Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO ALMEIDA CUNHA | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DIREITO DE AUDIÇÃO ELEMENTO SUBJECTIVO DA INFRACÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/24/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I - A actuação da autoridade administrativa está dependente das circunstâncias do caso concreto e da apreciação que a mesma faça relativamente aos fundamentos da defesa apresentada. II - A opção pelo não acolhimento da versão dos factos ou pela não satisfação integral ou parcial das pretensões probatórias do arguido deve ser minimamente fundamentada e explicada ao arguido na decisão final sob pena da mesma surgir como simplesmente discricionária. III - A lei prescreve que a decisão que aplica a coima deve conter a descrição dos factos imputados, com as provas obtidas. IV - Diversamente do que sucede com a sentença criminal, não é exigível a indicação dos factos provados e não provados na decisão administrativa condenatória. V - O que se pretende assegurar é que o arguido saiba as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação. VI - A exigência da descrição dos factos imputados na decisão administrativa condenatória inclui, necessariamente, a descrição dos factos relativos à imputação subjectiva. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO 1. Decisão recorrida Mediante decisão datada de 28.12.2021, o INSTITUTO DOS MERCADOS PÚBLICOS DO IMOBILIÁRIO E DA CONSTRUÇÃO, I.P. condenou a sociedade arguida “X,S.A.” na coima de € 2 500,00, pela prática negligente de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 37.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, al. f), e 6, da Lei n.º 41/2005, de 03-06, e 455.º, n.º 1, 457.º, al. a), do Código dos Contratos Públicos. A sociedade arguida apresentou impugnação judicial desta decisão, a qual veio a ser julgada totalmente improcedente por sentença proferida em 21.06.2022 no âmbito do processo n.º 49/22.2T8ALJ que corre os seus termos no Juízo de Competência Genérica de Alijó. 2. Recurso Inconformado com a referida sentença, a referida sociedade arguida recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição): (…) 2. Após ter sido notificada para apresentar defesa, a recorrente usou desse direito, apresentando a defesa e arrolando testemunhas. 3. Contudo, os factos invocados na defesa não fazem parte do acervo da matéria de facto, nem foram considerados provados, nem foram considerados não provados, 4. Note-se que não se trata de acolher ou deixar de acolher a versão da recorrente… não é pelo facto da recorrente invocar determinado facto que a autoridade administrativa terá de dar o mesmo por assente… 5. No entanto, a autoridade administrativa deverá pronunciar-se de forma fundamentada sobre a razão de não dar acolhimento à versão da recorrente. 6. O que omitiu totalmente, não se pronunciando sobre os motivos de não acolher os factos invocados, sem levá-los à matéria de facto provada ou não provada. 7. Deste modo, no caso sub judice, formalmente foi dada a possibilidade à arguida de se pronunciar sobre a contra-ordenação, mas materialmente não lhe foi dada essa possibilidade, já que o seu direito de defesa foi completamente desconsiderado. 8. Nestes termos, a douta decisão, bem como a decisão administrativa anterior, violaram ou deram errada interpretação ao disposto nos artigos 2º e 32º n.º 10 da CRP e o estatuído no artigo 50º do RGCO, devendo a decisão ser anulada. 9. Por outro lado, dada a natureza (sancionatória) do processo de contra-ordenação, os fundamentos da decisão, que aplicam uma coima (ou outra sanção prevista na lei para uma contra-ordenação), aproximam-se da decisão condenatória, mais do que da decisão da Administração que contenha um acto administrativo. 10. Uma vez que o RGCO não prevê a consequência processual da falta de requisitos da decisão, deverão aplicar-se os preceitos do processo criminal relativos às decisões condenatórias, em consonância com o preceituado no artigo 41º, nº 1 e 2, do RGCO. 11. É que, a fundamentação da decisão tem a função de legitimação-interna –para permitir aos interessados conhecer, mais do que reconstituir, os motivos da decisão e o procedimento lógico que determinou a decisão em vista da formulação de um juízo sobre a oportunidade e a viabilidade, e os motivos para uma eventual impugnação – e de legitimação-externa – para possibilitar o controlo sobre as razões da decisão. 12. Deste modo, a indicação precisa e discriminada dos elementos indicados constitui elemento fundamental para garantia do direito de defesa do arguido, que só poderá ser efectivo com o adequado conhecimento dos factos imputados, das normas que integrem e das consequências sancionatórias que determinem. 13. Ora, no caso concreto, a decisão administrativa sub judice não contém uma narração criteriosa, individualizada e concreta dos factos integrativos do tipo de ilícito contra- ordenacional. 14. Verifica-se, desde logo, que daquela enumeração dos factos considerados provados não se vislumbra descrita factualidade suficiente quanto ao elemento subjectivo do ilícito contra-ordenacional, que é imputado à arguida, faltando, em absoluto, o nexo psicológico, nomeadamente volitivo, de ligação dos factos descritos ao agente. 15. De todo o exposto, resulta que uma imputação de factos, assim, imprecisa, genérica e conclusiva não logrará, por menos exigente, sumário e expedito que se apresente o processo contra-ordenacional, preencher as exigências previstas no artigo 58º do RGCO, designadamente da descrição dos factos imputados, sob pena de violação das garantias mínimas relacionadas, desde logo, com o direito de defesa, as mesmas estendidas a este tipo de processos nos termos do artigo 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa. 16. Saliente-se que, dos factos terão de se extrair, para além dos elementos do tipo objectivo do ilícito contra-ordenacional em causa, as circunstâncias alusivas à vontade de praticar o acto e à consciência da sua ilicitude, de modo a apreender-se se o agente agiu com dolo ou negligência, em qualquer das suas modalidades. 17. Em suma, a decisão da autoridade administrativa é nula, na medida em que nela não se indicam os factos integrantes dos elementos objecto e subjectivo do ilícito contra-ordenacional. 18. Mais, a determinação da medida da coima deve obedecer aos critérios estabelecidos no art.º 18º, n.º 1 do citado DL n.º 433/82. 19. Também, a douta decisão administrativa não explicita todos esses elementos, mormente no que respeita à gravidade da contra-ordenação e à culpa, violando o princípio da legalidade disposto no art. 43.º do Regime Geral das Contra-Ordenações. 20. Em face de todo o exposto, a douta decisão recorrida ao não ter reconhecido a nulidade da decisão administrativa por falta de preenchimentos dos elementos do tipo do ilícito contra-ordenacional, violou ou deu errada interpretação ao disposto nos artigos 18º, 43º, e 58º, nº 1, al. b), do RGCO, e 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal ex vi 41º do RGCO, é nula, o que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais. Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outro, que absolva a arguida, assim se fazendo A ACOSTUMADA JUSTIÇA! (…)”. 3. Respostas ao recurso Após a admissão do referido recurso, o Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso interposto pela sociedade arguida, concluindo (transcrição): (…) Daqui resulta com evidente clareza que em nenhum momento foi postergado, - formal ou materialmente -, o direito de defesa da arguida, nada mais sendo de exigir da autoridade administrativa, que não obstante ter atendido à versão da daquela, não a acolheu tendo fundamentado a sua decisão. Ademais e contrariamente ao que propugna a arguida – de que o seu direito de defesa foi violado – a entidade administrativa, precisamente por ter avaliado a prova oferecida pela recorrente, considerando-a e sopesando-a no seu processo decisório, acabando mesmo por concluir por uma conduta meramente negligente, ao contrário da imputação dolosa originária constante da notificação enviada para o predito exercício do direito de audição. (…) Nestes termos, e por tudo o exposto, o recurso interposto pela arguida não merece provimento, devendo improceder. (…)”. 4. Tramitação subsequente Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista ao Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, o qual emitiu parecer e pugnando a final pela improcedência do recurso, alegando para tanto (transcrição): (…) A recorrente afirma que a prova por si indicada, após produção, não foi vertida no que toca aos seus resultados em factos dados como provados ou não. Não creio que lhe assista razão neste ponto. A entidade administrativa, na sequência da realização das diligências de instrução do processo, produziu e recolheu a prova tida por necessária e fazendo uma avaliação crítica da mesma selecionou o factualismo relevante a ter em conta para a decisão que tinha de tomar. No desenvolvimento desse processo de avaliação desconsiderou a argumentação da recorrente, quer no seu segmento escrito quer no que respeita ao teor das declarações das testemunhas por aquela indicadas. Não estamos perante qualquer violação do dever de audição e defesa mas sim em pleno processo decisório e de avaliação da questão em análise sendo que a conclusão encontrada, a decisão tomada, se mostrou desfavorável à arguida recorrente. Invoca a recorrente a existência de diversas situações determinantes da nulidade da decisão administrativa, por violação do art. 58º, nº 1 do R.G.C.O., como sejam: - falta de indicação como provados ou não de factos alegados pela defesa. - falta de consideração como provados dos elementos subjectivos do tipo contraordenacional em avaliação - falta de indicação de elementos objectivos do tipo contraordenacional violados. - falta de enunciação das circunstâncias consideradas para a graduação da coima. Acompanhamos aqui a decisão objecto de recurso e concluímos que, na realidade, não se mostra existente qualquer dos vícios alegados pela recorrente. Entendo que a inexistência de descrição dos factos dados como não provados na decisão administrativa não inquina a validade desta. A concretização dos factos imputados, essa sim imprescindível, permite realizar um juízo sobre aquilo que a entidade administrativa considerou como essencial e necessário para obter uma decisão sendo que tudo o que não concretizou como imputado e provado tem que se ter como não provado e irrelevante para a decisão tomada. Tenha-se em consideração que o próprio art. 58º, nº 1do RGCO não exige que tal concretização dos factos dado como não provados conste da decisão, bastando-se com a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas. Lendo a decisão administrativa, no seu ponto n.º 8 dos factos provados, encontra-se identificada a componente subjectiva da conduta imputada á recorrente como constituindo a prática de uma contra-ordenação. Aliado á descrição efectuada, na fundamentação da decisão aborda-se ainda o lado da conduta daquela na perspectiva do que deveria ter feito, no que lhe era exigível fazer e não fez, permitindo e justificando a caracterização como negligente da sua conduta. Entende-se relativamente às decisões de autoridade administrativa que “… as exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa - no respeitante às contraordenações - terão de ser menos profundas que as relativas aos processos criminais, não se podendo transformar as decisões das autoridades administrativas em verdadeiras sentenças criminais, não sendo de exigir, pois, o rigor formal nem a precisão descritiva que se exige numa sentença judicial...” Cfr. ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 26-2-2020, in proc. 453/18.0 T8VLN.G2 A decisão administrativa objecto de impugnação contém a identificação da conduta consubstanciadora da prática da contraordenação – falta de prestação de caução exigida por Lei – com indicação das normas violadas de uma forma que não deixa dúvidas sobre o que está em discussão, qual o acto infractor e o tipo contraordenacional susceptível de ser tido como violado. Diga-se ainda que a referida decisão no que respeita á determinação do montante da coima levou em linha de conta elementos suficientes e bastantes para a concretizar os quais fora: Que a arguida é uma pessoa coletiva; Que a prática da infração cometida lhe é imputada a título de negligência; Que não se lhe conhecem antecedentes, no entanto tem pendente de distribuição o PCO 434/2018-CCP; Que não foram especificados os benefícios económicos eventualmente obtidos com a prática do ilícito contraordenacional e As exigências de prevenção geral e especial. Temos portanto que a decisão da autoridade administrativa, tal como foi considerado no despacho recorrido apresenta-se como devidamente fundamentada mostrando-se coerente a sua fundamentação com as premissas de facto e direito que a sustentam, com observância total dos requisitos constantes do art. 58º do R.G.C.O. Em conclusão, considerando o exposto e remetendo para o teor da bem elaborada posição da Colega da primeira instância que acompanhamos entendemos que o recurso não merece provimento. (…) Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório e não foi apresentada qualquer resposta. Estando o recurso já pendente nesta Relação, a sociedade arguida veio invocar que o presente procedimento contra-ordenacional se encontra prescrito desde 30 de Julho de 2002, alegando para tanto que os factos típicos se reportam a 30 de Janeiro de 2018 e que não se verifica a existência de qualquer causa de suspensão da prescrição do prazo máximo de prescrição aplicável ao caso concreto. O Ministério Público junto desta Relação teve vista nos autos e pugna pela não verificação da prescrição do presente procedimento criminal em virtude dos regimes excepcionais de suspensão dos prazos de prescrição dos procedimentos contra-ordenacionais vigentes no âmbito da legislação “Covid-19”. Efectuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. * II – FUNDAMENTAÇÃO A) Factos 1. Factos provados (transcrição): (…) 1 - A empreitada de obra pública designada por “Reabilitação ... – Casa ... – Obras de Reabilitação (Casa ... – Casa ... – Casa de Amostras de Produtos Endógenos)” foi adjudicada pela Câmara Municipal de … à ora arguida X, S.A., após concurso público, pelo valor contratual de 356.931,77 EUR mais IVA. 2 - A decisão de adjudicação da empreitada foi notificada à arguida em 15/01/2018, através da Plataforma Eletrónica de Contratação Pública “ACINGOV” e, no mesmo ato e data, a arguida foi igualmente notificada para apresentar os documentos de habilitação exigidos no procedimento, bem como para prestar caução. 3 – A arguida procedeu à entrega dos documentos de habilitação no dia 29/01/2018. 4 – Em 30/01/2018, último dia para apresentar caução, a arguida submeteu na aludida plataforma ACINGOV, uma declaração onde refere que, no prazo máximo de 8 dias iria apresentar um seguro caução, no montante de 17.846,59 EUR, inerente a 5% sobre o valor da adjudicação, o que não fez. 5 – Neste contexto, no dia 23/02/2018, a entidade adjudicante notificou a arguida via plataforma ACINGOV, para no prazo de 10 dias se pronunciar por escrito, em sede de audiência prévia, sobre a não prestação de caução. 6 – Decorrido o prazo concedido, a arguida não se pronunciou sobre tal comunicação e não prestou a caução exigida, pelo que, foi declarada a caducidade da sobredita adjudicação. 7 – A arguida é detentora do Alvará de Empreiteiro de Obras Públicas n.º ….2, classe máxima 2 e iniciou a atividade de construção a 27/07/2017. 8 – A arguida sabia que, uma vez que lhe fosse adjudicada uma empreitada em sede de procedimento de contratação pública, estava obrigada a, entre outros, prestar caução no tempo e modo estipulados no programa de procedimento e que, ao não o fazer, ficava sujeita às consequências previstas na lei. 9 – Ao não prestar a sobredita caução, a arguida não adotou o cuidado que lhe era imposto e que estava ao seu alcance garantir, no sentido de ter agilizado modos de prestação de caução, nos termos e prazo que eram exigidos. 10 – A arguida mantém-se em atividade, não lhe sendo conhecidos antecedentes contraordenacionais. (…). 2. Factos não provados (transcrição): (…) A – A recorrente decidiu contratar uma pessoa para tratar, em exclusivo, de tudo o que estivesse relacionado com os concursos públicos a que se candidatasse. B – Assim, contratou uma pessoa – J., em Famalicão – para tratar do concurso público “Reabilitação ... – Casa ... – Obras de Reabilitação (Casa ... – Casa ... – Casa de Amostras de Produtos Endógenos)”. C – A pessoa contratada para acompanhar este procedimento ficou incumbida de desenvolver as démarches necessárias com vista à prestação de caução. D – Contudo, tal pessoa não só não procedeu em conformidade, desencadeando junto do departamento contabilístico e financeiro da arguida os procedimentos necessários à prestação de caução, como tampouco deu conhecimento à arguida da necessidade de prestar caução ou das diversas cartas recebidas da parte do município com essa finalidade. (…). B) Objecto do recurso Em conformidade com o disposto no art.º 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim sendo, importa apreciar as seguintes questões: · Prescrição do procedimento contra-ordenacional (questão suscitada após a distribuição do presente recurso nesta Relação) · Nulidade da decisão administrativa fundada na omissão de pronúncia sobre os factos previamente invocados pela sociedade arguida em sede de audição · Nulidade da decisão administrativa fundada na falta de indicação dos factos integrantes do elemento subjectivo da infracção · Nulidade da decisão administrativa fundada na falta de explicitação dos critérios relativos à determinação da medida da coima C) Apreciação do recurso 1. Prescrição do procedimento contra-ordenacional 1.1. A sociedade arguida veio invocar que o presente procedimento contra-ordenacional se encontra prescrito desde 30 de Julho de 2002, alegando para tanto que os factos típicos se reportam a 30 de Janeiro de 2018 e que não se verifica a existência de qualquer causa de suspensão da prescrição do prazo máximo de prescrição de 4 anos e 6 meses aplicável ao caso concreto. O Ministério Público junto desta Relação pugna pela não verificação da prescrição, desde logo, pela suspensão do prazo de prescrição aprovada no âmbito da legislação “Covid-19”. Antecipa-se que a recorrente não tem qualquer razão nesta parte. 1.2. No caso concreto, os factos típicos reportam-se a 30 de Janeiro de 2018 e o montante máximo da coima aplicável é de € 15 000,00. Consequentemente, o procedimento pela contra-ordenação em causa extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da mesma haja decorrido o prazo de três anos (art. 27.º, al. b), do RGCO). O referido prazo está sujeito a interrupções e suspensões ditadas por factos de diversa ordem e depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (artigos 27.º-A e 28.º do DL 433/82 e art. 121.º/2 do Código Penal). Não obstante as interrupções e as suspensões, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e descontado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade (art. 28.º, n.º 3, RGCO). No caso concreto, para efeito de prescrição do procedimento criminal, a tramitação processual revela, para além do mais, os seguintes factos com eficácia interruptiva: i) A arguida foi notificada para exercer o direito de defesa em 28.12.2020 (art. 28.º/1/c); ii) A autoridade administrativa decidiu condenar a arguida com a aplicação de uma coima em 28.12.2021 (art. 28.º/1/d); iii) A arguida foi notificada em 20.03.2022 do despacho judicial que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa (art. 27.º/1/c); Em virtude desta última notificação, o presente procedimento esteve suspenso entre 20.03.2022 e 20.09.2022 (art. 27.º-A, n.º 2). Aplicando o referido prazo de prescrição de três anos acrescido de metade ao caso dos autos (quatro anos e seis meses), é fácil concluir que o prazo de prescrição ainda não se mostra totalmente transcorrido. 1.3. Acresce que o presente procedimento esteve, também, sob a incidência suplementar das normas de suspensão da prescrição da responsabilidade contra-ordenacional aprovadas durante a pandemia de Covid-19. Concretamente, o prazo de prescrição procedimental esteve, adicionalmente, suspenso pelo prazo global de 154 dias, correspondente aos períodos compreendidos entre 9 de Março e 29 de Maio de 2020 – art. 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-3; art. 6.º, n.º 2, da Lei 4-A/2020, de 6-4; e artigos 8.º e 10.º, da Lei n.º 16/2000, de 29-5 – e entre 22 de Janeiro e 5 de Abril de 2021 – art. 6.º-B, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-3 (na redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 1-2); art. 4.º da Lei n.º 4-B/2021; artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5-4 (1). Estas normas já foram objecto de fiscalização concreta pelo Tribunal Constitucional e não foram julgadas inconstitucionais (2). 14. Concluindo, não se mostra ainda extinta a responsabilidade contra-ordenacional da sociedade arguida com fundamento na prescrição do procedimento, sendo manifesta a falta de razão da recorrente nesta parte, cuja conduta processual navega nos limites da litigância de má fé ao desconsiderar todos os factos acima enunciados que eram necessariamente do seu conhecimento (art. 542.º, n.º 2, al. a), do CPC). 2. Nulidade da decisão administrativa fundada na omissão de pronúncia sobre os factos previamente invocados pela sociedade arguida em sede de audição 2.1. Conforme acima referido, o INSTITUTO DOS MERCADOS PÚBLICOS DO IMOBILIÁRIO E DA CONSTRUÇÃO, I.P. condenou a sociedade arguida “X,S.A.” na coima de € 2 500,00, pela prática negligente de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 37.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, al. f), e 6, da Lei n.º 41/2005, de 03-06, e 455.º, n.º 1, 457.º, al. a), do Código dos Contratos Públicos. A acção típica objectiva de tal infracção contra-ordenacional traduz-se na falta de prestação de caução pelo adjudicatário no prazo legalmente previsto, após ter sido expressamente notificado para esse efeito no âmbito de um procedimento de contratação de uma empreitada de obra pública que implica o pagamento de um preço pela entidade adjudicante. Num primeiro momento, quando a sociedade arguida foi notificada para exercer o contraditório, a autoridade administrativa imputou-lhe a prática de tal contra-ordenação a título de dolo. Em sede de audição, a sociedade arguida apresentou a respectiva defesa e alegou, em síntese, que deveria ser absolvida porque contratara um terceiro para tratar em exclusivo de tudo o que se relacionasse com a contratação da empreitada em apreço – incluindo a prestação da caução –, e que o mesmo nem sequer deu conhecimento à sociedade arguida da necessidade de prestar a caução e das notificações realizadas com essa finalidade. Confrontada com a decisão administrativa condenatória, a recorrente alega que a autoridade recorrida desconsiderou completamente o seu direito de audição e defesa em virtude de não se ter pronunciado sobre os factos oportunamente alegados em sede de audição prévia. 2.2. Vejamos, antes do mais, o que se exarou na sentença recorrida a respeito da pretensa desconsideração dos factos alegados em sede de audição prévia (transcrição): «(…) a) Da violação do direito de audição Alega a recorrente, nesta sede, que embora lhe tenha sido concedido o direito de audição, no plano prático o seu exercício foi encarado pela entidade decisora numa perspetiva exclusivamente formal, porquanto os argumentos então aduzidos em defesa da posição sufragada pela impetrante foram completamente ignorados, não constando, na decisão recorrida, do elenco dos factos provados ou não provados. Apreciando. O artigo 50.º do R.G.C.O. prevê o direito de audição e defesa do arguido, que deve ser efetivo, abrangendo o direito de intervir no processo, neste apresentando provas ou requerendo diligências. Tem inteira expressão, no processo contraordenacional, o princípio do contraditório e da audiência, conforme resulta do referido artigo 50.º do R.G.C.O. Este confere a oportunidade, a todo o participante processual, de influir, através da sua audição, na solução do caso concreto. Marcelo Caetano também referia, no seu Manual de Direito Administrativo (Vol. II, pág. 1280), a propósito do processo administrativo de tipo sancionador que, quer a lei o diga ou não, em tais processos há que respeitar o princípio de que ninguém pode ser condenado sem previamente ter sido ouvido, compreendendo-se neste direito natural de defesa a instrução contraditória. O artigo 50.º do R.G.C.O. obriga, pois, a conceder-se ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção em que incorre. Assim, e sob pena de nulidade, não é permitida a aplicação de uma coima sem que, a montante, se tenha assegurado, ao arguido, a possibilidade de, efetivamente, se pronunciar, sendo que, materialmente, a ignorância absoluta, por parte da entidade decisora, da defesa que, no exercício do direito de audição, se apresente, poderá corresponder, na prática, à preterição de tal direito. No caso em apreço e como resulta da consulta dos autos, por missiva datada de 17/12/2020, enviada por correio registado com aviso de receção, recebida a 21/12/2020, foi a arguida notificada pela Sra. Instrutora do Processo, E. S. para, em 10 dias, se pronunciar sobre os factos que lhe eram imputados e que estão na origem dos presentes autos, sob a forma de acusação, com indicação precisa daqueles factos, a imputada comissão dos mesmos a título doloso e, bem assim, a indicação das disposições aplicáveis e das sanções em que poderia incorrer. A notificação em causa, por não se mostrar assinada pela Sra. Instrutora, foi repetida por ofício de 21/12/2020, nos mesmos termos. Na sequência de tal(is) notificação(ões) veio a arguida juntar procuração a favor do Exmo. Sr. Dr. A. Q. e apresentar defesa escrita, essencialmente e como em sede de recurso sucede, referindo que contratou um indivíduo para tratar do concurso público em causa – J., de Famalicão - e que nunca transmitiu à recorrente a necessidade de prestar caução. A arguida, no exercício do seu direito de audição, arrolou duas testemunhas, uma delas um dito “J.” (sic), com morada em Famalicão (assim mesmo, sem mais). A notificação da primeira testemunha arrolada veio devolvida, com a indicação de não reclamada, enquanto o mencionado “J.” se mostrava impossível de notificar, por manifesta incompletude dos elementos identificativos. Tendo a arguida procedido à substituição do dito “J.” pela testemunha A. F., após alteração de datas indicadas pela autoridade administrativa, por impossibilidade do Exmo. Mandatário e da realização de diligências no sentido da completa identificação das testemunhas arroladas, veio finalmente a realizar-se a inquirição das mesmas. Na decisão proferida, agora sob escrutínio recursivo, a entidade administrativa relatou, circunstanciadamente, os fundamentos da defesa escrita apresentada e acima mencionados, bem como o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas oferecidas pela recorrente. Não obstante, na decisão proferida, aquela autoridade acabou por desconsiderar a versão da arguida e não valorar os depoimentos prestados com a relevância por esta pretendida, ante a demais prova produzida. Ora, do que sucintamente se expôs, resulta, com meridiana clareza, que em momento algum foi postergado, - formal ou materialmente -, o direito de defesa da arguida. Muito pelo contrário. O que sucedeu foi que a autoridade administrativa não acolheu a versão daquela, nem tinha de acolher, conquanto fundamentasse a sua decisão. Ademais e incoerentemente com a afirmação de tal cerceamento – a todas as luzes não verificado – note-se que a entidade administrativa, precisamente por ter avaliado a prova oferecida pela recorrente, considerando-a e sopesando-a no seu processo decisório, acabou por concluir por uma conduta meramente negligente, ao contrário da imputação dolosa originária constante da notificação enviada para o predito exercício do direito de audição. Destarte carece de qualquer fundamento a existência do vício apontado. (…)» 2.3. A análise da alegada desconsideração material do direito de defesa pressupõe um breve excurso pela fase administrativa do processo contra-ordenacional. O processo de contra-ordenação inicia-se, em regra, mediante participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras (art. 54.º, n.º 1, do RGCO). Posteriormente, a autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará ou aplicará uma coima – art. 54.º, n.º 2) Todavia, não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre (art. 32.º/10 da Constituição da República Portuguesa e art. 50.º do RGCO). A garantia do direito de audiência e de defesa nos processo contra-ordenacionais encontra-se expressamente consagrada na Constituição desde 1989 (Lei Constitucional n.º 1/89). Neste exercício do direito de audição e defesa, para além da pronúncia sobre as concretas imputações, o arguido pode oferecer provas e requerer as diligências que se lhe afigurem necessárias (art. 61.º/1/f) do Código de Processo Penal e art. 41.º/1 do RGCO). Sobrevindo uma decisão condenatória – com ou sem exercício do contraditório pelo arguido –, o art. 58.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RGCO, prescreve que “A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: (…) b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão”. Importa agora concretizar o alcance da defesa apresentada na fase administrativa e a sua influência e projecção no procedimento contra-ordenacional, em especial sobre a decisão final. 2.4. Em geral, os arguidos que se apresentam a exercer a sua defesa podem negar a prática dos factos imputados e/ou invocar um diferente enquadramento jurídico dos mesmos. Quando impugnem os factos imputados, os arguidos podem ainda requerer a produção de determinados meios de prova. A autoridade administrativa, por seu turno, não está obrigada a aceitar os fundamentos avançados pelo arguido, nem sequer está obrigada a produzir toda a prova requerida pelo mesmo. Mas também não se poderá sustentar a tese simétrica segundo a qual a autoridade administrativa pode ignorar completamente a defesa apresentada pelo arguido e avançar directamente para a decisão condenatória sem sequer se lhe referir, restando apenas ao arguido, nesse caso, a mera sindicância judicial da bondade da imputação dos factos e da condenação. A actuação da autoridade administrativa está obviamente dependente das circunstâncias do caso concreto e da apreciação que a mesma faça relativamente aos fundamentos da defesa apresentada. Importa analisar essencialmente dois tipos de situações com relevância para o caso concreto: 1) Se o arguido se limita a contrapor um diferente enquadramento jurídico dos factos que lhe são imputados, a solução é simples: na decisão final, a autoridade administrativa sustenta o seu entendimento sobre a matéria sem deixar de enunciar a defesa apresentada pelo arguido e de demonstrar a reputada falta de razão deste último, ficando, nesse caso, a medida concreta da fundamentação dependente da maior ou menor complexidade das matérias. 2) Se o arguido impugna os factos e requer a produção de prova que ainda não tivesse sido considerada, a autoridade administrativa estará, em princípio, obrigada a produzi-la e a valorá-la na decisão final com as pertinentes consequências. Mas, consoante o caso concreto, poderá igualmente não o fazer e sustentar que a mesma não se justifica por diversas razões, designadamente porque a versão de facto alegada pelo arguido é manifestamente impossível a vários títulos, ou porque a prova oferecida é inadequada para o fim probatório pretendido, ou ainda porque os factos alegados pelo arguido não podem conduzir ao efeito jurídico por si pretendido ainda que se tivessem por provados. Seja como for, a actuação da autoridade administrativa nesta matéria está sempre subordinada ao princípio da legalidade estrita, sem prejuízo da sempre necessária avaliação da utilidade processual dos actos de instrução requeridos pela defesa. Em especial, a opção pelo não acolhimento da versão dos factos ou pela não satisfação integral ou parcial das pretensões probatórias do arguido deve ser minimamente fundamentada e explicada ao arguido na decisão final sob pena da mesma surgir como simplesmente discricionária (3). Tendo em consideração estes parâmetros, analisemos a pretensão recursória. 2.5. O tribunal recorrido tomou boa nota das insuficiências alegadas pelo recorrente e não as encontrou – nem as poderia ter encontrado – na decisão administrativa impugnada. A autoridade administrativa dedicou quase metade da sua decisão final à enunciação dos factos alegados pela sociedade arguido e dos meios de prova requeridos, bem como à descrição do resultado das diligências de prova realizadas. Na verdade, a recorrente aparenta ter esquecido que a autoridade administrativa deferiu a produção de toda a prova requerida em sede de audição prévia e que até quis ouvir na sua própria sede o alegado terceiro que ficara incumbido de tratar em exclusivo de tudo o que se relacionasse com a contratação da empreitada dos autos – incluindo a prestação da caução –, sendo que foi a própria recorrente que requereu a sua substituição por outra testemunha. Posteriormente, a autoridade administrativa enunciou os factos que considerava provados num segmento autónomo denominado “Factos provados” e pronunciou-se expressamente sobre os factos alegados pela sociedade arguida e sobre o nexo de imputação subjectiva noutro segmento autónomo denominado “Imputação”. Neste último segmento da decisão, a autoridade administrativa afastou a imputação dos factos a título de dolo – nomeadamente que a falta de prestação de caução tivesse sido voluntária, consciente e intencional – e deixou escrito (transcrição): “(…) Muito embora a falha ou lapso na omissão da entrega atempada da caução seja atribuída ao seu colaborador, - facto corroborado pelas declarações das testemunhas – esta omissão da não entrega atempada da caução, cai dentro da esfera da responsabilidade jurídica da arguida, pelo que não a isenta de responsabilidade contra-ordenacional. A arguida confirmou ser conhecedora das suas obrigações legais, incluindo estar obrigada a apresentar a caução no tempo e modo exigido no procedimento sempre que lhe tenha sido adjudicada uma empreitada de obra pública, pelo que esta sua omissão resultou da sua falta de cuidado, isto porque cabe à Administração da arguida em última análise velar pelo cumprimento das tarefas cometidas aos seus colaboradores e trabalhadores. Ao não o ter feito, a arguida não adoptou o cuidado que lhe era imposto e que estava ao seu alcance garantir, no sentido de ter agilizado modos de prestar caução consentâneos com as exigências legais e nos prazos exigidos nos procedimentos. Nesta medida, a conduta da arguida parece reconduzir-se à violação dos deveres de cuidado a que estava obrigada e dos quais era perfeitamente capaz, ou seja, a conduta da arguida é uma conduta negligente (…)”. Conforme acima enunciado, a lei prescreve que a decisão que aplica a coima deve conter a descrição dos factos imputados, com as provas obtidas” (sublinhado nosso). Diversamente do que sucede com a sentença criminal, a norma adjectiva em apreço não exige a indicação dos factos provados e não provados na decisão administrativa condenatória. O que se pretende assegurar é que “o arguido saiba as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação” (4). Ora, no caso concreto, os factos alegados pela sociedade arguida foram investigados e efectivamente apreciados pela autoridade administrativa na decisão final ao ponto de ter sido acolhida a tese da interposição de um colaborador da sociedade arguida no procedimento de contratação pública. Caso a recorrente ainda não tivesse percebido, foi precisamente a sua versão dos factos apresentada em sede de audição prévia que conduziu ao afastamento da imputação dos factos a título de dolo e que convenceu a autoridade administrativa de que a recorrente tinha actuado apenas de forma negligente, com todas as consequências, incluindo uma diminuição acentuada da medida da coima aplicável. A recorrente só não logrou obter a absolvição com fundamento na intervenção de terceiro, mas este desfecho decisório transcende a questão da concreta invalidade da decisão suscitada pela recorrente. 2.6. Assim sendo, não se justifica qualquer alteração ao decidido, pelo que nesta parte improcede o recurso interposto. 3. Nulidade da decisão administrativa fundada na falta de indicação dos factos integrantes do elemento subjectivo da infracção 3.1. Confrontada com a decisão administrativa condenatória, a recorrente alega que “a decisão administrativa sub judice não contém uma narração criteriosa, individualizada e concreta dos factos integrativos do tipo de ilícito contra- ordenacional. (…) Verifica-se, desde logo, que daquela enumeração dos factos considerados provados não se vislumbra descrita factualidade suficiente quanto ao elemento subjectivo do ilícito contra-ordenacional, que é imputado à arguida, faltando, em absoluto, o nexo psicológico, nomeadamente volitivo, de ligação dos factos descritos ao agente”. 3.2. Vejamos, mais uma vez, o que se exarou na sentença recorrida a respeito desta pretensa ausência de factos relativos ao elemento subjectivo da infracção (transcrição): «(…) A decisão recorrida contém a indicação dos factos provados e, embora nestes não se isole, em plenitude, o elemento subjetivo do tipo, refere-se, no ponto 8, que “a arguida sabia que, uma vez que lhe fosse adjudicada uma empreitada em sede de um procedimento de contratação pública, estava obrigada a, entre outros, prestar caução no tempo e modo estipulados no programa do procedimento e que, ao não o fazer, ficava sujeita às consequências previstas na lei”, afirmando-se, mais à frente, “(…) no que respeita à imputação subjetiva, os factos foram imputados à arguida a título de dolo, por se considerar que a sua conduta tinha sido voluntária, consciente e intencional. Não se afigura que tal imputação possa subsistir. Da defesa escrita apresentada e do depoimento das testemunhas, não resulta provado que a arguida quisesse violar a lei, mas apenas que ela não assegurou, no tempo e nos modos que a lei impunha, a prestação de caução. (…) A arguida confirmou ser conhecedora das suas obrigações legais, incluindo estar obrigada a apresentar caução (…) pelo que esta sua omissão resultou da sua falta de cuidado, isto porque, cabe à administração da arguida em última análise velar pelo cumprimento das tarefas cometidas aos seus colaboradores e trabalhadores. Ao não ter feito, a arguida não adotou o cuidado que lhe era imposto e que estava ao seu alcance garantir, no sentido de ter agilizado modos de prestar caução consentâneos com as exigências legais e nos prazos exigidos nos procedimentos. (…) Nesta medida, a conduta da arguida parece reconduzir-se à violação dos deveres de cuidado a que estava obrigada e dos quais era perfeitamente capaz, ou seja, a conduta da arguida é uma conduta negligente, tal como esta é definida pela alínea a) do artigo 15.º do C.P., aqui aplicável ex vi do artigo 32.º do RGCO. A negligência é punível, nos termos do art. 8.º do RGCO e do art. 37.º, n.º 6 da citada Lei n.º 41/2015, de 3 de Junho (…) (…) Nesta medida, e contendo a decisão, na parte em que a recorrente assinala a falta, todos os elementos a que faz referência o artigo 58.º n.º 1 do R.G.C.O., improcede a arguição da nulidade quanto à falta de indicação ou referência aos elementos subjetivos do tipo. (…)» 3.3. A imputação subjectiva em Direito Contra-Ordenacional não constitui questão nada despicienda, pois vigora neste direito sancionatório a regra de que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos expressamente previstos na lei, com negligência (art. 8.º, n.º 1, do RGCO). A exigência da descrição dos factos imputados na decisão administrativa condenatória inclui, necessariamente, a descrição dos factos relativos a esta imputação subjectiva nas suas várias modalidades (5). 3.4. Mais uma vez, o tribunal a quo tomou boa nota deste vício decisório alegado pelo recorrente e não o encontrou – nem o poderia ter encontrado – na decisão administrativa impugnada. A autoridade administrativa afastou a imputação dos factos a título de dolo – nomeadamente que a falta de prestação de caução tivesse sido voluntária, consciente e intencional – e deixou escrito (transcrição): “(…) Muito embora a falha ou lapso na omissão da entrega atempada da caução seja atribuída ao seu colaborador, - facto corroborado pelas declarações das testemunhas – esta omissão da não entrega atempada da caução, cai dentro da esfera da responsabilidade jurídica da arguida, pelo que não a isenta de responsabilidade contra-ordenacional. A arguida confirmou ser conhecedora das suas obrigações legais, incluindo estar obrigada a apresentar a caução no tempo e modo exigido no procedimento sempre que lhe tenha sido adjudicada uma empreitada de obra pública, pelo que esta sua omissão resultou da sua falta de cuidado, isto porque cabe à Administração da arguida em última análise velar pelo cumprimento das tarefas cometidas aos seus colaboradores e trabalhadores. Ao não o ter feito, a arguida não adoptou o cuidado que lhe era imposto e que estava ao seu alcance garantir, no sentido de ter agilizado modos de prestar caução consentâneos com as exigências legais e nos prazos exigidos nos procedimentos. Nesta medida, a conduta da arguida parece reconduzir-se à violação dos deveres de cuidado a que estava obrigada e dos quais era perfeitamente capaz, ou seja, a conduta da arguida é uma conduta negligente (…)”. Não obstante o tratamento autónomo dos factos relativos à imputação subjectiva, os mesmos constam da decisão administrativa e são perceptíveis para quem os queira discernir. Na verdade, a imputação subjectiva assenta nos seguintes factos reputados relevantes na decisão administrativa: - A arguida sabia que, uma vez que lhe fosse adjudicada uma empreitada em sede de um procedimento de contratação pública, estava obrigada a, entre outros, prestar caução no tempo e modo estipulados no programa do procedimento e que, ao não o fazer, ficava sujeita às consequências previstas na lei”; - O colaborador – “J., em Famalicão” (SIC) –, contratado pela sociedade arguida para acompanhar este procedimento e desenvolver as démarches necessárias com vista à prestação da caução, omitiu a entrega atempada da caução; - Cabia à administração da arguida velar pelo cumprimento das tarefas cometidas aos seus colaboradores e trabalhadores; - Ao não ter feito, a arguida não adotou o cuidado que lhe era imposto e que estava ao seu alcance garantir, no sentido de ter agilizado modos de prestar caução consentâneos com as exigências legais e nos prazos exigidos nos procedimentos. Estes factos constam efectivamente da decisão administrativa – ainda que de forma não concentrada e sem autonomia formal relativamente à restante fundamentação – e determinaram a condenação da recorrente a título de negligência. Uma vez demonstrada a imputação de factos relativos à imputação subjectiva, fica prejudicada a análise das consequências associadas à respectiva omissão na decisão administrativa condenatória. 3.5. Assim sendo, importa concluir, mais uma vez, que não se justifica qualquer alteração ao decidido, pelo que nesta parte improcede o recurso interposto. 4. Nulidade da decisão administrativa fundada na falta de explicitação dos critérios relativos à determinação da medida da coima 4.1. A recorrente alega que “a determinação da medida da coima deve obedecer aos critérios estabelecidos no art.º 18º, n.º 1 do citado DL n.º 433/82 (…) a douta decisão administrativa não explicita todos esses elementos, mormente no que respeita à gravidade da contra-ordenação e à culpa, violando o princípio da legalidade disposto no art. 43.º do Regime Geral das Contra-Ordenações.” Liminarmente, dir-se-á que o presente recurso deveria ter sido liminarmente rejeitado caso este fosse o único fundamento do recurso ora sob apreciação. A recorrente ainda não compreendeu que lhe foi aplicada a coima mínima relativa ao tipo negligente da contra-ordenação que lhe foi imputada a final na decisão administrativa. Na verdade, a recorrente viu ser-lhe aplicada a coima no valor de € 2 500,00 por referência a uma moldura de € 2 500,00 a € 15 000,00, e, consequentemente, não haveria nada a discutir por referência a esta coima concretamente aplicada. Seja como for, também falece qualquer razão à recorrente nesta parte. 4.2. Vejamos, mais uma vez, o que se exarou na sentença recorrida a respeito desta pretensa ausência de ponderação dos factores relativos à determinação da medida da coima (transcrição): «(…) No mais, refere ainda a recorrente que a decisão recorrida omitiu a menção dos factos alegados em sede de defesa na fase administrativa do processo, não descreveu o tipo objetivo nem os fatores gradativos da sanção. Conclui afirmando existir omissão de pronúncia sendo, por tais razões, nula a decisão proferida. Sem razão, adiante-se. A invocada nulidade resultante de omissão de pronúncia ocorre quando a entidade decisora deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (porque lhe foram apresentadas ou porque eram do seu conhecimento oficioso) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Tendo por base esta premissa e, apesar de a impugnante enquadrar estes argumentos em sede de omissão de pronúncia, parece-nos que aquilo que pretende invocar é, quanto muito, - tendo em conta o que consta da decisão recorrida e aquilo que é reportado em falta, - uma fundamentação (em seu entender) insuficiente da decisão condenatória e não uma omissão de pronúncia por parte da entidade administrativa. Conforme já se apontou supra, a decisão recorrida menciona os elementos atinentes aos elementos subjetivos do tipo contraordenacional. Acrescenta-se, ainda, que a mesma decisão contém a referência aos argumentos esgrimidos pela arguida, desconsiderando-os na plenitude defendida pela recorrente, assim como menciona as disposições violadas pela conduta que lhe é assacada e, bem assim, os elementos que valorou para a determinação concreta da coima, no caso, a falta de demonstração de benefício económico adveniente da infração, a ausência de antecedentes contraordenacionais, o exercício da atividade de obras públicas e as exigências de prevenção geral e especial, tudo em consonância com o exigido pelo artigo 58.º do R.G.C.O. e considerado o dever de fundamentação exigível no âmbito do processo contraordenacional, conforme já foi analisado. (…) Efetivamente, vista a decisão recorrida, da mesma consta a identificação da arguida, um relatório com a descrição de todos os factos, a tramitação pertinente do processo administrativo, a respetiva fundamentação de facto, incluindo factos provados e respetiva motivação, enquadramento jurídico dos factos, com indicação das normas violadas e determinação da coima concreta, tendo por base a gravidade da infração, a culpa, a situação económica da arguida e o benefício económico retirado e, por fim, o dispositivo. A decisão em causa não padece, assim, de qualquer nulidade, uma vez que a indicação que se faz dos factos e das disposições legais violadas permite um conhecimento perfeito dos factos que são imputados à arguida e das normas legais em que se enquadram. Mesmo sob o enfoque da pretensa omissão de pronúncia, da leitura da decisão recorrida percebe-se que considerou os argumentos da defesa (até porque, conforme já se disse, passou da imputação a título doloso para negligente), referiu os preceitos aplicáveis em contraordenação aos quais a arguida agiu (sem qualquer violação do princípio da legalidade), a medida da coima aplicável e os elementos gradativos considerados na sua determinação concreta que, ademais, situou no mínimo legal da moldura abstratamente aplicável. Pelo exposto, não assiste razão à impugnante, devendo improceder, in totum, as invocadas nulidades. (…)». 4.3. A determinação da medida concreta da coima em apreço “faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação” (art. 18.º do RGCO). O tribunal a quo entendeu – e bem – que a operação administrativa de determinação da medida concreta da coima estava convenientemente explicada relativamente aos aludidos critérios legais. De facto, a autoridade administrativa mencionou expressamente que a aplicação da coima pelo mínimo legal se ficara a dever às seguintes circunstâncias de facto: 1) ausência de benefício económico para a arguida com a prática da infracção; 2) desconhecimento da situação económica da arguida; 3) presença assídua da arguida na contratação pública; e 4) ausência de antecedentes criminais. Neste contexto decisório, torna-se completamente incompreensível que a sociedade arguida ainda pretenda uma fundamentação acrescida para lhe dar a conhecer e a convencer sobre as razões pelas quais foi condenada numa coima fixada no mínimo legal!? 4.4. Concluindo, não se justifica qualquer alteração ao decidido nesta parte, pelo que improcede o recurso. III – DECISÃO Em função do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, consequentemente, mantêm a sentença recorrida. Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC. * Guimarães, 24 de Outubro de 2022 (Texto elaborado em computador pelo relator e integralmente revisto, rubricado e assinado pelos Juízes Desembargadores que compõem a Conferência) (Paulo Almeida Cunha - Relator) (Helena Lamas – 1.ª Adjunta) (Teresa Baltazar – 2.ª Adjunta) 1. Vide Acs. TRL 02.12.2021 e TRP 08.03.2022, disponíveis em www.dgsi.pt; 2. Vide Acs. TC 660/2021 e 798/2021, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt. 3. Vide Ac. TRC 10.01.2007, disponível em www.dgsi.pt. 4. Vide Ac. TRC 02.03.2011, disponível em www.dgsi.pt). 5. Vide Ac. TRE 04.04.2004; Ac. TRL 28.04.2004; todos disponíveis em www.dgsi.pt). |