Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
483/20.2T8PRG.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
APÓLICE DE SEGURO
LEGISLAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
PRÉMIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – No seguro de acidentes de trabalho com prémio variável estão cobertos pelo contrato os trabalhadores ao serviço do tomador do seguro, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas ao segurador, é calculado um prémio provisório com base nas retribuições anuais previstas pelo tomador do seguro e no final de cada ano civil, ou aquando da cessação do contrato, é efectuado o acerto, para mais ou para menos, em relação à diferença verificada entre o prémio provisório e o prémio definitivo, calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período de vigência do contrato.
2 – Em qualquer contrato de seguro, o segurador tem direito a uma contrapartida pela cobertura acordada, que se denomina de prémio e, no fundo, corresponde à remuneração efectivamente devida pelo tomador do seguro ao segurador pela prestação do serviço, incluindo ainda os custos de aquisição, de gestão e de cobrança e os encargos relacionados com a emissão da apólice. Ao prémio acrescem os encargos fiscais e parafiscais, legalmente previstos, a suportar pelo tomador do seguro.
3 – Quando o contrato de seguro seja omisso ou incompleto sobre as regras de determinação do prémio, o cálculo opera-se levando em consideração que o prémio deve ser adequado e proporcionado aos riscos a cobrir pelo segurador, em conformidade com os princípios da técnica seguradora, bem como as eventuais especificidades de certas categorias de seguros e de circunstâncias concretas dos riscos assumidos.
4 –Atentas as especificidades do contrato de seguro de acidentes de trabalho, os princípios da técnica seguradora e a circunstância de existir uma apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, o prémio de seguro, no caso de omissão da respectiva determinação, é calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período da vigência do contrato.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1):

I – Relatório

1.1. X – Companhia de Seguros, SA, intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Y, Unipessoal, Lda., pedindo a condenação desta «a pagar à A. a quantia de € 10.587,67, a título de capital, acrescida dos juros de mora vencidos, no montante de €408,96, por incumprimento do contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, e ainda o valor referente aos juros vincendos até integral pagamento».
Para o efeito, alegou, em síntese, ter celebrado com a Ré um contrato de seguro de acidentes de trabalho de prémio variável e que tem direito ao pagamento das quantias que identifica como resultado do incumprimento pela Ré do aludido contrato.
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A Ré contestou, invocando a ineptidão da petição inicial e alegando que pagou todas as prestações e que nunca lhe foram entregues as condições gerais e particulares do contrato celebrado.
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1.2. Foi proferido despacho-saneador – onde se julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial –, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência final, proferiu-se sentença a julgar a acção totalmente improcedente e a absolver a Ré do pedido.
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1.3. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«A) A Apelante intentou contra a Apelada ação declarativa especial de cumprimento de obrigações pecuniárias (superior à alçada da 1ª instância) alegando para o efeito ter celebrado com Apelada, nas respectivas qualidades de Seguradora e Tomador de Seguro, um contrato de seguro de acidentes de trabalho de prémio variável, titulado pela apólice AT ......71.
B) Alegou, a A., que:
i) nos termos das Condições Gerais e Especiais aplicáveis aos contratos de seguro de acidentes de trabalho, com prémio variável, o prémio provisório é calculado de acordo com os salários ou ordenados anuais previstos no início da anuidade, sem prejuízo do segurado estar obrigado a enviar regularmente à Seguradora, as folhas dos salários ou ordenados pagos, sendo sempre efetuado acerto entre o prémio provisório calculado nos termos referidos e o definitivo, calculado com base nos ordenados ou salários efetivamente pagos.
ii) E ainda que nos termos das referidas condições contratuais, na falta de envio das folhas de férias por parte do Tomador do Seguro, a Seguradora cobrará no final de cada anuidade, a título de penalidade, um prémio não estornável correspondente a 30% do prémio provisório anual.
iii) E que os acertos decorrentes dos cálculos efetuados nos termos das referidas condições contratuais a eram efetuados no final de cada ano civil ou aquando da resolução do contrato
iv) Com base nos pressupostos enunciados a A. alegou ter procedido ao cálculo do prémio definitivo da anuidade de 2018, e do período decorrido entre 1/01/2019 a 1/03/2019
v) Na anuidade de 2018, a R. declarou, à A., ter pago aos seus trabalhadores, o total de € 578.608,99, em retribuições, conforme folhas de salários que juntou aos autos.
vi) A taxa comercial acordada entre as partes foi de 3,75%.
vii) Concluindo que, aplicada a taxa comercial à massa salarial, resulta o prémio comercial no montante de € 21.697,84, ao qual acrescem os encargos fiscais e parafiscais.
viii) E que os encargos fiscais e parafiscais correspondem a 2,5% do valor do prémio comercial, para o INEM, no montante de €542,44; 5% do prémio comercial, para pagamento do Imposto do selo no montante de € 1.084,88, e a quantia de € 867,91, correspondente a 0,15% do valor da massa salarial, que reverte para o Fundo de Acidentes de Trabalho.
ix) Alegou, então, a A. que o prémio total para a anuidade de 2019, ascendeu a € 24.193,07.
x) E que a R. pagou, a título de prémio provisório, a quantia de € 14.639,73, reclamando o pagamento da diferença entre o prémio provisório pago e o prémio definitivo apurado, no montante de €9.558,71.
xi) Apresentado a pagamento à R., o recibo de acerto esta nada pagou.
xii) No que respeita ao período de risco decorrido entre 1/01/2019 a 01/03/2019, alegou a A. que a R. não procedeu ao envio das folhas de salários e, assim, no que concerne ao período em causa, a A. calculou o prémio definitivo com base no agravamento de 30% sobre o valor do prémio provisório emitido com base na massa salarial estimada pela R. no início da anuidade, ou seja, no valor de € €3.190,56.
xiii) Concluindo, assim, que tendo em conta o valor do prémio comercial provisório multiplicado por 30%, resulta o valor de €957,17, ao qual acrescem os encargos correspondentes a 2,5% sobre o prémio para o INEM (€ 23,93) e o imposto de selo, correspondente a 5% (€47,86), perfazendo o prémio total de acerto de € 1.028,96.
xiv) E que, apresentado a pagamento à R., o prémio referido, com vencimento em 13/10/2020, aquela nada pagou.
C) A apelada defendeu-se por exceção, alegando a ineptidão da petição inicial, e ainda por impugnação, confessando que subscreveu a apólice de seguro de acidentes de trabalho AT......71, da Companhia de Seguros X, através do mediador de seguros Caixa ..., para o período de 1/02/2018 a 1/01/2019, alegando ainda:
i) Que pagou tudo o que era devido à Autora;
ii) Que a Autora nunca entregou à Ré as condições gerais e especificas da apólice;
iii) Que nunca lhe foi explicado o que continha nas mesmas;
iv) Que nunca foi acordado entre as partes qualquer taxa comercial a aplicar;
v) Que nunca lhe comunicou a existência de qualquer acerto a fazer;
vi) Que nunca enviou fatura à Ré para qualquer pagamento em falta.
D) Realizada a audiência de discussão e julgamento, foram dados como provados os seguintes factos ((com as correções que se requereram)
i) “1. Em 1.1.2018, Autora e Ré celebraram acordo de seguro para o ramo de Acidentes de Trabalho – Trabalhadores por contra de outrem, prémio variável, titulado pela apólice AT ......71.
ii) Face à cessação do acordo e ao fim da anuidade de 2018, a Autora procedeu ao cálculo do prémio definitivo da anuidade de 2018, e pelo período decorrido entre 1/01/2019 a 29/02/2019.
iii) Na anuidade de 2018, a Ré declarou à A ter pago aos seus trabalhadores, o total de € 578.608,99, em retribuições.
iv) A R. pagou, a título de prémio provisório, a quantia de € 14.639,73.
v) No período de risco decorrido entre 1/01/2019 a 29/02/2019, a R. não procedeu ao envio das folhas de salários.
vi) O prémio comercial provisório emitido e pago no período de risco referido em 10. foi de €3.190,56. “
E) O douto tribunal a quo deu como não provados – (com as correções que se requereram) os seguintes factos:
I) Autora entregou e explicou à ré as condições gerais e especiais da apólice.
II) Nos termos das Condições gerais e Especiais aplicáveis aos contratos de seguro de acidentes de trabalho, com prémio variável, o prémio provisório é calculado de acordo com os salários ou ordenados anuais previstos no início da anuidade, sem prejuízo do segurado estar obrigado a enviar regularmente à Seguradora, as folhas dos salários ou ordenados pagos, sendo sempre efetuado acerto entre o prémio provisório calculado nos termos referidos e o definitivo, calculado com base nos ordenados ou salários efetivamente pagos.
III) Ainda nos termos Condições atrás citadas, na falta de envio das folhas de férias por parte do Tomador do Seguro, a Seguradora cobrará no final de cada anuidade, a título de penalidade, um prémio não estornável correspondente a 30% do prémio provisório anual.
IV) Na anuidade de 2018 a taxa comercial à massa salarial, resulta o prémio comercial no montante de € 21.697,84, ao qual acrescem os encargos fiscais e parafiscais.
V) Os encargos fiscais e parafiscais correspondem a 2,5% do valor do prémio comercial, para INEM, no montante de €542,44; 5% do prémio comercial, para pagamento do Imposto do selo no montante de € 1.084,88, e a quantia de € 867,91, correspondente a 0,15% do valor da massa salarial, que reverte para o Fundo de Acidentes de Trabalho
VI) G. O prémio total para a anuidade de 2018, ascendeu a € 24.193,07.
VII) H. A taxa comercial acordada entre as partes foi de 3,75%.
VIII) A autora interpelou a ré ao pagamento da quantia de €9.558,71, valor em falta a título de prémio anual de seguro em falta, com vencimento a 15/05/2020
IX) A Autora apresentou a pagamento à R., o acerto do prémio referido em 10 e 11, com vencimento em 13/10/2020, no valor de 1.028,96
F) Entendeu o Meritíssimo juiz a quo julgar improcedente a ação com fundamento na falta de prova, por parte da A., da entrega das condições gerais e particulares à R., considerando que, não obstante constar dos autos documento onde consta carta enviada para a sede da ré dando conhecimento das condições gerais e particulares, a mesma não foi registada, não permitindo assim concluir que a mesma tenha chegado ao conhecimento da Ré.
G) A Douta sentença incorre numa errada apreciação da prova e deficiente fundamentação, violando, entre outros, os artigos 5º, 1 e 2, do Decreto lei 220/95, de 31 Agosto, o artigo 342º do código civil, 574º 1, do código do processo civil.
H) Isto porque, ao contrário do que foi decidido pelo Meritíssimo juiz a quo, e salvo melhor entendimento, a Apelante provou ter dado a conhecer à Apelada as condições contratuais invocadas na petição inicial.
I) Da análise criteriosa da prova produzida terá de concluir-se noutro sentido completamente oposto ao da douta sentença, isto porque,
J) Pela proposta de seguro assinada pela R. junta aos autos pela A. como Doc. 1 a Apelada declarou que lhe foram prestadas todas as informações pré-contratuais legalmente previstas, e que lhe foi entregue o documento respetivo, para delas tomar integral conhecimento, documento esse que a Apelada não impugnou.
K) A Apelada juntou em audiência de julgamento do dia 30/06/2021, três documentos, sendo um deles carta da R. dirigida à A., datada de 20 de fevereiro de 2019, tendo como assunto: “Atualização de previsão de salários a pagar em 2018” e o seu conteúdo diz o seguinte: Solicito a atualização de Salários para o ano de 2018. A nossa previsão foi de €350.000,00 (…) pedimos que seja cancelada o acerto emitido de 01/02/2018 a 31/12/2018 no valor de 5890,80 (…) porque vamos ter menos funcionários temporários no ano de 2019 visto termos menos contratos de clientes e a nossa previsão de salários será abaixo de 350.000,00 (…) para o ano de 2019. Detetamos também que por lapso nosso ouve erros na comunicação de salários de 2018 nos funcionários temporários, por ter sido a primeira vez a funcionar com o vosso sistema MF. empresas.”
L) Juntou ainda a carta que a A. lhe dirigiu em 5 de abril de 2019, no sentido de lhe comunicar a cessação automática do contrato por falta de pagamento do prémio a 1 de março de 2019, e ainda dois emails que a R. dirigiu à A., sobre estorno de prémio, e a solicitar ajuda para inserir informação em MYX (plataforma informática da A. utilizada pelos segurados com vista à inserção de folhas de salários);
M) Na sessão de julgamento de 15/11/2021, a R. juntou ainda aos autos um email dirigido à A. e ao seu funcionário de nome A. N. com o seguinte conteúdo: “boa tarde, envio em anexo os ficheiros do ano de 2018 do pessoal para o seguros já corrigidos, verificamos que por lapso nosso ouve erros na comunicação de salários de 2018 nos funcionários temporários, (….) e ainda documentos que constituem lista de trabalhadores nos meses de janeiro a agosto, e de outubro, novembro e dezembro de 2018, e do mês de janeiro de 2019.”
N) Ora, do teor dos documentos juntos em audiência, concretamente a carta que a Apelada diz ter remetido à Apelante, datada de 20 de fevereiro de 2019, não podem restar dúvidas de que a Apelada conhecia o teor das condições contratuais invocadas pela Apelante, visto que na referida carta a Apelada solicita à Apelante a alteração das estimativas para o ano de 2019 e refere a existência de erros na comunicação dos salários de 2018.
O) E a corroborar este entendimento, em declarações de parte da R., a legal representante da Apelada (LR) J. T., na sessão de audiência de discussão e julgamento do dia 15/11/2021, gravado a 20211115115128_1408035_3994991, entre 16:45 a 19:43, vem confirmar que conhecia a mecânica do contrato, e que sabia que tinha de comunicar as folhas de salários com vista ao apuramento da massa salarial com vista ao cálculo do prémio definitivo, como a própria disse a instâncias do meritíssimo juiz “ E nessa altura indicou um determinado valor de estimativa que depois os acertos tem a ver com no final do ano em função das folhas de salário é feito o acerto e saber se há a pagar a mais ou pagar a menos” a resposta da legal representante foi “Sim sim” e ainda à pergunta do meritíssimo juiz “ mas isso e sabe de onde do contrato” a resposta foi “Sei porque já sabia do contrato anterior (…) normalmente no final do ano podem existir acertos para quer pagar quer para receber”.
P) Também quanto ao conhecimento da necessidade de envio das folhas de salários por parte da Apelada à Apelante, disse a testemunha da R., A. M., Conforme gravação a 202112220115535_1408035_3994991, entre 0h44 a 1h37, conhecer a obrigatoriedade de remeter as folhas de salários mensalmente.
Q) Ainda quanto à negociação que levou à celebração do contrato disse a testemunha A. T., conforme gravação a 20211115124218_1408035_3994991, entre 2:22 a 3:40, ter estado presente na negociação dos termos do contrato em que esteve presente a legal representante da R. e bem assim o funcionário da A., de nome A. N., dada a complexidade do mesmo (contrato).
R) Dos depoimentos transcritos nestas alegações resulta que a A. deu a conhecer à R. as condições contratuais invocadas pela Apelante na petição inicial, relativas ao apuramento do prémio definitivo, resultando de todos os depoimentos e das declarações de parte acima transcritas que a R. sabia que o contrato de seguro celebrado com a A., foi contratado para permitir incluir trabalhadores ao longo da anuidade e que estava obrigada a remeter mensalmente as folhas de salários à A. com vista, nomeadamente, a permitir calcular o prémio definitivo devido como contraprestação do risco transferido.
S) Além do que, a própria R. acaba por trazer para os autos documentação relativa à remunerações dos seus trabalhadores com vista a pôr em causa a correta transmissão dos nomes e remunerações dos trabalhadores, não obstante não ter impugnado a massa salarial indicada pela A. para o ano de 2018 (tendo em conta a correção da p.i.).
T) A legal representante da Apelada disse em declarações que já conhecia a forma como os contratos de acidentes de trabalho de prémio variável funcionavam confirmando que anteriormente ao contrato celebrado com a A. haviam celebrado o mesmo tipo de contrato com outras seguradoras congéneres e que funcionavam da mesma forma.
U) Pelo que não se pode concordar como meritíssimo juiz a quo quando diz que a A. não logrou fazer prova de ter comunicado as cláusulas contratuais à R., e que como tal devem ser excluídas do contrato por falta de prova da sua comunicação.
V) Mais se diz na douta sentença que, e passa a citar-se: Pese embora o documento junto pela autora onde consta uma carta enviada para a sede da ré dando conhecimento das condições gerais e particulares, o certo é que tal carta não foi registada, o que não permite concluir que a mesma chegou ao conhecimento da ré, sendo que a dúvida quanto à verificação de um facto resolve-se contra a parte a quem aproveita (cf. art 414 CPC)”, concluindo por dar como não provado o envio das condições gerais e particulares e como consequência, não dar como provado que a A. deu a conhecer à R. as referidas condições contratuais; o mesmo acontecendo quanto às cartas juntas pela autora quanto às interpelações para pagamento.”
W) Ora, não pode ser considerado como meio de prova de ter sido dado conhecimento das condições contratuais a entrega do documento físico onde as mesmas constem, quando foram produzidos outros meios de prova de que a A. deu a conhecer tais condições à R. e que esta as conhecia, o que desde logo deriva do facto de lhe ter dado cumprimento.
X) Conforme resulta das declarações de parte prestadas pela legal representante da R., esta admite que conhecia a obrigatoriedade de remeter as folhas de salários à A. mensalmente com a finalidade de que do final de cada anuidade fosse calculado o acerto de prémio que, como a própria representante legal disse, podia ser para mais ou para menos.
Y) Tal conclusão é retirada pelo meritíssimo juiz a quo conforme resulta da motivação constante da douta sentença, onde se diz que - “Pese embora em audiência a legal representante da autora (pretendendo) referir-se à R) e A. M., administrativa da ré responsável pelo carregamento das folha salariais, tenham referido que sentiram dificuldades no carregamento das folhas salariais no aplicação “My X”, facto confirmado pelas testemunhas A. N. e J. T., o que terá levado a autora a remeter folhas de trabalhadores por excel, como consta dos documentos juntos em sede de audiência, o certo é que A. P. referiu que os elementos constantes no sistema informático da Autora eram coincidentes com a supostas correcções enviadas, pelo que a massa salarial enviada estava correcta, inexistindo qualquer duplicação de valores. Note-se que quanto à suposta duplicação de valores era à autora (pretendendo referir-se à R.) que competia fazer prova dos valores comunicados e da sua duplicação, sendo que na dúvida, tal facto resolve-se contra si (cf. art 414 CPC).”
Z) Quanto à taxa do contrato, a Apelada limitou-se a alegar que não negociou qualquer taxa, quando do depoimento da testemunha A. N. e das declarações de parte da Legal representante da Apelada, resulta o contrário, nomeadamente do depoimento da testemunha A. N. - Conforme gravação a 20211220112633_1408035_3994991, entre 9:07 a 10:15, o qual disse ter estado em reuniões com a legal representante da R., onde foram negociadas as condições do contrato nomeadamente a taxa comercial, quando a instâncias da mandatária da A., que lhe perguntou se foi com ele que a taxa foi negociada o mesmo respondeu que sim, afirmando relativamente às negociações que - isso foi juntamente com a gestora da caixa que é quem acompanha o contrato no fundo, foi-lhe explicado (referindo-se à legal representante da R.) aliás já vinha de uma outra apólice da congénere da Caixa ... que já funcionava da mesma forma que era uma apólice de prémio variável as apólices de prémio variável em qualquer companhia funcionam dessa forma.
AA) E tais reuniões para negociação do contrato existiram como ficou demonstrado pelas testemunhas inquiridas, resultando da motivação constantes da douta sentença que “ …. cotejados estes dois depoimentos com o de A. N., foi possível concluir que na sequência do primeiro contacto da legal representante da autora com a gestora de conta da Caixa ..., houve nova reunião agora com a presença da testemunha A. N., onde foi definido o prémio de seguro pelos acidentes de trabalho dos funcionários da Ré e assinada a proposta de contrato pela ré, como consta do documento junto em audiência pela ré onde consta a proposta de contrato devidamente assinada pela ré.
BB) Pelo que existe clara contradição entre os factos dados como não provados e a motivação da decisão, pois as negociações ocorridas, como ficou provado que existiram, versaram sobre os elementos essenciais do contrato onde se inclui o principal que era o prémio de seguro a pagar e a massa salarial.
CC) A Apelada não alegou quaisquer dúvidas sobre o teor das condições contratuais invocadas pela A. na petição inicial, limitando-se a alegar que a A. “nunca lhe entregou as condições gerais e especificas da referida apólice”, mas não alega que o seu teor não lhe foi dado a conhecer.
DD) Resulta do disposto no artigo 574º -1, do C.P.C., que “ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem causa de pedir invocada pelo autor. E nos termos do número 3, do mesmo dispositivo legal, se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.
EE) Cabia à Apelada tomar posição definida quanto aos factos alegados pela Apelante, impugnado especificadamente a forma de cálculo invocada pela A. para apuramento do prémio de seguro - o que não fez, a o desconhecimento da obrigatoriedade de envio de folhas de salários – o que não fez, e contestar a taxa do contrato indicada na petição inicial, invocada pela A., o que também não fez.
FF) Pelo que, mal andou o Meritíssimo Juiz a quo, no modesto entendimento da A., ao dar como não provado que a A. não deu a conhecer as condições por si invocadas na petição Inicial à R., e, consequentemente, não se poder delas prevalecer, assim determinando a improcedência da ação;
GG) Impõe-se, desta forma, a alteração da decisão sobre a matéria de facto dada como não provada, face à prova produzida.
HH) Assim, a matéria dada como não provada terá necessariamente de ser alterada, devendo dar-se como provado, além dos factos considerados provados na douta decisão sub judice, que:
• A. Autora explicou à ré as condições contratuais invocadas na petição inicial, ou seja, que “nos contratos de seguro de acidentes de trabalho, com prémio variável, o prémio provisório é calculado de acordo com os salários ou ordenados anuais previstos no início da anuidade, sem prejuízo do segurado estar obrigado a enviar regularmente à Seguradora, as folhas dos salários ou ordenados pagos, sendo sempre efetuado acerto entre o prémio provisório calculado nos termos referidos e o definitivo, calculado com base nos ordenados ou salários efetivamente pagos.
• Na falta de envio das folhas de férias por parte do Tomador do Seguro, a Seguradora cobrará no final de cada anuidade, a título de penalidade, um prémio não estornável correspondente a 30% do prémio provisório anual.
• Na anuidade de 2018 (e não 2019 como consta da douta sentença) aplicada a taxa comercial à massa salarial, resulta o prémio comercial no montante de € 21.697,84, ao qual acrescem os encargos fiscais e parafiscais.
II) Mais deve ser dado como provado que sobre os prémios de seguro recaem os encargos indicados na petição inicial porquanto, ainda que tivessem sido objeto de contestação por parte da Ré, o que não aconteceu, a verdade é que tais encargos resultam da lei que prevê que sobre os prémios comerciais incida desde logo o imposto de selo, e ainda, o encargo que incide sobre a massa salarial para o Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos do artigo 3º, do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio, e regulamentada pela Portaria n.º 194/2007, de 18 de janeiro, e a taxa que reverte para o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) Prevista no artigo 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 34/2012, de 14 de fevereiro.
JJ) Pelo que, deverá ainda ser dado como provado que:
• ao prémio comercial acrescem os encargos fiscais e parafiscais correspondem a 2,5% do valor do prémio comercial, para INEM, no montante de €542,44; 5% do prémio comercial, para pagamento do Imposto do selo no montante de € 1.084,88, e a quantia de € 867,91, correspondente a 0,15% do valor da massa salarial, que reverte para o Fundo de Acidentes de Trabalho.
• O prémio total anual para o ano de 2018 (tendo em conta a correção efetuada na p.i,), ascendeu a ascendeu a € 24.193,07.
• a taxa comercial acordada entre as partes foi de 3,75%.
KK) A douta sentença dá ainda como não provada a interpelação da R. para pagamento das quantias peticionadas e da apresentação à mesma dos respetivos recibos de prémio.
LL) Ora, também quanto a estes factos parece resultar demonstrado que a R. recebeu os recibos dos prémios de acerto que a A. lhe remeteu com vista ao seu pagamento, nomeadamente pela testemunha A. S., conforme gravação a 20211220110354_1408035_3994991, as 15h10 a 15h15.
MM) Não pode ainda deixar se dar relevância a que a carta que a R. disse ter dirigido à A., e que se encontra junta aos autos – carta datada de 20 de fevereiro de 2019, a fls., a solicitar o cancelamento do recibo de acerto emitido de 1/02/20218 a 31/12/2018, o que revela que a R. recebia a correspondência da Autora.
NN) Pelas regras da experiência, não pode deixar de se considerar que os recibos de acerto que a A. dirigiu à R., para a sua sede, foram recebidas por si, pois se recebia umas não deixaria de receber as outras. Será de presumir que a R. recebia as comunicações que a A. dirigia para a sua sede.
OO) Pelo que deverão ser ainda considerados como provados os seguintes factos:
• A autora interpelou a ré para o pagamento da quantia de €9.558,71, a título de acerto ao prémio de seguro para o ano de 2018, com vencimento a 15/05/2020;
• A Autora apresentou a pagamento à R., o acerto do prémio referido em 10 e 11, com vencimento em 13/10/2020, no valor de €1.028,96
PP) Impõe-se assim a revogação da douta sentença sub judice, e a substituição por outra que julgue procedente o pedido da Apelante,
Assim se fazendo INTEIRA E SÃ JUSTIÇA».
*
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
*
1.4. Questões a decidir

Nas conclusões do recurso, as quais, segundo os artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, delimitam o seu objecto, a Recorrente suscita as seguintes questões:
i) Erro no julgamento da matéria de facto, quanto aos pontos constantes das alíneas A) a J) dos factos não provados, que a Recorrente entende deverem ser considerados provados, com a redacção que indica nas conclusões HH), JJ) e OO).
ii) Em consonância com a modificação da matéria de facto preconizada pela Recorrente, apurar se acção deve ser julgada integralmente procedente com base no incumprimento pela Ré do contrato de seguro.
***
II – FUNDAMENTOS

2.1. Fundamentos de facto
2.1.1. Na decisão recorrida considerou-se provada a seguintes factualidade:

«1. Em 1.1.2018, Autora e Ré celebraram acordo de seguro para o ramo de Acidentes de Trabalho – Trabalhadores por contra de outrem, prémio variável, titulado pela apólice AT ......71.
2. O acordo supra referido foi celebrado pelo período de um ano, renovável por períodos anuais.
6. O acordo celebrado entre Autora e ré cessou 01/03/2019.
7. Face à cessação do acordo e ao fim da anuidade de 2018, a Autora procedeu ao cálculo do prémio definitivo da anuidade de 2019, e pelo período decorrido entre 1/01/2019 a 29/02/2019.
8. Na anuidade de 2018, a Ré declarou à A ter pago aos seus trabalhadores, o total de € 578.608,99, em retribuições.
9. A R. pagou, a título de prémio provisório, a quantia de € 14.639,73.
10. No período de risco decorrido entre 1/01/2019 a 29/02/2019, a R. não procedeu ao envio das folhas de salários.
11. O prémio comercial provisório emitido e pago no período de risco referido em 10. foi de € 3.190,56.».
*
2.1.2. Factos não provados

O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
«A. Autora entregou e explicou à ré as condições gerais e especiais da apólice.
B. Nos termos das Condições gerais e Especiais aplicáveis aos contratos de seguro de acidentes de trabalho, com prémio variável, o prémio provisório é calculado de acordo com os salários ou ordenados anuais previstos no início da anuidade, sem prejuízo do segurado estar obrigado a enviar regularmente à Seguradora, as folhas dos salários ou ordenados pagos, sendo sempre efetuado acerto entre o prémio provisório calculado nos termos referidos e o definitivo, calculado com base nos ordenados ou salários efetivamente pagos.
C. Ainda nos termos Condições atrás citadas, na falta de envio das folhas de férias por parte do Tomador do Seguro, a Seguradora cobrará no final de cada anuidade, a título de penalidade, um prémio não estornável correspondente a 30% do prémio provisório anual.
D. Assim, os acertos a que se refere o artigo anterior eram efetuados no final de cada ano civil ou aquando da resolução do contrato.
E. Na anuidade de 2018 a taxa comercial à massa salarial, resulta o prémio comercial no montante de € 21.697,84, ao qual acrescem os encargos fiscais e parafiscais.
F. Os encargos fiscais e parafiscais correspondem a 2,5% do valor do prémio comercial, para INEM, no montante de €542,44; 5% do prémio comercial, para pagamento do Imposto do selo no montante de € 1.084,88, e a quantia de € 867,91, correspondente a 0,15% do valor da massa salarial, que reverte para o Fundo de Acidentes de Trabalho.
G. O prémio total para a anuidade de 2018, ascendeu a € 24.193,07.
H. A taxa comercial acordada entre as partes foi de 3,75%.
I. A autora interpelou a ré ao pagamento da quantia de €9.558,71, valor em falta a título de prémio anual de seguro em falta, com vencimento a 15/05/2020
J. A Autora apresentou a pagamento à R., o acerto do prémio referido em 10 e 11, com vencimento em 13/10/2020, no valor de 1.028,96
K. Foi a ré que teve iniciativa de resolver o contrato perante a autora.».
**

2.2. Do objecto do recurso
2.2.1. Impugnação da decisão da matéria de facto – conclusões A) a OO)
2.2.1.1. A Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância no que respeita aos pontos constantes das alíneas A) a J) dos factos não provados.
Pretende que esses factos sejam considerados provados, com a redacção que indica nas conclusões HH), JJ) e OO).
*

2.2.1.2. Com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à análise de todos os documentos juntos aos autos e à audição integral da gravação das declarações de parte da legal representante da Ré, J. T., e dos depoimentos das testemunhas A. T. (empregada bancária na Caixa ... de Vila Real, que declarou conhecer a Autora e a Ré no âmbito das suas funções), A. P. (funcionário da Autora), A. N. (profissional de seguros - funcionário da Autora) e A. M. (funcionária administrativa da Ré),
Para melhor percepção das questões factuais colocadas, foram ouvidas as alegações orais das Sras. Advogadas das partes.
*

2.2.1.3. Estando já identificados em 2.2.1.1. os pontos de facto objecto da impugnação, que são os constantes das alíneas A) a J) dos factos não provados, pretende a Recorrente que, na procedência da impugnação sobre essas questões factuais, sejam julgados provados os seguintes factos:
« A. Autora explicou à ré as condições contratuais invocadas na petição inicial, ou seja, que “nos contratos de seguro de acidentes de trabalho, com prémio variável, o prémio provisório é calculado de acordo com os salários ou ordenados anuais previstos no início da anuidade, sem prejuízo do segurado estar obrigado a enviar regularmente à Seguradora, as folhas dos salários ou ordenados pagos, sendo sempre efetuado acerto entre o prémio provisório calculado nos termos referidos e o definitivo, calculado com base nos ordenados ou salários efetivamente pagos.
Na falta de envio das folhas de férias por parte do Tomador do Seguro, a Seguradora cobrará no final de cada anuidade, a título de penalidade, um prémio não estornável correspondente a 30% do prémio provisório anual.
• Na anuidade de 2018 (e não 2019 como consta da douta sentença) aplicada a taxa comercial à massa salarial, resulta o prémio comercial no montante de € 21.697,84, ao qual acrescem os encargos fiscais e parafiscais.
ao prémio comercial acrescem os encargos fiscais e parafiscais correspondem a 2,5% do valor do prémio comercial, para INEM, no montante de €542,44; 5% do prémio comercial, para pagamento do Imposto do selo no montante de € 1.084,88, e a quantia de € 867,91, correspondente a 0,15% do valor da massa salarial, que reverte para o Fundo de Acidentes de Trabalho.
• O prémio total anual para o ano de 2018 (tendo em conta a correção efetuada na p.i,), ascendeu a ascendeu a € 24.193,07.
• a taxa comercial acordada entre as partes foi de 3,75%
• A autora interpelou a ré para o pagamento da quantia de €9.558,71, a título de acerto ao prémio de seguro para o ano de 2018, com vencimento a 15/05/2020;
• A Autora apresentou a pagamento à R., o acerto do prémio referido em 10 e 11, com vencimento em 13/10/2020, no valor de €1.028,96».

Revistos integralmente todos os meios de prova produzidos sobre estes pontos de facto, e não apenas os mencionados pela Recorrente, entendemos que lhe assiste parcialmente razão.

Em primeiro lugar, vejamos as questões factuais relativas ao conhecimento pela Ré das condições relativas aos termos do prémio variável e à taxa comercial acordada.
Como resulta das conclusões HH), JJ) e OO) das alegações do seu recurso, a Recorrente parece ter abdicado da pretensão de ver considerado provado que procedeu à entrega à Ré de documento físico contendo as condições gerais e especiais da apólice, pois apenas propugna na conclusão HH) que se dê como demonstrado que a «Autora explicou à ré as condições contratuais invocadas na petição inicial (…)», facto bem distinto da “entrega” das “condições gerais e especiais da apólice”.
Portanto, estando o nosso conhecimento sobre essa matéria delimitado pelas conclusões, deve permanecer intocado o juízo formulado pelo Sr. Juiz a quo sobre não ter ficado provado que «a Autora entregou à Ré as condições gerais e especiais da apólice». Deste modo, pelo menos parte da alínea A) dos factos não provados deve permanecer – precisamente a referente à entrega.
Resta apreciar se as condições que a Autora invocou nesta acção como fundamento para o pedido foram comunicadas e explicadas à Ré.
Para esse efeito importa considerar que na contratação do seguro apenas intervieram, reconhecidamente (todas as pessoas ouvidas sobre essa matéria assim o afirmaram), A. T. (da Caixa ..., que era o mediador), J. T. (legal representante da Ré) e A. N. (profissional de seguros ao serviço da Autora).
Segundo o referido por essas pessoas, designadamente pela gerente da Ré, realizaram-se «duas ou três» reuniões (v. declarações da legal representante da Ré aos 03m08s da respectiva gravação), sempre na Caixa ..., para negociação.
Nenhuma dúvida temos em afirmar, face desde logo ao teor das declarações de parte da legal representante da Ré, que esta sabia então, como continua a saber, no que consistia um contrato de seguro de acidente de trabalho com prémio variável, como é que na prática funcionava e quais as obrigações que resultavam para cada uma das partes.
Mais, tanto das declarações da gerente da Ré e do depoimento da testemunha A. M. (trabalhadora administrativa da Ré) como das comunicações que a Ré endereçou à X e à Caixa ..., resulta que a Ré sabia que neste contrato de seguro o prémio é provisório, calculado inicialmente com base numa estimativa de massa salarial (isto é, os salários anuais previstos no início da anuidade), que o tomador do seguro/segurado tem de enviar regularmente à seguradora as folhas de salários pagos, e que no final é feito um acerto, calculado com base nos salários efectivamente pagos. Aquando do acerto final, se apurada uma diferença entre o prémio provisório e o valor dos salários efectivamente pagos, tanto pode ser a seguradora a ter que devolver o que foi pago a mais, como o tomador/segurado a pagar o que pagou a menos: tudo depende da “massa salarial” (foi a terminologia utilizada tanto pela gerente da Ré como pela testemunha A. N.) efectiva. É algo de muito simples, que poucas dúvidas pode suscitar.

Mesmo que outro meio de prova não houvesse, que há, isso resultava das declarações de parte da gerente da Ré, com o seguinte teor:

«Juiz: Este contrato celebrado, tendo sido celebrado em Janeiro de 2018, quando o fez, este contrato em Janeiro de 2018, teve que comunicar, foi-lhe apresentado um formulário para assinar o contrato, foi assinado por si a subscrição do seguro?
Legal representante da Ré: Certo a subscrição foi assinado por mim.
Juiz: E nessa altura indicou um determinado valor de estimativa que depois os acertos tem a ver com no final do ano em função das folhas de salário é feito o acerto e saber se há a pagar a mais ou pagar a menos?
Legal representante da Ré: Certo, certo.
Legal representante da Ré: (…) anteriormente à X já trabalhávamos com a Caixa .... Era lá que tínhamos o nosso, os nossos seguros, também este de acidentes de trabalho (…).
Juiz: Mas sabia, pergunto-lhe, ou não, que no decurso da vigência do contrato o valor declarado inicialmente, depois havia a necessidade de no final do ano de comunicar a totalidade dos valores os acertos que eventualmente?
Legal representante da Ré: Sim, sim (…)
Juiz: Mas isso, e sabe de onde do contrato?
Legal representante da Ré: Sei porque já sabia do contrato anterior (…) normalmente no final do ano podem existir acertos para quer pagar quer para receber em função de (…)».
Também a testemunha A. M. confirmou o envio mensal das folhas de salários e qual a sua função; numa fase inicial durante cerca dos primeiros quatro primeiros meses, enviava-os à testemunha A. T. (trabalhadora da Caixa ..., que era a mediadora) e depois passou a inseri-los na aplicação My X.
Por outro lado, dos depoimentos das testemunhas de A. N. resulta que foi explicado como funcionava o contrato, tendo esta última testemunha dito que «foi-lhe explicado [refere-se à legal representante da Ré] aliás já vinha de uma outra apólice da congénere da Caixa ... que já funcionava da mesma forma que era uma apólice de prémio variável as apólices de prémio variável em qualquer companhia funcionam dessa forma».

Mas temos também elementos documentais a corroborar tal conclusão:
i) A carta enviada pela Ré à Autora com data de 20.02.2019, onde solicitava a actualização dos salários para o ano de 2018, referindo que a «nossa previsão foi de 350.000.00 (trezentos e cinquenta mil euros), pedimos que seja cancelado o acerto emitido de 01.02.2018 a 31/12/2018 no valor de 5890.00 (…) porque vamos ter menos funcionários temporários no ano de 2019 (…) e a nossa previsão de salários será abaixo de 350.000.00 (…). Detetamos também por lapso nosso ouve erro na comunicação de salários de 2018 (…).»;
ii) A subscrição da proposta de seguro, junta pela Ré em 30.06.2021 como documento nº 1, onde consta expressamente tratar-se de seguro de acidentes de trabalho com prémio variável.

Sobre a questão de ter sido acordada a taxa comercial aplicável ao contrato seria bastante o depoimento da testemunha A. N., que confirmou a negociação desse aspecto e o respectivo acordo (A. N., ao ser confrontado sobre se à gerente da Ré foi «explicado como funcionava o contrato» e se «as taxas do contrato foram negociadas», respondeu que sim e mais à frente, ao ser-lhe perguntado se «a taxa do contrato foi negociada na sua presença», respondeu «sim, sim»; repetida a pergunta sobre se «houve esta negociação», voltou a responder afirmativamente.
A legal representante da Ré disse que foi objecto de conversação o valor do prémio (por exemplo, aos 14.05 e 16.57, 17.03) e a massa salarial (16.57, 18.27, 18.54).
Sucede que para chegar ao valor do prémio não basta saber qual é a massa salarial, ou seja, a estimativa inicial de salários a pagar durante a anualidade do contrato de seguro. A essa massa salarial é necessário aplicar uma taxa, a denominada “taxa comercial”, para assim encontrar o valor do “prémio comercial”, ao qual depois acrescem os valores que a lei impõe.
Portanto, obviamente que foi discutida e acordada uma taxa comercial e que ela corresponde a 3,75%. Foi com base nessa taxa que se encontrou o valor provisório do prémio comercial. De outra forma, não se compreenderia o sentido de haver «duas ou três reuniões» e de se andar a negociar o prémio comercial, cujo valor se apura necessariamente com base numa taxa.

Nesta conformidade, entendemos que estão provados dois factos:
- A Autora explicou à Ré que nos contratos de seguro de acidentes de trabalho, com prémio variável, o prémio provisório é calculado de acordo com os salários anuais previstos no início da anuidade, sem prejuízo de o tomador do seguro estar obrigado a enviar regularmente à seguradora as folhas dos salários pagos, sendo sempre efectuado acerto entre o prémio provisório calculado nos termos referidos e o definitivo, calculado com base nos salários efectivamente pagos;
- A taxa comercial acordada entre as partes foi de 3,75%.

Já os elementos probatórios produzidos não permitem concluir que tenha sido comunicada e, muito menos, explicada a condição contratual que estabelecia que «na falta de envio das folhas de férias por parte do tomador do seguro, a seguradora cobrará no final de cada anuidade, a título de penalidade, um prémio não estornável correspondente a 30% do prémio provisório anual».
Trata-se de matéria que nenhuma das três pessoas intervenientes nas negociações referiu como tendo sido explicada ou sequer comunicada.
Não se tendo demonstrado a entrega das condições gerais e particulares da apólice, verifica-se igualmente que em nenhum dos documentos juntos aos autos a Ré confessa que lhe foi comunicada ou explicada tal condição contratual. A proposta de seguro assinada pela Ré é manifestamente insuficiente para dar como demonstrado tal facto, na medida em que opera uma remissão para um outro documento, cujo concreto conteúdo se ignora, donde não é possível saber quais «as informações pré-contratuais legalmente previstas» que foram prestadas (sem prejuízo do já referido quanto às condições relativas ao prémio variável e à taxa acordada). Além disso, o próprio documento demonstra que não foi fornecido qualquer documento físico com as condições gerais e especiais, na medida em que refere que seriam «entregues no sítio da Internet indicado nas Condições particulares», deduzindo-se que seja no site www.X.pt. Consequentemente, também este documento não demonstra que «a Autora comunicou e explicou à Ré» a aludida condição, sendo insuficiente para alicerçar uma presunção judicial sobre essa matéria.

Estando demonstrado, sob o ponto 8 dos factos provados, que «na anuidade de 2018, a Ré declarou à A ter pago aos seus trabalhadores, o total de € 578.608,99, em retribuições», ou seja, qual a “massa salarial” efectivamente pela Ré aos seus trabalhadores e qual a taxa comercial, bem como que os encargos fiscais e parafiscais decorrem de imposição legal, aliás em lado algum contestada, é possível concluir qual é o montante do prémio comercial relativo à anuidade de 2018 – € 21.697,84 – e dos inerentes encargos que lhe acrescem, no montante global de € 2.495,23, assim distribuído: 2,5% do valor do prémio comercial, para o INEM, no montante de € 542,44, 5% do prémio comercial, para pagamento do Imposto do Selo devido, no montante de € 1.084,88, e a quantia de € 867,91, correspondente a 0,15% do valor da massa salarial, que reverte para o Fundo de Acidentes de Trabalho.
Consequentemente, o prémio total anual para o ano de 2018 ascendeu a € 24.193,07 (€ 21.697,84 + € 2.495,23).

Finalmente, quanto aos dois últimos pontos que a Recorrente pretende ver julgados provados, não conseguimos alicerçar uma convicção divergente daquela que o Tribunal a quo expressou na decisão recorrida, motivo pelo qual inexiste fundamento para alterar a decisão sobre a matéria de facto relativamente a esses pontos.
Desde logo, há razões de coerência. Tendo-se considerado como não demonstrada a chegada ao conhecimento da Ré da carta destinada a entregar as condições gerais e particulares da apólice e sendo a contraprova exactamente a mesma que foi produzida sobre os dois pontos de facto ora em apreciação, seria difícil de compreender a razão pela qual se daria agora como demonstrado que estas interpelações chegaram ao conhecimento da Ré.

Pelo contrário, parece-nos curial a fundamentação exposta na decisão recorrida, a qual está em conformidade com os meios de prova produzidos:
«Pese embora o documento junto pela autora onde consta uma carta enviada para a sede da ré dando conhecimento das condições gerais e particulares, o certo é que tal carta não foi registada, o que não permite concluir que a mesma chegou ao conhecimento da ré, sendo que a dúvida quanto à verificação de um facto resolve-se contra a parte a quem aproveita (cf. art 414 CPC), o que levou a levar como não provado o envio das condições gerais e particulares e como consequência o conhecimento do seu teor pela ré, o mesmo acontecendo quanto às cartas juntas pela autora quanto às interpelações para pagamento».
É ainda de considerar que, quanto às cartas de interpelação para pagamento, a testemunha A. M., trabalhadora administrativa da Ré, afirmou não as ter recebido e o mesmo foi dito pela gerente da Ré (v. gravação aos 14.36 («Não recebemos»).
Acresce que para além da mera apresentação dos documentos, os quais foram impugnados (por requerimento de 12.07.2021, a Ré afirmou: «- Impugnar todos os documentos juntos pela Autora na audiência que antecede, porquanto, desconhece a Ré o conteúdo dos mesmos.//- Assim como, reitera que nunca foi notificada daqueles»), nenhuma prova foi produzida sobre se, por exemplo, foram realmente enviados e chegaram ao conhecimento da Ré.

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, em consequência, decide-se:
i) Alterar a redacção da alínea A) dos factos não provados, que passará a ter a seguinte redacção:
A) A Autora entregou à Ré as condições gerais e especiais da apólice.
ii) Eliminar os pontos de facto que constam das alíneas B), E), F), G) e H) dos factos não provados.
iii) Aditar à matéria de facto provada os seguintes pontos de facto:
- A Autora explicou à Ré que nos contratos de seguro de acidentes de trabalho, com prémio variável, o prémio provisório é calculado de acordo com os salários anuais previstos no início da anuidade, sem prejuízo de o tomador do seguro estar obrigado a enviar regularmente à seguradora as folhas dos salários pagos, sendo sempre efectuado acerto entre o prémio provisório calculado nos termos referidos e o definitivo, calculado com base nos salários efectivamente pagos.
- A taxa comercial acordada entre as partes foi de 3,75%.
- Na anuidade de 2018, aplicada a taxa comercial à massa salarial, resulta o prémio comercial no montante de € 21.697,84, ao qual acrescem os encargos fiscais e parafiscais.
- Ao prémio comercial acrescem os encargos fiscais e parafiscais correspondentes a 2,5% do valor do prémio comercial, para o INEM, no montante de € 542,44, de 5% do prémio comercial, para pagamento do Imposto do Selo, no montante de € 1.084,88, e a quantia de € 867,91, correspondente a 0,15% do valor da massa salarial, que reverte para o Fundo de Acidentes de Trabalho.
- O prémio total anual para o ano de 2018 ascendeu a € 24.193,07.
*

2.2.1.4. Matéria de facto estabilizada

Em consequência da modificação da decisão sobre a matéria de facto, estão provados os seguintes factos:
1 - Em 01.01.2018, Autora e Ré celebraram acordo de seguro para o ramo de Acidentes de Trabalho – Trabalhadores por contra de outrem, prémio variável, titulado pela apólice AT ......71.
2 - O acordo supra referido foi celebrado pelo período de um ano, renovável por períodos anuais.
3 - O acordo celebrado entre Autora e Ré cessou 01.03.2019.
4 - Face à cessação do acordo e ao fim da anuidade de 2018, a Autora procedeu ao cálculo do prémio definitivo da anuidade de 2018, e pelo período decorrido entre 01.01.2019 a 29.02.2019.
5 - Na anuidade de 2018, a Ré declarou à A ter pago aos seus trabalhadores, o total de € 578.608,99, em retribuições.
6 - A Ré pagou, a título de prémio provisório, a quantia de € 14.639,73.
7 - No período de risco decorrido entre 01.01.2019 a 29.0.2019, a Ré não procedeu ao envio das folhas de salários.
8 - O prémio comercial provisório emitido e pago no período de risco referido em 7 foi de € 3.190,56.
9 - A Autora explicou à Ré que nos contratos de seguro de acidentes de trabalho, com prémio variável, o prémio provisório é calculado de acordo com os salários anuais previstos no início da anuidade, sem prejuízo de o tomador do seguro estar obrigado a enviar regularmente à seguradora as folhas dos salários pagos, sendo sempre efectuado acerto entre o prémio provisório calculado nos termos referidos e o definitivo, calculado com base nos salários efectivamente pagos.
10 - A taxa comercial acordada entre as partes foi de 3,75%.
11 - Na anuidade de 2018, aplicada a taxa comercial à massa salarial, resulta o prémio comercial no montante de € 21.697,84, ao qual acrescem os encargos fiscais e parafiscais.
12 - Ao prémio comercial acrescem os encargos fiscais e parafiscais correspondentes a 2,5% do valor do prémio comercial, para o INEM, no montante de € 542,44, de 5% do prémio comercial, para pagamento do Imposto do Selo, no montante de € 1.084,88, e a quantia de € 867,91, correspondente a 0,15% do valor da massa salarial, que reverte para o Fundo de Acidentes de Trabalho.
13 - O prémio total anual para o ano de 2018 ascendeu a € 24.193,07.
*

Os factos não provados são os seguintes:

A) A Autora entregou à Ré as condições gerais e especiais da apólice.
B) Nos termos das condições gerais e especiais aplicáveis aos contratos de seguro de acidentes de trabalho, com prémio variável, na falta de envio das folhas de férias por parte do tomador do seguro, a seguradora cobrará no final de cada anuidade, a título de penalidade, um prémio não estornável correspondente a 30% do prémio provisório anual.
C) Os acertos eram efectuados no final de cada ano civil ou aquando da resolução do contrato.
D) A Autora interpelou a Ré ao pagamento da quantia de € 9.558,71, valor em falta a título de prémio anual de seguro em falta, com vencimento a 15.05.2020.
E) A Autora apresentou a pagamento à Ré o acerto do prémio referido em 7 e 8, com vencimento em 13.10.2020, no valor de € 1.028,96.
F) Foi a Ré que teve iniciativa de resolver o contrato perante a Autora.
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2.2.2. Reapreciação de Direito

A Autora demandou a Ré com base no contrato de seguro celebrado, invocando que tendo esta pago, a título de prémio provisório para a anuidade de 2018, a quantia de € 14.639,73 e ascendendo a € 24.193,07 o prémio definitivo, a Ré é devedora da diferença entre o prémio definitivo e o provisório pago, no montante de € 9.558,71, bem como, no que respeita ao período de risco decorrido entre 01.01.2020 a 29.02.2020, por não ter procedido ao envio das folhas de salários, é devido o prémio total de acerto de € 1.028,96 calculado com base no agravamento de 30% sobre o valor do prémio provisório emitido sobre a massa salarial estimada pela Autora no início da anuidade.
No fundo, reclama da Ré o pagamento da quantia de € 10.587,67, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, até integral pagamento.
Nenhum dissídio existe entre as partes sobre a qualificação do contrato celebrado como sendo de seguro, mas apenas sobre se as quantias peticionadas pela Autora são devidas e exigíveis.
Com efeito, em 01.01.2018 a Autora, como seguradora, celebrou com a Ré, enquanto tomadora do seguro, um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho – trabalhadores por contra de outrem, com prémio variável, titulado pela apólice AT ......71. O contrato foi celebrado pelo período de um ano, renovável por períodos anuais, tendo cessado em 01.03.2019.
Tal como resulta expressamente do disposto no artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), por efeito do contrato de seguro, o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.
No âmbito dos seguros vigora, salvo na parte em que a lei estabeleça regras imperativas, a regra da liberdade contratual, podendo as partes modelar o conteúdo do contrato de seguro.
Segundo o disposto no nº 3 do artigo 138º, nº 3, do RJCS, ao seguro de acidentes de trabalho são aplicáveis as disposições, quando com elas não conflituem, da secção do RJCS dedicada ao seguro de responsabilidade. Isto independentemente de tal disposição poder ser interpretada como qualificando como seguro de responsabilidade civil o seguro de acidentes de trabalho, que é actualmente regulado pela Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro (LAT).
O seguro de acidentes de trabalho é um seguro obrigatório, pois o artigo 79º, nº 1, da LAT estabelece que «o empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro».
Aliás, o artigo 81º, nº 1, da LAT até impõe uma «apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho», a qual foi concretizada através da Portaria nº 256/2011, de 5 de Julho, que aprovou a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respectivas condições especiais uniformes.

No anexo da apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho prevê-se expressamente a possibilidade de um tal seguro ter um prémio variável, aí regulado nos seguintes termos:

«1 - Nos termos desta condição especial, e de acordo com o disposto na alínea b) da cláusula 5.ª das condições gerais, estão cobertos pelo contrato os trabalhadores ao serviço do tomador do seguro na unidade produtiva identificada nas condições particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas ao segurador nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula 24.ª das condições gerais.
2 - O prémio provisório é calculado de acordo com as retribuições anuais previstas pelo tomador do seguro.
3 - No final de cada ano civil ou aquando da cessação do contrato, e sem prejuízo do disposto no n.º 5, é efectuado o acerto, para mais ou para menos, em relação à diferença verificada entre o prémio provisório e o prémio definitivo, calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período de vigência do contrato.
4 - Quando o tomador do seguro não cumprir a obrigação referida no n.º 1, o segurador, sem prejuízo do seu direito de resolução, cobra no final da anuidade um prémio não estornável correspondente a 30 % do prémio provisório anual, podendo ainda exigir o complemento do prémio que se apurar ser devido em função das retribuições que realmente deviam ter sido declaradas.
5 - O segurador pode, em casos de desvios significativos entre as retribuições previstas e as efectivamente pagas, fazer um acerto no decurso do período de vigência do contrato.
6 - No caso de se tratar de seguros de trabalhos de reparação de edifícios, construção de muros, abertura e limpeza de poços e minas, consta das condições particulares o número máximo de trabalhadores que, em qualquer momento, o tomador do seguro pode ter simultaneamente ao seu serviço, pelo que este se obriga a comunicar, previamente, ao segurador, qualquer alteração daquele número máximo».

Independentemente da natureza do seguro e dos riscos cobertos, o segurador tem a obrigação de reduzir o contrato a escrito na apólice de seguro e de entregá-la ao tomador (art. 30º, nº 2, do RJCS). A apólice de seguro inclui todo o conteúdo do acordado pelas partes, nomeadamente as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis (art. 37º, nº 1, do RJCS) e deve ser entregue ao tomador do seguro aquando da celebração do contrato ou ser-lhe enviada posteriormente (no prazo de 14 dias nos seguros de riscos de massa, salvo se houver motivo justificado, ou no prazo que seja acordado nos seguros de grandes riscos), em conformidade com o disposto no artigo 34º, nº 2, do RJCS.

O litígio dos autos, ultrapassada que está, pelo julgamento em matéria de facto feito na 1ª instância, a problemática sobre o valor total de retribuições efectivamente pagas durante o período da anuidade de 2018, centra-se essencialmente nas consequências de a Autora não ter demonstrado a entrega à Ré da apólice de seguro, com as inerentes condições gerais, especiais e particulares do contrato de seguro celebrado.
A apólice de seguro foi emitida e remetida à Ré, para a morada por esta indicada na proposta de seguro, mas não se demonstrou a sua recepção.
Na decisão recorrida considerou-se que estando em causa cláusulas contratuais gerais, o ónus da prova de que a comunicação de tal clausulado foi feita adequadamente ao subscritor do contrato incumbe à ré seguradora e que, não tendo logrado fazer tal prova, inexistindo prova da comunicação, tais condições gerais consideram-se excluídas do contrato, não podendo a Autora prevalecer-se das condições ali previstas.
Concluiu-se que restou «a prova da celebração do contrato celebrado, sendo o preço provisório pago pela ré admitido pela própria autora, pelo que nada mais haverá a pagar por se considerarem excluídas as cláusulas em que a autora se estriba para exigir os valores peticionados».

Efectivamente, o âmbito de aplicação do regime geral do contrato de seguro não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais, definido pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10 (RJCCG), alterado pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro (art. 3º do RJCS).
A Autora exige da Ré os valores peticionados com base em cláusulas do contrato de seguro, pelo que importa aferir das consequências jurídicas do alegado incumprimento do dever de comunicação e informação que impedia sobre a seguradora nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10.
A interpretação do contrato de seguro é feita com base nas normas legais dos artigos 236º a 238º do Código Civil, os princípios decorrentes da boa fé contratual (artigo 762º, nº 2, do Código Civil), e o disposto no DL nº 446/85, de 25/10, quanto à parte do clausulado que possa revestir a natureza de cláusulas contratuais gerais.

Segundo o artigo 1º do DL 446/85:
«1 – As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 – O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
3 – O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo».

Por seu turno, o artigo 5º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Comunicação”, prescreve que:
«1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais».

O artigo 6º do diploma que vimos citando, sob a epígrafe “Dever de informação”, preceitua que:
«1 - O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados».

Por conseguinte, o DL 446/85 impõe, como deveres pré-contratuais, tanto o dever de comunicação das cláusulas gerais dos contratos, como o dever de informação ou de aclaração do conteúdo e sentido das ditas cláusulas.
E as consequências do incumprimento de tais deveres mostram-se estabelecidas no artigo 8º, que se transcreve na parte relevante:
«Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) - As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b) - As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.
(…)».
Os artigos 18º e 22º do RJCS também consagram deveres de informação e de esclarecimento, sendo que o seu incumprimento faz incorrer o segurador em responsabilidade civil, nos termos gerais (art. 23º, n.º 1, do mesmo diploma legal).
Como refere Pedro Romano Martinez (2), o trabalho do intérprete e aplicador não está facilitado, «visto que continua a ser necessário compulsar dois os mais diplomas com vista à identificação da solução jurídica correta de muitos casos. (…) Por exemplo, no que tange à comunicação de cláusulas contratuais gerais, o disposto no artigo 5º do Decreto-Lei 446/85 não só se sujeita, no âmbito do contrato de seguro, ao disposto no art. 18º [do RJCS], relativo a deveres de informação pelo segurador, como também tem de se articular com o disposto no artigo 34º, respeitante à entrega da apólice».
Assim sendo, cabe à seguradora informar a tomadora do seguro e/ou pessoa segura do conteúdo de tais cláusulas, recaindo ainda sobre ela o ónus da prova do cumprimento dos supra mencionados deveres de comunicação e de informação e/ou esclarecimento.
A inclusão de cláusulas contratuais gerais depende de uma efectiva comunicação e de uma efectiva informação ao aderente.

No caso dos autos, é perfeitamente claro que não foi comunicada ou por qualquer forma informada à Ré a cláusula que previa uma penalidade de 30% no caso de não envio das folhas mensais dos salários.
Por isso, tal cláusula tem de se considerar excluída do contrato e, por isso, é inexigível a quantia peticionada pela Autora com base na mesma.
Já o mesmo não se pode dizer relativamente à quantia de € 9.558,71 que a Autora peticiona a título de remanescente do prémio devido em virtude da celebração do contrato de seguro, correspondente à diferença entre o prémio provisório – já pago - e o prémio definitivo, calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período da anuidade de 2018.
Em primeiro lugar, em qualquer contrato de seguro, o segurador tem direito a uma contrapartida pela cobertura acordada, que se denomina de prémio e, no fundo, corresponde à remuneração efectivamente devida pelo tomador do seguro ao segurador pela prestação do serviço. Essa é, no quadro da relação de seguro, a prestação e a obrigação principal a cargo do tomador do seguro e constitui o elemento típico do contrato de seguro – art. 1º do RJCS.
Com efeito, nos termos do artigo 51º, nº 1, do RJCS, «o prémio é a contrapartida da cobertura acordada e inclui tudo o que seja contratualmente devido pelo tomador do seguro, nomeadamente os custos da cobertura do risco, os custos de aquisição, de gestão e de cobrança e os encargos relacionados com a emissão da apólice». E, segundo o seu nº 2, «ao prémio acrescem os encargos fiscais e parafiscais a suportar pelo tomador do seguro».
Por outro lado, no artigo 52º, nº 1, do RJCS consagra-se o princípio básico da livre estipulação do prémio do seguro e das regras sobre o seu cálculo, ao abrigo da liberdade contratual, salvo solução diversa prevista em disposição legal.
Mais, mesmo que o contrato de seguro seja omisso ou incompleto sobre as regras de determinação do prémio, a seguradora não deixa de ter direito a essa contrapartida, pois a lei enuncia os critérios gerais a que o cálculo deste deve obedecer.

É isso precisamente que se dispõe no nº 2 do artigo 52º do RJCS:
«Na falta ou insuficiência de determinação do prémio pelas partes, atende-se a que o prémio deve ser adequado e proporcionado aos riscos a cobrir pelo segurador e calculado no respeito dos princípios da técnica seguradora, sem prejuízo de eventuais especificidades de certas categorias de seguros e de circunstâncias concretas dos riscos assumidos». E, nos termos do nº 3 desse preceito, o prémio é devido por inteiro.
Portanto, mesmo que no caso dos autos as partes não tivessem estipulado qualquer prémio, sempre a Autora teria direito ao mesmo e por inteiro.
Atenta a especificidade do contrato de seguro de acidentes de trabalho, sem esquecer os princípios da técnica seguradora, até porque existe uma apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem (imposta pelo artigo 81º, nº 1, da LAT e concretizada através da Portaria nº 256/2011, de 5 de Julho), o prémio de seguro sempre haveria de ser calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período da anuidade de 2018, que foi, no caso, de € 578.608,99, conforme o ponto nº 5 da matéria de facto (fixado na 1ª instância e que não foi impugnado).
Portanto, em caso algum se poderia considerar que o prémio definitivo devido teria de ser calculado com base numa estimativa provisória inicial de salários para o ano de 2018, no montante de € 350.000,00, quando o valor total de retribuições efectivamente pagas, durante esse ano, foi de € 578.608,99.
Como nos parece evidente e decorre da legislação vigente em matéria de acidentes de trabalho, a Autora, enquanto seguradora, foi responsável pelos riscos inerentes a uma cobertura que contemplava as retribuições efectivamente pagas pela Ré aos seus trabalhadores, no montante de € 578.608,99, e não por qualquer valor inferior. Por isso, constituiria uma iniquidade a Autora não ter direito ao prémio correspondente à sua prestação, que cumpriu.

Em segundo lugar, está demonstrado que foi negociada e acordada uma taxa comercial de 3,75%. Esta não foi uma matéria imposta unilateralmente pela Autora e que a Ré se tenha limitado a aceitar ou subscrever, mas sim objecto de prévia negociação individual, em «duas ou três reuniões».
Sendo assim, só pelos elementos que até agora indicamos – massa salarial de € 578.608,99 e taxa comercial de 3,75% – era possível determinar qual o prémio definitivo que era devido à Autora, ao qual acrescem os encargos fiscais e parafiscais. O prémio total para a anuidade de 2018 ascendeu a € 24.193,07, pelo que, sabendo-se que a Ré pagou o prémio provisório no montante de € 14.639,73, a Autora tem direito à diferença entre esses dois valores, ou seja, à quantia de € 9.558,71, que peticiona nesta acção.

Em terceiro lugar, mesmo que a lei não fornecesse um critério para a determinação do prémio no caso de omissão das partes sobre tal elemento típico do contrato de seguro, sempre haveria de considerar-se que a Ré estava perfeitamente ciente da natureza e funcionamento prático do “prémio variável” nos contratos de seguro de acidentes de trabalho, referência que logo constava na proposta de seguro subscrita pela Ré.
Na verdade, demonstrou-se que «a Autora explicou à Ré que nos contratos de seguro de acidentes de trabalho, com prémio variável, o prémio provisório é calculado de acordo com os salários anuais previstos no início da anuidade, sem prejuízo de o segurado estar obrigado a enviar regularmente à seguradora as folhas dos salários pagos, sendo sempre efetuado acerto entre o prémio provisório calculado nos termos referidos e o definitivo, calculado com base nos salários efetivamente pagos».
Portanto, a Ré estava perfeitamente ciente de qual era o valor devido à Autora a título de prémio de seguro: sabia qual a taxa comercial que foi acordada entre as partes e qual era o valor das retribuições a considerar para efeito de determinar o prémio definitivo.

Pelo exposto, a Autora tem direito à quantia de € 9.558,71.
Quanto aos juros de mora, como não está demonstrada a interpelação para pagamento, apenas são devidos a contar da citação, à taxa legal, e até efectivo pagamento.
Termos em que procede parcialmente a apelação.
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2.3. Sumário
1 – No seguro de acidentes de trabalho com prémio variável estão cobertos pelo contrato os trabalhadores ao serviço do tomador do seguro, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas ao segurador, é calculado um prémio provisório com base nas retribuições anuais previstas pelo tomador do seguro e no final de cada ano civil, ou aquando da cessação do contrato, é efectuado o acerto, para mais ou para menos, em relação à diferença verificada entre o prémio provisório e o prémio definitivo, calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período de vigência do contrato.
2 – Em qualquer contrato de seguro, o segurador tem direito a uma contrapartida pela cobertura acordada, que se denomina de prémio e, no fundo, corresponde à remuneração efectivamente devida pelo tomador do seguro ao segurador pela prestação do serviço, incluindo ainda os custos de aquisição, de gestão e de cobrança e os encargos relacionados com a emissão da apólice. Ao prémio acrescem os encargos fiscais e parafiscais, legalmente previstos, a suportar pelo tomador do seguro.
3 – Quando o contrato de seguro seja omisso ou incompleto sobre as regras de determinação do prémio, o cálculo opera-se levando em consideração que o prémio deve ser adequado e proporcionado aos riscos a cobrir pelo segurador, em conformidade com os princípios da técnica seguradora, bem como as eventuais especificidades de certas categorias de seguros e de circunstâncias concretas dos riscos assumidos.
4 –Atentas as especificidades do contrato de seguro de acidentes de trabalho, os princípios da técnica seguradora e a circunstância de existir uma apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, o prémio de seguro, no caso de omissão da respectiva determinação, é calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período da vigência do contrato.
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogando-se parcialmente a sentença, condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 9.558,71 (nove mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal, mantendo-se no mais inalterada a sentença.
Custas na proporção do decaimento.
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Guimarães, 26.05.2022
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Paulo Reis
Maria Luísa Duarte Ramos



1. Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2. Lei do Contrato de Seguro Anotada, 4ª edição, de autoria colectiva (Pedro Romano Martinez e outros autores), Almedina.