Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO DA COSTA FERNANDES | ||
Descritores: | DIREITOS REAIS PLANTAÇÕES ARBUSTOS ESPONTÂNEOS PRÉDIOS CONFINANTES | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/22/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 1366º, 1, 1305º E 334º DO CÓD. CIVIL, 9º, D), E 62º DA CRP | ||
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Sumário: | 1. O art. 1366º, 1, do Cód. Civil, visa o melhor aproveitamento dos terrenos agrícolas e florestais, podendo implicar uma restrição ao direito de propriedade do vizinho; 2. Por isso mesmo, só abarca as árvores e arbustos plantados (ou nascidos), até à linha divisória, que correspondam a uma adequada ou, pelo menos, aceitável, explo- ração do prédio; 3. Não legitima o proprietário de um terreno agrícola de regadio a, mantendo-o ao abandono, permitir que nele cresçam silvas e outros arbustos espontâneos que invadam o prédio confinante; 4. A situação a que se reporta o número anterior constitui abuso do direito, por desconformidade com o fim económico a que o terreno deve ser destinado, deixando de se justificar a indicada restrição; 5. Em tal situação, se o proprietário do terreno não o limpar, na zona da linha divisória (incluindo qualquer muro de suporte de terras aí existente), de modo a que as silvas e outros arbustos espontâneos não causem prejuízos ao vizinho, este poderá peticionar a sua condenação a que o faça e exigir-lhe indemnização pelos danos causados. | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 468/08.7TBMNC.G1 (Proc. nº 468/08.7TBMNC, T J de Monção) Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório: M ….., contribuinte fiscal nº …… , e mulher, …..E, contribuinte fiscal….., residentes, …… propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, na forma sumária, contra: A ….., contribuinte fiscal nº …… residente em ….., Peticionando que: 1. Se declare que são legítimos donos e possuidores do prédio rústico denomi- nado “Ínsuas”, de cultura arvense e vinha em ramada, sito no lugar da Bemposta, fre- guesia de Valadares, Monção, inscrito a seu favor, na respectiva matriz, sob o art. 119; 2. A condenação do réu a: a) Reconhecer tal direito; b) Proceder à limpeza do seu prédio na respectiva estrema nascente, bem como à do muro que o delimita nessa mesma confrontação, designadamente dele extraindo raízes e todo o tipo de vegetação que no mesmo cresce, de modo a evitar o perigo e o dano que representa o facto de esse muro estar em perigo de ruir; c) Em alternativa, autorizá-los a procederem ao corte da vegetação que cresce no prédio deste e no muro de suporte, na sua confrontação nascente, que obstaculizem a conservação e aproveitamento da vinha que se encontra na referida confrontação; d) Pagar-lhes a indemnização que vier a ser fixada, em ulterior liquidação, pelos anos em que estiveram impedidos de tratarem a ramada existente na confronta- ção poente do seu prédio e colher os respectivos frutos; e) A abster-se, no futuro, de violar, por qualquer forma, o seu direito de propri-edade sobre o aludido prédio; f) Pagar-lhes, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 50,00 € por cada dia de atraso no cumprimento da sentença, após o trânsito desta em julgado. Para tanto, alegaram, em síntese, que: - São donos e legítimos possuidores do referido prédio; - O réu é proprietário de um prédio confinante, situado em plano superior; - Na estrema poente do seu prédio têm uma ramada ou latada com vinha; - O prédio do réu tem, na zona em que confronta com o seu, um muro de supor-te de terras, o qual se encontra por limpar desde há cerca de 4 a 5 anos; - Deste então, do prédio do réu e do muro pendem sobre a latada silvas, peque- nos sobreiros, canas e carvalhos de pequeno porte, facto que os impede de tratarem da latada e de colherem as uvas que ali frutificam; - Por isso, algumas videiras já secaram e outras encontram-se encobertas por ervas daninhas, silvas e outros pequenos arbustos; - Anteriormente, o réu ou os seus ante possuidores sempre procederam à limpe- za do respectivo prédio, na estrema, e do muro, pelo menos uma vez por ano. O contestou, impugnando a factualidade alegada pelos autores, pugnando pela improcedência da acção e peticionando a condenação daqueles como litigantes de má fé, em indemnização de montante não inferior a 1.500,00 €. *** Por sentença de fls. 104 a 116, a acção foi julgada parcialmente procedente, com o seguinte segmento decisório:- Declarar reconhecido o direito de propriedade e a posse dos autores relativa- mente ao prédio rústico que ficou identificado; - Condenar o réu a reconhecer a propriedade dos autores sobre esse prédio; - Absolver o réu dos demais pedidos contra si formulados. *** Os autores recorreram, pretendendo a revogação da sentença e que a acção seja julgada totalmente procedente, tendo alegado e retirado as seguintes conclusões:1ª Os autores peticionaram que os réus fossem condenados: - A procederem à limpeza do seu prédio, na respectiva estrema nascente, bem como à limpeza do muro que o delimita, nessa mesma confrontação, designadamente dele extraindo raízes e todo o tipo de vegetação que no mesmo cresce, de modo a evitar o perigo e o dano que representa o facto de esse muro estar em risco de ruir; - A pagar-lhes a indemnização que vier a ser fixada, em ulterior liquidação, pelos anos em que estiveram privados de poderem tratar a ramada existente na confrontação poente do seu prédio; - A abster-se, no futuro, de violar, por qualquer forma, o direito de propriedade dos autores sobre o prédio identificado; 2ª Relativamente a tais pedidos foram os réus absolvidos; 3ª Ficou provado que “0 muro em causa apresenta sinais de algum desaba- mento de terras” (ponto 21), o que de forma objectiva representa um perigo para o prédio dos autores, pois tais terras caem nele, e que o réu “desde há 4 ou 5 anos não procede à limpeza do muro em causa” (ponto 19); 4ª O perigo que representa o muro com sinais de desabamento de terras, não tem enquadramento no preceituado no art. 1366º do Cód. Civil; 5ª Não podem os autores ser obrigados a consentir que, do muro, continuem a desabar terras para o seu prédio; 6ª Não é aos autores que compete limpar e reparar o muro, para que tal situa- ção tenha fim, é ao réu, dono dele, que compete evitar, prevenir e vigiar o perigo que actualmente o mesmo representa; 7ª Ao decidir em sentido contrário, está-se a dar cobertura a uma flagrante viola- ção do direito de propriedade dos autores e a uma situação que, nem o direito, nem a justiça consentem; 8ª Não se pode dizer que, com a cobertura do disposto no mencionado art. 1366º, os autores poderiam proceder ao corte das silvas e arbustos que, do muro do réu, ocupam o prédio deles e invadem a latada, impossibilitando que a mesma seja tratada, de modo a produzir uvas; 9ª Tal normativo, tem a sua ratio na faculdade de conferir, ao proprietário, a possibilidade de um aproveitamento agrícola do prédio até aos seus limites, ou seja até à linha divisória, plantando e semeando; 10ª ln casu, ficou provado que a latada do prédio dos autores se encontra parci-almente sobreposta por silvas, canas e arvoredo de pequeno porte, que brota desde o prédio do réu e do referido muro; 11ª As silvas, canas e arvoredo de pequeno porte não foram plantados, nem semeados, nem fazem parte de qualquer aproveitamento agrícola do prédio do réu e parte deles não se encontra na linha divisória (muro); 12ª Manter as silvas, canas e arvoredo de pequeno porte no prédio e no muro, que se sobrepõe à latada dos autores, não representa para o réu qualquer utilidade no aproveitamento do seu prédio, o que implica a não aplicabilidade do disposto no art. 1366º; 13ª O réu e seus antecessores sempre reconheceram (pontos 8 e 19 dos factos provados) a obrigação de manterem o muro limpo, de modo a não causar danos ou prejuízos aos autores, nomeadamente não pondo em causa a normal fruição da latada; 14ª O réu sempre reconheceu e assumiu tal obrigação de limpar e proceder à manutenção do muro, limpando-o, pelo menos, uma vez por ano; 15ª O art. 3º do Cód. Civil, refere que os usos, como é aqui o caso, se não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis; 16ª Sempre foi uso o réu limpar o muro, o que de nenhum modo é contrário aos princípios da boa fé, e, como tal, deve ser atendível juridicamente e aquele condenado a continuar a limpá-lo; 17ª A manutenção de silvas, canas e arvoredo de pequeno porte, que brotam do muro e do prédio do réu e que se sobrepõem à latada dos autores, é lesiva do direito de propriedade dos autores, mesmo que se venha a considerar o direito destes, nos termos do art. 1366º do Cód. Civil; 18ª A inutilização ou impossibilidade de aproveitamento pelos autores da latada viola, de forma grosseira, o direito de propriedade destes que devem ser indemnizados; 19ª O art. 70º, 2, do Cód. Civil, permite à pessoa ofendida ou ameaçada reque- rer as providências adequadas às circunstâncias do caso, sobretudo à defesa do seu direito de defesa de propriedade e do uso pleno dos seus bens; 20ª Nenhum direito assiste ao réu de permitir a invasão por silvas e arbustos do prédio dos autores, nem estes são obrigados a suportar tal situação; 21ª O recurso à acção directa por parte dos autores só poderia ter alguma eficá- cia se estes permanentemente, pelo menos uma vez por ano, procedessem, à sua custa, à limpeza do muro do réu; 22ª É impensável impor a um proprietário que, com periodicidade, tivesse que proceder à limpeza e remoção das silvas, arbustos e demais vegetação que impende sobre o seu prédio, só para evitar os prejuízos que insistentemente e de forma contínua o terceiro lhe está a causar; 23ª A recusa do réu a limpar o muro, que sempre limpou, representa uma con-duta incompatível com o uso, os bons costumes e com o fim social ou económico desse direito, por isso, abusiva, nos termos do art. 334º do Cód. Civil, o que sempre tornaria ilícita a conduta do réu; 24ª Conforme refere o Acórdão do STJ, de 24-02-1999, in BMJ 484, 246: “o abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à intensidade ou à sua execução de modo a comprometer o gozo dos direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular e as consequências que outros têm que suportar”; 25ª O réu ao recusar-se a limpar o muro e a proceder à sua reparação, nas par- tes em que está a degradar-se, querendo atirar para cima dos autores esse ónus de limparem, pelo menos uma vez por ano, o dito muro e repará-lo, viola de forma fla- grante os usos e costumes que sempre praticou, utilizando o poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do contexto em que deve ser exercido; 26ª Os autores estão impedidos, por causa da conduta do réu, de agricultarem e tirarem rendimento da sua latada, há cerca de 4 ou 5 anos; 27ª O réu poderia e devia ter agido de outro modo, nomeadamente limpando e reparando o muro e, como tal, tem que indemnizar os autores, nos termos do art. 483º e seguintes do Cód. Civil; 27ª A douta sentença violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 3º, 334º, 335º, 483º, 1346º e 1366°, todos do Cód. Civil, e 668°, 1, b) e c), do Cód. Proc. Civil. *** O recorrido respondeu, referindo, em síntese, que: - O pedido de limpeza, das raízes e vegetação presas ao muro não é feito com o argumento de que ultrapassem a linha de estrema (pois aí vigoraria em pleno o dispos- to no artigo 1.366º do Código Civil, do que os recorrentes tem plena consciência), mas sim com o argumento de que a sua permanência oferece o perigo de o muro vir a ruir; - Porém, os autores não provaram que o muro esteja em risco de ruir, mas tão- -só que apresenta sinais de algum desabamento de terras, perfeitamente normais e inevitáveis na parte em que tal muro é em terra; - Se ocorresse algum desabamento de terras as mesmas iriam deposita-se no rego de herdeiros ou rego foreiro, contíguo à base do muro, que se interpõe entre os dois prédios, e não no dos autores; - Ficou assente que o réu e seus antecessores, pelo menos uma vez por ano, sempre providenciaram pela limpeza do muro em causa; - Mas isso aconteceu com excepção das partes do muro em que não o conse- guia fazer, isto é, na fachada de tal muro ou talude, por se encontrar ela encoberta pela latada dos autores, a qual se encontra à altura da parte cimeira do muro; - Ainda hoje, as silvas, canas e pequeno arvoredo que se encontram por limpar são apenas os que brotam do muro, na parte em que os não consegue limpar, pois fica por abaixo da latada dos autores; - Tendo construído uma latada encostada à estrema do prédio do réu, e encon- trando-se aquele num nível superior, com um muro de suporte que tem um altura média de 2,00 metros, os autores/apelantes impossibilitaram-no de limpar o muro na sua integralidade; - Provou-se que não existe qualquer acesso do prédio do réu para o dos autores /apelantes, pelo que, encontrando-se a latada junto à estrema, não lhe é possível des-locar-se ao terreno destes, para fazer a limpeza do muro, na sua fachada, situada por baixo da latada; - É falso e não foi alegado na fase dos articulados, que o réu não plantou, nem retira qualquer proveito da vegetação que do seu prédio pende sobre o dos apelantes, pois bem sabem que as "canas" são plantadas, ou aí são mantidas, para depois serem Utilizadas na feitura de latadas de vinha, ou como suporte das videiras quando planta- das ou enxertadas; - Os autores alegam isso agora, pretendendo esvaziar de conteúdo e aplicação, no caso sub judice, o preceituado pelo artigo 1.366º do C. Civil; - Os apelantes não se encontram impedidos, por causa da conduta do réu, de agricultarem e tirarem rendimento da sua latada de vinha; - Como se decidiu no acórdão da Relação de Guimarães, 22/03/2006, prolatado no processo nº 2.479/05-1, “O n° 1 do art. 1366° do C. Civil nada mais reconhece ao dono do prédio senão o direito de arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, por si próprio e à sua própria custa, em vez de transferir o respectivo ónus para o dono das árvores ou arbustos”; - Quanto à questão indemnizatória, no acórdão da Relação de Coimbra, de 13/02/2001, Proc. 3.596/2000, decidiu-se que “Não se pode confundir ... os danos que a árvore provoca pelo simples facto de ali estar implantada, ou de prolongar os seus ramos e raízes pelo terreno do vizinho – esses não são indemnizáveis – com os danos causados pela queda da árvore ou dos ramos ...”; - Os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, 2ª ed., Vol. III, p. 231, referem: “Parece, pois, pacífico que o artigo 1.366º do CC não atribui ao vizinho, prejudicado com as árvores, o direito de pedir indemnização ao dono delas pelos prejuízos sofridos com a invasão das raízes e do tronco ou ramos na medida em que os pode evitar exercendo o seu direito de os cortar”; - O pedido subsidiário, à luz do estatuído no 1.366º do Cód. Civil, também não tem qualquer razão de ser, pois que os autores/recorrentes não necessitam que o réu lhe conceda autorização, quando ela decorre, de forma expressa e directa, da lei; *** O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo. *** II. Questões a equacionar:O âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recor-rentes, importando apreciar as questões que delas fluem, a não ser que outras se per- filem de conhecimento oficioso - arts. 684º, 2 e 3, 684º-A, 1 e 2, 685º-A, 1 e 2, e 660º, 2, parte final, do Código de Processo Civil. Assim, «in casu», há equacionar as seguin- tes: - O desabamento de terras do muro do réu; - A aplicabilidade ou não do art. 1366º, 1, do Código Civil; - O abuso do direito; - A indemnização. *** III. Fundamentação:A) Factos provados: 1. Por escritura pública denominada de venda, outorgada no Cartório Notarial de Monção, aos 27.04.1978, por Manuel José Pereira, que também usa o nome de Manuel Pereira, na qualidade de procurador e em representação de Maria de Lourdes Mendes Barrosa, de Luís Filipe Mendes Barrosa e de Manuel António Mendes Barrosa, na qualidade de primeiro outorgante, e Elvira Rodrigues Esteves, casada sob o regime da comunhão geral de bens com Manuel Oliveira Machado, enquanto segunda outorgante, declarou o primeiro que vende à segunda outorgante, que declarou aceitar, entre outros, o prédio rústico, composto de campo de cultura arvense e vinha em ramada, chamado “Ínsuas”, sito no Lugar de Bemposta, freguesia de Valadares, concelho de Monção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 119 e omisso na CRP; 2. O referido prédio rústico confronta de norte com António Puga de Azevedo, de sul e nascente com os autores – cfr. o nº 11, infra, quanto à confrontação poente; 3. Os autores, por si e ante possuidores, há mais de 20, 30 e 50 anos, tratam do prédio id. em 1., podando, atando e sulfatando a vinha, dela retirando as uvas, cultivando e colhendo da terra milho, batatas, erva e hortaliças; 4. O que vem fazendo de forma contínua, à vista de toda a gente, sem a oposição de quem quer que seja, convictos de se encontrarem a exercer um direito próprio; 5. Por escritura pública de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial de Monção, aos 03.02.1999, por Avelino Pinheiro Rodrigues e esposa, Maria Felicidade Moreira Soares Rodrigues, casados sob o regime da comunhão geral de bens, na qualidade de primeiros outorgantes, e Aníbal Lobato Lobato («sic»), casado, sob o regime da comunhão geral de bens, com Maria dos Anjos Cerqueira Palhares, enquanto segundo outorgante, declararam os primeiros vender ao segundo outorgante, que declarou aceitar, o prédio rústico, composto de terreno em sucalcos, de rega e lima, com vinha, chamado “Travassos”, sito no Lugar de Bemposta, freguesia de Valadares, concelho de Monção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 774 e omisso na CRP; 6. O prédio id. em 5. confronta de norte com Isaura da Glória Gonçalves e outros, de sul e de poente com o réu – cfr. o nº 12, infra, quanto à confrontação nascente; 7. Junto à extrema poente do prédio id. em 1. e ao mesmo pertencente, existe uma latada com vinha; 8. O prédio id. em 5. encontra-se num plano superior em relação ao prédio referido em 1; 9. O réu e seus antecessores, pelos menos uma vez por ano, sempre providen- ciaram pela limpeza do muro em causa; 10. Os autores, por requerimento entrado em juízo aos 04.04.2008, procederam à notificação judicial avulsa do réu, “para, em 15 dias: proceder à limpeza de um muro em pedra e terra que, em toda a sua extensão, confronta com o prédio dos requerentes, de modo a que se torne possível o aproveitamento da vinha existente no prédio do requerente, bem como o respectivo tratamento, designadamente o poder sulfatar, vindimar, podar e atar”; 11. O prédio id. em 1. confronta do poente com o prédio id. no n.º 5 seguinte, entre ambos existindo um rego foreiro ou rego de herdeiros, o qual serve de transporte de água de rega e lima de diversos prédios rústicos, e que corre no sentido sul/norte, contíguo à base do muro pertencente ao prédio id. em 5; 12. O prédio id. em 5., no lado nascente, encontra-se delimitado do prédio id. em 1. Por um muro, parte em pedra, parte em terra, ao longo de toda a referida confrontação; 13. O referido muro tem uma altura média, ao longo de toda a sua extensão, de 2,00 metros; 14. O muro em referência tem a sua face polida voltada para o prédio referido a 1; 15. Para além de servir para delimitar os dois prédios supra id., o muro em causa serve como suporte de terras do prédio descrito em 5; 16. Os factos referidos em 9. foram levados a cabo até há cerca de 4 ou 5 anos; 17. A latada mencionada em 7. encontra-se parcialmente sobreposta por silvas, canas e arvoredo de pequeno porte, que brota do prédio id. em 5. e do muro atrás referido; 18. Facto este que impede os autores de tratarem da latada, atando-a a vinha, podando-a, sulfatando-a ou mesmo de colher as uvas que ali frutificam; 19. Desde há 4 ou 5 anos, o réu não procede à limpeza do muro em causa; 20. Algumas das videiras da latada pertencente ao prédio id. em 1. encontram- -se secas, sendo que outras se encontram encobertas por ervas daninhas, silvas e outros pequenos arbustos; 21. O muro em causa apresenta sinais de algum desabamento de terras; 22. A latada referida em 7. cobre o dito rego; 23. Não existe qualquer acesso desde o prédio id. em 5. até ao prédio descrito a 1. *** B) Enquadramento jurídico: 1) Do desabamento de terras do muro do réu: Os autores/apelantes sustentam que o desabamento de terras do muro do réu não tem enquadramento no art. 1366º do Cód. Civil, não estando obrigados a consentir que isso continue a suceder e não lhes competindo limpá-lo e repará-lo. Quanto à manutenção e reparação do muro, não há margem para dúvidas de que competem ao réu, na sua qualidade de proprietário do mesmo. O facto de entre a base do muro e o terreno dos autores existir um rego «de herdeiros» por onde é conduzida água não tem qualquer relevância. Com efeito, por um lado, o rego, incluindo o talude que o limita e por onde circula quem queira acom- panhar a água (que no Alto Minho é conhecido por «soma»), não costuma ter uma largura total superior a uns 60 a 80 centímetros, o que basta para que desabamentos com um mínimo de relevância atinjam o terreno. Por outro lado, o rego mais não é, em regra, do que o espaço físico necessário a uma servidão de aqueduto a céu aberto, o que significa que esse terreno também integra o prédio onde aquele exista – aliás, o réu não alegou que o terreno ocupado por esse rego e respectiva «soma» pertença a terceiros. E, ainda, o desabamento de terras provindas do muro pode obstruir o rego, forçando a água a transbordar para o terreno dos autores, o que lhes pode causar prejuízos. Assim, é evidente que o réu está obrigado a proceder à manutenção e repara- ção do muro, de modo a que não ocorram desabamentos de terra que prejudiquem os autores. Todavia, os autores não peticionaram que o réu seja condenado a reparar o muro, mas sim a limpá-lo, extraindo dele «raízes e todo o tipo de vegetação que no mesmo cresce, de modo a evitar o perigo, e o dano, que representa o facto de o muro estar em perigo de ruir»; donde, tudo se reconduz à limpeza do mesmo, ou seja, ao arrancamento ou corte das raízes e da vegetação nele existente. *** 2) Da aplicabilidade ou não do art. 1366º, 1, do Código Civil: Estatui o art. 1366º, 1, do Código Civil que: “É lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios; mas ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicial ou extrajudicial- mente, o não fizer dentro de três dias». Este normativo visa permitir aos proprietários de prédios confinantes o aprovei- tamento dos mesmos até à sua linha divisória. Como referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, Coimbra Editora, 1972, Vol. III, p. 209 e 210, trata-se de uma opção tomada no âmbito do Código Civil de 1966, mantendo a que já vigorava no código de 1867, que não é admitida por muitas legislações modernas, não corresponde à tradição romanista e não é aceita por muitos autores, considerando os prejuízos que a sombra e as raízes podem causar à vida ou crescimento das plantas de menor porte, como sejam os cereais. Embora discutível, a permissão de plantar (ou manter) árvores e arbustos até à linha divisória do prédio, ainda se pode justificar com argumentos de ordem económica. Já o mecanismo de autotutela, consagrado na segunda parte do mencionado nº 1, salvo o devido respeito pela opinião contrária, tem muito de anacrónico e de injusto, pois impõe ao vizinho lesado um encargo em benefício alheio. Na verdade, o dono das árvores e arbustos, no que respeita aos ramos que pedem sobre o terreno vizinho, tem plena consciência de que os mesmos o ensombram e deitam sobre ele detritos, designadamente folhagem e ramagem seca. Ora, nesta conformidade, melhor teria sido impor a dono das árvores ou arbustos a obrigação de os aparar e limpar. Já no que concerne às raízes, a questão não é tão líquida, uma vez que o dono das árvores ou arbustos pode desconhecer o seu trajecto subterrâneo. Mas o mínimo de bom senso e respeito pelos direitos do vizinho deveriam ser bastantes para inibir o proprietário confinante de plantar junto da estrema árvores cujas raízes possa causar estragos no terreno que confronte com dele – pense-se, por exemplo, na plantação de plátanos ou pinheiros na estrema com um prédio urbano ou em que haja, logo a seguir, um espaço ladrilhado, uma piscina, um tanque, etc. Diga-se ainda que, o referido art. 1366º, 1, teve em vista o melhor aproveitamen- to dos terrenos agrícolas, consagrando uma solução anacrónica, quando estejam em causa estremas entre terrenos agrícolas ou florestais e prédios urbanos, designada- mente, habitações, por impor ao proprietários destes um encargo injusto, sem qualquer proveito. Por isso, estamos em crer que, a aludida norma, que «de jure condendo» deveria ser alterada, impondo, no mínimo, ao proprietário das árvores e arbustos a obrigação de os aparar ou cortar e de indemnizar os prejuízos que causem ao dono do prédio confinante, deve ser objecto de uma interpretação actualista que restrinja, tanto quanto possível o sacrifício que impõe a este último. De qualquer modo, em face do que dispõe o art. 8º, 2, o dever de obediência à lei (a que os juízes estão adstritos) não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo. Mas, como decorre do art. 9º, 1, também do Cód. Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. E, porque assim é, importa, antes de mais, considerar a «ratio legis», ou seja os motivos subjacentes à norma interpretanda e as finalidades que, com ela, o legislador intencionou. No caso do mencionado art. 1366º, 1, o legislador pretendeu resolver um conflito de interesses entre proprietários confinantes e para tanto viu-se forçado a restringir o direito de propriedades de um deles (o que é prejudicado pela plantação de árvores ou arbustos), mas fê-lo tendo em mente o melhor aproveitamento económico dos terrenos. Ora, assim sendo, ressalvada melhor opinião, a norma do aludido art. 1366º, 1, só abarca árvores e arbustos plantados (ou nascidos) até à linha divisória que correspon- dam a uma adequada ou, pelo menos, aceitável, exploração económica dos prédios. Tal norma não pode ser utilizada, sob pena de abuso de direito, para possibilitar ao proprietário de determinado prédio deixá-lo ao abandono e permitir que nele cresçam silvas e outros arbustos espontâneos em prejuízo do vizinho. É que, em situações desse tipo, já se não trata do melhor aproveitamento de um prédio confinante com outro, susceptível de justificar que se imponha ao proprietário deste último a restrição derivada do mencionado art. 1366º, 1, do Código Civil. Trata-se, isso sim, de um repro- vável exercício do direito de propriedade, evidenciando uma faceta de «jus abutendi», incompatível com a função social assinalada à propriedade. Na verdade, o direito à propriedade privada [garantido pelo art. 62º da Constituição da República Portuguesa (CRP)] apenas encontra justificação social no facto de essa se ter revelado a melhor forma de rentabilizar os bens, designadamente a terra, em proveito, ainda que indirec- to, da comunidade em geral. É que, hodiernamente, já não se pode aceitar que o proprietário goze do clássico «jus utendi et abutendi», porquanto a propriedade tem uma função social que passa pela produção de bens e serviços socialmente úteis. Essa função social da propriedade já era assinalada pelo art. 35º da Constituição de 1933 e está subjacente ao art. 9º, d), da CRP de 1976, que inclui entre as tarefas fundamentais do Estado «promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais». Ora, em face da indicada função social da propriedade, a norma do aludido art. 1366º, 1, só permanece conforme à Constituição se a restrição que implica para o melhor aproveitamento do prédio confinante for justificada por uma utilização economi- camente racional do terreno em que vegetem as árvores e arbustos. Daí decorre, insofismavelmente (a nosso ver), que essa restrição não tem base legal quando se trate de vegetação cujo aparecimento derive do abandono, total ou parcial, do terreno. E, importa frisar que da parte final do aludido art. 1366º, 1, decorre que o dono do terreno onde vegetem as árvores ou arbustos tem, obviamente, o direito e, em nosso entendimento, o dever de cortar as raízes, tronco ou ramos que atinjam o prédio vizinho, pois o proprietário deste apenas o pode fazer, se aquele «rogado judicial ou extrajudicialmente», para tanto, «o não fizer dentro de três dias». Tão-só sucede que, a lei, em vez de prever uma sanção específica para quem não cumpra esse dever, entregou nas mãos do proprietário prejudicado a autotutela do seu direito a não suportar os danos decorrentes dessa atitude omissiva. Mas, salvo melhor opinião, isso não significa que, em primeira linha, não seja o dono do terreno a dever diligenciar no sentido de as árvores ou arbustos não causarem prejuízos ao vizinho. Na linha de que o dono das árvores tem a obrigação de cortar os ramos e as raízes que invadam terreno vizinho, parece ir o Ac. da RP, de 09-03-2010, Proc. 2899/05.5TBOAZ.P1 (rel: Sílvia Pires), publicado «in» www.dgsi.pt, no qual se enten- deu que, quando, sendo solicitado, o não faça, desse comportamento omissivo decorre o incumprimento de uma obrigação que o fará incorrer na reparação de todos os danos a que der causa, «ex vi» das disposições conjugadas dos arts. 798º, 562º e 566º do Cód. Civil. Mas, neste acórdão, restringiu-se esse dever ao período posterior à solici- tação do lesado. Ainda, a factualidade a que se reporta o nº 9 do elenco de factos provados demonstra que tanto o réu como os seus antecessores estavam convictos de que tinham esse dever, porquanto, pelos menos uma vez por ano, sempre providenciaram pela limpeza do muro em causa. Importam, ainda, deixar claro que o facto de não existir qualquer acesso do prédio do réu para o dos autores (cfr. o nº 23 do elenco de factos assentes) não o impede (como não impediu no passado) de limpar o muro, apesar dos dois metros de altura deste, bastando, para tanto, utilizar um foucinhão (foicinhão) ou uma fouce (foice) com cabo longo ou, ainda, uma tesoura com haste (ou pegas) extensíveis, podendo também ser usada uma máquina de roçar (com braço suficientemente longo). E, por último, pode-se optar pela utilização de uma vulgar escada (de alumínio ou madeira), apoiada no muro e no aludido «rego foreiro» ou mesmo no terreno dos autores, em época em que isso não lhes cause prejuízo – até porque, em conformidade com o mencionado art. 1366º, 1, o princípio da boa fé e os ditames da experiência comum, pretendendo estes que aquele limpe o muro, terão de lhe permitir o que for razoavelmente necessário para isso. *** 3) Do abuso do direito:No que respeita ao abuso de direito temos que o art. 1305º do Cód. Civil estatui, quanto ao conteúdo do direito de propriedade, que «o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas». Por seu turno, o art. 334º do mesmo código prescreve que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito». Ora, como já ficou dito, a restrição decorrente do referido art. 1366º, 1, para o direito de propriedade do dono do prédio confinante, só encontra justificação num aproveitamento normal e com racio- nalidade económica do prédio onde existam as árvores ou arbustos. E, assim sendo, sempre que se trate de vegetação espontânea que nada tem a ver com a correcta exploração do prédio, ao mantê-la o proprietário não está a exercer o seu direito em conformidade com o fim económico, mas, pelo contrário, coloca-se numa situação de nítido abuso do direito, deixando de ter qualquer justificação a indicada restrição – no que concerne às possibilidades de, por via do instituto de abuso do direito, se pôr cobro a situações abusivas e se harmonizarem «os poderes do proprietário com as concep- ções actuais e futuras acerca da propriedade», cfr. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit.,p. 82, nota 2, ao art. 1305º. Sucede que, «in casu», o réu, costumando limpar o muro, pelos menos, uma vez por ano, como o faziam os seus antecessores (cfr. nº 9 do elenco de factos provados), deixou de o fazer nos últimos 4 ou 5 anos [com referência à data da propositura da acção (2008/11/26) – cfr. os nºs 16 e 19], e, obviamente, por via disso, a latada pertencente aos autores ficou parcialmente sobreposta por silvas, canas e arvoredo de pequeno porte, que nasce no prédio dele – cfr. os nºs 7 e 17. Ocorre que «silvas, canas e arvoredo de pequeno porte» não correspondem ao normal aproveitamento económico do prédio do réu, porquanto se trata de um terreno rústico «de rega e lima, com vinha» – cfr. o nº 5 do elenco de factos provados. Ora, um terreno de rega destina-se a culturas de regadio, designadamente milho, feijões, bata- tas, hortaliças. E um terreno de «lima», segundo a terminologia usada no Minho, é aquele em que, nos meses em que não está cultivado (normalmente, entre finais de Setembro ou princípios de Outubro e finais de Março ou meados de Abril), se produz erva destinada a alimentar gado e a feno – quanto ao que deve entender-se por «limar» e «lima», no que respeita à utilização da água, cfr. Mário Tavarela Lobo, «in» Manual do Direito das Águas, 2ª ed., Coimbra Editora, 1999, Vol. I, p. 331. Salta, assim, à vista que a existência de «silvas, canas e arvoredo de pequeno porte», no prédio do réu, significa pura e simplesmente que o terreno está, no todo ou em parte, ao abandono. Ora, insiste-se a norma do mencionado art. 1366º, 1, do Cód. Civil não foi pensada para terrenos ao abandono, visando, pelo contrário, o melhor aproveitamento económico da terra. Permitir uma situação como a que o réu criou aos autores ofende clamorosamente a justiça, repugnando ao sentimento jurídico social- mente dominante, descambando, portanto, em abuso do seu direito de propriedade. No Ac. da RG, de 12-06-2007, Proc. 640/07-2 (rel: António Magalhães), publi- cado «in» www. dgsi. pt., citado pelo recorrentes (mas truncando-lhe a expressão que, no sumário, aparece entre parêntesis), entendeu-se que «age com abuso de direito quem planta e conserva no seu prédio, junto à linha divisória do mesmo com outro, dois pinheiros, cuja caruma (provinda em parte de galhas que não pendem sobre o prédio confinante) cai, por força do vento, no logradouro e no telhado do prédio vizinho, obrigando o proprietário deste a constantes limpezas, em ordem a evitar possíveis quedas e infiltrações de humidade no telhado e nas paredes da sua casa, por entupi- mento dos algerozes». É certo que os autores não invocaram o abuso do direito. Todavia, este prefigura uma excepção peremptória de conhecimento oficioso que pode ser apreciada em sede de recurso, mesmo que não tenha sido objecto de decisão no tribunal recorrido – cfr., neste sentido, entre outros, os Ac. do STJ, de: 07-01-1993, «in» CJ(STJ), ano I, tomo I, p. 5 a 10; 31-10-2006, Proc. 06A3241 (rel: Urbano Dias); 06-11-2007, Proc. 07A2960 (rel: Nuno Cameira); e 02-07-2009, Proc. 09B0534 (rel: Santos Bernardino). *** 4) Da indemnização:Os autores peticionaram a condenação do réu a pagar-lhes a indemnização que vier a ser fixada, em ulterior liquidação, pelos «anos em que estiveram impedidos de tratarem a ramada existente na confrontação poente do seu prédio e colher os respec- tivos frutos», querendo, obviamente, reportar-se aos prejuízos que sofreram nesse período. Está assente que: - Essa latada (ou ramada) está parcialmente sobreposta por silvas, canas e arvoredo de pequeno porte, que nascem no prédio e no muro do réu, encontrando-se algumas videiras encobertas por «ervas daninhas, silvas e outros pequenos arbustos» – cfr. os nº 17 e 20 do elenco de factos provados; - Isso impede os autores de tratarem da latada, atando-a a vinha, podando-a, sulfatando-a ou mesmo de colher as uvas que ali frutificam – cfr. o nº 18; - Algumas das videiras da latada pertencente aos autores encontram-se secas – cfr. o nº 20; - Desde há 4 ou 5 anos, o réu não procede à limpeza do muro em causa – cfr. o nº 18. É, assim, evidente, que, por via da invasão por ervas daninhas, silvas, canas e outros pequenos arbustos, os autores se têm visto impedidos de tratarem convenien- temente a vinha da sua latada que confina com o muro do réu, designadamente podan- do e sulfatando as videiras, e de colherem as uvas, encontrando-se algumas das videiras secas – quem tenha conhecimentos mínimos de vitivinicultura sabe que as videiras, não sendo podadas e ficando encobertas por silvas e outros arbustos, para além de nada produzirem, tendem a secar. Em face do que fica dito, impõe-se concluir que o facto de o réu não limpar o seu terreno e o respectivo muro, permitindo que silvas e outros arbustos avancem sobre a ramada dos autores, encobrindo as videiras, vem causando prejuízos a estes últimos. Obviamente o comportamento omissivo do réu é ilícito e culposo, violando o direito de propriedade dos autores e causando-lhes danos. Como ficou dito, o réu tinha o dever de impedir que silvas e outros arbustos provenientes do seu terreno e respec- tivo muro de suporte avançassem sobre a latada dos autores, sendo certo que se patenteia a existência de um nexo causal entre os danos sofridos pelos autores e o comportamento omissivo do réu. Nesta conformidade, e tendo presentes as disposições conjugadas dos arts. 483º, 1, 486º, 562º, 563º e 564º do Cód. Civil, verificam-se todos os requisitos da obri- gação de indemnização a que está adstrito o réu. É certo que os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., p. 211, nota 4, ao mencionado art. 1366º sustentam que «…parece claro que o artigo 1366º não atribui ao vizinho, prejudicado com as árvores, o direito de pedir uma indemnização ao dono delas (até porque o direito de corte ou de arranque não está dependente da existência do dano em concreto e pode, por conseguinte, ser exercido, em princípio, antes de tal dano se verificar), ou de obrigar este a fazer os cortes…». E existe abundante jurisprudência nesse sentido – cfr., por exemplo, o Ac. da RG, de 22/03/2006, Proc. 2.479/05-1 (rel. Proença Costa). Mas esse entendimento, reitera-se, só tem base legal, quando se trate de árvores ou arbustos que resultem da normal exploração de terreno e nunca do facto de o mesmo ser deixado ao abandono. Como, não há elementos que permitam determinar o «quantum» indemnizató- rio, nem sequer recorrendo à equidade (cfr. o art. 566º, 3, também do Cód. Civil), impõe-se, de harmonia com o disposto no art. 661º, 2, do Cód. Proc. Civil e tal como foi peticionado, relegar para ulterior liquidação o cômputo da indemnização. *** IV. Decisão:Pelo exposto, decide-se julgar a apelação procedente, e, em consequência, condenar o réu: a) A procederem (ou mandarem proceder, à sua custa) à limpeza do seu prédio, identificado nos nºs 5, 6 e 12 do elenco de factos provados, na respectiva estrema nascente, bem como à limpeza do muro que o delimita, nessa mesma confrontação, cortando as silvas, canas, ervas daninhas e arbustos que neles nascem e invadem a latada ou ramada dos autores e o prédio destes; b) A pagarem aos autores a indemnização que vier a ser fixada, em ulterior liquidação, pelos prejuízos decorrentes do facto de estes terem estado impedidos de tratarem as videiras, existentes na ramada (ou latada) que confina com esse muro, e de colherem as uvas que elas poderiam ter produzido; c) A abster-se, no futuro, de violar, por qualquer forma, o direito de propriedade dos autores sobre o prédio identificado nos nºs 1, 2 e 11 do elenco de factos provados. No demais confirma-se a sentença recorrida. Custas pelos autores e pelo réu, em ambas as instâncias, na proporção de 1/10 (um décimo) e 9/10 (nove décimos), respectivamente. Guimarães, 2010-06-22 /António da Costa Fernandes/ /Isabel Maria Brás Fonseca/ /Maria Luísa Duarte/ |