Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2017/18.0T8BCL-B.G2
Relator: ANIZABEL PEREIRA
Descritores: ARROLAMENTO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
CONTAS BANCÁRIAS
DEPOSITÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- no caso do recorrente, que não foi ouvido antes do decretamento da providência, ter optado por deduzir oposição nos termos da al. b) e não recorrer nos termos da al.- a), como lhe permitia o disposto no art. 372º,nº1 do CPC, fica-lhe vedado impugnar a decisão sobre a matéria de facto constante da decisão que decretou o arrolamento e da qual devia ter recorrido.
- a não existência de um “auto de arrolamento”, não é constitutivo mas apenas enunciativo dos efeitos do arrolamento respetivo, pelo que os efeitos da providência cautelar produzem-se a partir da notificação respetiva do ato ( e não do auto) do arrolamento ( o qual por sua vez segue as regras da penhora em tudo que não contrarie a natureza da providência).
- havendo receio de que os interessados titulares da conta bancária arrolada ocasionem o extravio/dissipação desses depósitos bancários, assim impedindo a sua entrega a quem couberem em partilha, não devem tais interessados ser nomeados depositários, por ocorrer manifesto inconveniente nos termos do art.º 408.º, n.º do CPC antes se justificando a nomeação da respetiva entidade bancária como depositária, a dever impedir a movimentação da conta a débito sem o que o procedimento não cumpriria a sua essencial função conservatória.
- o arrolamento, apresenta-se, em geral, como medida destinada a assegurar a manutenção de bens litigiosos no período em que persistir a discussão da titularidade do direito no âmbito da ação principal de que o arrolamento é instrumental, pelo que é de manter o arrolamento dos bens constantes de uma partilha entretanto realizada no decurso daquela ação principal entre os herdeiros e partes na mesma ação previamente intentada pela requerente de investigação da paternidade do decujus investigando.
- O arrolamento configura-se como providência cautelar nominada, de cariz conservatório, idónea para acautelar direito que implique a conservação de certos bens ou documentos pelo que, além do mais, não se aplica a regra do disposto no art. 368ºnº2 do CPC, uma das manifestações do princípio da proporcionalidade ( cfr. art. 376º,nº1 do CPC).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- RELATÓRIO:

1.
Por apenso à ação de impugnação de paternidade veio A. C., Requerente nos autos supra referenciados, mover contra os requeridos M. C. e A. S., a presente providência cautelar de arrolamento. Alegou, para tanto e em síntese, que na pendência da ação principal, a partir do início de Janeiro de 2019, os Requeridos M. C. e A. S. praticaram vários atos de disposição da herança de A. J., nomeadamente, venderam uma autocaravana, partilharam entre si todos os imóveis, a que se seguiram doações de parte desses imóveis de M. C. a A. S., partilharam algumas contas bancárias, e estão a tentar vender imóveis a terceiros. Mais alega que em face desse circunstancialismo, e do fundado e justo receio de dissipação ou ocultação de bens, que dele se extrai, e uma vez que reconhecida na ação principal a paternidade de A. J., a Requerente adquire a qualidade de sua herdeira e, como tal, tem interesse na conservação dos bens que integravam a herança.

2. Por despacho liminar proferido pelo tribunal a quo foi julgado o respetivo Juízo de Família e Menores incompetente em razão da matéria para conhecer da providência cautelar.
Interposto recurso, por Acordão deste Tribunal da Relação de Guimarães, foi o mesmo julgado procedente, e ordenado o prosseguimento dos autos.

3. Nessa sequência foi proferido despacho sem audiência prévia e “foi julgado procedente o procedimento cautelar requerido e, em consequência, decretado o arrolamento dos bens indicados a fls. 90, bens imóveis descritos no artigo 18 da Petição Inicial, correspondentes às verbas n.ºs 1 a 9 e às verbas 12 a 51 (inclusive) e 61 do mesmo artigo.
Foi ainda ordenado: “ O arrolamento será efetuado por oficial de justiça, lavrando-se o respetivo auto e se necessário com recurso a avaliador – art.º 406.º do CPC.
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Nomeio depositário dos bens imóveis a arrolar o(s) respetivo(s) possuidor(es) – cfr. art.º 408.º do Código de Processo Civil (CPC), devendo ser advertidos dos deveres que lhe incumbem nessa qualidade e das sanções em que incorrem caso os infrinjam- cfr. art.º 1187.º e ss. do Código Civil,
No que tange aos saldos bancários, aplicações, créditos e produtos financeiros e participações, comunique às respetivas entidades bancárias que tais só poderão ser movimentados com autorização expressa do Tribunal.”
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4. Os Requeridos após a realização do arrolamento ordenado, vieram
deduzir oposição, e concluíram nos seguintes termos:

I) Declarada a nulidade da notificação por preterição de uma formalidade essencial, ordenando-se a sua repetição;
II) Declaradas as demais nulidades arguidas, anulando-se todos os actos subsequentes;
III) Ordenado o levantamento da providência que recaiu sobre as acções descritas nas verbas nºs 52, 53, 54,55, 56, 57, 58, 59 e 60 do artº 18º da P.I., em relação às quais a providência não foi requerida nem decretada, notificando-se a Caixa ...;
IV) Ordenado o levantamento do “arresto”/arrolamento que recaiu sobre todas as contas dos Requeridos na Caixa ..., dado que nenhuma delas corresponde à verba nº 50, notificando-se a Caixa ...;
V) Ser ordenada a revogação da providência por ter atingido bens pertencentes aos Requeridos e não à herança indivisa aberta por óbito do pretenso pai da Requerente;
VI) Ser ordenada a revogação da providência por não se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais;
VII) Ser ordenado o levantamento do bloqueio de todas as contas bancárias, permitindo-se aos Requeridos a sua movimentação, notificando-se a Caixa ... e o Banco ... de que os saldos não se encontram cativos e podem ser movimentados pelos titulares das contas;
VIII) Ser ordenada a redução da providência aos imóveis descritos nas verbas nºs 2, 3, 4 e 9 cujo valor é suficiente para o preenchimento do quinhão hereditário a que a Requerente possa vir a ter direito se for reconhecida herdeira do A. J.;
IX) Ser, em qualquer caso, ordenado o levantamento do arrolamento sobre os imóveis descritos nas verbas nºs 5 e 6;
X) Ser a Requerente condenada a reembolsar o Requerido da despesa de € 67,65, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% desde a data da notificação da presente oposição até efectivo e integral pagamento;
XI) Ser a Requerente condenada a indemnizar os Requeridos por todos os danos a eles causados, a liquidar posteriormente;
XII) Ser a Requerente condenada nas custas e demais encargos legais.
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5. A requerente respondeu às questões invocadas e exceções deduzidas no início da audiência de Julgamento, em síntese, nos seguintes termos:

a) Quanto à nulidade da notificação/citação:

Os requeridos foram notificados com cópia da petição e a decisão proferida por este Tribunal que ordenou o arrolamento.
Na medida que o acórdão da Relação se limitou a revogar a primeira decisão que rejeitou liminarmente a providência cautelar, na decisão que ordenou o arrolamento estão contidos todos os respectivos pressupostos factuais e jurídicos.
Ou seja, os Requeridos foram notificados com os elementos essenciais à oposição.
De resto, por despacho de 15/04 foi deferida a consulta dos autos, nada tendo sido acrescentado pelos requeridos.

b) Quanto ao pedido da Requerente

Por lapso manifesto, no pedido, a Requerente requereu o arresto, quando pretendia requerer o arrolamento. Imediatamente, por requerimento de 18-09-2019, foi requerida a rectificação do pedido, que veio a obter deferimento por decisão de 20-09-2019.

c) Quanto ao processamento do arrolamento:

Ao arrolamento de bens imóveis e contas bancárias são aplicáveis as disposições relativas à penhora (art. 406.º, n.º 5 do CPCiv): a penhora de depósitos bancários é feita mediante comunicação às instituições bancárias (780.º); e a penhora de imóveis por comunicação ao serviço de registo competente (art. 755.º); não sendo exigível num e noutro caso a presença dos requeridos.
Quanto à inadmissibilidade do arrolamento de bens pertencentes aos requeridos
A julgar-se que a Requerente é herdeira de A. J. terá direito à partilha dos bens que integram a herança, ainda que previamente necessite anular a partilha anterior. E na medida em que os bens ainda se encontram na esfera jurídica dos interessados e partes na acção, nada obsta ao arrolamento. Caso assim não fosse ficaria impedido qualquer efeito útil patrimonial da presente acção.

Quanto ao justo receio

Todos os actos de disposição do património da herança foram praticados na pendência da acção principal.
Quanto aos imóveis foram partilhados e doados.
Quanto aos dinheiros e produtos financeiros, pelo menos aproximadamente 1.200.000,00€ foram subtraídos sem que se saiba o rasto.
Não havendo, pois, dúvidas que, na falta do arrolamento, existe um sério risco de todos os bens serem dissipados.

d) Quanto à desproporcionalidade

A Requerente, a ser reconhecida como herdeira, tem uma quota ideal sobre todos os bens que compõe a herança e terá direito a licitar sobre cada um desses bens. Não podendo os restantes herdeiros imporem-lhe, desde já, a composição do seu quinhão.
De resto, não existe qualquer desproporção no arrolamento da casa da Requerida, na medida em que o arrolamento não obsta a que a mesma aí possa continuar a residir.
Também, o arrolamento não obsta à realização de obras de conservação.
E, sem prejuízo de os Requeridos já terem subtraído, pelo menos, cerca de 1.200.000,00€, para as eventuais necessidades dos herdeiros existem mecanismos próprios que não se confundem com o levantamento do arrolamento.
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6. A audiência final foi realizada, e após apreciação do que qualificou de nulidades e apreciadas as demais questões ( nomeadamente dos itens ali enunciados como “dos efeitos e processamento da providência cautelar de arrolamento; do alegado indevido decretamento do arrolamento.; questão da admissibilidade do arrolamento de bens já partilhados ou doados, e da questão do preenchimento dos pressupostos para o decretamento da providência e desproporcionalidade ou não da providência decretada”), a final foi proferida a seguinte decisão:
“ decide-se julgar parcialmente procedente a presente oposição e, em consequência:
- Ordenar o levantamento do arrolamento sobre as acções descritas nas verbas nºs 52, 53, 54,55, 56, 57, 58, 59 e 60 do art.º 18º da Petição Inicial, notificando-se a Caixa ....
- Ordenar o levantamento do arrolamento que recaiu sobre as contas dos Requeridos na Caixa ..., referidas nos artigos 27 e 28 da oposição, mantendo-se o arrolamento referente às verbas 50 e 61 do art.º 18.º da Petição Inicial.
- Levantar o arrolamento referente ao valor de €73.945,99 da conta .........01 do Banco ..., mantendo-se quanto a esta conta o arrolamento no montante de €6.350,49 – cfr. art.º 33.º da oposição.
- No mais mantém-se a decisão proferida, improcedendo todas as outras nulidades, exceções e questões suscitadas em sede de oposição.
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Custas a suportar por requerente e requeridos em partes iguais.
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Registe e notifique.”
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Desta decisão apelaram os requeridos oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES (que se transcrevem):

I – Objeto do recurso e normas violadas

1- O presente recurso vem interposto da decisão proferida nos autos de providência cautelar que julgou improcedentes nulidades invocadas, não se pronunciou sobre omissão de formalidades exigidas por Lei que configuram nulidades suscitadas, desvalorizou procedimentos inaplicáveis à providência em causa, julgou improcedentes exceções deduzidas, em manifesta violação do preceituado nos artºs.191º, 195º, 219º nº3, 362º, 366º nº 6, 368º, 372º, 376º, 403º, 405º, 406º, 408º, 735º, 753º, 755º, 760º, 780º do CPC e 1724º, 1730º, 1187º e 2103º A do Código Civil.
O presente recurso incide sobre matéria de facto e de direito.

II – Das nulidades suscitadas

2- Aos ora Apelantes, a quando da sua notificação (com as características de citação) não foram entregues documentos essenciais ao pleno exercício do seu direito de defesa e à cabal compreensão e conhecimentos dos documentos existentes nos autos, designadamente:
- Do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães
(proc. nº 2017/18.0T8BBCL-B.G1) proferido a 07/11/2019 , e que se encontra integrado nos autos a fls. 109/115 , bem como da decisão recorrida e alegações do Recorrente;
- Do auto de arrolamento sobre os bens efetivamente arrolados, designadamente dos imóveis, saldos bancários, títulos e participações sociais, isto porque, tout cour, não foi sequer elaborado qualquer auto de arrolamento nos presentes, formalidade essencial que foi preterida e que se impunha fosse dado conhecimento aos então Requeridos e ora Apelantes a quando da sua notificação da pendência da providência cautelar, o que acarretou sérios inconvenientes e entraves à sua defesa, nomeadamente:
+ Os ora Apelantes só conseguiram percecionar os bens que lhes foram arrolados/ arrestados, após minuciosa análise dos documentos bancários a que tiveram acesso, e consulta presencial aos autos, em pleno decurso do prazo de oposição, tendo ainda hoje alguma dificuldade em apurar que bens foram arrolados em concreto;
+ não foram os ora Apelantes advertidos das suas obrigações, nomeadamente advertidos dos deveres que lhes incumbiam na qualidade de depositários dos bens imóveis arrolados e das sanções em que incorreriam caso os infringissem ;
+ não foram os ora Apelantes advertidos da indisponibilidade de movimentação dos saldos bancários, aplicações, créditos, produtos financeiros e participações ;
3 – Relativamente à suscitada nulidade da notificação/citação, entendeu o Tribunal a quo, que os elementos entregues aos Apelantes eram os exigíveis, não tendo ocorrido qualquer omissão que pudesse acarretar a nulidade da citação suscitada.
4 – Quanto à suscitada questão da inexistência do auto de arrolamento na oposição deduzida – artº 15º a 18º - configurando-a como uma nulidade que é, nenhuma menção, teceu a tal respeito, a Meritíssima Juiz a quo, omitindo integralmente qualquer decisão sobre a suscitada nulidade, em clara violação do preceituado no artº 615 nº.1 alínea d)CPC.

III – Do pedido deduzido – Arrolamento versus arresto

5- Foi lançada a confusão nos próprios autos, nas instituições bancárias envolvidas, nos formalismos utilizados e nas próprias consequências que daí advieram, sobre a real e efetiva providência cautelar requerida, o que acarretou sérias dificuldades aos aqui Apelantes uma vez que:
- verbas houve que foram consideradas pelos Bancos como arrestadas/penhoradas, logo cativas e indisponíveis ;
- bem como foi requerido que às verbas arroladas/ arrestadas, nomeadamente os saldos bancários, títulos e participações correspondentes ás verbas 12 a 51 e 61 da declaração do imposto de selo de fls.36 e seguintes , fosse nomeado depositário o Banco ... (quando a regra é que o depositário seja o possuidor dos bens – artº 408º CPC) com a expressa advertência de que as mesmas poderiam ser movimentadas com autorização expressa do Tribunal.
6- Ora assumindo que, o que foi efetivamente pretendido pela então Requerente, e considerado pelo Tribunal a quo, foi a instauração de uma providência cautelar de arrolamento de bens, e que a mesma visa acautelar um eventual e ainda não demonstrado direito da então Requerente à herança do falecido A. J., não assiste à então Requerente e ora Apelada, o direito de requerer e obter a apreensão judicial e a total indisponibilidade dos bens própria do arresto mas antes a sua descrição, avaliação e depósito a constar de auto e sem implicar a total indisponibilidade/ cativação dos mesmos pelos respetivos detentores.
7- De acordo com o preceituado no artº 408º CPC o depositário é em regra o próprio possuidor dos bens salvo se houver manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues. E que manifesto inconveniente é esse no caso dos autos, se:
- Quanto aos imóveis arrolados/arrestados (verbas 1 a 9 da declaração do imposto de selo), já partilhados legítima e legalmente entre os aqui Apelantes, que até hoje são os únicos e legítimos herdeiros do falecido A. J., mantém-se na propriedade de um ou do outro, não tendo sido alienados a terceiros.
- Quanto aos depósitos e aplicações bancárias e títulos que subsistiram arrolados após a sentença recorrida são em concreto os correspondentes às verbas constantes do imposto de selo apresentado nºs 12 a 14, 20 a 34, 37 a 51 e 61 e ascendem ao valor global de € 1.171.884,60;
- as descritas verbas cujo arrolamento a Meritíssima Juiz a quo manteve , e as que foram efetivamente arroladas , na sua maior parte encontram-se intocáveis pelos Apelantes desde 10/07/2017 , data do óbito do falecido A. J. !
8- Tudo leva a crer, face ao exposto, que ao invés de um hipotético receio exista da parte da Apelada uma ignóbil vontade de impedir que os Apelantes usem (sem prejuízo de um dia – caso esse dia venha a chegar – darem à Apelada o que lhe vier a caber por direito) com relativa liberdade e sem por em causa o 1/6 que poderá vir a caber à Apelada do património deixado.
9- Mas entendeu o Tribunal a quo ao decidir arrolar/ arrestar a quase totalidade do património deixado, sem olhar sequer, à meação da Apelante a respeitar bem como à parte que por direito pertence ao Apelante, entendendo ainda «fazer justiça» ao impor a autorização do Tribunal e da Apelada para a movimentação do que quer que componha os bens arrolados/arrestados.

IV – Da inadmissibilidade do arrolamento de bens pertencentes aos Apelantes porque já partilhados

10 - Por escritura de partilha parcial (fls 43-51) e de partilha adicional (doc.34 PI) os aqui Apelantes no exercício de seu legitimo direito enquanto únicos herdeiros do falecido, partilharam entre eles as verbas relacionadas no Imposto de Selo nºs 1 a 9, 13,14 e 19 , passando assim tais bens a integrar a esfera jurídica de cada um deles .
11 - Porque a providência cautelar decretada se destina a relacionar, descrever e avaliar os bens que integram a herança deixada, com vista à sua conservação e atendendo a que os identificados bens já deixaram de ser indivisos e integraram patrimónios autónomos, não poderia a providência decretada atingir tais bens agora próprios dos Apelantes, devendo previamente a Apelada impugnar tais atos de disposição de modo a que, procedendo tal impugnação, os mesmos voltassem ao acervo hereditário em causa – o que até à data não aconteceu.
12 – Acresce que, somente em relação ao arresto – uma vez que está em causa a conservação da garantia patrimonial de um crédito – a Lei permite que o credor possa requerer o arresto contra o adquirente dos bens (artº 392º CPC) e ainda assim se tiver sido judicialmente impugnada a aquisição - já quanto ao arrolamento não há qualquer previsão legal que permita que a mesma recaia sobre bens do adquirente, uma vez que se trata de uma providência que não visa garantir qualquer crédito – que no caso dos autos nem sequer existe e não é certo que possa vir a existir – mas antes relacionar os bens indivisos ainda existentes.
13- E não é pelo facto de tais bens ainda se manterem na esfera jurídica dos Apelantes que é conferida legitimidade à Apelada de arbitrariamente os atingir e promover sobre os mesmos o arrolamento, cativando-os ad eternum (atenta a morosidade que este tipo de processos habitualmente implica) e impedindo que aos mesmos seja dado destino que impeça a degradação e a desvalorização dos mesmos!

V – Da necessidade de levantamento da providência decretada de bens em estado de total degradação

14- É a degradação e desvalorização de alguns bens – designadamente do imóvel relacionado no imposto de selo sob a verba 5 – imóvel antigo e em grande estado de degradação ou mesmo ruína – que impõe uma solução diferente da assumida pelo Tribunal a quo, que desvalorizou desde logo,
+ o teor do documento 7 (a fls.201 e seg) junto com a oposição – proposta de reconstrução, onde claramente se afere do estado caótico do referido imóvel e da imensidão de obras que o mesmo requer e que ascendem a valores na ordem dos €326.170,97 ao que acrescerá o IVA;
+ tendo ainda desvalorizado o depoimento da testemunha arrolada pelos aqui Apelantes – G. G. – mediador imobiliário - cujo depoimento ficado gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática - Media Studio (início às 14:57:26 e fim às 15:06:23)e se transcreveu nas alegações supra apresentadas, onde ficou claramente evidenciado que:
- o prédio em causa está em total estado de degradação e corre riscos de ruína, com exceção do r/c está mais conservado pois tem sido realizadas reparações pontuais;
- que o imóvel se situa numa zona privilegiada da cidade de Barcelos e bastante apetecível para investidores , rondando o seu valor de venda os €300.000,00 mas que nesta altura já estaria desvalorizado e finalmente que o registo do arrolamento inviabilizaria a venda do imóvel.
+ desvalorizou igualmente o Tribunal a quo , o depoimento de parte prestado pelo ora Apelante, cujo depoimento ficou gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática - Media Studio, (início às 15:07:20 e fim às 15:32:03) , e se transcreveu nas alegações supra apresentadas onde se evidenciou com relativa clareza que o Tribunal a quo caso , tivesse valorado tais depoimentos, como podia e devia , só poderia ter decidido pelo levantamento do arrolamento , conforme foi requerido , da verba 5 uma vez que a intenção é a venda do mesmo e o seu estado não se compadece com grandes delongas .
15- Mas não! impôs o Tribunal a quo em alternativa aos aqui Apelantes a reconstrução do imóvel , sempre com autorização do Tribunal e da Apelada (para poder movimentar os meios financeiros necessários) descurando da legitima vontade dos Apelantes de procederem à venda do imóvel no exato estado em que se encontra evitando assim o dispêndio de tempo, energia e recursos que os mesmos não se dispõe a atribuir a tal projeto!

VI- Da falta de preenchimento dos pressupostos para o decretamento da providência

16 - A Meritíssima Juiz a quo sustentou a sua convicção na decisão que decretou a providência exclusivamente na prova documental então junta pela Requerente e ora Apelada – cfr. Relatório pericial junto aos autos a fls 20 a 21 verso – como provado o bónus fumus iuris, posição esta que, o Tribunal a quo manteve inalterada na decisão ora recorrida apesar da insistência dos Apelantes em afirmarem não haverem sequer indícios de que a Apelada possa ser filha biológica do falecido!
17 – De facto, nada existe nos autos, que possa fazer o Tribunal concluir que o Pai biológico da Apelada seja, ou possa ser, A. J., porquanto nenhum exame foi ainda realizado – ADN ou Exumação de cadáver - e nenhuma testemunha foi sequer ouvida que pudesse atestar ter havido uma relação de maior proximidade entre este e a Mãe da aqui Apelada - e o artº 368 nº 1 CPC exige a ocorrência de probabilidade séria da existência do direito – o que quanto a nós não foi de modo algum demonstrado.
18 - Relativamente ao pressuposto da existência de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens entendeu o Tribunal a quo dar como provado que os Apelantes praticaram atos de disposição de bens, relativamente a bens imóveis, partilhados e doados que fazem parte do acervo hereditário a partilhar também com a Apelada, caso esta venha a ser reconhecida como herdeira - E que mal veio ao mundo, se todos os bens partilhados e doados se mantém nos respetivos patrimónios dos Apelantes? se a Apelada vier a ser considerada herdeira do falecido , os bens existem e o seu quinhão hereditário poderá ser preenchido com parte de tais bens ou qualquer outra forma em que os interessados acordem!
19 - Onde está então preenchido o requisito da ocultação, dissipação ou extravio de bens? Terá sido, na venda do veículo automóvel marca mercedes-benz, modelo 204B e da autocaravana marca Hymer? Claramente que não, desde logo porque o veículo marca mercedes foi efetivamente vendido a terceiros em 10/10/2017, ainda nenhuma ação havia sido interposta, tendo a autocaravana sido vendida posteriormente e tais vendas aconteceram, em exclusivo, porque quem os conduzia era o falecido, encontravam-se parados, sem qualquer uso e a deteriorar-se e a desvalorizar cada dia que passava – tratou-se, isso sim de verdadeiros atos de cuidada e prudente gestão!
20- Igualmente aqui, uma vez mais, desvalorizou a Meritíssima Juiz a quo, o que, sob juramento e de forma séria e convincente foi declarado pelo Apelante no depoimento de parte prestado, que ficou gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática - Media Studio, (início às 15:07:20 e fim às 15:32:03), que supra se transcreveu e que evidenciou que, não foi a venda dos veículos que caracterizou qualquer ato de dissipação, tendo sido antes, um ato de disposição legítimo e de razoável bom senso e sentido de boa administração, o que imporia uma diferente decisão do Tribunal a quo.
21- Finalmente entendeu o Tribunal a quo que existia um montante de dinheiros e produtos financeiros, avaliados aproximadamente 1.200.000,00€, cujo paradeiro não foi possível localizar, mas que tais montantes teriam entrado na esfera patrimonial dos Apelantes.
22 – Ora, as únicas verbas cujo arrolamento foi concretizado, constantes da declaração apresentada para efeitos de imposto de selo que deixaram de existir são as seguintes (veja-se as informações bancárias a fls 141, 142 e documentos juntos – doc.34 com a PI e doc. De fls.43 e seguintes): 10,11,15 A 34 num total de €547.228,90 e não o montante de €1.200.000,00 referido na sentença recorrida e que os Apelantes, na qualidade de únicos herdeiros do falecido dispuseram desde logo por uma questão de boa administração – aconselhados pelo gestor bancário de títulos e para fazer face a todas as despesas inerentes à doença da Apelante, aos encargos dos imóveis e demais encargos e investimentos que qualquer cidadão faz face.

VII – Da desproporcionalidade da providência decretada

23 - Ainda que o disposto no artº 376º nº 1 CPC determine a inaplicabilidade do preceituado no artº 368º nº 2 CPC aos procedimentos cautelares constantes da secção subsequente, o certo é que, o princípio da proporcionalidade é um dos princípios básicos ínsitos no sistema jurídico português, enquanto principio material da justiça, assente na jurisprudência constitucional portuguesa e com expressão em várias disposições legais aplicáveis, nomeadamente as previstas nos artºs 735º nº 3, 780º nº3 b) CPC.
24 – Sem prejuízo de se reconhecer que pontualmente o Tribunal a quo, corrigiu a desproporcionalidade anteriormente assumida – caso da verba nº 12 da relação do imposto de selo – a verdade é que quanto aos demais bens arrolados, fez «tábua rasa» de tal principio, ignorando concretamente que:

- À Apelante PERTENCE A MEAÇÃO DE TODOS OS BENS
- Os Apelantes são e serão sempre, sem margem para dúvida, HERDEIROS do falecido
- À Apelada caberá 1/6 do património deixado por óbito de A. J., caso esta venha a ser reconhecida como herdeira legitimária do falecido
25 - A verdade é que no arrolamento decretado o Tribunal a quo ordenou fosse arrolado a totalidade
Dos imóveis deixados e constantes das verbas 1 a 9 do imposto de selo
Das contas bancárias e títulos arrestados
26 – E assim decretou mesmo depois da própria Conservatória do Registo Predial de …, ter interpelado o Tribunal e a então Requerida sobre o âmbito do arrolamento pretendido – se seria a totalidade dos imóveis ou a meação nos mesmos.
27 - Mas a desproporcionalidade verifica-se ainda no facto de, uma vez mais, a Meritíssima Juiz a quo ter desvalorizado a existência de passivo da herança passivo este que onera o património dos Apelantes no montante de €250.000,00 e que parte é da responsabilidade exclusiva da aqui Apelada, conforme relatou o Apelante no depoimento de parte prestado, que ficou gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática -Media Studio, (início às 15:07:20 e fim às 15:32:03), onde ficou evidenciado não só a existência de tal passivo que onerou a herança, como o facto de os Apelantes já terem procedido à liquidação de parte de tal passivo – novamente em claro ato de boa gestão patrimonial – como o facto de parte de tal passivo ser da responsabilidade da Apelada, que afinal, também já beneficiou de montantes que também pertenciam aos Apelantes como herdeiros que são.
28 - Tendo o Tribunal a quo dado como provado a doença e incapacidade da Apelante e os imensos custos, o que fez na fundamentação – alíneas j),k),l), m) n), seria de esperar que em consciência, tivesse libertado o arrolamento de alguns bens, conforme requerido e levantado a imposição drástica que impôs aos Apelantes de só poderem movimentar as contas bancárias e os títulos aí agregados com autorização do Tribunal ouvida a Apelada.
29- No entanto, considerou antes que as rendas que a Apelante aufere – ½ de €2300,00 (sem impostos considerados) seriam suficientes para acautelar todas as suas necessidades- o que claramente não corresponde à verdade e coloca os Apelantes em situação de dificuldade e ansiedade permanentes, e contraria claramente o depoimento prestado pelo Apelante que ficou gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, que foi transcrito supra e que evidencia que os montantes recebidos a título de rendas são divididos entre os Apelantes, o que faz com que os rendimentos mensais efetivamente recebidos por cada um deles não sejam tão substanciais como se quiseram fazer crer!
30 - Finalmente, a desproporcionalidade verifica-se ainda no não levantamento do arrolamento decretado, conforme requerido, da verba 6 constante da relação do imposto de selo (para além da verba 5 supra aludida), uma vez que se trata da casa de morada de família, onde reside a Apelante, da qual esta detém a meação (artºs 1724 e 1730 nº 1 Código Civil) e para além do mais tem a atribuição preferencial decorrente do artº 2103º A do Código Civil assistindo-lhe assim o direito, de ser encabeçada no seu quinhão hereditário de tal verba no momento da nova partilha que possa vir a ser realizada.
*

A requerente apresentou contra-alegações e pugnou pela improcedência do recurso.
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A Exmª Juíz a quo pronunciou-se sobre as arguidas nulidades que decidiu serem inexistentes e proferiu despacho a admitir recurso, despacho datado de 21.09.2020, e admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

A) Se ocorre alguma nulidade processual ou nulidade se sentença, nos termos do art. 615º,nº1. al.d) do CPC.
B) Da falta ou não de preenchimento dos pressupostos para o decretamento da providência ( e apreciação eventual impugnação da matéria de facto).
C) Da aplicação ao arrolamento das regras da penhora quanto às contas bancárias contendo depósitos em dinheiro ou fundos e a nomeação de depositário.
D) E o que dizer do arrolamento de bens já partilhados: é ou não admissível legalmente, nomeadamente entendendo-se o arrolamento como medida destinada a assegurar a manutenção de bens litigiosos no período em que persistir a discussão da titularidade do direito no âmbito da ação principal de que o arrolamento é instrumental.
E) Do levantamento ou não da verba nº5 e verba nº6, nomeadamente por se verificar desproporcionalidade e se o princípio da proporcionalidade se aplica à providência nominada de arrolamento.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como indiciariamente dados como provados são os seguintes:

a) A Requerente requereu o arrolamento das verbas nºs 1 a 9 e as verbas nºs 12 a 51 e 61 descritas no artigo 18º da P.I..
b) A sentença que decretou a providência determinou o arrolamento dessas mesmas verbas.
c) Além das referidas verbas, a Caixa ... arrolou designadamente as seguintes acções:

(i) 2000 (1000 + 1000) acções Eletricidade … Energias de …, S.A. (a que diz respeito a verba nº52), (ii) 2000 acções da X - Inv. Participação e Gestão (a que se reporta a verba nº 53), (iii) 5000 (2500 + 2500) acções da Y, SGPS, S.A. (a que diz respeito a verba nº 54), (iv) 1000 (500 + 500) acções da N. Company, S.A. (a que diz respeito a verba nº 55), (v) 310 acções da … – Redes Energéticas SGPS, SA (a que se refere a verba nº 56), (vi) 1000 acções da S. SGPS, SA (a que diz respeito a verba nº 57), (vii) 3000 (1500 + 1500) acções da S. COM, SGPS, S.A (a que diz respeito a verba nº 58), (viii) 2236 acções do Banco … (a que se reporta a verba nº 59), (ix) 19565 (9783 + 9782) acções da T.D., S.A. (a que se refere a verba nº 60). Tudo como consta dos documentos emitidos pela Caixa ... em 06.02.2020, (docs. nºs 1 e 2).
d) A providência não foi requerida e ordenada sobre as acções descritas na alínea c).
e) As verbas cujo arrolamento foi requerido respeitantes à Caixa ... e ordeando são as verbas nº 50 e 61 – que foram indicadas na participação para efeitos de imposto de selo na sequência do óbito de A. J..
f) Porém, para além do que consta destas verbas foram arroladas, para além das unidades de participação da Caixa ... Acções Lideres Globais (verba nº 61), os saldos das contas pessoais dos Requeridos, que não correspondem à verba nº 50, a qual diz respeito ao saldo da conta de D.O. nº ...800.
g) A Caixa ... arrolou os saldos e os títulos das seguintes contas pessoais dos Requeridos: a) Da Requerida M. C. (como consta do documento junto sob o nº1): (i) 741 Unidades de Participação da Caixa ... Selecção Global Dinâmico, depositadas na conta de activos financeiros Nº .........44; (ii) 160.000 acções do Banco … depositadas na conta de activos financeiros Nº .........44; (iii) 160 acções da Rede de Energias … depositadas na conta de activos financeiros Nº .........44; b) Do Requerido A. S. (como consta do documento junto sob o nº2): (i) conta nº 2067017770130, que é uma conta à ordem particular do Requerido, aberta por este em 13.10.2004, como consta da declaração emitida pela Caixa ... (doc. nº 3); (ii) conta nº ………61, que é uma conta poupança do Requerido associada à conta acima identificada; (iii) 741 Unidades de Participação da Caixa ... Selecção Global Dinâmico, depositadas na conta de activos financeiros Nº .........44, também associada à referida conta particular do Requerido; 26 Obrigações Y 4,5%, depositadas na referida conta de activos financeiros Nº .........44.
h) Os dois requeridos são co-titulares de outras duas contas na Caixa ... com os nºs ………30 (conta à ordem) e ………61 (conta poupança), cujos saldos não integram a declaração para efeitos de imposto de selo.
i) O Banco ... arrolou o valor de € 73.945,99 – saldo da conta nº .........01 -, quando o valor da herança do falecido A. J., descrito na verba nº 12 no artigo 18º da PI é a meação de € 12.700,99
j) A Requerida M. C. sofre da doença de Parkinson há já alguns anos.
k) Em virtude dessa doença, foi-lhe atribuída uma incapacidade que, à data da emissão do “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” (02.06.2014) era de 76%.
l) Tem necessidade de acompanhamento e assistência por terceira pessoa quer no seu dia-a-dia, quer para poder sair de casa, dado que não pode deslocar-se sozinha, para consultas e outros fins.
m) Possui uma empregada doméstica, que a auxilia em todas as tarefas da sua vida doméstica e que assegura também a sua assistência durante a noite, a quem paga um salário na ordem dos € 1.200,00, mensais.
n) Toma diariamente medicação, com o que gasta uma quantia em media €300,00 a € 400,00 mensais e tem despesas de água, electricidade e gás, alimentação, vestuário, higiene pessoal e todos os normais encargos da vida corrente.
o) Aufere duas pensões, titulada por si e outra referente ao falecido marido de € €1.700,00 e 1.100,00 e valores na ordem dos €2.300,00 a título de rendas, que divide com o filho.
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Os demais factos alegados não resultaram provados, sendo que parte deles correspondem a alegações de direito.”
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No mais mantiveram-se os factos indiciariamente dados como provados.
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IV. Do objeto do recurso.

A- das nulidades suscitadas:

a) Os recorrentes invocam que não foram notificados de documentos que consideram fundamentais para a sua defesa, tais como o Ac do TRG e decisão recorrida e alegações da recorrente juntas;
b) E que não foram notificados do auto de arrolamento, sendo certo que o mesmo não existe.
c) Apenas em 20.04.2020 é que a mandatária teve acesso ao processo eletrónico e sua consulta.

Após tal constatação e se bem que na oposição enquadram a questão como se tratando de nulidade processual nos termos do art. 195º, na verdade no presente recurso não o fazem ( nem nas conclusões nem nas alegações), limitando-se a reproduzir na conclusão nº3 que o tribunal entendeu não ocorrer qualquer nulidade. E mais não dizem a respeito.

Como decorre do disposto pelo art.º 635º nº 3 do CPC, é através das conclusões que o recorrente delimita objetivamente o recurso.

Nesta medida, este Tribunal limitar-se-á a conhecer apenas as nulidades/ilegalidades que constam elencadas nas conclusões e não outras (nomeadamente as afloradas na motivação, mas não constantes das conclusões).

Sem embargo, na conclusão nº 4 já invocam a nulidade da decisão recorrida nos termos do art. 615º, nº1, al. d) do CPC por a decisão ter sido omissa acerca da questão suscitada da nulidade por inexistência do auto de arrolamento.

Importa, pois, não confundir-se a nulidade da sentença com a nulidade de processo prevista no art. 195º do CPC, ainda que esta acarrete, nos termos do nº2 desse artigo a nulidade da sentença. (1)
Esta nulidade processual distingue-se das nulidades das sentenças e despachos ( art. 615º,nº1, al. b) a e) e 613º,nº3), bem como do erro material ( art. 614º) e do erro de julgamento ( de facto e de direito). Enquanto que estes casos respeitam ao vício de conteúdo, o vício gerador da nulidade do art. 195º respeita em geral à nulidade processual, bem como os que tratam os arts. 187º a 194º e o art. 615º, nº1 al. a) ( falta de assinatura do juiz), respeitam à própria existência do ato ou às suas formalidades.

Se bem entendemos, os recorrentes invocam a nulidade da sentença pela omissão de pronúncia acerca da suscitada nulidade por inexistência de auto de arrolamento.

Não cremos que ocorra a nulidade prevista no art. 615º,nº1- al,. d) do CPC, porquanto a sentença refere-se a tal questão quando ali se lê “ A requerente veio requerer o arrolamento dos bens/direitos, que elenca na Petição Inicial. Porém, a final, requer o arresto dos bens imóveis, das contas bancárias, os produtos financeiros e participações também ali descritas.
Por ter sido detetada tal desconformidade, por despacho proferido a fls. 88, foi solicitado à requerente que viesse esclarecer tal discrepância, o que aliás, a mesma nesse ínterim já havia feito por requerimento de fls. 90, solicitando a retificação do invocado erro de escrito, o que foi admitido por despacho de fls. 91 supra.

Pelo exposto, julgo improcedente qualquer nulidade invocada daí decorrente. “

E mais adiante esclarece sob o item “dos efeitos e processamento da providência cautelar de arrolamento” o seguinte :“… Ora, conforme prevê o art.º 406.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC) : “São aplicáveis ao arrolamento as disposições relativas à penhora (….)”.
A penhora de depósitos bancários é feita mediante comunicação às instituições bancárias (780.º); e a penhora de imóveis por comunicação ao serviço de registo competente (art. 755.º).”.

Ou seja, quando na sentença se refere ao arrolamento ordenado e à remissão para as normas da penhora, pronuncia-se sobre a questão, ainda que implicitamente. Com efeito, assim é pois é destas normas que também ressuma ser lavrado um auto, como impõe o art, 753º,n1 do CPC. ( ex vi 406º,nº5 do CPC).

No art. 406ºnº1 do CPC lê-se “ o arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens”.
O nº 2 diz: “É lavrado auto em que se descrevem os bens, em verbas numeradas, como em inventário, se declara o valor fixado pelo louvado e se certifica a entrega ao depositário ou o diverso destino que tiveram; o auto menciona ainda todas as ocorrências com interesse e é assinado pelo funcionário que o lavre, pelo depositário e pelo possuidor dos bens, se assistir, devendo intervir duas testemunhas quando não for assinado por este último.
3 - Ao ato do arrolamento assiste o possuidor ou detentor dos bens, sempre que esteja no local ou seja possível chamá-lo e queira assistir; pode este interessado fazer-se representar por mandatário judicial.
4 - O arrolamento de documentos faz-se em termos semelhantes, mas sem necessidade de avaliação.
5 - São aplicáveis ao arrolamento as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrarie o estabelecido nesta secção ou a diversa natureza das providências.

“Arrolar significa “inscrever em rol”… A ideia de arrolamento está por isso ligada à existência de uma pluralidade de bens que se pretende acautelar. Para isso eles são descritos, avaliados e depositados ( art. 406º,nº1), ficando sujeitos a regime semelhante ao dos bens penhorados ( art. 406º,nº5).

No caso vertente, atentos os bens indicados para arrolar e cujo arrolamento foi ordenado (bens imóveis, meações de contas bancárias e produtos financeiros, nomeadamente ações ), aplicam-se subsidiariamente as disposições da penhora.
E a respeito do auto de penhora a que alude o art. 753º nº1 do CPC dir-se-á que “Trata-se de um documento que certifica a realização do ato de penhora, ou seja, o objeto, a data e eventuais incidentes. E, por isto, será pelo auto que se poderá determinar o momento a partir do qual se produzem os efeitos da penhora. Mas esses efeitos não são do auto de penhora, mas do ato de penhora e têm a data do ato e não do auto. No entanto, em princípio as datas de um e de outro coincidirão. O auto de penhora não tem portanto, valor constitutivo, mas um valor enunciativo dos efeitos da penhora.” (2) ( sublinhado nosso)
Daí se dizer que não havendo auto de penhora, os efeitos produzem-se a partir da notificação que ordena a penhora. (3)
Por outro lado, saliente-se que só a falta de notificação da penhora ao executado constitui vício sujeito ao regime das nulidades secundárias do art. 195º ( sendo certo que alguma jurisprudência de que o Prof. Rui Pinto dá conta in ob cit. p. 631 equipara-a a falta de citação).
Ora, seja como for, já vimos que o arrolamento segue, no caso vertente, e atentos os bens em questão arrolados as regras da penhora, em tudo que não contrarie o estabelecido naquela disposição legal e natureza da providência.
No caso sub judicio não existe um auto de arrolamento, mas como vimos tal circunstância não é constitutivo mas apenas enunciativo dos efeitos do arrolamento respetivo, sendo certo que os efeitos produzem-se a partir da notificação respetiva do ato do arrolamento ( o qual por sua vez segue as regras da penhora).
De qualquer forma e em relação a este ato (e não auto) não é invocada nas conclusões qualquer nulidade para ser conhecida.
Pela falta da existência do auto de arrolamento igualmente não ocorre qualquer nulidade, conforme analisámos, porquanto não é constitutivo dos efeitos do arrolamento.
Por outro, lado, a sentença pronuncia-se acerca dos efeitos e processamento da providência, aliás com item salientado no ponto 4 da mesma “ dos efeitos e processamento da providência cautelar de arrolamento”, pelo que não padece de qualquer vício de omissão de pronúncia.
Diga-se ainda que não se compreende muito bem como é que nas alegações se diz que a mandatária apenas teve acesso em 20.04.2020 (!) ao processo eletrónico, quando deduziu oposição em 21.02.2020 e fez requerimento ao processo em 13.02.2020.
Pelo exposto, improcede a pretensão recursória.
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B) - Na conclusão 16ª a 30ª- e sob item “Da falta de preenchimento dos pressupostos para o decretamento da providência” (eventual impugnação da matéria de facto indiciária).

Os recorrentes, sem indicarem os pontos concretos da matéria de facto indiciária dada como provada, sustentam que não ocorre probabilidade séria da existência do direito, nem o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens. Acresce que apenas aludem de forma genérica ao “depoimento de parte prestado” que no seu entendimento justifica decisão diversa.
A decisão recorrida, neste particular, refere que “ A este propósito desde já se diga que na decisão proferida o Tribunal já se pronunciou sobre a verificação dos mesmos, por tal e porque a decisão não foi objeto de recurso, mas outrossim foi deduzida oposição, afigura-se-nos que quanto aos mesmos não foram invocados quaisquer factos novos que imponha fundamentação diversa da ali expendida, no sentido de não estarem preenchidos os pressupostos de decretamento da providência.

Concordamos integralmente com tais considerações.

Com efeito, a circunstância de a providência ter sido decretada sem audição dos requeridos traduz-se sempre numa significativa desvantagem para estes, já que, nomeadamente, se vêm impedidos de contrapor a sua versão factual à alegada pela requerente e de participar na instrução do procedimento, quer indicando os meios probatórios que entendem pertinentes, quer intervindo na produção da prova indicada pela requerente (vg., pronunciando-se sobre documentos ou instando testemunhas). Só podendo reagir depois de decretada a providência, os requeridos têm de “lutar” contra uma convicção que o tribunal já formou, limitado pelo espartilho do art. 372º do CPC e onerado com a prova dos factos suscetíveis de “desfazer” aquela convicção (4).
Importa, consequentemente, assegurar aos requeridos que deduzem oposição depois de decretada a providência a maior amplitude de faculdades que a interpretação da lei [em particular, da al. b) do nº 1 do art. 372º do CPC] consentir.
Como resulta da alternativa “ou”, várias hipóteses estão contempladas na referida al. b): o requerido pode alegar factos diferentes daqueles que o requerente trouxe ao processo, estando ao seu alcance demonstrá-los através de meios de prova já apresentados pelo requerente e/ou através de meios de prova diversos; e/ou o requerido pode, não alegando novos factos, apresentar meios de prova que ainda não foram tidos em conta pelo tribunal (5).
O que está vedado aos requeridos é conseguir que, sobre os factos já alegados pela requerente e através da (re)produção dos meios de prova já tidos em conta, a 1ª instância chegue a convicção diversa daquela que foi vertida na decisão que deferiu a providência. Neste caso, deve optar pelo recurso, com impugnação da decisão sobre a matéria de facto [al. a) do nº 1 do art. 372º do CPC].

In casu, os requeridos optaram pela dedução de oposição; porém, as alterações à decisão de facto que, a partir da alegação da oposição, poderiam ser efectuadas são juridicamente irrelevantes como assertivamente se concluiu na sentença, depois dos factos aí alegados terem sido devidamente escalpelizados. E nem se diga que se pretendia afastar os fundamentos da providência, designadamente o “justo receio de dissipação ou extravio”, já que tal consequência tinha ínsita uma questão de direito que defendiam mas que não vingou, isto é, que a partilha dos bens já se encontra efetuada e em nome dos requeridos ( partilha essa efetuada no decurso da ação principal de que é apensa a presente providência cautelar).
É que no caso do recorrente, que não foi ouvido antes do decretamento da providência, ter optado por deduzir oposição nos termos da al. b) e não recorrer nos termos da al.- a), como lhe permitia o disposto no art. 372º,nº1 do CPC, fica-lhe vedado impugnar a decisão sobre a matéria de facto constante da decisão que decretou o arrolamento e da qual devia ter recorrido. (6)
Por inadmissibilidade legal, não se tomará conhecimento desta questão da reapreciação da matéria de facto dada como indiciariamente assente na decisão que decretou o arrolamento.
*
A recorrida, nas contra-alegações, ainda enquadrou, noutra perspetiva, a questão como sendo de rejeição da matéria de facto nos termos do art. 640º do CPC.
Com efeito, ainda que não o afirmem expressamente, os apelantes insurgem-se contra a matéria de facto indiciariamente dada como provada na decisão inicialmente proferida, com fundamento em pretenso erro na apreciação da prova.
Mas de que factos em concreto? Que factos impunham decisão diversa e qual a decisão diversa em concreto?
Desde já se diga que não se mostram preenchidos todos os requisitos de que depende a impugnação da matéria de facto(artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil).
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Assim sendo e, não sofrendo qualquer alteração a matéria de facto indiciariamente dada como provada, o que dizer em termos de reapreciação de direito?
Nada mais temos a acrescentar ao que ressuma da decisão recorrida, neste particular: “ Na realidade, está provado que os RR praticaram atos de disposição de bens que fazem parte do acervo hereditário a partilhar também com a requerente, caso esta venha a ser reconhecida como herdeira.
Foram praticados actos de disposição do património da herança na pendência da acção principal, quer relativamente a bens imóveis, partilhados e doados.
Acresce que como aliás resultou da prova produzida em sede de audiência e reconhecido pelo próprio requerido A. S. existia um montante de dinheiros e produtos financeiros, avaliados aproximadamente 1.200.000,00€, cujo paradeiro não foi possível localizar, mas que este reconheceu terem entrado na esfera patrimonial dos RR.
Logo, não procedendo o arrolamento ( e não como ali se por lapso consta arresto) existe um sério risco de todos os bens serem dissipados, sendo certo que a presenta acção já por si morosa, dado as contingências processuais decorrentes do surto pandémico provocado pela Covid-19, que levou à suspensão da produção da prova pericial já ordenada (exumação de cadáver), ainda será mais prolongada no tempo, porquanto não se vislumbra quando poderá ser levada a cabo.
Note-se que tal morosidade poderia ser parcialmente obviada caso o R anuísse à realização de exames de ADN, no entanto o mesmo, notificado para o efeito, cfr. fls. 101 dos autos principais – manifestou oposição a tal e reitera tal posição – cfr. fls. 103.
Assim, reiterando os argumentos já elencados na decisão posta em causa que aqui se reproduzem para todos os legais efeitos e aos agora aduzidos consideramos estarem preenchidos os pressupostos de facto e de direito que fundamentam a presente providência cautelar de arrolamento”.
Logo, não merece a decisão do tribunal a quo qualquer reparo.
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C) - Na conclusão 5ª a 9ª- e sob item “Do pedido deduzido –arrolamento versus arresto”- os recorrentes insurgem-se contra a aplicação das regras da penhora quanto às contas bancárias contendo depósitos em dinheiro ou fundos.
Ou seja, os recorrentes põem em causa, sem razões válidas, o efetivo arrolamento das contas bancárias em causa ( em que seria titular na meação respetiva o decujus, investigando na ação principal ), quando com a reforma do processo civil e redação do art. 780º do CPC, em conjugação com a norma que implica a sua aplicação remissiva ao arrolamento, eliminaram qualquer dúvida que ainda pudesse subsistir quanto à aplicação das regras da penhora quanto aos depósitos bancários já há muito assumida na jurisprudência (7) e na doutrina.
E o que dizer de quem deverá ser o depositário dos depósitos das contas bancárias?
No caso das penhoras das contas bancárias, o depositário natural é o banco respetivo e foi essa a posição adotada pela primeira instância, ordenando-se ainda que apenas poderiam ser movimentadas as contas com autorização do tribunal.
Os recorrentes entendem que deveriam ser depositários os próprios titulares das contas.
Vejamos.
Nos termos do art.408º,nº1 do CPC “ o depositário é o próprio possuidor ou detentor dos bens, salvo se houver manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues”.
Dispõe o art. 408º do CPC sobre quem deverá ser o depositário, pelo que estas normas sobrepõem-se às que vigoram em sede de penhora, de outro modo aplicáveis por via do art. 406º,nº5 do CPC e como já analisámos.
No arrolamento, nos termos do nº1 do art. 408º, é depositário o possuidor ou detentor dos bens requeridos no procedimento de arrolamento, pelo que passará a detê-los em nome do tribunal, com os deveres gerais inerentes a um depositário podendo ser removido se não os cumprir e arcar com responsabilidades civis e penais.
Apesar deste novo estatuto pode ser arriscado deixá-lo na posse daqueles bens.
Neste caso, o juiz deverá, ponderadas as circunstâncias, escolher outro depositário.

Ora, no caso vertente, a decisão recorrida justificou, alicerçada num Ac. da RC de 27.02.2018 que “ havendo receio de que os interessados titulares da conta bancária ocasionem o extravio/dissipação desses depósitos bancários, assim impedindo a sua entrega a quem couberem em partilha, não devem tais interessados ser nomeados depositários, por ocorrer manifesto inconveniente nos termos do art.º 408.º, n.º do CPC antes se justificando a nomeação da respetiva entidade bancária como depositária, a dever impedir a movimentação da conta a débito sem o que o procedimento não cumpriria a sua essencial função conservatória” …Ora, in casu, é o que se nos figura suceder, estribando-nos até no facto de relativamente a montantes na ordem de €1.200.000,00 não se ter chegado sequer a apurar o seu pardeiro atual. “.
Concordamos, no essencial, nesta análise da questão.
Com efeito, o objetivo do arrolamento – designadamente, de depósitos bancários – é o de manutenção dos bens controvertidos e deverá ser decretado em função da probabilidade da titularidade do requerente sobre esse bem e da prova sumária de situação de perigo que incida sobre ele, perigo que o legislador tipifica como de «extravio, ocultação ou dissipação, como já referimos supra.

Ora, no caso dos autos, atentos os factos indiciariamente dados como provados, sempre se imporia, para evitar o risco de extravio/dissipação, que não fossem os titulares da conta nomeados depositários, antes devendo tal cargo ser atribuído à própria entidade bancária onde a conta foi aberta, pelo que ficaram provadas indiciariamente circunstâncias donde decorre de que há manifesto inconveniente em que sejam entregues aos respetivos titulares das contas bancárias a sua administração.
Por tudo o exposto, neste particular, improcederá a pretensão recursória.
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D)- E o que dizer do arrolamento de bens já partilhados?

Os recorrentes entendem que não poderia a providência atingir bens agora próprios dos recorrentes, porque partilhados, e ainda entendem que previamente a apelada deveria impugnar tais atos de disposição de modo a que, procedendo tal impugnação, os mesmos voltassem ao acervo hereditário em causa, o que até à data não aconteceu.

Na decisão recorrida entendeu-se que:

“… não obsta à admissão da presente providência a circunstância da sentença a proferir no processo principal não resolver definitivamente a questão patrimonial em causa, como acontece in casu. Isso acontece nos casos previstos no art.º 409.º do CPC em que, decretado o arrolamento por apenso às ações aí previstas, tal não soluciona a vertente patrimonial ínsita na providência de arrolamento, podendo seguir-se o processo de inventário

Na ação principal a julgar-se que a Requerente é herdeira de A. J. esta terá direito à partilha dos bens que integram a herança, ainda que previamente necessite de intentar ação de anulação de partilha anterior, levada a cabo pelo então herdeiros reconhecidos do de cujus.
Na medida em que esses bens se encontrem na esfera jurídica dos interessados e partes na acção, nada obsta ao arrolamento.
Pois, se assim não fosse claudicaria o efeito útil, antecipatório da providência, dado que neste ínterim os RR poderiam dispor dos bens como entendessem ou lhes aprouvesse, ficando desta forma prejudicado, qualquer efeito útil patrimonial do presente procedimento.”
Mais uma vez concordamos com esta decisão.
Vejamos.
Prima facie, não olvidemos que o arrolamento de bens é dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas, aliás conforme decorre do nº2 do art. 403º do CPC.
O Prof. A. Reis ( in CPC Anotado, Vol II), p. 105) já se referia ao arrolamento como pertencente à categoria de procedimentos conservatórios e dava o exemplo “ se uma pessoa tem ou pretende ter direito a determinados bens e mostra que certos factos ou circunstâncias fazem nascer o justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forma definitiva, o seu direito aos mesmos bens, estamos perante a ocorrência que justifica a imposição de selos e do arrolamento”.
Aquele insigne professor, já naquela altura, ensinava que o interesse na conservação dos bens podia resultar de “direito aparente”, de “direito certo” e de “direito eventual”.
Nesta última categoria, aquele autor- como nos dá conta em anotação ao art. 403º, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ( pç. 185, vol.2º)-, incluía os casos de direito a verificar na ação, como o caso …da investigação da paternidade posterior ao falecimento do investigando ou anulação de testamento ou doação, casos estes em que, não sendo certo o direito, havia sempre que provar a viabilidade da ação.
Realçam estes últimos autores que “Atualmente se a referência às ações em que interessa a especificação dos bens não levanta dificuldades, já o mesmo não se pode dizer da que se refere às ações em que interessa a prova da titularidades dos direitos ( pessoais ou reais) relativos às coisas arroladas, pois como resulta do que se deixou dito, é ainda a especificação dos bens- e não a prova da sua titularidade- que, embora indiretamente, para essas ações tem interesse”.
A evolução legislativa desde o CPC de 1939 não introduziu qualquer alteração substancial, neste particular.

Em suma: o arrolamento, apresenta-se, em geral, como medida destinada a assegurar a manutenção de bens litigiosos no período em que persistir a discussão da titularidade do direito no âmbito da ação principal de que o arrolamento é instrumental.
É o que ocorre no caso sub judicio.
Por outro lado, e tendo em conta os bens que podem constituir o seu objeto e o modo de execução da medida, o arrolamento assemelha-se ao arresto, do qual difere quanto à situação de periculum in mora que visa prevenir, pois que, em lugar do risco de perda da garantia patrimonial que o arresto visa esconjurar (art.º 406º, n.º 1), tende a eliminar ou a atenuar o perigo de extravio, de ocultação ou de dissipação de bens litigiosos.
Atento o descrito factualismo poder-se-á afirmar a elevada probabilidade da existência do direito em que se funda o arrolamento, invocado na acção principal, qual seja, que a requerente é filha do falecido A. J. e, na qualidade de herdeira legítima (art.ºs 2131º, 2132º, 2133º, n.º 1, alínea a) e 2139º, do CC), tem interesse direto na conservação dos bens que integram o respetivo acervo hereditário, a arrolar, e que pretende pôr a coberto do risco de extravio ou dissipação.
Por outro lado, decorre também suficientemente indiciada a situação de perigo de extravio ou de dissipação dos bens, o justo receio de extravio ou dissipação dos bens cujo arrolamento se pretende obter, conforme já analisámos.
Por tudo o exposto, e atenta a provável procedência do pedido da ação principal (ao qual subjaz ou está normalmente associada a discussão em torno do direito a determinados bens materiais, tal como sucede no caso em apreço), por outro lado, que, sem a providência requerida, o interesse da requerente corre sério risco, e, por último, que o seu decretamento não deixará de conciliar todos os interesses em presença, não se vê razão para não atender à pretensão da requerente, tal como foi decidida na primeira instância, procedendo-se ao arrolamento dos bens do decujus investigando e entretanto alvo de partilha entre os requeridos
Por conseguinte, improcede igualmente a pretensão recursória.
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E) -Os recorrentes pretendem o levantamento da verba nº5 ( imóvel arrolado) atento o seu estado de degradação e, para o efeito, alegaram que não mereceram ponderação os documentos que juntaram e prova testemunhal genericamente produzida, sem indicarem os pontos concretos que pretendiam ver apreciados em sede de impugnação da matéria de facto, pelo que o que já se apreciou supra a respeito deste problema, por uma questão de economia processual, dá-se por reproduzida.
Ainda assim dir-se-á que nem sequer se provou que o imóvel nº5 estivesse em ruínas, sendo certo que obras de conservação poderão sempre ser feitas por parte do depositário dos bens, no âmbito dos seus poderes de administração, entrando tais despesas eventualmente em contas a apresentar à herança.
Acresce que esta matéria contida nas conclusões nºa 14 a 15, contende com a matéria contida na conclusão 30º e respeitante à alegada desproporcionalidade da providência cautelar decretada, nomeadamente com o arrolamento da verba nº6 ( para além da nº5).
Os recorrentes entendem “haver desproporcionalidade com o não levantamento do arrolamento decretado, conforme requerido, da verba 6 constante da relação do imposto de selo (para além da verba 5 supra aludida), uma vez que se trata da casa de morada de família, onde reside a Apelante, da qual esta detém a meação (artºs 1724 e 1730 nº 1 Código Civil) e para além do mais tem a atribuição preferencial decorrente do artº 2103º A do Código Civil assistindo-lhe assim o direito, de ser encabeçada no seu quinhão hereditário de tal verba no momento da nova partilha que possa vir a ser realizada.”.
Vejamos.
O arrolamento configura-se como providência cautelar nominada, de cariz conservatório, idónea para acautelar direito que implique a conservação de certos bens ou documentos pelo que, além do mais, não se aplica a regra do disposto no art. 368ºnº2 do CPC, uma das manifestações do princípio da proporcionalidade ( cfr. art. 376º,nº1 do CPC).
Daí a decisão recorrida ter entendido que “ a ser reconhecida como herdeira, tem uma quota ideal sobre todos os bens que compõe a herança e terá direito a licitar sobre cada um desses bens.
Logo não podem os restantes herdeiros imporem-lhe, desde já, a composição do seu quinhão, atribuindo-lhe verbas específicas do acervo hereditário a partilhar.
Acresce que conforme resultou da prova produzida a requerida M. C. apesar de sofrer de doença de Parkinson da qual lhe advém 76% de incapacidade – cfr. fls. 200 e doc de fls. 221 – aufere montantes na ordem dos €1.700,00 e 1.100,00 de pensões e valores na ordem dos €2.300,00 a título de rendas, sendo certo que tendo em conta o que foi declarado para efeitos de imposto de selo, ficaram por cativar cerca de um milhão e duzentos mil euros que estão na posse dos requeridos.
Por sua vez, no que concerne ao arrolamento do imóvel que consiste casa de habitação, não existe desproporção na medida em que este em nada obsta a que a mesma aí possa continuar a residir.
O mesmo se diga quanto à realização de obras de conservação no prédio identificado na Petição Inicial, como alegadamente estando em ruínas o que não se verificou resultar provado.
Aliás, diga-se que na decisão consignou-se que as contas e aplicações podem ser movimentadas, porém, com autorização do Tribunal.”
Por tudo o exposto e nada mais havendo a acrescentar, improcede a pretensão recursória.
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VI- DECISÃO:

Por tudo o exposto, acordam as Juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela R/recorrente.
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Guimarães, 8 de Outubro de 2020

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha e
Lígia Venade



1. “Este nº2, na sua primeira parte, do art. 195º do CPC implica que “a nulidade verificada no âmbito de uma sequência processual apareça como anómala em face da sequência principal ( incidente) ou dela seja de algum modo autonomizada por efeito do seu desdobramento ( procedimento probatório) não se transmita aos atos da sequência principal, sem prejuízo da repercussão que a eventual anulação indireta do ato da sequência viciada ( decisão do incidente, apreciação da prova) possa ter na eficácia dos atos da sequência incólume”- in CPC Anotado Lebre Freitas e Isabel Alexandre, Vol II, p. 404..
2. Rui Pinto “ A ação executiva”, p.629,630, impressão 2019.
3. In ob cit, Rui Pinto, nota 1855, p. 630
4. Neste sentido, cfr. Tiago Félix da Costa, A (Des)Igualdade nas Providências Cautelares sem Audiência do Requerido, Almedina, Coimbra, 2012, págs. 57/74.
5. Neste sentido, cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, Coimbra, 3ª edição, pág. 278.
6. Vide neste sentido AC desta RG de 11-01-2028: relator: José Cravo.
7. Vide por todos a jurisprudência citada por A. Geraldes, in “ Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol IV, pç. 266, nota 478, ed. 2001 e ainda o recente AC da RL de 2-07-2015 (Teresa Albuquerque).