 de Agosto de 1994 (…) «compareceram: B. V. (…) viúvo, nacionalidade francesa, e M. M., divorciada, natural de …, (…) ambos residentes em (…) França. (…) Os outorgantes declararam que: constituem seu procurador J. R., solteiro, maior, (…) a quem conferem, com os de substabelecer, poderes para comprar em Portugal, em nome de ambos ou de qualquer um deles, (…) bens, podendo para tanto outorgar e assinar a respectiva escritura de compra e venda e de simultânea constituição de hipoteca sobre quaisquer bens, deles outorgantes (…) com capital de 135 mil francos franceses (…)». 6 - Consta da Conservatória do Registo Predial de ... a existência de uma realidade predial descrita sob o n.º .../19940210-Q composta por Habitação T-2 (conforme documento junto aos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 7 - Sobre a descrição referida no facto provado enunciado sob o número 6 consta inscrito, pela Ap. 63 de 1998/10/28, a aquisição, por compra, de M. M. casada com B. V., no regime da comunhão de adquiridos. 8 - Sobre a descrição referida nos dois factos provados anteriores consta inscrita, pela Ap. 64 de 1998/10/28, a hipoteca voluntária, com capital de 135.000 francos franceses (e limite máximo assegurado de 205.200 francos franceses), a favor do Banco ..., S.A.. 9 - Pela apresentação 1263 de 2020/11/12, foi pedido o averbamento do estado civil no prédio descrito sob o n.º .../19940210-Q, da freguesia de ..., instruindo-se esse pedido com certidão da escritura pública de compra e venda com averbamento e código de certidão do assento de nascimento da requerente (conforme formulário junto aos autos, e documentos anexos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos). 10 - Após convite ao suprimento de deficiência, a 11 de Dezembro de 2020 foi proferido «Despacho de Qualificação» de recusa do averbamento pretendido pela Ap. 1263, com fundamento, em síntese, de não ser possível realizar o registo provisório, por dúvidas, do facto solicitado inscrever, e-mail e despacho juntos aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, lendo-se nomeadamente no último: «(…) Face ao publicitado no registo predial são titulares do direito de propriedade M. M. e B. V., por força do regime de bens do casamento, tendo como pressuposto a compra e venda como causa aquisitiva, beneficiando por isso da protecção da presunção registral prevista no artº 7º do C.R.P.. Resulta também das tábuas que estes titulares contraíam um empréstimo, tendo para o efeito dado de garantia o prédio, por via de hipoteca, lavrada pela A. 64 de 1994/10/28. Apurou-se que a escritura ora junta, lavrada em 30.11.1994, foi a que serviu de base ao registo, e que tem como novidade um averbamento lavrado em 29.10.2020. Desse averbamento, consta que a outorgante M. M., representada nessa escritura, era ao tempo divorciada, facto que foi verificado pela procuração que instruiu a escritura e por assento de nascimento da outorgante, arquivado para efeito do averbamento. Feita a apreciação dos documentos juntos conclui-se que à data do negócio jurídico e em conformidade com o ordenamento jurídico português a titular era divorciada. As inscrições podem ser alteradas em conformidade com o disposto no artigo 100º nº 1 do C.R.P.. Porém no caso em apreciação não se está perante uma simples alteração, de que resulte a publicidade de outro estado civil, mas algo mais complexo cfr. se irá demonstrar. A primeira questão que se coloca é que se está errado o estado civil da outorgante, M. M., necessariamente está errado o estado civil do outorgante representado, B. V., ignorando a rectificação por completo este erro, que não é de somenos e que contende com o direito de propriedade publicitado no registo. Por outro lado ao rectificar-se, por via de averbamento, o título, e sendo ambos os outorgantes representados por procurador, levanta-se a dúvida legítima quanto ao sentido da declaração negocial, nele plasmada. É certo que consta que o primeiro outorgante vendeu a M. M., e que o procurado aceitou a venda em nome da “sua constituinte esposa”. Porém, ficam as dúvidas quanto ao sentido da declaração negocial pretendida por ambos os representados, i.e., a compra do prédio só para a M. M., no estado de divorciada, e o representado B. V., no estado civil que se pressupõe que conste na procuração, nada compraria ou ambos comprariam em regime de compropriedade, ou se por força do estado civil e regime de bens indicado (embora com erro), a singela declaração de compra para a M. M. aproveitava a ambos os representados, na convicção dos intervenientes. (…) Posto isto, não estamos perante uma simples alteração do estado civil que o registo deva publicitar, até porque como se disse ignorou-se que existe também alteração do estado civil, do outorgante B. V., que face aos artigos 46º nº 1 al. c) e 47º nº 1 do C. Notariado deve constar do título, e que é requisito da inscrição de aquisição (artº 93º nº 1 al. e) ex vi artº 44º nº 1 al. a) do C.R.P.). Com o pedido de alteração do estado civil na inscrição, estamos perante uma manifesta alteração na escritura do direito de propriedade, por força do erro no título quanto o estado civil dos outorgantes (artºs. 1º e 91º nº 1 do C.R.P.). (…) Com efeito, a alteração do estado civil tem manifestas implicações no que concerne à interpretação do negócio jurídico e da vontade negocial nele inserta, que caberá aferir à luz dos preceitos legais da interpretação dos negócios jurídicos. Para a definição da titularidade os interessados terão de manifestar o seu acordo para o efeito, para que a correcção do erro que existe na escritura de compra e venda e que conduziu a um registo inexacto, embora lavrado em conformidade com o título ao tempo, conduza à sua rectificação, podendo para isso usar o processo de rectificação do registo previsto no art.º 120.º e seguintes do Código do Registo Predial, juntando como meio de prova, por exemplo, o titulo rectificado. A intervenção de todos os interessados estende-se igualmente ao credor hipotecário, a não ser que se comprove, dado o lapso temporal, que já se encontra extinta a hipoteca. Contudo, não estando definida entre as partes o verdadeiro sentido da declaração negocial, não será o processo de rectificação o meio próprio para a definição do direito de propriedade. Por conseguinte, e porque este averbamento à inscrição, pela sua natureza não pode ser lavrado como provisório por dúvidas, que são muitas como ficou demonstrado (artº 101 nº 3 a contrario e 69º nº 2 in fine do C.R.P.), é o mesmo recusado. (…)» 11 - Na sequência da impugnação do «Despacho de Qualificação» reproduzido no facto provado anterior, foi proferido a 29 de Janeiro de 2021 «DESPACHO» de sustentação do despacho de recusa, reiterando-se em síntese o seu entendimento, conforme documento junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê: «(…) Quanto à impugnação da decisão de qualificação, cumpre dizer, que continua a recorrente sem concretizar o que realmente pretende, já que ora fala em alteração ao estado civil, ora fala em correcção. Certo é que se considera a única titular do direito de propriedade. A recorrente confunde o regime previsto no artigo 132.º do Código do Notariado com o regime previsto no artigo 80º do mesmo normativo, nomeadamente o disposto no seu nº 2 al. b). Não existiu uma rectificação da escritura no sentido lato, corrigiu-se o estado civil de um outorgante, embora representado, e deixou-se o erro quanto ao estado civil de outro, como de somenos fosse, como se este não fosse interveniente na escritura, que é submetida a registo num todo e assim qualificada, em manifesta violação dos preceitos notariais e registrais, e principalmente ignorando todo o conjunto das declarações proferidas no título e a sua articulação com a realidade do estado civil de divorciada. Desta forma, se a escritura viesse hoje a registo a sustentar o pedido de aquisição, o mesmo seria qualificado como provisório por dúvidas (o da hipoteca provisório por natureza por dependência), com os mesmos fundamentos da decisão de qualificação que se recorre, já que o registo de aquisição admite a provisoriedade por dúvidas. A recorrente é o sujeito activo da aquisição constante do registo é um facto, mas o registo não publicita só isso, mas também porque adquiriu por compra, no estado de casada com o B. V. no regime de comunhão de adquiridos, que é bem comum, ou seja a titularidade é de ambos. Engana-se a recorrente, quando diz que a Conservadora confunde o que diz ser duas realidades distintas, de ser sujeito activo da aquisição um casal, ou apenas uma pessoa com a indicação do seu estado civil. A publicidade dos sujeitos activos das inscrições tem por base um título aquisitivo que é traduzido tabularmente, respeitando os comandos do direito substantivo, nomeadamente, os preceitos referentes ao regime de bens, às doações, às regras sucessórias, etc., senão vejamos: B. casado na comunhão de adquiridos ou comunhão geral de bens com NA., é o único outorgante comprador numa escritura. O registo é lavrado, figurando como único sujeito activo, mas o bem é comum, por força, do disposto nos artigos, 1724º nº 2 e 1732º do C. Civil. A NA. é titular igualmente do direito de propriedade. O bem integra o património conjugal. (…). É um facto que a recorrente, à data do título era divorciada. Que por isso o registo enferma de erro que demanda rectificação, mas que não se concretiza por um averbamento de alteração ao estado civil ou de rectificação, neste caso sem intervenção dos demais interessados, o B. V. e o credor hipotecário. O facto de se rectificar o estado civil da recorrente na escritura, não permite concluir, como a mesma pretende que é a única titular do direito de propriedade, cfr. se explicitando no despacho de qualificação. (…) Sendo os titulares do registo emigrantes, ao tempo, era e ainda é comum os portugueses casarem no estrangeiro e não transcreverem o casamento na ordem jurídica portuguesa. Por conseguinte não é inverosímil que entre a outorga do instrumento (procuração) e as démarches aquisitivas, ter-se alterado o estado civil. Esta ponderação também tem de ser feita, até porque não surgiram dúvidas ao procurador. A menção do estado civil e regime de bens, nos títulos, são feitos por declaração das partes, neste caso o procurador, que o fez nas declarações complementares para os registos provisórios (hipoteca) e no título aquisitivo, como casados na comunhão de adquiridos. Claro, que esta dúvida como as demais elencadas no despacho de recusa, só se pode afastar com certeza no processo próprio. (…) Estão sujeitos a rectificação os registos inexactos, os registos indevidamente lavrados e os registos nulos por violação do princípio do trato sucessivo. A rectificação que possa envolver prejuízos aos demais titulares inscritos demanda a sua intervenção no processo (artigos 120º e seguintes do C.R.P.). Processo que a recorrentes se pode socorrer, ou, como já foi referido obter a rectificação da escritura ao abrigo do artigo 80º do Código do Notariado, que vai igualmente exigir a intervenção de todos. A decisão de rectificação de registo tem efeitos Ex tunc, significa que os seus efeitos retroagem à data da apresentação (publicidade registral), por isso todos os interessados que beneficiam da protecção da presunção registral (artº 7º C.T.P.) têm de ser chamados à colação, para ela ser validamente proferida e tenha como eficácia a rectificação do erro. Se a titularidade do bem está em litígio, que é o que parece uma vez que já veio a registo uma acção, figurando como autor o B. V. e réu a recorrente, é o Tribunal o palco para ele ser dirimido. Pelo exposto, sustenta-se a decisão de qualificação, ora impugnada nos moldes em que foi proferida. (…)» * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO4.1. Registo predial 4.1.1. Fins e natureza Lê-se no art. 1.º, do CRP (2) (epigrafado «Fins do registo»), que o «registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário». Mais se lê, no art. 2.º (epigrafado «Factos sujeitos a registo»), n.º 1, al. a) do mesmo diploma, que estão «sujeitos a registo os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão». Sendo requerido (3), lê-se no art. 68.º, do CRP (epigrafado «Princípio da legalidade») que a «viabilidade do pedido de registo deve ser apreciada em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando-se especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos atos neles contidos». Logo, a apreciação da viabilidade do pedido de registo é feita em função de duas coordenadas fundamentais (apud Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial, 5ª edição - 1992, Almedina, p. 137-8): as disposições legais aplicáveis, entendendo-se como tais as que sejam especialmente dirigidas ao conservador, que ele deva especialmente verificar (pelo que não poderá opor objecções baseadas em disposições legais dirigidas a outras entidades, desde que o seu incumprimento não afecte a validade dos actos, nem os condicionem, ou ao registo); e o exame dos documentos apresentados (reportados exclusivamente ao registo que se pretende efectuar) e dos registos anteriores (reportados exclusivamente ao prédio sobre que incide o registo pretendido). Precisa-se, ainda, que a apreciação de viabilidade do registo é feita à luz da situação jurídica existente à data do pedido, tendo nomeadamente em conta os registos em vigor no momento da apresentação, e a sua compatibilidade ou articulação com o registo a efectuar. Não cabe, assim, ao conservador, na feitura de um registo, apreciar a prevalência substantiva dos eventuais direitos em conflito, mas apenas e tão só os parâmetros da qualificação registral ínsitos no art. 68.°, do CRP (4) e os demais comandos legislativos que lhe sejam especificamente dirigidos, nomeadamente em sede de direito registral. Afirma-se, por isso, que a «legalidade do acto de registo requerido, só poderá ser apreciada pelo conservador, em face dos títulos apresentados, e dos registos anteriores. É, pois, vedado ao conservador, invocar para fundamento da sua decisão, quaisquer circunstâncias do seu conhecimento pessoal, não reveladas pelo conteúdo dos documentos apresentados ou dos registos já efectuados» (Rui Januário e António Gameiro, Direito Registral Predial, Quid Juris, Outubro de 2016, p. 260). Deste modo, «os prédios são inscritos no registo a favor de determinadas pessoas, apenas sobre a base de documento, de actos de transmissão a favor das mesmas pessoas, e não depois de uma averiguação em forma, com audiência de todos os possíveis interessados. O registo não pode, portanto, assegurar a existência efectiva do direito da pessoa a favor de quem esteja registado, mas só que, a ter ele existido, ainda se conserva - ainda não foi transmitido a outra pessoa» (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, Almedina, p. 20). Compreende-se, por isso, que se afirme que a «matriz e o registo não dão nem tiram direitos», já que «a primeira traduz um cadastro dos prédios para fins de incidência fiscal e o segundo é meramente declarativo e destina-se a publicitar a situação dos prédios neles descritos, o que é feito através de inscrições autónomas e averbamentos a estas» (conforme Ac. do STJ, de 14.10.2003, Moreira Camilo, Processo nº 03A2672, in www.dgsi, como todos os demais citados sem outra indicação de origem). Assim, se, «por um lado, não é lícito admitir que o conservador exceda funções do seu ofício, invadindo a esfera jurídica dos tribunais, também, por outro lado, é legítimo esperar que a função qualificadora respeite uma linha própria de actuação, claramente definida segundo as regras e os princípios do sistema registral consagrados na lei» (Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, no Processo n.º 85/90-RP 4, proferido de acordo com o já antes por ele afirmado no Processo n.º 10/85, no Processo nº 17/85, no Processo n.º 44/86-RP 3, e no Processo n.º 35/90-RP4). Por tudo isto se afirma, no art. 7.º, do CRP (epigrafado «Presunções derivadas do registo»), que o «registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define»; logo, mera presunção, não tendo por si só eficácia constitutiva de direitos. * 4.1.2. Realização Lê-se no art. 76.º do CRP que o «registo compõe-se da descrição predial, da inscrição dos factos e respectivos averbamentos». A descrição predial é, assim, a primeira operação do registo; e destina-se à identificação física, económica e fiscal dos prédios (conforme art. 79.º do CRP). Logo, sem a descrição não haverá lugar à inscrição; mas aquela também não poderá ser realizada independentemente da segunda, o que significa que a realização da descrição depende de, na altura do seu assentamento, se efectue também a inscrição que lhe corresponde (conforme art. 80.º, n.º 1, e art. 91.º, ambos do CRP). A inscrição, por sua vez, visa definir a situação jurídica dos prédios, mediante extracto dos factos a eles referentes (art. 91.º, n.º 1, do CRP); e é lavrada, repete-se, por referência à descrição. Compreende-se, por isso, que se afirme que das inscrições constam os factos jurídicos sujeitos a registo, conforme elencado no art. 2.º, do CRP, ou seja, constam delas os factos da vida real que, por força da lei produzem determinados efeitos jurídicos (nomeadamente, efeitos constitutivos, aquisitivos, modificativos ou extintos do direito de propriedade). Ora, é desses factos jurídicos que precisamente se infere a situação jurídica dos prédios descritos; e são essas situações jurídicas que constituem o objecto da publicidade registral (conforme art. 1.º, do CRP). * 4.1.3. Rectificação Lê-se no art. 121.º do CRP que os «registos inexatos e os registos indevidamente lavrados devem ser retificados por iniciativa do conservador logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito» (n.º 1); e a «retificação do registo é feita, em regra, por averbamento a lavrar no termo do processo especial para esse efeito previsto neste Código» (n.º 3). Mais se lê, no art. 123.º, n.º 1, do CRP, que, no «pedido de retificação devem ser especificados os fundamentos e a identidade dos interessados». Com efeito, quando a rectificação pretendida seja susceptível de afectar interesses dos titulares inscritos, terão os mesmos que intervir no processo respectivo. Compreende-se, por isso, que se leia: no art. 124.º, do CRP, que se «a retificação tiver sido requerida por todos os interessados, é retificado o registo, sem necessidade de outra qualquer formalidade, quando se considere, em face dos documentos apresentados, estarem verificados os pressupostos da retificação pedida»; e no art. 125.º, do CRP, que a «retificação que não seja suscetível de prejudicar direitos dos titulares inscritos é efetuada, mesmo sem necessidade do seu consentimento», sempre «que a inexatidão provenha da desconformidade com o título, analisados os documentos que serviram de base ao registo», ou sempre «que, provindo a inexatidão de deficiência dos títulos, a retificação seja requerida por qualquer interessado com base em documento bastante», entendendo-se «que a retificação de registo inexato por desconformidade com o título não prejudica o titular do direito nele inscrito». * 4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)4.2.1. Concretizando, verifica-se que, tendo sido celebrada, em 30 de Novembro de 1994, uma escritura de compra e venda, e de mútuo com hipoteca, intervieram na mesma M. M. e B. V., dito aí «marido», sendo ambos representados para o efeito pelo mesmo procurador, e sendo aí declarados como «casados no regime de comunhão de adquiridos». Mais se verifica que, pela mesma escritura, foi vendida à «dita M. M.» uma fracção autónoma, que o seu procurador declarou, «em nome daquela sua constituinte esposa», que «aceita a presente venda nos termos exarados». Verifica-se ainda que, pelo mesmo acto, M. M. e B. V. contraíram um empréstimo bancário, para aquisição da dita fracção autónoma, constituindo ambos, em garantia do seu pagamento, uma hipoteca sobre o dito imóvel. Por fim, verifica-se que a aquisição do dito imóvel viria a ser registada, tendo como titular activa registada a Requerente (M. M.), com indicação de que casada com B. V., em comunhão de adquiridos. Precisa-se, antes de mais, que não obstante a Requerente (M. M.) tenha sido a única a figurar como compradora na dita escritura de compra e venda, não foi porém a única adquirente do imóvel dela objecto, face a este preciso título dado a registo e ao disposto nos arts. 1724.º, n.º 2 e 1732.º, ambos do CC: sendo ali declarada como casada no regime da comunhão de adquiridos com B. V. (5), o imóvel adquirido a título oneroso na constância do matrimónio integra a comunhão conjugal (isto é, é bem comum do casal). Dito, compreende-se que no mesmo acto, e de forma indiscutível, ambos tenham contraído um empréstimo destinado «à aquisição que acaba de ser efectuada pelos representados do segundo outorgante», de que ambos se declararam devedores, afirmando ainda no mesmo acto (de forma plural) que «constituem, a favor do mesmo Banco, hipoteca sobre a fracção autónoma já identificada nesta escritura». Logo, e face ao título (escritura de compra e venda, e de mútuo como hipoteca), e às disposições legais aplicáveis (regime de bens do casamento) o registo inicial foi correctamente lavrado. * 4.2.2. Concretizando uma vez mais, verifica-se que, em 29 de Outubro de 2020, a pedido de procurador de M. M., e por meio de averbamento, foi rectificada a escritura notarial de compra e venda, e de mútuo com hipoteca, referida, fazendo-se então constar da mesma que, à data da sua celebração, aquela era divorciada de A. A., conforme resultava da procuração datada de 03 de Agosto de 1994 (que instruía a dita escritura) e do seu assento de nascimento (6).Ora, considerou a Requerente (M. M.) serem tais factos suficientes para que se procedesse à rectificação de registo pretendida (isto é, para que do mesmo fosse retirada a menção de que era casada com B. V., sendo antes registado que era divorciada), de outra forma o tendo porém ajuizado o Tribunal a quo. Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, sufraga-se aqui este último juízo. Contudo, e na mesma rectificação, nada foi dito a propósito do estado civil de B. V. (até então, e como se viu, igual adquirente do imóvel), que por isso nela permanece como casado com M. M., no regime de comunhão de adquiridos (a mesma que, agora, é dita como divorciada, perante o que consta do registo civil português). Não pode, por isso, afirmar-se que o título (escritura de compra e venda, e de mútuo com hipoteca) foi alterado em conformidade com o alegado erro detectado (já que a rectificação operada foi incompleta ou insuficiente); e tal facto inviabilizaria desde logo o registo do averbamento pretendido. * Acresce que, indiscutivelmente, quer o cônjuge (da Compradora) registado, quer a Credora hipotecária (instituição financeira mutuante) são titulares inscritos cujos interesses serão afectados pela rectificação pretendida; e, por isso, a sua intervenção seria sempre no caso dos autos obrigatória, conforme resulta dos arts. 120.º e seguintes do CRP (onde precisamente se regula o processo especial de rectificação do registo).Com efeito, a proceder a rectificação de registo pretendida, poderá B. V. deixar de ser tido como adquirente do imóvel, já que essa qualidade lhe advinha indiscutivelmente da sua condição de casado, no regime de comunhão de adquiridos, com a compradora respectiva; e poder-se-ia ainda discutir se não resultaria desde logo da própria escritura de compra e venda, devidamente interpretada, já que na de mútuo com constituição de hipoteca se afirma que o empréstimo «se destinou à aquisição que acaba de ser efectuada pelos representados do segundo outorgante». Compreende-se, por isso, que B. V. já tenha interposto uma acção judicial contra a Compradora, com vista precisamente ao reconhecimento do seu direito de propriedade sobre tal bem. Já relativamente à Credora hipotecária, e face à eventual procedência do pedido da Requerente, poder-se-ia ver confrontada com uma pretensão de invalidade do mútuo celebrado por B. V., nomeadamente com base em erro seu quanto à aquisição conjunta do bem em causa (sendo que, recorda-se, da própria escritura resulta que o empréstimo «se destinou à aquisição que acaba de ser efectuada pelos representados do segundo outorgante», e estes era, simultaneamente, M. M. e B. V.). Logo, e em vez de pretendida singela alteração do estado civil da titular activa da aquisição de imóvel, no registo predial originalmente feito, deverá a Requerente (M. M.) lançar mão do processo especial previsto para o efeito nos arts. 120º e seguintes do CRP, que assegura a obrigatória intervenção - e contraditório - de todos os afectados nos seus interesses pela rectificação pretendida * Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência total do recurso de apelação da Requerente (M. M.).* V - DECISÃOPelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por M. M., e, em consequência, em · Confirmar integralmente a sentença recorrida. * Custas da apelação pela Recorrente (art. 527.º, n.º 1, do CPC).* Guimarães, 07 de Outubro de 2021. O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes. 1. O Código do Registo Predial (doravante CRP) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho. 2. Recorda-se que o Código do Registo Predial foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho. 3. Lê-se no art. 36.º do CRP (epigrafado «Regra geral de legitimidade») que têm «legitimidade para pedir o registo os sujeitos, ativos ou passivos, da respetiva relação jurídica e, em geral, todas as pessoas que nele tenham interesse ou que estejam obrigadas à sua promoção». 4. Enfatiza-se, a propósito, que a «qualificação do pedido de registo é o acto mais importante da função do conservador: é da qualificação feita que decorre a feitura do registo nos termos requeridos (definitivo ou provisório por natureza), a sua recusa ou a sua provisoriedade por dúvidas» (Maria Ema A. Bacelar A. Guerra, Código do Registo Predial Anotado, Ediforum - Edições Jurídicas, Limitada, Março 2000, p. 125, com bold apócrifo). 5. De acordo com o art. 93.º, n.º 1, al. e), do CRP, do «extracto da inscrição deve constar» a «identificação dos sujeitos do facto inscrito, pela menção do nome completo, estado e residência das pessoas singulares, (…) bem como a menção do nome do cônjuge e do regime matrimonial de bens, se os sujeitos forem casados». Face a esta exigência, compreende-se que se leia no art. 44.º, n.º 1, l. a), do CRP, que dos «actos notariais, processuais ou outros que contenham factos sujeitos a registo», deve constar a «identidade dos sujeitos, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 93.º». 6. Precisa-se, porém, que lendo-se no art. 80.º, n.º 2, al. b), do Código do Notariado (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de Agosto) que «devem especialmente celebrar-se por escritura pública» os «actos que importem revogação, rectificação ou alteração de negócios que, por força da lei ou por vontade das partes, tenham sido celebrados por escritura pública, sem prejuízo do disposto nos artigos 221.º e 222.º do Código Civil», é no mínimo discutível se a alteração do estado civil da Requerente, ao contender com a titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel objecto da escritura de compra e venda, se poderia fazer singelamente pelo averbamento realizado. Com efeito, lendo-se no art. 46.º, n.º 1, al. a), do CRP, que, além «de outros casos previstos, são admitidas as declarações complementares dos títulos» para «completa identificação dos sujeitos, sem prejuízo das exigências de prova do estado civil», vem-se defendendo que não é admissível a declaração complementar para indicar o estado civil dos sujeitos da inscrição de factos cujos títulos sejam omissos quanto a esse elemento de identificação, ou em desconformidade do que conste em registos anteriores (conforme Parecer do Conselho Técnico dos Registos e do Notariado, Processo n.º 58/96, Boletim dos Registos e do Notariado, n.º 27, Outubro de 1987, pág. 5). |