Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1860/22.0T8CHV-A.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: JULGADO DE PAZ
CITAÇÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A tramitação da acção em “Julgados de Paz” não admite a citação edital e, não está, ainda, prevista a citação do demandado na pessoa de Defensor Oficioso (artº 38º-nº1 e 46º-nº2 da Lei nº 78/2001, de 13/07).
II. Verificando-se a situação de ausência do demandado deve ser citado em sua representação o Ministério Público junto do tribunal judicial territorialmente competente, nos termos do disposto no art. 21º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ex vi do art. 63º da citada Lei.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

AA veio deduzir OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO alegando a falta de citação, nos termos do disposto no art.729, alínea d) do CPC e a inexistência de título executivo, nos termos da alínea a) do mesmo normativo legal.
Para tanto invoca, em síntese, que o Executado foi citado no dia 25 de Maio de 2023 para deduzir oposição à execução e penhora no âmbito do presente processo executivo onde foi dado como título executivo uma sentença condenatória, proferida no Julgado de Paz de ..., no âmbito do Processo nº 91/20..., contudo, o executado não foi chamado ao dito processo para exercer o seu direito fundamental de defesa pois todas as tentativas de citação do ora Opoente efetuadas no Processo nº 91/20..., foram frustradas, razão pela qual foi nomeado defensor oficioso ao ali Demandado, o qual nunca entrou em contacto com o ora Executado, ali Demandado, nem teve qualquer intervenção no âmbito daquele processo, assim como não foi o Demandado notificado da Sentença proferida no Julgado de Paz.
Entende o ora executado que no processo que correu no Julgado de Paz foram preteridas formalidades essenciais prescritas na Lei, das quais resultaram prejuízos para o direito de defesa do ora Executado pois não teve conhecimento da acção, não teve possibilidade assim de contestar essa acção e viu-se impedido de comparecer na audiência de julgamento e, por via de tudo isso, foram julgados como provados todos os factos alegados na petição pelo Demandante, motivo pelo qual é nulo todo o processado posterior ao requerimento inicial e é nula a decisão final dada como título executivo na presente execução e, consequentemente, inexiste o título, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
Notificado veio o exequente Condomínio do Prédio sito na Quinta ..., ... apresentar contestação alegando, em síntese, que à data da citação para a acção declarativa foi respeitado o procedimento constante do disposto no artigo 46º da Lei 78/2001 de 13 de julho, diploma que consagra princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual.
Mais alega que os nºs 1 e 2 do art. 46º da L.J.P. elencam as formas de citação (por via postal e por funcionário, ambas pessoais), excluindo o nº 3 do mesmo artigo a citação edital pelo que, na impossibilidade da citação do ali demandado, ora executado, não obstante as diligências encetadas nesse sentido, foi requerido à Ordem dos Advogados a nomeação de patrono oficioso, tendo vindo a ser nomeado defensor oficioso.
Mais alega que a doutrina vai nesse sentido de que não existindo Ministério Público nos Julgados de Paz, o juiz do processo deverá solicitar à Ordem dos Advogados um defensor oficioso o qual deverá ser nomeado em representação do demandado, não se considerando confessados, por falta de contestação, os factos alegados pelo demandante.
Conclui que razão alguma assiste ao executado devendo, por consequência ser julgada improcedente a invocada excepção.
Foi proferido despacho saneador.
Realizado o julgamento veio a ser proferida decisão a julgar improcedentes os embargos deduzidos, determinando-se o prosseguimento dos autos principais.
Inconformado, de tal decisão veio o executado/embargante interpor recurso de apelação.
O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes Conclusões:

1ª Salvo o devido respeito, não pode o ora Recorrente concordar com o teor da douta Sentença que julgou improcedentes os embargos de executado.
2ª Entende o Recorrente, ao contrário do decidido na douta Sentença, que as diligências da sua citação na acção declarativa, que decorreu no Julgado de Paz, e todo o procedimento legal, não foi respeitado e daí ter arguido a falta e/ou nulidade da sua citação.
3ª Efectivamente, atento o disposto nos artigos 45º, 46º e 63º, todos da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, com as alterações da Lei nº 54/2013, de 31 de Julho, verifica-se que a citação é feita por via postal ou, em alternativa, pessoalmente, por funcionário.
4ª No caso concreto do Recorrente, tendo-se frustrado a sua citação via postal naquele processo, foi-lhe nomeado um defensor oficioso.
5ª Ora, esta forma de citação por defensor oficioso não está prevista na referida Lei nº 78/2001, de 13 de Julho.
6ª E, nestes casos, dispõe o artigo 63º da citada Lei, que é subsidiariamente aplicável o disposto no CPC.
7ª E, nos termos do disposto no artigo 21º do CPC; é ao MºPº que compete a representação do ausente, sendo, para o efeito, citado.
8ª E só está previsto naquele artigo a representação do ausente por defensor oficioso quando o MºPº represente o autor – cfr. nº 2 do artigo 21º do CPC.
9ª Assim, tendo o ora Recorrente, Demandado naquela acção, sido citado na pessoa de um defensor nomeado, num caso em que o MºPº não figurava como autor, terá a mesma citação de se considerar inexistente, porque desprovida de base legal e o acto de citação que era devido foi completamente omitido – cfr. artigo 188º, nº 1, alínea a), do CPC.
10ª Deste modo, no entendimento do ora Recorrente, ficou demonstrado que o Tribunal “a quo” ao decidir julgar improcedentes os embargos de executado, violou o disposto nos artigos 45º, 46º, 63º da Lei nº 78/2001, de 13/07 e os artigos 21º, nºs 1 e 2, 188, nº 1, alínea a), 187º, alínea a), todos do CPC, ao considerar que existe fundamento legal para a citação do ora Recorrente, na pessoa do defensor oficioso nomeado, no âmbito do processo declarativo, que correu termos no Julgado de Paz.
11ª Este entendimento é sufragado pelo recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo nº 3164/20.3T8OER-A.L1-8, datado de 17/02/2022.

Foram proferidas contra alegações, concluindo-se:

1- Salvo o devido respeito por melhor opinião, muito bem andou o Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu, pois que valorou corretamente toda a prova documental bem como a demais prova produzida em sede de audiência de julgamento.
2 – Entende o recorrido que face á prova testemunhal e documental carreada para o processo, outra não poderia ser a decisão do Tribunal “a quo”.
3- Atentos os factos provados e não provados, atenta a correta valoração dos depoimentos e declarações de parte e dos documentos juntos, não tem o recorrido dúvidas em afirmar que não poderia o Tribunal de primeira instância ter proferido decisão diferente daquela que proferiu;
4- Ao assim ter decidido aplicou a Meritíssima Juiz do Tribunal recorrido corretamente o preceituado na legislação em vigor não tendo violado qualquer uma das normas indicadas pelo recorrente.
5- Tanto mais que, no sentido do doutamente decidido, como o próprio Tribunal a quo refere, existe variadíssima doutrina e jurisprudência.
6- A título de exemplo, citamos, entre outros:
A) J. O. Cardona Ferreira (Julgados de Paz – Organização, Competência e Funcionamento, Coimbra Editora, 2001, p. 64), o qual refere: “Não há possibilidade de citação edital que constitui, geralmente, uma inutilidade motivadora de atrasos. Mas, se não puder haver citação pessoal, nem por funcionário? Sem citação, penso que se ofenderia, conscientemente, o sagrado direito de defesa, com violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Parece só haver uma solução: é a passagem ao alcance do art. 15º do Código de Processo Civil, mutatis mutandis e, porque não há Ministério Público junto dos Julgados de Paz, o Juiz de Paz designar, nessa extrema hipótese, defensor oficioso a citar” - (negrito nosso).
B) Joel Timóteo Ramos Pereira (Julgados de Paz, Organização, Trâmites e Formulários, Quid Juris, Lisboa, 3ª Edição, p. 233), que defende que “se a citação por via postal ou por funcionário se frustrar, sendo inadmissível a citação edital, consideramos que deve ser seguido o regime processual civil referente aos ausentes, ou seja o juiz de paz deverá ordenar o cumprimento do disposto no art. 15º do C.P.C. (…)” – negrito nosso. Defende ainda este autor, que deve ser citado o Ministério Público, atento o nº 1 do art. 17º do C.P.C., mas acrescenta que “entendendo-se que deva ser nomeado defensor oficioso ao ausente”, deve ser solicitada pelo juiz de paz a nomeação do mesmo à Ordem dos Advogados, devendo aquele ser citado em representação do demandado – negrito nosso;
E acrescenta (ob. cit., ps. 257 e 258), a propósito da revelia, e das suas excepções, na senda da mesma tese, que o demandado pode ser representado pelo Ministério Público ou defensor oficioso, não se considerando confessados os factos articulados pelo autor, “devido à falta de citação pessoal do demandado”.
Isto é, sempre que não for o demandado citado pessoalmente, a consequência não será a nulidade da citação, mas antes a ausência de confissão do alegado pelo demandante.
C) João Sevivas (Julgados de Paz e o Direito, Rei dos Livros, 2007, p. 199), que “nada dizendo a lei quadro dos julgados de paz aplica-se, subsidiariamente, o C.P.C., art. 63º da L.J.P. o que conduz a que a sua representação teria de ser feita sempre pelo MP ou então, fazer-se a outorga de patrocínio em mandatário, art. 20º do C.P.C.) (…). Quanto à representação dos restantes, nada também dizendo a L.J.P., aplicam-se, subsidiariamente, os arts. 17º a 19º do C.P.C. em que não sendo possível citar pessoalmente o ausente ou o incerto incumbe ao MP a sua representação.
7- Igual entendimento é perfilhado e recomendado pela Procuradoria Geral da República, como pode ler-se na recomendação nº 1/2015, da qual consta:
1) “O conteúdo das alterações introduzidas ao regime jurídico de organização, competência e funcionamento dos Julgados de Paz, em particular a inovação legal que resulta do disposto no n.º 3, do artigo 60.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, motivou reflexão no que concerne ao âmbito de intervenção do Ministério Público. Em conformidade, no que releva para respetiva atuação funcional, recomenda-se aos Senhores Magistrados do Ministério Público a observância do conteúdo das seguintes conclusões:
2) Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, o artigo 60.º, n.º 3, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, que regula a organização, competência e funcionamento dos Julgados de Paz, passou a estabelecer que nos processos em que sejam partes incapazes, incertos e ausentes, a sentença é sempre notificada ao Ministério Público junto do Tribunal judicial territorialmente competente.
3) Essa alteração legal em nada modifica o conteúdo da doutrina constante do Parecer n.º 10/2005, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e, consequentemente a diretiva hierárquica contida na Circular n.º 1/2005, da PGR, a qual determina que o Ministério Público não tem intervenção nos Julgados de Paz.
4) De acordo com o disposto nos artigos 21.º e 22.º, do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do artigo 63.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, a representação dos incapazes, ausentes e incertos nos Julgados de Paz é assegurada por advogado nomeado oficiosamente.
8- Pelo que deverá o presente recurso ser julgado improcedente.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixado no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do Código de Processo Civil, atentas as Conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- as diligências de citação do executado na acção declarativa, que decorreu no Julgado de Paz, e todo o procedimento legal, não foi respeitado, ocorrendo a falta e/ou nulidade da sua citação ?

FUNDAMENTAÇÃO

I. Os Factos ( são os seguintes os factos declarados provados na decisão recorrida ):

A) O Executado foi citado no dia 25 de maio de 2023 para deduzir oposição à execução e penhora no âmbito do presente processo executivo onde foi dado como título executivo uma sentença condenatória, proferida no Julgado de Paz de ..., no âmbito do Processo nº 91/20....
B) No processo declarativo identificado em A) foram efetuadas duas tentativas de citação do aí demandado que se frustraram, após foram oficiadas as bases de dados, nos termos do disposto no artigo 236º nº 1 do CPC, mormente a segurança social, a AT, o instituto da mobilidade e dos transportes e a policia de segurança pública, não se tendo logrado citar o ora executado.
C) Face aos factos referidos em B), foi requerido à Ordem dos Advogados a nomeação de patrono oficioso, tendo vindo a ser nomeado defensor oficioso, o qual não apresentou contestação no tempo legalmente previsto para o efeito.
D)       
E) Foi designada data para julgamento, no qual apenas compareceu a parte demandante e se constatou a ausência do demandado e seu defensor oficioso, sem que fosse junta qualquer justificação para a falta ao julgamento.
F) Com o requerimento inicial em sede declarativa, o demandante apresentou 10 documentos, os quais, juntamente com a confissão por parte do demandado operada pela ausência de contestação escrita e pela falta, injustificada, à segunda data designada para julgamento, foram tidos em consideração na fundamentação de facto da sentença dada à execução, tendo sido considerados provados todos os factos alegados pelo demandante.
G) Na sentença proferida no de Paz de ... dada à execução foi o ora executado AA condenado a pagar ao demandante, ora exequente: a) a quantia de 2.142,69€ referente às quotas de condomínio e fundo de reserva dos meses de abril de 2015 a abril de 2019, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento; b) a quantia de 314,66€ referente à quota parte do seguro das partes comuns do edifício no período de julho de 2015 a abril de 2019, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

II) O DIREITO APLICÁVEL

Foi proferida decisão que julgou improcedentes os embargos deduzidos, determinando-se o prosseguimento dos autos principais, tendo sido considerada válida a citação efectuada no Exmo Patrono nomeado, com referência à acção declarativa que decorreu no Julgado de Paz.
A competência, organização e funcionamento dos julgados de paz e a tramitação dos processos da sua competência, são regidos pela Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, com as alterações em vigor.
Nos termos do artº 38º, da citada Lei, com a redacção dada pela Lei nº 54/2013, de 31/7, e no tocante à “Representação” das partes, estatui-se que: “1 - Nos julgados de paz, as partes têm de comparecer pessoalmente, podendo fazer-se acompanhar por advogado, advogado estagiário ou solicitador”.

Relativamente à citação ou notificação das partes dispõe, o artº 46.º: “Formas de citação e notificação”:

1 - As citações e notificações podem ser efetuadas por via postal, podendo, em alternativa, ser feitas pessoalmente, pelo funcionário.
2 - Não se admite a citação edital.
3 - As notificações podem ser efetuadas pessoalmente, por telefone, telecópia ou via postal e podem ser dirigidas para o domicílio ou, se for do conhecimento da secretaria, para o local de trabalho do demandado.
4 – (...).

Relativamente ao Julgamento e Faltas dispõem os artº 57º e 58º, da lei nº 78/2001, nos seguintes termos, nomeadamente:
Artigo 57.º
Audiência de julgamento
1 - Na audiência de julgamento são ouvidas as partes, produzida a prova e proferida sentença.(...).
  Artigo 58.º
Efeitos das faltas
(...) 2 - Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.(...).
Como parece decorrer dos preceitos legais em análise, a tramitação e julgamento da acção em “Julgados de Paz” pressupõe a comparência pessoal das partes (artº 38º-nº1), sendo, ainda, pessoais, as citações e notificações, nos termos do disposto no artº 46º-nº1, da citada Lei, as quais deverão ser efectuadas por via postal, podendo, em alternativa, ser feitas pessoalmente, pelo funcionário, não se admitindo a citação edital (artº 38º-nº2), e, não estando, ainda prevista a citação do demandado na pessoa de Defensor Oficioso.
Distintamente, e sem qualquer referência ao acto de citação, a citada Lei prevê no seu artº 38º-nº 2, a possibilidade de o Juiz oficiosamente nomear defensor à parte, e tão só nos casos que se indicam, dispondo: “A assistência é obrigatória quando a parte seja analfabeta, desconhecedora da língua portuguesa ou, por qualquer outro motivo, se encontrar numa posição de manifesta inferioridade, devendo neste caso o juiz de paz apreciar a necessidade de assistência segundo o seu prudente juízo”, não afastando o indicado preceito a regra estatuída no nº1 do artº 38º, no sentido de nos “Julgados de Paz”, as partes têm de comparecer pessoalmente, podendo fazer-se acompanhar por advogado, advogado estagiário ou solicitador.
Não estando legalmente prevista, de forma especifica, a situação de ausência do demandado, neste tipo de acções, nem a correspectiva citação edital, veio, porém, a Lei nº 78/2001, fazer incluir no seu artº 60º-nº3, na redacção que veio a ser aditada pela Lei nº 54/2013, de 31/7, a referência a ausentes e incertos, passando a dispôr a norma: “3 - Nos processos em que sejam partes incapazes, incertos e ausentes, a sentença é notificada ao Ministério Público junto do tribunal judicial territorialmente competente”. 
Em virtude da alteração legislativa operada, e sendo prevalecente a letra da lei (artº 9º-nº 2 e 3 do Código Civil), afigura-se ser defensável, na nova versão legislativa, a possibilidade de fazer prosseguir o indicado tipo de acções contra incertos e ausentes.
Tal possibilidade, porém, e sob pena de frontal e grave violação dos mais elementares princípios de Defesa, no nosso sistema de Justiça vigentes, impõe, a aplicação das normas supletivas aplicáveis do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artº 63º da Lei nº 78/2001, e, designadamente, estando expressamente afastada a citação edital (Lei 78/2001, artº 38º-nº2), a citação do ausente e sua representação pelo MP, nos termos dos artº 21º e 22º do Código de Processo Civil.
No mesmo sentido, Ac. TRL de 17/2/2022, P. 3164/20.3T8OER-A.L1 – neste aresto se concluindo, em posição que acompanhamos:
“Assim, tendo por base o regime subsidiariamente aplicável, e conjugando-o, ainda, com a referida Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, da qual emerge a competência do Ministério Público para representar os ausentes, sem que restrinja tal competência a qualquer tipo de tribunais, constatada a ausência do citando deve o Ministério Público ser citado em sua representação nos termos previstos no art. 21º do Código de Processo Civil, não relevando a circunstância de não existir Magistrado do Ministério Público junto dos julgados de paz, pois tal circunstância também não obsta a que o Ministério Público seja notificado das decisões finais ali proferidas, nos termos previstos no já citado nº 3, do art. 60º, e para que relativamente às mesmas possa exercer a função de controle a que se refere o art. 4º, nº 1, al. j), e nº 3 da Lei 68/2019, entendendo-se, ainda, que deve atender-se para efeitos de citação, ao critério territorial previsto no mesmo art. 60º, nº 3, e assim, citar-se o Ministério Público junto do tribunal judicial territorialmente competente”.
Fundamentação a que acresce o facto de, e cfr. já decidido no  Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Maio de 2007, AUJ n.º 11/2007, do STJ (DR, I, n.º 142, de 25-07-2007, pp. 4733-4743), que no actual quadro jurídico, a competência material dos julgados de paz é alternativa e não exclusiva relativamente aos Tribunais Judiciais de competência territorial concorrente; consequentemente, não podendo ser limitados ou excluídos os direitos das partes, maxime em acção e processo de menor garantia.
Como se refere no Ac. TRL de 17/2/2022, citado, no mesmo sentido de decisão que preconizamos: “I.– Nas ações declarativas intentadas nos julgados de paz, constatada a ausência em parte incerta do citando, deve ser citado em sua representação o Ministério Público junto do tribunal judicial territorialmente competente, nos termos do disposto no art. 21º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por via do art. 63º da Lei nº 78/2001, de 13/07 (entretanto alterada pela Lei nº 54/2013, de 31/07).
II.– Não figurando o Ministério Público como autor, é destituída de base legal a citação do ausente na pessoa de defensor oficioso, ocorrendo nessas circunstâncias a falta de citação para a ação declarativa (art. 188º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil), com a consequente nulidade do todo o processado posterior ao requerimento inicial (art. 187º, al. a) do Código de Processo Civil).”
Concluindo-se que o demandado, ora executado, não foi citado na acção declarativa que correu termos no julgado de paz, tendo o acto de citação sido completamente omitido, nos termos previstos no art. 187º, al. a), do CPC, é nulo todo o processado posterior ao requerimento inicial, constituindo a falta de citação fundamento de oposição à execução nos termos do artigo 729º, al. d), do Código de Processo Civil, consequentemente, sendo nula a decisão final e inexistente o título executivo apresentado à execução (cf. arts. 10º, nº 5, 188º-nº1-al.a) 187º-al.a) e 729º, al. a) do CPC).
Concluindo-se, nos termos expostos, pela procedência do recurso de apelação, julgando-se procedentes os embargos deduzidos e extinta a execução.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação, julgando-se procedentes os embargos deduzidos e extinta a execução, consequentemente, se revogando a sentença recorrida.
Custas pelo apelado.
Guimarães, 23 de Maio de 2024

(  Luísa D. Ramos )
( Carla Oliveira )
( Afonso Cabral Andrade )