Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5887/21.0T8BRG-A.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: INVENTÁRIO
DIREITO DE REPRESENTAÇÃO
DIREITO DE TRANSMISSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2025
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Quando, na pendência de inventário por morte de dois inventariados, falece um herdeiro/interessado do mesmo, que no mesmo interveio antes do falecimento, deixando como únicos herdeiros o cônjuge sobrevivo (com quem fora casado em comunhão de adquiridos) e o filho de ambos (ambos com intervenção no inventário a defender os quinhões do falecido na morte dos seus pais):
a) Não ocorre uma representação sucessória (art.2039º do CC), uma vez que este interessado falecido: não morreu antes dos inventariados, para se poder considerar que não pôde aceitar as suas heranças, mas morreu após os inventariados, morte com a qual foi chamado à titularidade das relações jurídicas dos falecidos (art.2032º do CC), que teve possibilidade de aceitar ou recusar; não recusou a aceitar as heranças dos pais, pois, tendo intervindo no inventário antes de falecer, considera-se, pelo menos, que as aceitou a benefício do inventário, nos termos do art.2053º do CC.
b) Não ocorreu uma transmissão do direito do interessado aceitar a herança dos inventariados (art.2058º do CC), uma vez que a sua intervenção na pendência de inventário por morte dos seus pais implica, pelo menos, uma aceitação das suas heranças a benefício de inventário, nos termos do art.2053º do CC.
c) Ocorreu uma sucessão dos herdeiros legítimos do interessado (cônjuge sobrevivo e filho) na herança deste, cuja partilha se faz por cabeça, na proporção de ½ para cada um (arts.2131º, 2133º/1-a), 2139º do CC).
*
Admite-se o presente recurso da interessada recorrente excluída da partilha no despacho determinativo, nos termos dos arts.1123º/1, 2-b), 644º/1-b) e 638º/1 do CPC.
Em face da simplicidade da causa, profere-se decisão sumária (art.656º do CPC).
Decisão Texto Integral:
DECISÃO SUMÁRIA
(art.656º do CPC)

I. Relatório:

Nos autos de inventário, requerido a 14.01.2015, por óbito de AA em ../../2011, no estado de casada, em primeiras núpcias e sob o regime de comunhão geral de bens com BB, falecido em ../../2013:

1. O interessado CC, filho dos inventariados, citado para o inventário, interveio nos mesmos a 19.10.2015, na sequência da notificação da relação de bens e da reclamação contra a mesma, pedindo que se mantivessem relacionados os bens nos termos da relação de bens.
2. A 10.10.2022, após comunicação da morte do interessado CC, falecido a ../../2022, e tramitado o incidente de habilitação, foi proferida decisão de habilitação de herdeiros, na qual se decidiu a final:
«Aqui chegados, e tendo presente a inexistência de impugnação ao pedido de habilitação formulado pelos sucessores do interessado CC, cujo óbito está devidamente comprovado, julgo habilitados para prosseguir nos presentes autos na posição do referido interessado DD e EE, que deverão ser notificados nos termos previstos no artigo 1104º, n.º1 do CPC.».
3. Nas audições sobre a forma à partilha do art. 1110º/ 1- b) do CPC, o interessado EE, habilitado em I-2 supra, defendeu, nomeadamente:
«- A parte que caberia ao falecido filho CC, subdivide- se em 2 partes iguais, cabendo uma ao cônjuge sobrevivo, FF, e outra ao filho, EE.».
4. A 27.05.2024, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho determinativo da partilha (seguido de marcação de conferência de interessados), notificado por ato de 29.05.2024, no qual:
4.1. Fixou os seguintes factos provados:
«1. A inventariada AA foi casada com BB, em primeiras núpcias e sob o regime de comunhão geral de bens, casamento esse que foi dissolvido por morte da primeira em ../../2011; por seu turno, o inventariado faleceu em ../../2013, no estado de viúvo. 
2. Os inventariados deixaram três filhos, a saber: 
a. GG, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com HH;
b. II, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com JJ;
c. CC, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com FF;  
3. CC faleceu no estado de casado com DD e deixou como seus únicos e universais herdeiro o seu filho, a saber:
a. EE;  
4. Por testamento público datado de 03/03/2005, no ... Cartório Notarial ..., perante a Notária KK, a inventariada doou ao interessado CC, por conta da sua quota disponível, o remanente do prédio misto inscrito na matriz predial da freguesia ... (Este) sob o artigo ...14 urbano e ...5 rústico e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...69, considerando que as duas parcelas de terreno  destinadas a construção urbana que integravam o mesmo prédio foram doadas anteriormente pelo inventariados aos interessados GG e II mediante escrituras públicas datadas de 04/07/1991 e 21/01/2003.
5. Por testamento público datado de 26/09/2011, realizada no Cartório Notarial da Dra LL sito na Rua ..., ..., ..., fls 76, o inventariado instituiu herdeiro da quota disponível de todos os seus bens o seu filho CC, desejando que a mesma fosse preenchida com o seu prédio urbano sito na Rua ..., inscrito na matriz predial da freguesia ... (Este) sob o artigo ...14.».
4.2. Determinou a realização da partilha da herança nos seguintes termos:
«A herança a partilhar deverá ser composta pelos bens descritos na relação de bens constante do requerimento com a refª ...99 (14/03/2024).
O património a partilhar será composto por todos os bens dos inventariados existentes à data da abertura da sucessão (art. 1732º, 2031º 2024º do Código Civil).
Passando à partilha da herança propriamente dita:
*
Sobre a herança de AA; 
Em primeiro lugar, some-se o valor dos bens relacionados e divide-se o total obtido da seguinte forma: divide-se o total obtido em duas partes iguais; uma constitui a meação do inventariado BB, a qual se lhe adjudica (art. 1732º do Código Civil); 
Em segundo lugar, do valor obtido no ponto anterior, retira-se 1/3, por ter ocorrido uma doação por conta da quota disponível (art 2159º do Cód Civil). 
Em terceiro lugar, respeite-se os legados feitos aos interessados GG, II e CC, sendo imputados no 1/3 referido no ponto anterior. 
Em quarto lugar, os 2/3 remanescentes serão divididos em três partes iguais, sendo adjudicadas ao viúvo e a cada um dos interessados (art. 2133º, n.º 1, al.a), 2139º, n.º 1 e 2157º do Cód Civil).
Em quinto lugar, o quinhão que pertenceria ao interessado CC passa a caber, por direito de transmissão, ao seu filho EE, por direito de representação (arts 2039º, 2042º, 2138º do Cód Civil). 
*
Sobre a herança de BB; 
A herança do inventariado será composta pela sua meação nos termos referidos supra, pela parte que lhe cabia na herança deixada por óbito de AA.     
Em primeiro lugar, do valor obtido no ponto anterior, retira-se 1/3, por ter ocorrido uma doação por conta da quota disponível (art 2159º, n.º 2 do Cód Civil).
Em segundo lugar, respeite-se os legados feitos aos interessados GG, II e CC, sendo imputados na 1/3 referido no ponto anterior (art 2159º do Cód Civil).
Em terceiro lugar, depois das operações realizadas supra, a parte remanescente de 2/3 será dividida em três partes iguais, sendo adjudicadas a cada um dos filhos interessados (art. 2133º, n.º 1, al.a), 2139º, n.º 1 e 2157º do Cód Civil).
Em quinto lugar, o quinhão que pertenceria ao interessado CC passa a caber, por direito de transmissão, ao seu filho EE, por direito de representação (arts 2039º, 2042º, 2138º do Cód Civil).».
5. A interessada habilitada FF requereu a retificação do despacho de I-4 supra, nos seguintes termos:
«Requer a Vª Ex.ª se digne a corrigir o respetivo lapso de escrita e que a interessada, DD, passe a constar também ela como herdeira do seu marido e, não apenas o seu filho.».
6. A 11.06.2024 foi proferido o seguinte despacho:
«Refª ...99 (07/06/2024);
Na medida em que a vocação sucessória de EE deriva de trata de direito de representação por óbito de seu progenitor CC, aquela somente opera na linha recta (art 2042º do Cód Civil); na medida em que resulta da escritura de habilitação de herdeiros que CC esteve casado com DD no regime da comunhão de adquiridos (refª ...58 (04/03/2015)), a mesma não é herdeira para efeitos desta partilha; pelo que se indefere o requerido.».
7. A 01.07.2024 a interessada habilitada FF interpôs recurso do despacho de I-1 supra, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1.º
Na contestação a recorrente invocou que o despacho padecia de um lapso pois, CC não deixou apenas o seu filho como seu único e universal herdeiro, mas também a sua esposa.

O tribunal a quo decidiu nos seguintes termos: “Na medida em que a vocação sucessória de EE deriva de trata de direito de representação por óbito do seu progenitor CC, aquela somente opera na linha recta (art 2042º do Cód Civil); na medida em que resulta da escritura de habilitação de herdeiros que CC esteve casado com DD no regime da comunhão de adquiridos (refª ...58 (04/03/2015)), a mesma não é herdeira para efeitos desta partilha; pelo que se indefere o requerido.”

Decisão com a qual a recorrente não se conforma.

Determina aquele artigo 2031º do Código Civil que: “A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele”. Aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis – a que se apelida de vocação ou chamamento. 

O direito de representação ocorre quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado. Neste caso, o representante é chamado tendo em conta a sua relação com o representado, que não entra na sucessão.

Já, porém, na transmissão do direito de suceder ocorre uma dupla transmissão, posto que “o transmissário fosse beneficiário de uma vocação e morresse sem ter aceitado nem repudiado. O seu sucessível teria de aceitar a herança para encontrar dentro dela o direito de suceder ao autor da primeira sucessão. O transmitente tem de poder suceder ao autor, e o transmissário ao transmitente, mas não o transmissário ao autor.

No caso, com a abertura da herança eram, inquestionavelmente, seus herdeiros os seus três filhos GG, aqui cabeça de casal, II e CC., posto que era, este, ainda vivo.

Morreu, porém, sem exercer o seu direito de aceitar ou repudiar a sucessão, direito esse que, todavia, se integrou na respetiva esfera jurídica e que, com a sua morte, se transmitiu, por via sucessória, ao cônjuge DD, aqui recorrente, e ao filho. 

Por tudo isso, a cônjuge é interessada na partilha, não por direito de representação, mas por transmissão do direito de suceder, uma vez que o direito de seu marido de aceitar ou repudiar a herança dos pais transmitiu-se genericamente aos herdeiros, na qual se inclui o cônjuge.
10º
Acresce que, durante a pendência do processo de inventario, veio o cabeça de casal, dar conta nos autos de que o interessado CC faleceu em data posterior ao falecimento dos pais, AA e BB, no estado de casado, sob o regime de comunhão de adquiridos, com DD, deixando descentes vivos (DD e o filho de ambos EE), sendo ambos os únicos herdeiros.
11º
Por despacho, com referência nº...93, foi proferido que “Aqui chegados, e tendo presente a inexistência de impugnação ao pedido de habilitação formulado pelos sucessores do interessado CC, cujo óbito esta devidamente comprovado, julgo habilitados para prosseguir nos presentes autos na posição do referido interessado DD e EE.”.
12º
Ora, tal como já referido anteriormente, a aqui Recorrente foi surpreendida com o despacho com referência n.º ...99
13º
Ora, com o devido respeito, e que ao caso é muito, tendo já em linha de conta o já explanado, a recorrente entende julgar-se habilitada para prosseguir nos presentes autos na posição do referido interessado, CC para além de EE.
14º
Nestes termos e por tudo exposto, entende a recorrente que a decisão ora impugnada deverá ser revogada e substituída por outra que julgue procedente e que DD passe também ela a constar como como herdeira do seu marido e, não apenas o seu filho. 

Nestes termos e outros de Direito e de facto por Vossas Excelências doutamente supridos deverá a decisão de que se recorre ser inteiramente revogada e substituída por outra que declare procedente e que DD e passe também ela a constar como como herdeira do seu marido e, não apenas o seu filho.
ASSIM DECIDINDO, FARÃO V. EX.ª INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!».

8. Não foi apresentada resposta ao recurso.
9. A 12.11.2024 foi admitido o recurso de I-7 supra, nos seguintes termos:
«Por ter sido tempestivamente interposto, por quem tinha legitimidade para o efeito, se tratar de uma decisão recorrível, os fundamentos se afigurarem adequados e conter alegações e conclusões, admito o presente recurso que é de apelação (arts.627º, n.º 1, 629º, n.º 1, 631º, n.º 1, 638º, n.º 1 e n.º 7 639º, 640º e 641º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Suba em separado, com efeito devolutivo, ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães onde será feita a habitual justiça (arts. 645º e 647º do Código de Processo Civil).».
10. Subido os autos a esta Relação, foi o recurso admitido nos termos dos arts.1123º/1, 2-b), 638º/1 e 644º/1-b) do CPC.

II- Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Definem-se como questões a decidir: se o despacho determinativo da partilha incorreu em erro de julgamento, por ter excluído a recorrente como herdeira do quinhão do interessado falecido na pendência da ação de inventário; em caso afirmativo, quais as consequências no despacho determinativo da partilha.

III- Fundamentação:

1. Matéria de facto provada:
Encontram-se provados os atos processuais relatados em I supra (com base na força probatória plena dos atos eletrónicos), para o que se remete em adesão integral.
Encontram-se, ainda, provados os factos substantivos da decisão recorrida, embora com correção do facto provado em 3, face aos assentos de juntos com o requerimento de habilitação de herdeiros de 07.07.2022 e à decisão de habilitação de herdeiros, nos termos do art.607º/4-2ª parte do CPC, ex vi do art.663º/2 do CPC. Destes factos, destacam-se como relevantes os seguintes (nos quais o facto 3 constará alterado e aditado: em relação ao apelido do cônjuge sobrevivo, que será corrigido de “DD” para “FF”; ao regime de bens de casamento, que será aditado; e à menção de herdeiros, que será corrigida para integrar o cônjuge sobrevivo):
«1. A inventariada AA foi casada com BB, em primeiras núpcias e sob o regime de comunhão geral de bens, casamento esse que foi dissolvido por morte da primeira em ../../2011; por seu turno, o inventariado faleceu em ../../2013, no estado de viúvo. 
2. Os inventariados deixaram três filhos, a saber: 
a. GG, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com HH;
b. II, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com JJ;
c. CC, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com FF.»  
3. CC, que celebrou casamento com FF a20.11.1993, sem convenção antenupcial, faleceu a ../../2022, deixou como seus únicos e universais herdeiros:
a. O filho EE;
b O cônjuge sobrevivo FF. 

2. Apreciação jurídica:
2.1. Enquadramento jurídico:
2.1.1. A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele (art.2031º do CC).
Aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade, sendo que, se os primeiros sucessíveis não quiserem ou não puderem aceitar, serão chamados os subsequentes, e assim sucessivamente (e a devolução a favor dos últimos retrotrai-se ao momento da abertura da sucessão) (art.2032º/1 e 2 do CC).
O chamamento pode ser deferido por lei, por testamento ou por contrato (art.2026º do CC).
A sucessão legal (art.1127º do CC), por sua vez, subdivide-se: em sucessão legítima, quando o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, sucessão esta na qual constituem 1ª classe de sucessíveis os herdeiros cônjuge sobrevivo e descendentes, que sucedem por cabeça, não obstante a quota do cônjuge herdeiro não poder ser inferior a ¼ parte da herança (arts.2131º, 2132º, 2133º/1-a), 2136º, 2139º do CC); em sucessão legitimária, respeitante à porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser  legalmente destinada aos herdeiros legitimários, sendo a legítima do cônjuge e dos filhos de 2/3 (arts. 2156º, 2159º do CC).
A aceitação da herança pelos sucessíveis pode ser feita: pura e simplesmente ou a benefício de inventário (neste caso, requerendo-o ou intervindo no mesmo) (arts. 2052º e 2053º do CC); ou de forma expressa ou tácita (arts.2056º e 2057º do CC).
2.1.2. Este chamamento ou vocação referidos em 2.1.1. supra pode ser, por sua vez, direto (regra) ou indireto (no qual está integrado, nomeadamente, a representação sucessória, prevista nos arts.2039º ss do CC).
A representação sucessória distingue-se da transmissão do direito de aceitar a herança:
a) Dá-se a representação sucessória quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado (art.2039º do CC), quer na sucessão legal, quer na sucessão testamentária com as restrições previstas por lei (arts.2040º e 2042º do CC). Na sucessão legal, a representação tem sempre lugar: na linha reta, em benefício dos descendentes de filho do autor da sucessão; ou, na linha colateral, em benefício dos descendentes de irmão do falecido, qualquer que seja, num caso ou noutro, o grau de parentesco (art.2042º do CC), recebendo cada estirpe aquilo em que sucederia o ascendente respetivo (art.2044º/1 do CC).
b) Dá-se transmissão quando o sucessível chamado à herança falecer sem a haver aceitado ou repudiado, transmitindo-se aos seus herdeiros o direito de a aceitar ou repudiar, transmissão que só opera se os herdeiros aceitarem a herança do falecido, sem prejuízo de a poderem repudiar a herança a que fora chamado (art.2058º do CC).
Pereira Coelho explica, nas suas lições, como o direito de representação/ ius representationis (em que apenas há um fenómeno sucessório) se distingue do direito de transmissão/ius transmissionis (em que há dois fenómenos sucessórios):
«Enquanto o direito de representação pressupõe que o representado não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado- que não chegou a ser chamado ou respondeu não ao chamamento sucessório-, o direito de transmissão, pelo contrário, pressupõe que o chamado à sucessão faleceu sem exercer o seu direito de aceitar o seu direito de aceitar ou repudiar a herança ou legado.
Consideremos o seguinte esquema:
Suponhamos que, p. ex., num mesmo desastre de automóvel, morreram B, A e C, pela ordem indicada. B era viúvo e deixou dois filhos, F e G.
Como B morreu antes de A, D e E sucedem representativamente ao avô segundo o art.2042º.
Pelo contrário, F e G não sucedem por direito de representação mas por direito de transmissão. O direito de aceitar ou repudiar a herança A, de que C era titular mas que não chegou a exercer, transmitiu-se a F e G nos termos do art.2058º.
São situações muito diferentes.
Enquanto no direito de representação há um só fenómeno sucessório, na transmissão do direito de aceitar operam-se dois fenómenos sucessórios. Além, os bens passam directamente de A para D e E; aqui C adquire de A, não propriamente as relações jurídicos de que este era titular, mas o direito de aceitar ou repudiar a sua herança, e este direito de aceitar ou repudiar transmite-se de C para F e G.
Daqui resultam consequências importantes (…), enquanto o direito de representação é exclusivamente atribuído (na sucessão legal) aos descendentes dos filhos ou dos irmãos do “de cuius” (art.2042º), o direito de aceitar ou repudiar transmite-se genericamente aos herdeiros (legítimos ou testamentários), do chamado que não chegou a exercer aquele direito (art.2058º)»[i].

2.2. Apreciação da situação em análise:
A decisão recorrida, apesar de ter declarado fazer coincidir a representação e a transmissão sucessória, ordenou que cada um dos quinhões do interessado direto no inventário por morte dos pais, e falecido na sua pendência, fosse apenas atribuído ao seu herdeiro na linha reta, ao abrigo da representação sucessória dos arts.2039º e 2042º do CC, com exclusão do cônjuge sobrevivo do falecido.
Ora, esta decisão, apreciada de acordo com os factos provados e o regime de direito aplicável, incorreu, de facto, em erro de julgamento.
Por um lado, conforme se expôs em III-2.1.-2.1.2. supra, a representação sucessória (arts.2039º ss do CC) distingue-se da transmissão do direito de aceitar a herança (art.2055º do CC).
Por outro lado, no presente caso em análise:
a) Não ocorreu uma representação sucessória por morte de CC, nos termos do art.2039º do CC, uma vez que este: não morreu antes dos seus pais/inventariados, para se poder considerar que não pôde aceitar ou recusar as suas heranças, mas morreu após os inventariados, morte com a qual foi chamado à titularidade das relações jurídicas dos falecidos, nos termos do art.2032º do CC, que teve possibilidade de aceitar ou recusar; não recusou a aceitar as heranças dos pais, uma vez que, tendo intervindo no inventário a defender a relação de bens apresentada pela cabeça de casal, considera-se, pelo menos, que as aceitou a benefício do inventário, nos termos do art.2053º do CC.
b) Não ocorreu uma transmissão do direito de CC aceitar a herança dos inventariados, nos termos do art.2058º do CC, uma vez que a sua intervenção na pendência de inventário por morte dos seus pais implica, pelo menos, uma aceitação das suas heranças a benefício de inventário, nos termos do art.2053º do CC.
c) Ocorreu uma sucessão dos herdeiros legítimos do interessado de CC (cônjuge sobrevivo e filho, conforme à habilitação de herdeiros já realizada) na sua herança, aqui integrada pelos quinhões hereditários pela morte dos seus pais (arts.2131º, 2133º/1-a), 2139º do CC)
Por fim, tendo os herdeiros habilitados do falecido CC (cônjuge sobrevivo, com quem o falecido fora casado em comunhão de adquiridos, e o filho de ambos) intervindo no inventário a defender a sua parte no quinhão do falecido por morte de cada um dos pais (direito próprio do falecido, nos termos do art.1722º/1-b) do CC), o quinhão de CC em cada uma das heranças dos inventariados deve ser adjudicado aos seus herdeiros legítimos, por cabeça, na proporção de ½ para cada um (arts.2131º, 2133º/1-a), 2139º do CC).
Desta forma, procede o recurso de apelação e deve ser alterado o despacho determinativo da partilha em conformidade com o direito exposto.

IV- Decisão:

Pelo exposto, julgando-se procedente o recurso do despacho de 27.05.2024:
1. Revoga-se o segmento decisório que ordenou «Sobre a herança de AA; (…)  Em quinto lugar, o quinhão que pertenceria ao interessado CC passa a caber, por direito de transmissão, ao seu filho EE, por direito de representação (arts 2039º, 2042º, 2138º do Cód Civil).», que deve ser substituído pelo seguinte:
« Sobre a herança de AA; (…)
Em quinto lugar, o quinhão do interessado CC passa a caber ao seu cônjuge sobrevivo FF e ao seu filho EE, na proporção de metade para cada um (arts.2133º/1-a) e 2139º/1 do Cód Civil)».
2. Revoga-se o segmento decisório que ordenou «Sobre a herança de BB;  (…) Em quinto lugar, o quinhão que pertenceria ao interessado CC passa a caber, por direito de transmissão, ao seu filho EE, por direito de representação (arts 2039º, 2042º, 2138º do Cód Civil).», que deve ser substituído pelo seguinte:
«Sobre a herança de AA; (…) 
Em quinto lugar, o quinhão do interessado CC passa a caber ao seu cônjuge sobrevivo FF e ao seu filho EE, na proporção de metade para cada um (arts.2133º/1-a) e 2139º/1 do Cód Civil)».
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Custas pela recorrente, por não haver interessado vencido e ter tirado proveito do recurso (art.527º/1 do CPC e 1130º/4 do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Fixa-se o valor do recurso para efeitos tributários em ½ do quinhão de CC em cada uma das heranças dos inventariados 
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Guimarães, 22 de fevereiro de 2025
Elaborado, revisto e assinado eletronicamente pela Juiz Relatora



[i] F. M. Pereira Coelho, in Direito de Sucessões- Lições do Curso de 1973-1974, atualizadas em face de legislação posterior, Coimbra, 1992, págs.233 a 235.