Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3875/23.1T8VCT.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: TOLERÂNCIA DE PONTO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- O dia de “tolerância de ponto” apenas tem relevância se coincidir com o último dia do prazo, transferindo-se tal prática para o primeiro dia útil seguinte
- Assim, na contagem dos três dias úteis estabelecidos no art. 139º, nº 5 do C. P. Civil, apenas não se contabiliza o dia em que tenha sido concedida “tolerância de ponto”, quando esse dia coincida com o último dia do prazo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório
           
No âmbito da Ação Especial de Divórcio sem o Consentimento do outro Cônjuge, que AA intentou contra BB, veio este recorrer do despacho que não admitiu o seu articulado referente à concretização dos fundamentos dos pedidos de alimentos e cônjuge e da fixação da data de separação do casal, por aí se ter considerado que o mesmo era extemporâneo.

São estas as conclusões do seu recurso:

1 - Conforme dispõe o número 5 do art. 139.º do CPC “… pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo…”
2 - Por sua vez, o número 1 do art. 137.º do CPC plasma que “… não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados…”
3 - Já o n.º 3 do art. 138.º do CPC determina “… consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.”
4 - Já o Ac. do STJ, datado de 09-01-2003, disponível in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3509563e340d49318025740800383886, estabeleceu a seguinte regra, “o n.º 3 do art.º 144, do CPC, na redação dada pelo DL n.º 329-A/95, de 12-12, estabeleceu a regra da equiparação dos dias de tolerância de ponto ao encerramento dos tribunais.”
5 - O nº 3 do art. 144 do CPC na redação dada pelo DL nº 329-A/95 de 12/12, possui a mesmíssima redação do atual nº 3 do art. 138 do CPC, pelo que se mantém absolutamente atual, sendo verdadeiramente a mesma legislação.
6 - Nele, os Venerandos Conselheiros do STJ, discorrendo sobre a temática ora in casu, esclareceram o seguinte: na anterior redação do artigo 144º do Código Proc. Civil (anterior a 1995), subordinado à epigrafe "designação natureza do prazo", gerou-se a questão de saber se o prazo judicial se suspendia num dia de tolerância de ponto, como sucedia nas férias, dias de feriado e sábados e domingos.
7-  A jurisprudência considerava que o dia de tolerância de ponto suspensão (ou não) o prazo consoante a repartição estivesse aberta ou fechada, sendo certo que a jurisprudência deste Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que os prazos não se suspendiam nos dias de tolerância de ponto (v. entre outros, acórdão de 16 de Fevereiro de 1993 - Colectânea - Acórdãos do S.T.J. - ano I, 1993, tomo I, pág. 146), salvo se o dia de tolerância de ponto coincidir com o último dia do prazo para a prática do ato pois considerava-se existir justo impedimento nos termos do artigo 146º nº 2, do Cód. Proc. Civil, para que o ato fosse ser praticado no dia imediato (cf. Assento de 10 de Outubro de 1996 - no Boletim Ministério da Justiça nº 460, págs. 156/163.
8 Foi para pôr ponto final à inaudeza e insegurança da solução da questão que o legislador introduziu a norma nº 3 do artigo 144º (atual n.º 3 do art. 138.º), do Cód. Proc. Civil com a seguinte redação: “Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os Tribunais quando foi concedida a tolerância de ponto".
9 Tal norma, inserida num preceito subordinado à epígrafe "regra da continuidade dos prazos, não pode valer tão-somente para esse preceito, mas sim como princípio estabelecido pelo legislador para terminar com a polémica jurisprudencial anterior: suspender ou não o prazo consoante a repartição judicial estiver aberta ou fechada.
10 Há, pois, que interpretar a norma, no sentido de que se considera o Tribunal encerrado quando foi concedida tolerância de ponto.
11 Tendo concluído o STJ que “A interpretação dada à norma do nº 3 do artigo 144º (atual n.º 3 do art. 138.º), do Código Proc. Civil, conjuga-se quer com a norma inserida no nº 1, do artigo 143º (não se praticam atos processuais nos dias em que os Tribunais estiverem encerrados: sábados, domingos e dias de feriado) quer com a norma inserida no nº 5 do artigo 145º (pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo...) todas essas normas têm o sentido de que os atos processuais só podem ser praticados nos dias úteis.”
12 A melhor interpretação, aquela que respeita a unidade sistemática do CPC, a interpretação que conjuga não só a redação do art. 138.º, com a redação do nº 1 do art. 137.º e ainda com o nº 5 do art. 139.º, todos do CPC, e considera que: a) nos dias em que for concedida tolerância de ponto, o Tribunal considera-se encerrado; b) não se praticam atos processuais em dias que o tribunal estiver ou dever considerar-se encerrado; c) o dia em que é concedida tolerância de ponto não é contabilizado para efeitos dos três dias previstos no n.º 5 do art. 139.º do CPC.
13 A tolerância de ponto, para efeitos de prazo processual, segundo a interpretação sistemática que se impõe, é um dia em que se considera que o tribunal está, para todos os efeitos, encerrado e não um dia em que ocorre uma simples dispensa de comparência aos trabalhadores pelo empregador.
14 Disse-o com todas as letras o STJ.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve o Recurso interposto pelo ora Recorrente, ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão proferida e substituída por outra que admita, por tempestiva, a apresentação do articulado em causa (e os que dele dependem), assim se fazendo a já acostumada JUSTIÇA.
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Factos com interesse para a decisão da causa:

- Na diligência de dia 16/1/2024, foi concedido o prazo de 15 dias para o Réu concretizar os fundamentos dos pedidos de alimentos a cônjuge e da fixação de data de separação do casal.
- A 29/1/2024, as partes, por acordo, requereram a suspensão da instância desde o dia 31/1/2024 até dia 10/2/2024.
- O Réu apresentou o articulado em 16/02/24.
- No dia 13/2/24 foi 3ª feira de Carnaval, tendo o Governo concedido tolerância de ponto aos funcionários que exercem funções públicas.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Cumpre no presente recurso analisar se o articulado apresentado pelo Réu é tempestivo.
Para tal é necessário resolver a questão de saber se o prazo judicial se suspende num dia de tolerância de ponto, como sucede nas férias, dias feriados, sábados e domingos.

O nº 1 do art. 137 do C. P. Civil dispõe que “Sem prejuízo de atos realizados de forma automática, não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período das férias judiciais”, excetuando-se os atos referidos no nº 2.

Os Tribunais estão encerrados aos sábados, domingos e nos dias feriados (arts. 166º, 168º e 169º da Lei nº 59/08, de 11/09).

Por sua vez, o art. 138º, nº 1, do C. P. Civil estabelece que, “O prazo processual estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
O nº 2 deste preceito dispõe que “Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1º dia útil seguinte.”.
Esclarece o nº 3 desta norma que, “Para efeitos do número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.” (sublinhado nosso).

O art. 139º do C. P. Civil, no seu nº 5, institui que, independentemente de justo impedimento, o ato pode ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento de uma multa fixada nos termos aí referidos.

No caso, o termo do prazo para o Réu apresentar o articulado terminava no dia 11/2/24, domingo, pelo que se transferiu para o dia útil seguinte, dia 11/2/24.
O Réu praticou o ato dia 16/2/24, entendendo que o dia 13/2/24 não era dia útil para efeitos de contagem do prazo referido no art. 139º, nº 5 do C. P. Civil, por ter sido concedida “tolerância de ponto”.

Ora, a 3ª feira de Carnaval não é um dia feriado, sendo normalmente nesse dia concedida “tolerância de ponto” aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços da administração direta do Estado e nos Institutos Públicos, pelo Governo da República.

Efetivamente, o Governo concedeu tolerância de ponto no dia 13/2/24 através do Despacho nº 1358/2024 de 5 de fevereiro.

A “tolerância de ponto” é uma dispensa de comparência ao serviço concedida pelo empregador aos seus trabalhadores em determinado dia útil, não é um feriado (cfr. art. 234º do Código do Trabalho, aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas por via do art. 122º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
É uma falta autorizada pelo empregador, nos termos do disposto no art. 255º, nº 1 – e) do Código do Trabalho, e, por isso, justificada.

Aliás, se um trabalhador estiver de férias no momento da tolerância, estas não são suspensas nesse dia, como ocorre nos dias feriados, nem tem direito a mais um dia de férias por compensação.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem vindo e entender que a contagem dos prazos não se suspende nos dias de “tolerância de ponto”, exceto se esse dia coincidir com o último dia para a prática do ato (v. a título de exemplo, Ac. RP de 24/05/21, RC de 18/03/20, RL de 12/10/23, RG de 31/10/19).

Na verdade, é isso que resulta da leitura do art. 138º do C. P. Civil, pois aí, embora se considere o tribunal encerrado em dia de “tolerância de ponto”, tal circunstância apenas releva para os casos em que o prazo termina nesse dia, transferindo-se a sua prática para o primeiro dia útil seguinte.

Assim, o dia de “tolerância de ponto” apenas tem relevância se coincidir com o último dia do prazo, transferindo-se tal prática para o primeiro dia útil seguinte, pelo que, na contagem dos três dias úteis estabelecidos no art. 139º, nº 5 do C. P. Civil, apenas não se contabiliza o dia em que tenha sido concedida “tolerância de ponto”, quando esse dia coincida com o último dia do prazo.
           
Este entendimento não prejudica aquele que tem de praticar o ato, já que dispõe para tal do restante período temporal decorrente da lei para o efeito.

Deste modo, concluiu-se, como na decisão recorrida que a apresentação do articulado pelo Réu é extemporânea.
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Decisão:

Nos termos que se deixaram expostos, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Guimarães, 9 de maio de 2024

Alexandra Rolim Mendes
Paulo Reis
Raquel Batista Tavares