Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ELISABETE COELHO DE MOURA ALVES | ||
Descritores: | PERÍCIAS MÉDICO-LEGAIS E FORENSES ASSESSOR TÉCNICO NOMEAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/21/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. O regime jurídico das perícias médico legais e forenses contém normas que afastam a aplicação do regime geral da prova pericial em processo civil, que apenas será aplicável subsidiariamente e no que não contenda com aquele regime especial. 2. Não se pode cingir o papel do assessor técnico à de mero observador, já que as suas funções vão muito além de um papel passivo, como se alcança da leitura atenta do n.4 do artigo 50º do C.P.C. ex vi artigo 480º n.3 do CPC, bem como do seu n.4, 3. A Lei 45/2004 de 19 de Agosto, não afastou a aplicação do disposto no artigo 480º n.3 do C.P.C. às perícias médico legais a realizar nas delegações do INML ou nos gabinetes médico-legais e forenses. 4. Não conduz a qualquer situação de desigualdade das partes, no caso de não ser admitida a presença do “assessor técnico” indicado pela parte contrária, o facto de a Lei 45/2004 permitir que o examinado, que aí não se encontra na posição de verdadeira parte, se faça acompanhar de pessoa de sua confiança. 5. A realização do exame médico inerente à perícia médico-legal tem implicações ao nível da intimidade e do sigilo médico, nessa medida na perícia médico-legal a realizar a uma das partes, a presença da outra e /ou do seu mandatário e assessor técnico, pode ofender o pudor do examinado, designadamente quando havendo oposição do examinando, se imponha uma avaliação física a nível das lesões sofridas e das sequelas físicas e psíquicas com aspectos sensíveis e relevantes ao nível da vida pessoal e da intimidade da vida privada da examinada. 6. A limitação da presença do assessor técnico da ré no exame médico a realizar na pessoa da autora, não coloca em causa o principio do contraditório ou as garantias de defesa da ré, seguradora. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório * Na acção declarativa de condenação emergente de acidente de viação que B. B. intentou contra X Companhia de Seguros, SA, foi proferido despacho datado de 10.12.2020 (ref.ª elect. 170894755), que indeferiu a presença de Assessor Técnico no exame médico legal a realizar nos autos na pessoa da autora, presença que havia sido requerida pela ré seguradora por requerimento de 9.12.2020 (ref.ª electrónica 10856405), ao abrigo do art. 480.º, n.º 3 do C.P.Civil.Inconformada com esta decisão, a ré seguradora apresentou o presente Recurso de Apelação, cujas conclusões se transcrevem: a) Nas perícias médico-legais a lei de processo civil prevê, explicitamente, a possibilidade das partes poderem assistir a realização da perícia e fazer-se assistir por assessor técnico. b) Com efeito, o diploma que prevê o modo de realização da perícia médico-legal (Lei n.º45/2004, de 19/08) não tem qualquer norma que afaste o regime geral das perícias previsto no CPC, apenas referindo-se a inaplicabilidade dos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal, mas quanto ao processo civil é totalmente omisso. c) Aliás, precisamente por se tratar de perícia singular, e não colegial, a realizar pelo estabelecimento oficial legalmente previsto – INML – é que faz mais sentido a assessoria técnica, já que as partes não podem nomear os seus peritos. d) Enquanto o consultor técnico previsto no artigo 155 do CPP pode “propor a efetivação de determinadas diligências e formular observações e objeções, que ficam a constar do auto”, o assessor técnico apenas pode assistir a realização sem interferir na mesma. e) Como se nota, a mesma Lei que impede a presença de consultor técnico admite a presença de pessoa de confiança da parte para a acompanhar e para assistir ao exame em processo-crime. Por maioria da razão e por uma questão e de igualdade das partes, mas em processo civil, a lei adjetiva admite que as partes possam assistir a realização da perícia como também fazerem-se assistir por assessor técnico. f) Entende-se que a presença de um assessor técnico no caso dos autos não é suscetível de ofender o pudor da A. ou implique quebra de sigilo que o tribunal entenda merecer proteção, uma vez que são profissionais da área de medicina indicados de acordo com a especialidade de cada exame pericial que vai ser realizado e o exame foi requerido pela Recorrida. g) Inibir à parte de assistir uma produção de prova como é a realização de um exame pericial, que não venha a merecer oposição da parte que irá ser avaliada, é violar a disposição prevista no artigo 480, nº 3 do CPC e uma errada interpretação da Lei Especial 45/2004 de 19/84, artigo 3º nº 1 o que salvo o devido respeito, põe em causa princípios fundamentais da interpretação das normas jurídicas e ainda o princípio do contraditório (c. Ac. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo: 1864/17.4T8LRA-A.C1, datado de 28-11-2018). * Pela autora foram apresentadas contra-alegações, apresentando as seguintes conclusões:«1.º - O presente recurso não merece provimento, devendo ser integralmente confirmado o douto despacho recorrido, com a referência 170894755. 2.º - Nas suas doutas alegações, o recorrente invoca que, contrariamente à decisão do despacho recorrido, que é admissível a presença de um assessor técnico na perícia médico-legal, em causa no processo comum que corre termos no tribunal a quo. 3.º - Como é evidente e acompanhando a decisão proferida pelo tribunal a quo no despacho, agora, recorrido defende-se a inadmissibilidade da presença de assessor técnico na perícia médico-legal em causa. Vejamos: 4.º - No dia 10.12.2020, foram as partes notificados do indeferimento da assessoria por despacho, o qual se pronuncia no seguinte entendimento: “Este tribunal já por diversas vezes se pronunciou sobre a inadmissibilidade de nomeação de assessor técnico, em caso de perícia médico-legal, bem sobre a inadmissibilidade de nomeação de Peritos pelas partes, entendimento que ainda hoje, salvo o devido respeito, continua a manter.” 5.º - De acordo com douto despacho, a perícia médico-legal de avaliação do dano corporal sofrido pela autora tem de ser feita pelo INML e por perito (s) designado (s) pelos dirigentes ou coordenadores dos respetivos serviços. 6.º - Ainda de acordo com o despacho recorrido, neste tipo de perícia, considerando o teor da citada Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto e a norma remissiva do art.467.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, nas perícias médico-legais não há lugar à assistência de consultores técnicos das partes. Trata-se de um regime especial que prevalece sobre a norma geral das perícias contida no n.º 3 do art.480.º do Código de Processo Civil. 7.º - De salientar, ainda, e conforme o disposto no douto despacho, “os nºs 1 e 2 do citado art.21.º definem que pessoas intervêm nos exames e perícias no âmbito da perícia médico-legal e forense, não incluindo aí os consultores técnicos das partes. Acresce que o nº1 do art.3º desse diploma exclui expressamente das perícias médico-legais a assistência de consultores técnicos prevista no 155.º do Código de processo Penal. Por igualdade de razões, também no âmbito civil deve valer essa exclusão”. 8.º - Como vimos, a assistência dos consultores técnicos é expressamente excluída das perícias médico-legais pelo n.º 1 do art.3.º da Lei n. º 45/2004, mas importa perceber se esta exclusão também se aplica ao assessor técnico, mencionado no n.º 3 do Código de Processo Civil, tendo sido a presença desta figura que foi requerida pela recorrente. Vejamos as funções do consultor técnico (CPP) e do assessor técnico (CPC). 9.º - O assessor técnico assiste o advogado quando se suscitam questões de natureza técnica para as quais não tenha a necessária preparação, de acordo com o disposto no art.º 50.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Por outro lado, “fundamentalmente o consultor técnico faz assessoria de natureza técnico/científica a quem o indicou” – CPP Comentado, 2014, António Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Pereira Madeira e Henriques da Graça, pg. 662, anotação ao art.º 155.º. 10.º - De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 164/17.4PTAMD-A.L1-5, de 22-09-2020, relatado por Paulo Barreto, posição esta que estamos expressamente de acordo: “Fundamentalmente, as funções do consultor técnico, que são as de coadjuvar o MP, o arguido, o assistente ou as partes cíveis, com conhecimentos técnicos que não são do domínio de um jurista, incluem e esgotam as do assessor técnico. Assim, mais do que apreciar se estão em causa as mesmas figuras, importa destacar que, face à respetiva natureza, as funções do assessor técnico no processo civil são desempenhadas pelo consultor técnico no processo penal. Concluindo-se, deste modo, que a figura do consultor técnico prevista no art.º 155.º do CPP inclui e esgota as funções que, no âmbito do CPC, estão definidas para o assessor técnico(…)”. 11.º - Sendo assim, e tendo por base o supra mencionado, a exclusão da assistência dos consultores técnicos, prevista no n.º1 do art.3.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, deve ser aplicada também aos assessores técnicos, previstos no n.º 3 do art.480.º do código de processo civil, tendo em conta e tendo por base o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 164/17.4PTAMD-A.L1-5, de 22-09-2020, relatado por Paulo Barreto, que as funções do consultor técnico, que são as de coadjuvar o MP, o arguido, o assistente ou as partes cíveis, com conhecimentos técnicos que não são do domínio de um jurista, incluem e esgotam as do assessor técnico. 12.º - Esta exclusão das assistências do consultor técnico e do assessor técnico faz redondamente sentido, tendo em conta a natureza das perícias do INML - o Instituto Nacional de Medicina Legal é, pois, a Instituição de referência nacional na área científica da medicina legal, desenvolvendo a sua missão pericial em estreita articulação funcional com as autoridades judiciárias e judiciais no âmbito da administração da justiça, na observância das normas e dos princípios legais e éticos que asseguram o devido respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. 13.º - O legislador ao introduzir uma distinção quanto às perícias médicas realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, teve comprovadamente em conta que esta é uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica, conforme o disposto nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/2001 e 31/91. 14.º - Como vimos, tendo em conta que os peritos do INML gozam de total autonomia, ao se permitir que um assessor técnico assista à perícia médico-legal, não estaríamos a pôr em causa esta autonomia e imparcialidade que tão bem caracteriza os peritos do INML? 15º - Pois não se deve reconhecer essa passividade que é atribuída pela recorrente à figura do assessor técnico, como demonstram os n.º 4, do art.º 50.º e n.º4, do art.º 480.º, ambos do Código de Processo Civil o assessor técnico, em coadjuvação da parte, pode fazer as observações que entenda. 16.º - Sendo assim, faz total sentido a exclusão da assistência técnica nas perícias médico-legais, por um lado se está expressamente excluída a assistência dos consultores técnicos, também a mesma deve ser excluída aos assessores técnicos tendo em conta que as funções do consultor técnico incluem e esgotam as do assessor técnico, por outro lado esta exclusão irá garantir a manutenção da total autonomia e imparcialidade que tão bem caracterizam os peritos do INML. 17.º - De salientar também a posição do tribunal a quo, no douto despacho quanto à proteção da intimidade e do sigilo médico, posição que também adotamos. Convenhamos devido à idade avançada da recorrida seria zeloso agir de forma a não ofender o seu pudor, e para além disso a recorrida tem o direito a resguardar o seu corpo a estranhos que não os peritos do INML, sobretudo de um assessor técnico da ré. 18.º - É ainda importante ressalvar que esta posição adotada pelo tribunal a quo em nada viola o princípio do contraditório, como é referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 164/17.4PTAMD-A.L1-5, de 22-09-2020, relatado por Paulo Barreto: “(…) Admitir que a ausência de consultor técnico nas perícias médico-legais no INML restringe os direitos processuais das partes, seria pôr em causa a autonomia e a independência técnico- científica do INML, que o legislador qualificou de instituição nacional de referência no âmbito das suas atribuições, intervindo no processo em execução de uma das suas atribuições. A autonomia e independência do INML coloca-o numa posição de equidistância entre as partes. Deste modo, estando os peritos obrigados a fundamentar as suas respostas e conclusões, a possibilidade de serem ouvidos e prestarem os esclarecimentos complementares, são suficientes para assegurar em relação à prova pericial todos os direitos processuais, já que através daqueles esclarecimentos poderão os intervenientes processuais conhecer o percurso seguido na recolha dos elementos que fundamentam as conclusões do relatório, contraditando-o e, dessa forma, contribuir para o aperfeiçoamento do relatório pericial, com reflexos positivos nesse meio de prova”. 19.º - Por tudo supra exposto, deve manter-se o douto despacho agora em crise nos seus mui e doutos precisos termos, uma vez que o mesmo não violou qualquer norma jurídica.» II. O objecto do recurso. As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.). Face às conclusões da motivação do recurso, a questão a decidir centra-se em saber se é admissível a indicação pela ré seguradora de um assessor técnico para estar presente na perícia médico legal a realizar pelo I.N.M.L. na pessoa da autora. * III – Fundamentação fáctica.A factualidade a ter em conta para a apreciação e decisão do recurso circunscreve-se à indicada no relatório acima enunciado, resultando, ainda, da consulta electrónica dos autos principais, a seguinte com pertinência à questão decidenda: - Em 5.11.2020 foi proferido despacho a admitir a prova pericial, nos seguintes termos: «Por não se afigurar impertinente ou dilatória, nos termos dos arts. 468.º, n.º 1, alínea b) e 475.º, ambos do Cód. Processo Civil admite-se liminarmente a prova pericial requerida. A perícia médico-legal será executada em molde singular, no Gabinete Médico-Legal competente. Tendo em conta o objecto do processo e a matéria controvertida delimitada pelos temas da prova já enunciados, a perícia recairá sobre as alíneas c) e i) destes, e ainda sobre os quesitos formulados pela autora de fls. 13 a 15 e pela ré de fls. 44 verso e 45.» - Nas alíneas c) e i) dos temas de prova, consignou-se: «c) As lesões/sequelas sofridas pela autora importam-lhe/importaram-lhe: i. Um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 13 pontos? ii. Um quantum doloris de grau 6? iii. Um dano estético de grau 3? iv. Um prejuízo de afirmação pessoal de 3 pontos? v. Uma incapacidade total permanente de 594 dias? vi. Dificuldade em manter ortostatismo, desequilíbrio na passagem de posição deitada/sentada, sentada/pé e vice-versa, dificuldade de manipulação e gestos finos, perda fácil de equilíbrio, falta de mobilidade e o uso de fralda? vii. O que obriga a necessitar diariamente de cuidados médicos, de sessões de fisiatria e de ajuda de terceira pessoa para cuidados de higiene, alimentação, para se vestir e transições de posição? viii. Bem como a obriga ao uso de canadianas e cadeira de rodas, ao uso de corrimão bilateral de apoio para subir e descer escadas, ao uso de cama articulada e ainda à toma de medicação? ix. As sequelas da fractura periotésica do joelho com afundamento do prato tibial irão determinar, no futuro, prejuízo à mobilidade e estabilidade do joelho direito e à estabilidade do implante, com consequente agravamento da incapacidade da autora? x. A autora poderá ainda necessitar no futuro de fazer intervenções cirúrgicas e colocar próteses, em consequência do acidente dos autos?». Entre outros, a autora formulou sob os arts. 1º e 26º os seguintes quesitos, para serem respondidos no âmbito da perícia: 1º - Como consequência directa e necessária do acidente de viação supra descrito, a autora sofreu as seguintes lesões: Traumatismo do hemitorax direito, Fratura do 3º ao 10º arcos costais direitos e hemotórax de pequeno volume; Fratura clavícula direita; Traumatismo punho direito; Fractura cominutiva distal do radio direito; Traumatismo da bacia; Fratura ramo ísquio-público direito; Traumatismo joelho direito; Fratura periprotésica do joelho, região proximal da tíbia com afundamento do prato tibial interno; Extensas escoriações por todo o corpo; (…) «26º - Apesar dos tratamentos a que se submeteu, a autora consequência directa e necessária do acidente ficou a padecer definitivamente de: Dificuldade em manter ortostatismo (permanecer em pé) por períodos médios de tempo, marcha de base alargada com apoio de duas canadianas se auxiliada na transição ao ortostatismo por terceira pessoa; Desequilíbrio na passagem de posição (deitada para sentada, sentada para pé); Dificuldade na manipulação e gestos finos, dismorfia do punho direito; Sentimentos de tristeza pela impossibilidade de retoma de autonomia prévia; Uso de fralda de proteção; Queixas álgicas na região proximal da perna direita; Défice global de força que contribui para as dificuldades na transição de posição e marcha. Dificuldade nos atos de higiene – ficou dependente de ajuda de terceira pessoa para todos os cuidados de higiene – uso de sanita requer auxílio de terceira pessoa; Dificuldade em se vestir – requer auxílio de terceira pessoa; Não consegue abotoar peças de roupa, trabalhar fechos pequenos, apertar atacadores, vestir calças ou meias. Ficou com dificuldade em manipular talheres e recipientes com líquidos; Marcha dificultada por perda fácil de equilíbrio, com necessidade de auxiliares de marcha (muletas ou andarilho), uso de corrimão bilateral de apoio para subir e descer escadas; Marcha com necessidade de uso de canadianas e terceira pessoa para transição da cadeira de rodas e da cadeira de rodas para o leito. Marcha em escadas, 3 a 4 degraus, possível com ajuda de corrimão duplo. Dificuldade em assumir ortostatismo, sentar e deitar no leito com necessidade de ajuda de terceira pessoa para as transições; A nível de vida afetiva, social e familiar, a perda da autonomia que detinha antes do acidente e o facto de não poder regressar ao domicílio são causa de sentimentos de profunda tristeza. Limitação do movimento de extensão do punho direito, deformidade dorsal do punho e desvio radial do carpo e mão direita; Nos membros inferiores apresenta dor a apalpação da região tibial proximal direita. Arco de mobilidade do joelho direito de 0-80 graus. - A autora nasceu em .. de Outubro de 1930, conforme assento de nascimento junto com a petição inicial. * IV - Fundamentação de DireitoO recurso apresentado pela ré seguradora cinge-se à impugnação do despacho proferido nos autos que não admitiu a presença de Assessor Técnico no exame médico legal a realizar pelo gabinete do INML na pessoa da autora, vítima de acidente de viação. Na decisão recorrida e para fundamentar tal indeferimento consignou-se: «Este Tribunal já por diversas vezes se pronunciou sobre a inadmissibilidade de nomeação de assessor técnico, em caso de perícia médico-legal, bem sobre a inadmissibilidade de nomeação de Peritos pelas próprias partes, entendimento que ainda hoje, salvo o devido respeito, continua a manter. De facto, e de acordo com o disposto no art. 467.º, n.º 3 do C.P. Civil, as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta especificamente, pelo que não há lugar à escolha de peritos pelas partes nem à sua nomeação pelo próprio tribunal, como sucede em peritagens de outra natureza. É que o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses, que consta da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, estatui logo no seu art. 2.º, n.ºs 1 e 2, que as perícias médico-legais são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico- legais do Instituto Nacional de Medicina Legal, nos termos dos respectivos estatutos, e só excepcionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto. De acordo com o art. 5.º, n.º 1 do mesmo diploma, as perícias e pareceres solicitados às delegações e aos gabinetes médico-legais do Instituto, (…), são realizados pelos peritos designados pelos dirigentes ou coordenadores dos respectivos serviços. E nos termos dos n.ºs 1, 3 e 4 do art. 21.º desse mesmo diploma, os exames e perícias de clínica médico-legal e forense são, na falta de outros normativos legais que determinem disposição diferente, realizados por um médico perito devendo, dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do Instituto, ser dada primazia, nestes serviços, aos exames singulares, ficando as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada. Ou seja, a perícia médico-legal de avaliação do dano corporal sofrido pelo autor tem de ser feita pelo INML e por perito(s) designado(s) pelos dirigentes ou coordenadores dos respectivos serviços. Por outro lado, neste tipo de perícia, considerando o teor da citada Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto (norma especial, que regulamenta as perícias médico-legais) e a norma remissiva do art. 467.º, n.º 3, Código de Processo Civil, nas não há lugar à assistência de consultores técnicos das partes. Trata-se de um regime especial que prevalece sobre a norma geral das perícias contida no n.º 3 do art. 480.º do C.P.Civil. Os n.ºs 1 e 2 do citado art. 21.º definem que pessoas intervêm nos exames e perícias no âmbito da clínica médico-legal e forense, não incluindo aí os consultores técnicos das partes. Acresce que o n.º 1 do art. 3.º desse diploma exclui expressamente das perícias médico-legais a assistência de consultores técnicos prevista no 155.º do Código de Processo Penal. Por igualdade de razões, também no âmbito civil deve valer essa exclusão. Ainda que assim não fosse, sempre seria de indeferir o requerido pela ré, pois a realização do exame médico inerente à perícia médico-legal tem implicações ao nível da intimidade e do sigilo médico, sendo certo que a autora tem o direito a resguardar o seu corpo de estranhos que não os peritos do INML, mormente de um assessor técnico da ré – cfr. a parte final do n.º 3 do art. 480.º do C.P.Civil e o disposto no n.º 1 do art. 25.º e o n.º 1 do art. 26.º, ambos da Constituição. O tribunal carece, aliás, de autoridade para obrigar a parte/autora a submeter-se a um exame médico presenciado por pessoa por si não consentida, sendo a vontade deste pressuposto necessário da realização de tal exame. Caso a autora não consentisse sequer na realização da perícia médico-legal, isso apenas teria como consequência a não realização dessa diligência probatória e a eventual improcedência da acção, por falta de prova dos factos constitutivos do direito que alega, na parte atinente aos danos, nos termos previstos no n.º 1 do art. 342.º do Código Civil (e nunca a imposição de um exame médico feito ou assistido por pessoa por si não consentida). Refira-se, ainda, que esta solução não implica violação do princípio da igualdade das partes nem do princípio do contraditório, porquanto nenhum assessor técnico (da autora ou da ré) é admitido a intervir na perícia médico-legal e ambas as partes podem reclamar do relatório que vier a ser apresentado ou requerer que o(s) Perito(s) preste(m) esclarecimentos na audiência de julgamento, se assim o entenderem necessário (cfr. Os arts. 485.º e 486.º do C.P.Civil), sendo estes meios legais idóneos e adequados a que as partes possam fazer a prova e a contraprova dos factos que interessam à decisão da causa. Não fica a ré obviamente impedida de pedir esclarecimentos ou de reclamar do relatório a apresentar, ou mesmo de solicitar uma segunda perícia, podendo para tal consultar previamente o seu assessor técnico, para exercer o contraditório sobre o mesmo relatório, dentro do prazo legal previsto para tal.» Para infirmar o argumentário da decisão, sustenta a apelante que: - A Lei 45/2004 de 19.08, não contém qualquer norma que afaste a aplicação do regime geral das perícias previstas no Código de Processo Civil, pelo que lhe é aplicável a norma que prevê a presença do assessor técnico; - Tratando-se de perícia singular mais sentido tem a presença de assessor técnico da parte, uma vez que não é possível a nomeação de peritos; é diferente o papel do assessor técnico previsto no artigo 480º n.3 do C.P.C. e do consultor técnico previsto no artigo 155º do Código de Processo Penal, cabendo àquele apenas a assistência à realização do exame sem nele intervir; - Tal diploma ao admitir, no âmbito do processo crime, o acompanhamento e assistência de uma pessoa da confiança da parte no exame, por maioria de razão e sob pena de violação da igualdade das partes, conduz, a que no processo civil, se possibilite à parte a indicação de assessor técnico e que no caso dos autos a presença do mesmo é insusceptível de ofender o pudor da A. ou configurar quebra de sigilo; outra interpretação viola o principio do contraditório. Desde já adiantamos, que a decisão proferida pelo tribunal a quo merece o nosso acolhimento quanto à solução alcançada de indeferimento da presença de assessor técnico da ré no exame médico legal a realizar pelo INML na pessoa da autora. É sabida a divergência jurisprudencial sobre a questão da admissibilidade da presença de assessor técnico indicado pela parte, no exame médico-legal a realizar pelo I.N.M.L. (Instituto Nacional de Medicina Legal) no âmbito de perícia médico-legal determinada em processo civil, sendo maioritária a tese que defende que a norma contida no artigo 480º n.3 do C.P.C. é aplicável a essas perícias. Na aferição que se exige impõe-se considerar a especialidade do regime aplicável, natureza das perícias do INML e natureza judiciária da entidade competente para as realizar. De facto, contrariamente ao que nos parece resultar da alegação da apelante, o regime das perícias a realizar pelo INML é um regime específico, especial e imperativo face ao regime geral das perícias fixado no C.P.C., e que, dada a sua especificidade contém algumas normas que afastam o regime geral da sua realização quer no processo penal, quer no processo civil, como seja, desde logo e a título exemplificativo o da escolha e designação dos peritos, indicação de data, hora e local da diligência, modo da sua realização e assistência aos exames e perícias a realizar. Concretizemos: Diz-nos o artigo 467º n. 3 do C.P.C., que: «As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta.» (sublinhado nosso) O regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses, mostra-se plasmado na Lei 45/2004, de 19/8, que veio estabelecer a regra de que tais perícias devem, obrigatoriamente, ser deferidas ao Instituto Nacional de Medicina Legal. Nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 166/2012, de 31 de julho, que aprova a orgânica do INMLCF, I.P.: “1 - O Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P., abreviadamente designado por INMLCF, I. P., é um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e de património próprio. 2 - O INMLCF, I. P., prossegue atribuições do Ministério da Justiça, sob superintendência e tutela do membro do governo responsável pela área da justiça. 3 — No âmbito da sua missão e atribuições, o INMLCF, I. P., tem a natureza de laboratório do Estado e é considerado instituição nacional de referência.» Como se salienta no Ac. R.L. de 22.09.2020 (1) « O Instituto Nacional de Medicina Legal é a Instituição de referência nacional na área científica da medicina legal, desenvolvendo a sua missão pericial em estreita articulação funcional com as autoridades judiciárias e judiciais no âmbito da administração da justiça, na observância das normas e dos princípios legais e éticos que asseguram o devido respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Ao introduzir (o legislador) uma distinção quanto às perícias médicas realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, teve comprovadamente em conta que esta é uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica - cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/2001 e 31/91.» As perícias médico-legais são, assim, realizadas obrigatoriamente nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INMLCF e só excepcionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, as perícias podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo INMLCF, sendo os peritos designados por este organismo, conforme regulamentado pela Lei nº 45/2004 e designadamente nos seus artigos 2º, 5º e 21º. Por outro lado, nos termos do art. 21, nº 1 e 4, as perícias são, em regra, singulares, e para que sejam efectuadas colegialmente, não basta o requerimento da parte, porque a perícia colegial só tem lugar quando o juiz, na falta de alternativa, o determine fundamentadamente. E mesmo quando admissíveis neste âmbito, a sua efectivação não se faz segundo o critério do art. 468º CPC, porque as perícias são feitas por médicos do quadro do instituto ou contratados nos termos do diploma (art. 27 nº1 e 2). A consagração do INML como instituição de referência, levou o legislador, ainda, a assegurar um tratamento diferenciado aos respectivos peritos do INML, como se alcança do disposto pelo artigo 479º n.1 (segmento final) do CPC, dispensando de juramento e compromisso, por serem funcionários públicos e intervirem no exercício das suas funções, estabelecendo como regra a sua audição por teleconferência a partir do local de trabalho sempre que seja necessária a prestação de esclarecimentos na audiência final, como se depreende do art.12º da Lei 45/2004 e 486º n.2 do CPC, contrariamente ao que sucede no regime geral previsto no n.1 deste último normativo. Acresce que não poderá deixar de se extrair do disposto nos artigos 6º n.3 e 4, 3º n.1, 5º, 21º da Lei 45/2004 na redacção vigente à data do despacho recorrido, um regime específico e com particularidades quanto às perícias realizadas no INML face ao regime geral das perícias, quanto à assistência e participação nos exames. O que vem de se expor claramente evidencia, que, contrariamente ao pugnado pela apelante, o regime jurídico das perícias médico legais e forenses contém normas que afastam a aplicação do regime geral da prova pericial em processo civil, que apenas será aplicável subsidiariamente e no que não contenda com aquele regime especial. Avancemos então: O artigo 480.º do CPC de 2013, regula a produção de atos de inspeção por parte dos peritos nos seguintes termos: “1 - Definido o objeto da perícia, procedem os peritos à inspeção e averiguações necessárias à elaboração do relatório pericial. 2 - O juiz assiste à inspeção sempre que o considere necessário. 3 - As partes podem assistir à diligência e fazer-se assistir por assessor técnico, nos termos previstos no artigo 50.º, salvo se a perícia for suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer proteção. 4 - As partes podem fazer ao perito as observações que entendam e devem prestar os esclarecimentos que o perito julgue necessários; se o juiz estiver presente, podem também requerer o que entendam conveniente em relação ao objeto da diligência”. (negrito nosso) Por seu turno, o artigo 50º do C.P.C., para o qual remete o n.3 do artigo 480º, prescreve que: “1 - Quando no processo se suscitem questões de natureza técnica para as quais não tenha a necessária preparação, pode o advogado fazer-se assistir, durante a produção da prova e a discussão da causa, de pessoa dotada de competência especial para se ocupar das questões suscitadas. 2 - Até 10 dias antes da audiência final, o advogado indica no processo a pessoa que escolheu e as questões para que reputa conveniente a sua assistência, dando-se logo conhecimento do facto ao advogado da parte contrária, que pode usar de igual direito. 3 - A intervenção pode ser recusada quando se julgue desnecessária. 4 - Em relação às questões para que tenha sido designado, o técnico tem os mesmos direitos e deveres que o advogado, mas deve prestar o seu concurso sob a direção deste e não pode produzir alegações orais.”. (negrito nosso) Concluindo-se que o RJPMLF (Regime Jurídico das Perícias Médico-Legais e Forenses) é um regime especial que se sobrepõe ao regime geral das perícias, cuja aplicação é subsidiária, este apenas será aplicável em tudo o que não contrarie as disposições daquele. Deste modo, a questão que se coloca é a de saber se da análise de tal regime, resulta ser aplicável às perícias médico-legais a realizar pelo INML, o disposto no n.3 do artigo 480º do C.P.C., ou por outras palavras, se é lícito à parte indicar um assessor técnico para assistir à realização da perícia médico-legal e no caso de se admitir a aplicação de tal norma às perícias médico legais a realizar pelo INML, se se verifica, na situação em apreciação, a excepção prevista no último segmento do n.3 do artigo 480º do C.P.C. São essencialmente quatro os argumentos aduzidos pela apelante para sustentar a referida aplicabilidade, e, designadamente: o D.L. 45/2004 de 19.08 que regulamenta a realização das perícias médico-legais apenas refere a inaplicabilidade do disposto pelos artigos 154º e 155º do C.P.P., sendo omisso totalmente quanto à norma prevista no CPC que permite a assistência das partes e assistência do assessor técnico; tratando-se de uma perícia singular é importante a presença do assessor já que as partes não podem nomear os seus peritos; o papel deste é diferente daquele que é conferido ao consultor técnico a que alude o artigo 155º do C.P.P., já que é um mero assistente sem interferência na diligência como sucede com este último; a mesma lei que impede a presença de consultor técnico admite a presença de pessoa de confiança da parte para a acompanhar e para assistir ao exame em processo crime, por maioria da razão e por uma questão de igualdade das partes, mas em processo civil, a lei adjetiva admite que as partes possam assistir a realização da perícia como também fazerem-se assistir por assessor técnico. Vejamos, tratando numa primeira fase, as três últimas questões suscitadas, para que de modo mais esclarecedor se possa intuir a razão da resposta que irá ser dada à questão da aplicabilidade ou não, a tais perícias, do normativo contido no regime geral previsto no artigo 480º n.3 do C.P.C. Começaremos por salientar que a alegação da inviabilidade de nomeação de peritos pelas partes como justificação para a presença de assessor técnico não nos merece, com todo o respeito, acolhimento, desde logo porque fica por explicar a sua correlação, quando, para além do mais, como sustentado pela apelante, o assessor técnico tem no seu entender, um papel meramente passivo e sem qualquer interferência na realização da perícia. Acresce que, conforme se evidencia da justificação para as alterações introduzidas pela lei 45/2004, na discussão e votação na generalidade da respectiva Proposta de Lei de que resultou este último diploma, n.º 127/IX/2 [DAR I Série n.º 99/IX/2 2004.06.24] (2) : "[...] A definição de novos critérios e regras que devem presidir à actividade pericial surge também da imperiosa necessidade de conformar a medicina legal em Portugal à evolução das condições tecnológicas e científicas, cuja dinâmica moderna, poderá afirmar-se, atinge uma velocidade cada vez maior. Tratando-se de uma área técnico científica especializada, pressupõe conhecimentos não acessíveis à generalidade dos cidadãos, entidades ou profissionais, pelo que se revela particularmente importante acautelar a imparcialidade da actividade pericial, por um lado, e garantir a qualidade e rigor científicos por outro. Pretende o Governo com a presente proposta assegurar a dignidade e a qualidade das perícias médico-legais e forenses, cometendo ao Instituto Nacional de Medicina Legal atribuições e responsabilidade no domínio da creditação e controlo da realização de perícias médico-legais. [...] Atente-se que o Instituto Nacional de Medicina Legal consiste numa instituição com natureza judiciária, encontrando-se os peritos abrangidos pelo segredo de justiça bem como por um especial dever de sigilo profissional. [...] A responsabilidade decorrente da actividade pericial desenvolvida ao abrigo das atribuições legais cometidas aos serviços médico-legais preserva a autonomia técnico-científica dos peritos, mas determina a obrigatoriedade de respeito pelas normas, modelos e metodologias periciais em vigor a nível nacional, assegurando desta forma a harmonização pericial do ponto de vista técnico e procedimental. [...].” É assim «significativo que as perícias médico-legais tenham passado a ser deferidas com exclusividade aos serviços de medicina legal quando estes serviços se encontravam organizados por forma a garantir um elevado padrão de qualidade científica e absoluta imparcialidade da actividade pericial (3), ou seja, o regime instituído oferece garantias de uma maior eficácia e qualidade da prova pericial tendo, sobretudo, em atenção a preparação técnica e altamente especializada do corpo de técnicos do INML, os quais sendo indicados de forma aleatória garantem uma maior isenção e equidistância em relação às partes e ao objecto da perícia, contrariamente ao que sucede com a nomeação dos peritos pelos interessados na sorte da lide onde, como se sabe, cada perito tenderá a defender o interesse da parte que o nomeou (4). Desta solução não se alcança qualquer comprometimento dos direitos conferidos às partes, desde logo, pela possibilidade a estas conferida de reclamarem do relatório pericial ou requererem segunda perícia, ou qualquer comprometimento da função jurisdicional já que tal prova pericial, se mostra sujeita à livre apreciação pelo tribunal (artigo 389.º do Código Civil). O segundo fundamento prende-se com a alegada distinção entre a figura do assessor técnico e a do consultor técnico previsto no artigo 155º do C.P.P., arguindo a apelante que o assessor técnico se limita a assistir, sem interferir no exame. Resulta claro da Lei 45/2004 e, designadamente, do seu artigo 3º n.1, o afastamento da aplicação às perícias médico-legais do disposto nos artigos 154º e 155º do C.P.P., mormente quanto à possibilidade de o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis poderem designar para assistir à realização da perícia um consultor técnico da sua confiança (5). Consultor técnico, que nos termos do n. 2 do citado artigo 155º do C.P.P., tem a faculdade de propor determinadas diligências e formular observações e objecções, que ficam a constar do auto. Impõe-se questionar se dada a falta de referência na Lei 45/2004 à limitação da presença do assessor técnico previsto no n.3 do artigo 480º do C.P.C. e da alegada, pela apelante, distinção da figura do assessor técnico e do consultor técnico, se poderá concluir que tal regime pressupõe a admissão da sua presença? Como bem se refere no Ac. R.L. de 22.09.2020 (6) “ (…) importa destacar que, face à respectiva natureza, as funções do assessor técnico no processo civil são desempenhadas pelo consultor técnico no processo penal”, figura que esgota as funções que no processo civil estão previstas para o assessor técnico, não podendo afirmar-se, como aí bem se salienta, que a figura do assessor é meramente passiva, porquanto basta uma leitura atenta do n.4 do artigo 50º do C.P.C. ex vi artigo 480º n.3 do CPC, bem como do seu n.4, para percebermos que sendo conferidos ao assessor técnico, os mesmos direitos e deveres do advogado, com excepção do direito de produzir alegações orais, poderá intervir, mormente no acto de perícia, e fazer as observações que entenda, ainda que sob a direcção daquele, relativamente às questões para que tenha sido designado. Como salienta o ilustre Professor Alberto dos Reis, in C.P.C. Anotado, Vol.I, págs.141, a propósito da norma similar existente no C.P.C. de 1939 (artigo 43º) «A intervenção do técnico é circunscrita à questão ou questões «para que tiver sido designado» (…) Dentro da questão ou questões respectivas, o técnico desenvolve a sua acção em dois momentos diferentes; no acto da produção da prova e no acto da discussão. Em cada um destes momentos competem-lhe os mesmos direitos e incumbem-lhe os mesmos deveres que ao advogado da parte. E assim o técnico tem, como o advogado, o direito de formular quesitos aos peritos, de fazer a estes as observações que entender, de apresentar reclamações sobre as respostas (arts. 585.º, 597.º, 600.º), de esclarecer o juiz e chamar a sua atenção para determinados factos na inspecção judicial (art. 617.°), de interrogar as testemunhas ou de requerer que sejam esclarecidas e completadas as suas respostas (art. 641.º), pode usar da palavra na audiência preparatória (art. 513 ‘º), assim como na audiência final de discussão e julgamento (art. 653.º, al c). (…)» . Devendo salientar-se que esta última intervenção (produzir alegações orais), mostra-se actualmente afastada por força do n.4 do artigo 50º do C.P.C. Em suma, não se vislumbra, e com todo o respeito, que se possa cingir o papel do assessor técnico à de mero observador, já que as suas funções vão muito além de um papel passivo como se alcança do normativo citado. Acresce salientar que face ao disposto no artigo 50º do C.P.C., a intervenção de assessor técnico mostra-se prevista para a coadjuvação, para a assistência ao advogado nas matérias técnico-científicas para as quais aquele não tenha a necessária preparação (vide a redacção do artigo 480º n.3 “fazer-se assistir por assessor técnico”), encontrando-se a sua intervenção sujeita à direcção daquele. Ou seja, o assessor exerce a sua função ao lado do advogado e paralelamente com ele e apenas no âmbito de questão ou questões indicadas pelo advogado e relativamente às quais se tenha entendido necessária a sua assistência, podendo o juiz recusá-la, quando a julgue desnecessária. Em suma, a intervenção do assessor está limitada: às concretas questões que tenham sido previamente indicadas pelo advogado e para as quais invocou a conveniência da sua assistência; ao juízo de necessidade de tal intervenção feito pelo tribunal; à sujeição da sua intervenção à direcção do advogado, pressupondo para tal, se bem vemos, a presença deste. Com efeito e como elucidativamente se refere no Ac. desta Relação de 16.09.2021 (7) « (…) ao dizer-se nesse n.º 3 que na "diligência" a parte pode "fazer-se assistir por assessor técnico", está-se, salvo melhor juízo, a afirmar que a presença deste só tem lugar quando no ato em causa também for admissível a daquela (11)Ou seja, se não se puder aceitar a presença da parte e/ou do seu mandatário nas diligências da perícia médico-legal, por ela ser suscetível de ofender o pudor do examinando, então também não é possível que nela compareça apenas o assessor técnico; o assessor só pode estar presente quando a parte e/ou o seu mandatário também possam (12). O assessor técnico não tem um direito de acesso às diligências relativas à perícia mais amplo do que o da parte e/ou do seu mandatário.» Concluindo, a figura do “assessor técnico” não diverge em termos substanciais daquela que é prevista no âmbito processual penal do aí designado “consultor técnico”. Esclarecida esta questão, haverá que prosseguir na análise dos demais argumentos avançados pela apelante, adiantando-se desde já que o facto de a Lei 45/2004 permitir que o examinado, que aí se encontra não na posição de verdadeira parte, mas de sinistrado que tem de ser examinado, se faça acompanhar de pessoa de sua confiança (na anterior redacção tal faculdade mostrava-se prevista no artigo 6º n.3 e actualmente mostra-se prevista no artigo 3º n.1, face à alteração introduzida pelo Dec. Lei n.º 53/2021, de 16 de Julho, que com maior clareza definiu a posição do acompanhante (8)), não conduz a qualquer situação de desigualdade das partes no caso de não ser admitida a presença do “assessor técnico” indicado pela parte contrária, já que a sua previsão (aliás, na decorrência da inaplicabilidade do disposto nos artigos 154º e 155º do C.P.P.) encontra, a nosso ver, pleno respaldo e justificação no facto de o examinado, que por força quer da sua idade, situação de debilidade, vulnerabilidade ou incapacidade física ou mental, ou mesmo por uma questão de conforto, possa sentir-se apoiado e fazer-se acompanhar de alguém da sua confiança na realização do exame, pessoa a quem está naturalmente vedada qualquer interferência no exame- não se trata de um consultor ou assessor técnico-, e que, nessa medida, não se vislumbra interferir com qualquer direito da ré, ou crie uma situação de desrazoável ou injustificável desigualdade (9) perante esta, ou conduza à violação de um processo equitativo (10). Aqui chegados e afastados os demais argumentos da apelante, cumpre aferir se, não obstante o já exposto, se poderá afirmar que a Lei 45/2004 de 19 de Agosto, afastou a aplicabilidade do disposto no artigo 480º n.3 do C.P.C. às perícias médico legais a realizar nas delegações do INML ou nos gabinetes médico-legais e forenses, no âmbito das perícias ordenadas no processo civil, à semelhança do que expressamente fez com a declaração de inaplicabilidade do disposto nos artigos 154º e 155º do Código de Processo Penal, por força do disposto no artigo 3º n.1 da mesma Lei. Numa primeira análise tenderíamos a responder que sim. Todavia, julgamos não ter sido essa a intenção do legislador. De facto, e não obstante o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses ser aplicável não só às perícias a realizar no âmbito do processo penal, mas também no processo civil e no trabalho, a previsão do artigo 3º n.1 da Lei 45/2004 é expressa na sua referência ao afastamento da aplicação do disposto nos artigos 154º e 155º do C.P.P., sem que contenha norma idêntica, ou qualquer outra, que nos leve a concluir que também a norma equivalente no âmbito do Processo Civil e mormente o disposto no artigo 480º n.3 do CPC é inaplicável à realização das perícias médico-legais realizadas nesse âmbito. E na verdade, considerando os precedentes normativos e as alterações legislativas quanto a esta matéria, o legislador optou, não obstante a discussão jurisprudencial que se tem verificado à volta desta questão, por manter sempre, no essencial, a redacção dessa norma, omitindo qualquer referência à norma equivalente do C.P.C.. De facto, verifica-se que já no artigo 40º do Decreto-Lei n.º 11/98 de 24.1.1998, que estabeleceu o regime jurídico da organização médico-legal e o âmbito material e territorial de actuação dos serviços médico-legais, focando-se, como se alcança dos trabalhos preparatórios (11), essencialmente na sua articulação com o Código de Processo Penal (12), se estabelecia: « As perícias médico-legais são ordenadas, nos termos da lei de processo, por despacho da autoridade judiciária competente, não lhes sendo, todavia, aplicável o disposto nos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal.». Tal preceito foi transposto, no essencial, para o artigo 3º n.1 da Lei 45/2004 e manteve-se, sem alteração de relevo, na alteração a este diploma operada pelo D.L.53/2021 de 16.07. Da análise da letra da lei (elemento literal), dos trabalhos preparatórios e occasio legis (13), não se colhe que a vontade do legislador tenha ido além do que expressamente consignou nesse artigo quanto à sua exclusiva aplicabilidade no âmbito das perícias médico-legais ordenadas no âmbito do Processo Penal. «O sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei», como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, 1.º vol., 1967, p. 16. De facto, nos termos do disposto pelo artigo 9º n.3 do Código Civil, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. E, pese embora a interpretação não deva cingir-se à letra da lei (n.1), não se alcança, face ao que vem exposto, que outro tenha sido o pensamento do legislador. Pode assim concluir-se que quando a Lei 45/2004, de 19/8 - que tem por objeto o estabelecimento do regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses - no seu art 3º/1, exclui (e apenas no referente às perícias médico-legais solicitadas por autoridade judiciária ou judicial que sejam efetuadas nas delegações do Instituto ou nos gabinetes médico-legais), a possibilidade da parte se socorrer de consultor técnico (por referência expressa à inaplicabilidade do disposto no art 155º CPP), não está a excluir, e não obstante a similitude de funções de um e de outro, a possibilidade da parte se socorrer de assessor técnico nesses exames, no âmbito do Processo Civil, verificados que sejam os requisitos previstos no artigo 50º ex vi 480º n.3 do CPC e à inexistência da condicionante prejudicial prevista no último segmento do n.3 do artigo 480º . Em suma, a Lei 45/2004 não contém qualquer norma que afaste a aplicação do art. 480 do CPC (que rege, entre o mais, sobre a assistência da parte e do assessor técnico às diligências de inspeção das perícias, verificados que sejam os pressupostos nela contidos). Aqui chegados, resta-nos aferir se se mostram verificados os requisitos para que seja admissível a presença do assessor técnico nomeado pela ré no âmbito da perícia médico legal a realizar na pessoa da autora e, designadamente, se a presença do assessor é susceptível de ofender o pudor ou implicar quebra de sigilo que o tribunal entenda merecer protecção, como vem reconhecido na decisão recorrida. In casu, está em causa um exame médico-legal para avaliação do dano corporal a realizar na pessoa da autora/apelada, a qual conta actualmente com 91 anos de idade (conforme assento de nascimento junto aos autos), exame este que visa responder aos quesitos formulados pelas partes e aferir as sequelas resultantes das lesões decorrentes do acidente em apreço nos autos. A apelante sustenta que as sequelas em causa e que deverão ser avaliadas são na maior parte no âmbito de ortopedia, inexistindo motivo para considerar que a presença do assessor seja suscetível de ofender o pudor da A. ou implique quebra de sigilo que o tribunal entenda merecer proteção, uma vez que são profissionais da área de medicina indicados de acordo com a especialidade de cada exame pericial que vai ser realizado. Na decisão recorrida considerou-se que a «realização do exame médico inerente à perícia médico-legal tem implicações ao nível da intimidade e do sigilo médico, sendo certo que a autora tem o direito a resguardar o seu corpo de estranhos que não os peritos do INML, mormente de um assessor técnico da ré – cfr. a parte final do n.º 3 do art. 480.º do C.P.Civil e o disposto no n.º 1 do art. 25.º e o n.º 1 do art. 26.º, ambos da Constituição.» Concordamos inteiramente com a decisão recorrida, porquanto, contrariamente ao que pugna a apelante, na perícia médico-legal a uma das partes, a presença da outra e /ou do seu mandatário e assessor técnico, ou mesmo, a admitir-se tal situação, só deste, é, muito provavelmente, susceptível de ofender o pudor do examinado (14), o que, em nosso entender e como veremos, inquestionavelmente ocorre na situação dos autos. Como bem se salienta no acórdão já cit. desta Relação, de 16.09.2021: «O n.º 3 do artigo 480.º estabelece que "as partes podem assistir à diligência e fazer-se assistir por assessor técnico, nos termos previstos no artigo 50.º, salvo se a perícia for suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer proteção". Pudor significa "sentimento de vergonha ou timidez causado por algo que fere a sensibilidade ou a moral de uma pessoa" (3), "sentimento de timidez ou vergonha" (4). Deve então, considerando o disposto nos artigos 26.º n.º 1 da Constituição da República e 80.º n.º 1 do Código Civil, interpretar-se a expressão "ofender o pudor" como abrangendo a reserva da intimidade da vida privada. Como é sabido, "a vida privada compreende (…) um conjunto de atividades, situações, atitudes ou comportamentos individuais, que não têm relação com a vida pública, que estão desta separados, e que estão estritamente ligados à vida individual e familiar da pessoa." (5) Na verdade, «a reserva da vida privada pretende tutelar um direito ao resguardo daqueles "atos que devem ser subtraídos à curiosidade pública, por naturais razões de resguardo e melindre, como os sentimentos, os afetos, os costumes da vida e as vulgares práticas quotidianas, as dificuldades próprias da difícil situação económica [...] os sentimentos, ações e abstenções que fazem parte de um certo modo de ser e estar e que são condição da realização e do desenvolvimento da personalidade"» (6). Nesta matéria, «a jurisprudência tem aderido - em maior ou menor extensão - à tese germânica da "teoria das três esferas" (…), que procedeu à individualização de uma tríade de esferas autónomas: (i) a esfera pessoal ou de intimidade, (ii) a esfera privada, (iii) e a esfera pública ou social, (…). A primeira esfera (…) diz respeito aos sentimentos íntimos de uma pessoa, à sua situação patrimonial, aos seus valores ideológicos, assim como ao seu estado de saúde físico e mental, que estariam per se subtraídos ao conhecimento alheio, uma vez que tocam o reduto último da intimidade da pessoa.» (7) Tem-se, assim, como pacífico que "a saúde de uma pessoa (…) faz incontestavelmente parte da individualidade privada do ser humano." (8)» Na verdade, resulta incontornável, quer atendendo à idade da autora, quer às alegadas sequelas do acidente físicas e psíquicas, como claramente se evidencia do teor dos quesitos formulados e a que supra – factos provados- se fez alusão parcial e exemplificativa, mas claramente elucidativa, o exame médico a realizar atine com uma avaliação física a nível das lesões sofridas e das sequelas físicas e psíquicas que para si advieram, com aspectos sensíveis e relevantes ao nível da vida pessoal e da intimidade da vida privada da examinada, sendo certo que das contra-alegações resulta clara a oposição da autora à presença de um assessor técnico da ré. Acresce ainda que sem prejuízo da resposta aos quesitos que foram formulados e a que a perícia irá dar resposta, não poderá deixar de se considerar que existem aspectos do exame médico a realizar que podendo relevar para a resposta objectiva aos quesitos se mostram sujeitos a sigilo médico, o qual, como se salienta no Ac. da R.P. de 14.07.2021 (15) “constitui pilar fundamental do exercício da actividade médica e tutela quer do direito à reserva da intimidade da vida privada, que assenta na dignidade da pessoa humana, consagrado legalmente [em convenções internacionais, na CRP e na Lei ordinária – cfr. designadamente arts. 12 da DUDH, 8º da CEDH, 10º da CDHB, 26º e 32º, nº 8, da CRP, 16º do CT/2009, 195º do CP, 126º, nº 2, do CPP, bem como na Lei 12/2005, na Lei 117/2015 (EOM) e no Regulamento de Protecção de Dados Pessoais constante do Reg. (EU) 2016/679 e Lei 58/2019], quer a indispensável confiança na relação entre médico/doente, visando a protecção da confiança do indivíduo que, nele confiando, revela factos sigilosos” e que naturalmente ficaria colocado em causa com a presença de um assessor técnico, cuja função, ainda que médico, é a de prestar assessoria à parte, mais concretamente ao advogado da parte, a quem está vedado o conhecimento de factos sujeitos a tal sigilo médico. Por último, a limitação da presença do assessor técnico da ré no exame médico a realizar na pessoa da autora, contrariamente ao que pugna a apelante, não coloca em causa o principio do contraditório ou as garantias de defesa da ré, já que o processo civil garante às partes o conhecimento do relatório pericial e os respectivos fundamentos, permitindo aos sujeitos processuais conhecer o percurso seguido na recolha dos elementos que sustentam as conclusões do relatório (artigo 484º do CPC); bem como a faculdade de serem pedidos esclarecimentos aos peritos em audiência (artigo 486º do CPC); e dele reclamarem contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição que considerem existir, o que a ser atendido conduzirá a que o perito o tenha que completar, esclarecer ou fundamentar por escrito (artigo 485º do CPC); podendo, outrossim, requerer a realização de uma segunda perícia (artigo 487º), não se vislumbrando, por isso, em que medida esta sindicância a posteriori do resultado da perícia não permita garantir cabalmente o exercício do contraditório pelas partes sobre o resultado do exame. Aqui chegados, resta concluir que a apelação se mostra votada ao insucesso, pelo que nos termos e com os fundamentos que ficaram expostos, será de manter a decisão recorrida que indeferiu a presença do assessor técnico indicado pela ré no exame médico-legal a realizar na pessoa da autora. * IV - DecisãoEm face do exposto e concluindo, decide-se julgar improcedente o recurso de apelação interposto mantendo, por isso a decisão recorrida. Custas pela apelante * Guimarães, 21.04.2022 Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora) Fernanda Proença Anizabel Sousa Pereira (assinado digitalmente) 1. Processo 164/17.4PTAMD-A.L1-5, in www.dgsi.pt 2. Vide Ac. Tribunal Constitucional 133/2007, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070133.html 3. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 133/2007. 4. Conforme se salienta no Ac. R.P. de 10.2.2020, in www.dgsi.pt 5. O Tribunal Constitucional, no Acórdão 133/2007, decidiu que a norma constante do art.º 3° n.º 1 da Lei n°45/2004 de 19 de Agosto, na parte em que inviabiliza a participação de consultores técnicos nas perícias médico-legais realizadas em delegação do Instituto Nacional de Medicina Legal, não é inconstitucional. 6. Processo 164/17.4PTAMD-A.L1-5, in www.dgsi.pt 7. Processo 6274/20.3T8BRG-A.G1, in www.dgsi.pt 8. Aí se prescreve, actualmente, que: «1 - As perícias solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo, não sendo, todavia, aplicáveis às efetuadas nas delegações do INMLCF, I. P., ou nos gabinetes médico-legais e forenses as disposições contidas nos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, na sua redação atual, podendo contudo o examinado fazer-se acompanhar por uma pessoa da sua confiança para a realização do exame pericial, exceto em situações em que tal comprometa o objeto da perícia.» (negrito nosso), tendo sido revogado o n.3 do artigo 6º, que dizia: «3 - O examinado pode, nos termos do disposto no artigo 155.º do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações, fazer-se acompanhar por pessoa da sua confiança para a realização do exame pericial.» 9. Como se salienta no Ac. STJ de 11.05.2017, processo 1560/11.6TVLSB.L1.S1-A, in www.dgsi.pt a jurisprudência do Tribunal Constitucional [neste sentido, cfr., entre outros, os Acórdãos do TC nºs 409/99, 14/00, 245/00, 187/01, 275/02, 195/03, 522/06 e 134/07.] tem afirmado reiteradamente que o princípio da igualdade "obriga a que se trate como igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente; não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, ou seja, distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante". Este princípio supõe uma ponderação e comparação de situações reais, para se aferir se as mesmas são equiparáveis e se a materialidade em que assentam justifica um igual tratamento jurídico. 10. Não podendo assim concordar-se, com todo o respeito, com a posição vertida no Ac. R.P. de 25.2.2021, processo 3232/19.4T8VFR-A.P1 in www.dgsi.pt, quando aí se refere: «Na verdade, teremos de notar que o art. 6º, nº3, desse diploma permite que “O examinado pode, nos termos do disposto no artigo 155.º do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações, fazer-se acompanhar por pessoa da sua confiança para a realização do exame pericial”. Ou seja, a vitima do crime poderá ser acompanhado por outra pessoa. Daí, resultaria, que numa acção cível, na qual o examinado é, em regra, parte do processo, o mesmo poderia usar um assessor técnico e a parte contrária não. Ou seja, uma parte teria direito a ver e influenciar diretamente a prova pericial e a outra não. (…)» 11. Na respectiva Lei de autorização legislativa- Lei n.º 92/97 de 16 de Agosto- mediante a qual foi concedida ao Governo autorização para alterar o regime das perícias médico legais nos termos dos artigos 164º al.e), 168º n.2 e 169º n.3 da Constituição, na redacção vigente à data, consignou-se no seu artigo 2º sob a epigrafe “Sentido e extensão”, para além do mais, que: «A presente autorização legislativa visa regular e clarificar os procedimentos que antecedem a realização de perícias médico-legais, em articulação com os princípios e normas consagrados no Código de Processo Penal, devendo o Governo:» (…) «13) Assegurar que as perícias médico-legais são ordenadas por despacho da autoridade judiciária competente, que indica sumariamente o seu objecto, não lhes sendo aplicável o que demais consta nos artigos 154.o e 155.o do Código de Processo Penal; (…)» 12. Como se salienta no Ac. R.L. de 11.10.2006, in www.dgsi.pt «Dispõe-se no nº 2 do artigo 168º da Constituição: 2 - As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. Daqui decorre as leis de autorização legislativa devem indicar a matéria sobre que o Governo fica autorizado a legislar (é o seu objecto), a amplitude com que o poderá fazer (é o seu alcance) e, bem assim, os princípios-base, as directrizes ou orientações que hão-de presidir à elaboração do decreto-lei a editar (é o sentido da autorização). Quanto ao que deva entender-se pelo sentido da autorização legislativa, escreve ANTÓNIO VITORINO (As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, policopiado, Lisboa, 1985, p. 240): [...] se o sentido não tem que exprimir-se em abundantes princípios ou critérios directivos (que levados às últimas consequências até poderiam condicionar totalmente em termos de conteúdo o exercício dos poderes delegados), deverá, pelo menos ser suficientemente inteligível para que o seu conteúdo possa operar com clareza como parâmetro de aferição dos actos delegados e consequentemente da observância por parte do legislador delegado do essencial dos ditames do legislador delegante.» 13. Veja-se ainda a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 127/IX de 27 de Maio de 2004 14. Vide Ac. citado in nota 7. 15. In www.dgsi.pt |