Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HEITOR GONÇALVES | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO URBANO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/07/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | A norma revogatória do nº1 do artigo 60º da Lei 6/2006, de 27.02, abrange tão só o específico regime civilístico do arrendamento urbano (RAU) aprovado pelo DL 321-B/90, e não as suas normas preambulares, designadamente a do artigo 6º, que manteve os efeitos do nº3 do art. 1029º do Código Cívil introduzido pelo DL 65/75 relativamente aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 1ª secção cível da relação de Guimarães I. L. S. e A. D. intentaram a presente ação declarativa contra F. S. pedindo: Que se reconheça os autores como proprietários do prédio urbano, sito na Rua do ..., n.º .., …, Braga, inscrito na matriz sob o artº ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de …. sob o n.º .../20030723; E se condene o réu: a entregar a garagem do imóvel aos AA. devoluto de pessoas e bens, e a pagar-lhes a quantia já vencida de €150,00 mensais, como indemnização pela ocupação abusiva da garagem, desde a data da aquisição do imóvel e até à presente data, acrescida de juros moratórios legais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento; a pagar a quantia vincenda de €150,00 mensais (sendo abatido o valor mensal que o réu tem vindo a pagar), por cada mês decorrido desde a propositura da ação e até entrega efetiva do imóvel aos autores, ainda como indemnização pela ocupação abusiva da garagem, acrescido de juros moratórios legais. No essencial e em síntese alegam que a ocupação pelos réus da referida garagem é ilegítima, porque decorre de um contrato nulo (por não ter sido celebrado por escrito), causando-lhe prejuízos que no, no mínimo, ascendem mensalmente a €150,00 (cento e cinquenta Euros). II. Na contestação, o réu pugnam pela total improcedência da acção, alegando no essencial e em síntese: Os contratos de arrendamento celebrados até 12 de Março de 1976 não estavam sujeitos a qualquer formalidade; durante mais de oito anos os autores aceitaram a renda estabelecida; os autores querem obter um despejo não consentido, sabendo da protecção que a lei confere aos arrendatários em razão da sua idade superior a 65 anos. III. A sentença final julgou a acção parcialmente procedente, reconhecendo os autores como únicos proprietários do bem imóvel identificado supra sob o nº 2.1, e absolveu o réu dos demais pedidos formulados. IV. Os autores recorrem da sentença, na parte absolutória, terminando com as seguintes conclusões: 1. O contrato de arrendamento em causa nos autos destina-se ao exercício do comércio, tratando-se por isso de arrendamento comercial; 2. O aludido contrato não foi submetido à forma legalmente exigível – escritura pública – nem foi reduzido a escrito; 3. O art. 60.º, n.º 1 do NRAU revogou expressamente o RAU, tendo, por maioria de razão, revogado o Decreto Preambular deste último; 4. Revogando este Decreto Preambular, não há impedimento aos Recorrentes de invocarem a nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma legalmente exigida; Sem prescindir, 5. A preterição de tal formalidade consubstancia nulidade por vício de forma, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 220.º do CC; 6. Tendo por base este último preceito legal (artigo 220.º do CC) que dispõe que a declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula, temos de concluir objetivamente pela nulidade do contrato de arrendamento aqui em causa, uma vez que o mesmo não foi reduzido a escrito, nem obedeceu a escritura pública; 7. Dispõe o artigo 286.º do CC que a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal; 8. Interessado, na letra deste preceito legal, é o sujeito de qualquer relação jurídica que de algum modo possa ser afetada pelo efeito que o negócio tendia a produzir (afetado na sua consistência jurídica ou mesmo só na sua consistência prática); 9. Nos termos em que os Autores, ora Recorrentes, configuram a sua ação e estrutura o seu pedido e causa de pedir, estes são interessados enquanto sujeitos da relação material controvertida, daqui decorrendo a sua legitimidade para a arguição do contrato de arrendamento por vício de forma; 10. O normativo legal que estipula este impedimento está desajustado com a realidade atual e, acima de tudo, a realidade do caso concreto, sendo claramente injusto e desproporcional, não realizando os fins do Direito; 11. Ainda, ao impedir-se aos Recorrentes a arguição desta nulidade viola-se o Princípio da Igualdade consagrado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa; 12. Porquanto estes assumem a posição de partes contraentes do contrato de arrendamento, sendo a arguição da nulidade um meio de tutela e proteção dos seus interesses jurídicos; 13. Ao impedir-se que os Recorrentes façam esta arguição e, por sua vez, permitindo o Recorrido (e só este) de a fazer, está-se a tratar de forma desigual uma situação em que deveriam existir igualdade de meios de tutela; 14. Ademais, o Recorrido, in casu, usa este regime de forma abusiva, e, como consequência, a ratio legis inerente não é respeitada; 15. A defesa das classes mais desprotegidas e das partes contratuais menos favorecidas eventualmente subjacente a este regime não é realizada, pois, pela leitura atenta dos autos, constata-se com facilidade que os Recorrentes são a parte contratual desfavorecida e cuja tutela deveria ser acautelada (e não é); 16. Assim, a sentença recorrida viola o disposto nos arts. 220.º, 285.º, 289.º do Código Civil e art. 13.º da Constituição da República Portuguesa. V. O réu pugna nas contra-alegações pela manutenção do julgado em 1ª instância, concluindo: A. Ao contrato que os recorrentes pretendem anular “é-lhe aplicável o disposto no art.1029.º do Código Civil, na sua versão original, vigente em 1974, que exigia que os arrendamentos para comércio fossem reduzidos a escritura pública”. B. Tal como no caso concreto em que se considerou que o arrendamento não observava essa forma legal, tal invalidade (mista), de acordo com o Decreto-Lei n.º 65/75, de 19 de Fevereiro, que veio aditar um nº 3 ao art.1029.º do Código Civil, “é sempre imputável ao locador e a respectiva nulidade só é invocável pelo locatário, que poderá fazer a prova do contrato por qualquer meio”. Dispondo ainda o art.2.º do mesmo diploma que aquele nº 3 do art.1029.º era aplicável aos arrendamentos já existentes. C. Ressalta ainda que nem todo o RAU foi revogado pelo art.60.º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro já que, como o mesmo refere, se mantiveram em vigor “as matérias a que se referem os artigos 26.º e 28.º da presente lei”. D. Em consequência, relativamente aos contratos celebrados na vigência de tal segmento (art.6.º daquele decreto preambular), a nulidade por falta de forma continua a poder ser invocada apenas pelo inquilino. E. De resto, a invocada violação do princípio de igualdade também não deverá proceder, uma vez que no caso em concreto, se contrapõe a posição do locador, aqui personificada pelos recorrentes – com capacidade económica para o investimento imobiliário -, à posição do recorrido, um trabalhador com idade superior a 65 anos, e se há uma posição contratual que o legislador necessita salvaguardar é a do arrendatário. F. Aliás, foi precisamente para que melhor se entendesse qual das posições, entre locatário e locador, merece a proteção do legislador português na edificação dos regimes de arrendamento, que Salvador da Costa, no Parecer do Conselho Consultivo da PGR, datado de 10 de março de 1994, que se transcreveu supra. VI. A sentença recorrida considerou provado por acordo das partes os seguintes factos: 1. Encontra-se inscrita no registo predial a favor dos autores a aquisição do seguinte bem imóvel: - fracção B, segundo andar para habitação, com uma garagem no rés do chão, com entrada pelo nº .. de policia pertencendo-lhe, em comum com a letra A, a entrada com o nº .. de polícia, sito na Rua do ..., n.º … e n.º .., …, Braga, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da Freguesia de … (…), concelho de Braga, e descrita na Conservatória do Registo Predial da mesma freguesia sob o n.º .../20030723-B, aquisição essa realizada através de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrado no dia 24-03-2009, conforme certidão de fls. 11v. a 18 que aqui se dá por reproduzida. 2. Após a aquisição, os autores procederam à comunicação por escrito, através de carta registada com aviso de recepção, dirigida ao aqui réu, no dia 5 de Maio de 2009, dando conhecimento da referida aquisição, conforme documento de fls. 18 v. a 19, que aqui se dá por reproduzido, uma vez que o réu mantinha à data, desde 1974, a ocupação em parte do imóvel objeto desta aquisição, nomeadamente a garagem, na qual exerce atividade comercial, carta essa da qual consta além do mais que: somos os novos proprietários do prédio correspondente à fracção autónoma que tomou de arrendamento para uso não habitacional – comércio. Por esse motivo, tomamos a liberdade de indicar o NIB para o qual deverá ser feito o pagamento das respectivas rendas, bem como os nossos dados pessoais para eventuais comunicações. 3. A referida atividade comercial será a seguinte: “Instalações elétricas. Assistência técnica 24 horas. Reparações ao domicílio. Agente autorizado da … e da …”, sendo este espaço a sede da “empresa”. 4. Em 9 de Março de 2010, os autores comunicaram a denúncia do contrato com aviso prévio, através de carta registada com aviso de receção, à qual o réu, à data mandatado, veio responder, arguindo os fundamentos constantes da sua carta junta como doc. 8 a fls. 21 e que aqui se dá por reproduzida, na qual consta, além do mais, que: considerando o facto de a relação de arrendamento (…) se haver constituído há mais de 40 anos, revestir-se de carácter temporal indeterminado e ter natureza não habitacional, não tem aplicação o disposto no art. 1101º, al. C) do C.C. (…) Queira assim (…) dar sem qualquer efeito (…) a denúncia do contrato. 5. Em 2018 os autores procederam ao envio de uma carta para uma tentativa de atualização legal de rendas, conforme doc. nº 9, junto a fls. 21 v. a 22, que aqui se dá por reproduzida. 6. O réu não a aceitou, pelo que se manteve o seu valor de €12,10 mensais, permanecendo o réu a ocupar aquela parte do imóvel (garagem). 7. O réu encontra-se matriculado como comerciante em nome individual desde Fevereiro de 1975, com sede naquela Rua do ..., nº .., em Braga, Freguesia de …, usando como Firma ELECTRO … de F. S., e exerce a actividade de instalações eléctricas e alarmes de segurança, conforme doc. 1 junto a fls. 29 a 30 que aqui se dá por reproduzido, tendo essa actividade de instalação eléctrica sido declarada nas Finanças e nesse local conforme doc. 9 de fls. 34, e com o horário de funcionamento e abertura que consta do doc. nº 3 junto a fls. 31 que igualmente aqui se dá por reproduzido. 8. Os autores tentaram ainda o agendamento de reunião com o réu no sentido de celebrar um válido contrato de arrendamento, nos termos do que consta do doc. n.º 10 junto a fls. 23 que aqui se dá por reproduzido. VII. Cumpre apreciar e decidir. Sustentam os recorrentes que o contrato de arrendamento invocado pelo réu não constitui um título legítimo de ocupação da garagem reivindicada, porquanto a lei comina com nulidade os contratos que não obedecem à forma legalmente exigida (artigo 220º do Código Civil); e mais concluem que, ao contrário do entendimento acolhido na sentença recorrida, após a entrada em vigor da Lei nº. 6/2006, de 27.02, deixou de ter lugar a aplicação o regime da invalidade mista introduzido pelo DL 67/75, de 19.02. Vejamos. À data da celebração do contrato (1974), estabelecia o artigo 1029º, nº1, alínea b), do Código Civil, que deviam ser reduzidos a escritura pública “os arrendamentos para o comércio, indústria ou exercício de profissão liberal”, regime que se manteve até ao Dec-Lei 64-A/2000, decorrendo da redacção dada ao nº2 do artigo 7º do DL 321-B/90 que a validade do contrato se basta com a simples redução a escrito (aliás, o artigo 2º revoga as alíneas l) e m) do n.º 2 do artigo 80.º do Código do Notariado, que exigia a escritura pública para os contratos de arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal), e a lei 6/2006, de 27.02, terminou com algumas dúvidas que a esse respeito pudessem subsistir, ao revogar aquele artigo 1029º, e repondo no Código Civil o artigo 1069º com a seguinte redacção: “O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito desde que tenha duração superior a seis meses” (sobre essa matéria cfr. Menezes Cordeiro, in Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, ed. 2014, pág. 40). Assim, aplicando-se a lei antiga ou as leis que lhe sucederam, torna-se evidente que o contrato de arrendamento em apreço sempre está ferido de nulidade nos termos do artigo 220º do Código Civil, pois que se destinou ao exercício do comércio, e não obedeceu a qualquer formalidade (escritura pública ou escrito particular), pelo que nesse segmento não se mostra sequer necessário abordar a problemática da aplicação da lei no tempo. A controvérsia prende-se unicamente com o regime de arguição dessa nulidade: é de aplicar ao caso a regra especial introduzida pelo Decreto-Lei nº 67/75, de 19.02, que acrescentou ao artigo 1029º do Civil o nº3, segundo o qual “no caso da alínea b) do nº1, a falta de escritura pública é sempre imputável ao locador e a respectiva nulidade só é invocável pelo locatário, que poderá fazer a prova do contrato por qualquer meio”; ou a regra geral do artigo 286º do Código Civil, segundo o qual «a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal». Essa é uma problemática do conflito de leis no tempo, cuja resolução se deve buscar em primeiro lugar pela aplicação e interpretação das disposições transitórias de cada uma das leis com a qual a relação jurídica manteve contacto e, na sua ausência, pelo recurso aos princípios enunciados no artigo 12º do Código Civil (neste sentido, cfr. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 229 e ss). Já referimos que o Decreto-Lei nº67/75 acrescentou ao artigo 1029º do Civil o nº3, segundo o qual “no caso da alínea b) do nº1, a falta de escritura pública é sempre imputável ao locador e a respectiva nulidade só é invocável pelo locatário, que poderá fazer a prova do contrato por qualquer meio”, aplicável ao contrato de arrendamento em discussão por força da norma transitória do artigo 2º, nº1, desse diploma legal - «O disposto no nº3 do artigo 1029º e nos nºs 2 e 3 do artigo 1051º, ambos do Código Civil, é aplicável aos arrendamentos já existentes (….)». Por sua vez, o Decreto-Lei 321-B/90, de 15.10, revogou expressamente esse nº3 do artigo 1029º do Código Civil introduzido pelo DL 65/75 (artigo 5º), contudo mantendo os efeitos desse normativo relativamente aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor (artigo 6º), como sucede com o contrato de arrendamento em discussão. A questão de fundo que se coloca reside em saber se esse segmento normativo deve considerar-se revogado pelo nº1 do artigo 60º da Lei 6/2006, de 27.02, que preceitua o seguinte: «É revogado o RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 321-B/90, de 15 de outubro, com todas as alterações subsequentes, salvo nas matérias a que se referem os artigos 26º e 28º da presente lei». E a resposta deve ser negativa como correctamente considerou a sentença recorrida. Na verdade, a norma revogatória do nº1 do artigo 60º da Lei 6/2006, de 27.02, abrange tão só o específico regime civilístico do arrendamento urbano (RAU) aprovado pelo DL 321-B/90, e não as suas normas preambulares, designadamente a do artigo 6º, que manteve os efeitos do nº3 do art. 1029º do Código Cívil introduzido pelo DL 65/75 relativamente aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor. Além dos citados arestos das Relações, nesse mesmo sentido decidiu o acórdão do STJ de 18 de abril de 2007. Concluem os recorrentes que o mencionado regime de arguição da nulidade viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República, pois trata de forma desigual uma situação em que deveriam existir idênticos meios de tutela. Sucede que são diferentes os estatutos, e o regime do nº3 do artigo 1029º surgiu num contexto político e social muito particular, e no próprio preâmbulo do diploma que introduziu esse (DL 67/75), o legislador considera os locatários como parte contratual merecedora de maior protecção e que “a tendência para acentuar a função social da propriedade justifica eventuais restrições e limitações ao exercício do respectivo direito”. Ainda que procedessem os enunciados fundamentos aduzidos pelos recorrentes (designadamente a inconstitucionalidade do regime do aludido nº3 do artigo 1029º do Código Civil, por constituir uma compressão desproporcionada dos direitos do locador (1)), sempre seria de considerar que a evocação do vício formal do contrato por forma a obter a restituição do locado traduz um manifesto abuso de direito (artigo 334º do Cód. Civil) na modalidade de venire contra factum proprium. Em anotação ao Ac. do STJ de 31.03.1981, Vaz Serra dá conta da discussão sobre a questão de saber “se o abuso de direito é susceptível de tornar ilegítimo o exercício do direito de invocar a nulidade, por falta de forma legal, de um negócio jurídico” e conclui: «se a nulidade por falta de forma legal (Cód. Civil, art. 220º) é de interesse e ordem pública, também o é a ilegitimidade do exercício do direito por abuso deste. Não parece, pois, que a nulidade formal de um negócio jurídico deva ter sempre prioridade sobre a ilegitimidade do exercício do direito em consequência do abuso” (RLJ, ano 115, pág. 187). E Baptista Machado, in RLJ, Ano 118º-10/11 refere que «quando a razão determinante da forma, que é em regra a de precaver as partes contra negócios precipitados, não esteja presente no caso concreto e a parte que invoca a nulidade o faz apenas para colher um proveito, tirar um desforço ou libertar-se de um vínculo que entretanto se lhe tornou indesejável, é claro que esta parte age contra a boa fé”, e que a indemnização nem sempre é o remédio, havendo casos excepcionais em que se justifica “submeter a invocação da nulidade à proibição do venire contra factum proprium” caso ocorram as seguintes circunstâncias: “a) ter uma das partes confiado em que adquiriu pelo negócio uma posição jurídica; b) ter essa parte, com base em tal crença, orientado a sua vida por forma a tomar disposições que agora são irreversíveis, pelo que a declaração de nulidade provocaria danos vultosos de vária ordem, que agora se revelem irremovíveis através de outros meios jurídicos, designadamente através do recurso ao artigo 227º do Código Civil; c) poder a situação criada ser imputada à contraparte, por esta ter contribuído para a inobservância da forma exigida, ou então ter o contrato sido executado e ter-se a situação prolongado por largo período de tempo, sem que hajam surgido quaisquer dificuldades”. Também no caso, a invocação da nulidade não poderia deixar se se considerar um desrespeito da confiança e da legítima criada ao arrendatário de que o vício formal não seria invocado, bastando atentar para a circunstância de o contrato de arrendamento vigorar desde 1974, sem notícias de quaisquer contratempos na sua execução, designadamente sobre o pagamento/recebimento das rendas, e não se pode olvidar que os autores, após terem adquirido o prédio (2009), indicaram ao réu/arrendatário o NIB para efeito de depósito das rendas. Pelo exposto, improcedem as conclusões de recurso. Decisão. Acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação. Custas pelos recorrentes. TRG, 23 de abril de 2020 Heitor Gonçalves Maria da Conceição Bucho António Sobrinho 1 - A propósito do normativo do nº3 do referido artigo 1029º, do Código Civil, P. Lima e A. Varela considera que se trata de uma verdadeira aberração jurídica, dizendo que “sendo o locador quem procura, as mais das vezes, eximir-se às profundas restrições com que o inquilinato comercial cerceia os poderes de proprietário e quem, por isso, evita com mais frequência a formalização do contrato, compreender-se-ia que a lei, na dúvida, presumisse que a falta de escritura procede de facto a ele imputável. Não permitir, porém, que o locador elida essa presunção, seja para arguir a nulidade do contrato, seja para sustentar a sua validade, é uma iniquidade” (Código Civil Anotado, 2ª edição Revista e Actualizada, Vol. II, pág. 343). |