Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ROSÁLIA CUNHA | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS PRINCÍPIO DA AQUISIÇÃO PROCESSUAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/02/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - Tendo sido unicamente apresentada prova documental, a inaptidão ou insuficiência dos documentos para provar a factualidade alegada não equivale à ausência de apresentação de prova. II - De acordo com o princípio da aquisição processual que se encontra consagrado no art. 413º, do CPC, o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado. III - Da circunstância de recair sobre os reclamantes o ónus da prova e de estes terem apenas apresentado prova documental eventualmente insuficiente para sustentar a factualidade que alegaram não decorre, de forma imediata e automática, a insusceptibilidade dessa factualidade poder vir a ser dada como provada, pois a mesma, em tese e face ao princípio consagrado no art. 413º, do CPC, pode ser provada com base nas testemunhas arroladas pela cabeça de casal. Essa factualidade poderá também ser considerada provada com base nas declarações de parte que os reclamantes podem vir a requerer até ao final da inquirição das testemunhas e cujo valor probatório é livremente apreciado pelo tribunal. IV - Por conseguinte, não pode o tribunal a quo oficiosamente decidir não proceder à inquirição das testemunhas arroladas pela cabeça de casal com base na não apresentação de prova, porque esta ocorreu, nem com base na oneração dos reclamantes com o ónus da prova, porque estes podem cumprir esse ónus alicerçados noutros meios probatórios produzidos no processo, mesmo que não tenham sido por si oferecidos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO Nos presentes autos de inventário para partilha dos bens da herança indivisa aberta por óbito de AA, a requerente BB foi nomeada cabeça de casal e juntou a relação de bens com o requerimento inicial. * Em 2.5.2024, os interessados CC, DD, EE e FF apresentaram reclamação contra a relação de bens.Em síntese, alegaram: - a verba nº 51 (imóvel sito em ...), embora conste formalmente como sendo propriedade do inventariado, não lhe pertence, sendo propriedade do interessado DD, o qual já intentou ação declarativa com vista à declaração dessa propriedade, que corre termos com o nº 4022/23...., pelo que esta verba deve ser eliminada da relação de bens e os interessados remetidos para os meios comuns; - as verbas 39, 44 e 48 são bens móveis existentes no imóvel que constitui a verba nº 51, pertencente ao interessado DD, e que foram por si adquiridos aquando da aquisição do imóvel, pelo que devem ser excluídas da relação de bens; - a verba nº 54, relativa a um crédito da herança sobre o interessado DD por rendas não pagas relativamente ao imóvel relacionado sob a verba nº 51 refere-se a um crédito inexistente uma vez que o imóvel descrito na verba nº 51 pertence ao referido interessado, e não à herança, pelo que tal verba deve ser excluída; - a verba 52, que é um prédio rústico, foi relacionada sem que tenham sido juntos documentos comprovativos de que o imóvel pertence ao inventariado, pois na caderneta predial junta não consta o nome do inventariado e não foi junta certidão do registo predial, pelo que esta verba deve ser excluída da relação de bens ou então deverá a cabeça de casal juntar a certidão em falta e explicar os motivos que a levaram a relacionar o prédio; - a verba nº 53, referente a uma dívida do interessado DD à herança, não existe, conforme resulta da sentença proferida no processo nº 3521/16...., na qual se entendeu que não houve nenhum empréstimo do inventariado ao interessado DD, mas apenas uma forma de o inventariado gerir o dinheiro do filho, que lhe adveio da herança da sua mãe, com benefícios fiscais dada a situação deste de “Emigrante”, pelo que a verba em questão deve ser excluída da relação de bens; - as verbas 58 e 59 referem-se a créditos da cabeça de casal sobre a herança relativos a pagamentos por si efetuados relativamente ao imóvel descrito na verba nº 51; uma vez que este imóvel pertence ao interessado DD, e não à herança, essas verbas devem ser eliminadas; - a verba nº 2 foi relacionada sem cópia do extrato bancário da conta onde a mesma se encontra depositada, pelo que a cabeça de casal deverá juntar tal elemento; além disso, deverá juntar documento comprovativo do valor do bem à data da abertura da sucessão; - a verba nº 3 (veículo automóvel) foi relacionada sem ter sido junto documento comprovativo da sua titularidade, pelo que a cabeça de casal deverá juntar tal elemento; além disso, a cabeça de casal deverá informar o estado da viatura, se a mesma tem sido usada e por quem e se tem sido objeto de manutenção regular, elementos importantes para aferir o seu valor e apurar sobre a existência de eventual crédito da herança sobre a cabeça de casal; - as verbas 55 a 57, referentes a três imóveis doados pelo inventariado aos interessados, foram relacionadas sem junção de cópia dos títulos de aquisição e certidões prediais, pelo que a cabeça de casal deverá juntar tais elementos; por outro lado, mesmo do documento 10 junto resulta que a verba 57 pertence não apenas à interessada EE mas também ao interessado FF, pelo que deverá ser retificada; - os documentos juntos pela cabeça de casal relativamente às verbas nºs 58 e 59 não demonstram quem efetuou os pagamentos; por outro lado, o pagamento do IMI, de acordo com o documento junto, parece ter sido pago por saldo de conta titulada pela herança, pelo que a cabeça de casal deve esclarecer a situação; - na providência cautelar nº 3521/16...., que a cabeça de casal intentou contra o interessado DD, indicou bens pertencentes ao inventariado que não relacionou, nomeadamente um relógio ..., um faqueiro de prata, marcadores de prata e uma pistola, pelo que deverão os mesmos ser relacionados; - a cabeça de casal deverá também relacionar o mobiliário existente na verba nº 50, nas duas salas onde funcionava o laboratório e no sótão onde residia com o inventariado; - a cabeça de casal não relacionou o imóvel que o inventariado lhe doou sito em ... e deverá fazê-lo; - a cabeça de casal deverá esclarecer como tem sido pago o IMI relativo à verba nº 50; - a cabeça de casal deverá esclarecer a que respeita o imposto de selo junto como documento nº 16; - não constam da relação de bens os saldos das contas do inventariado à data da abertura da sucessão; - o interessado DD irá intentar uma ação judicial contra a cabeça de casal com vista a obter indemnização pela ocupação de um imóvel seu com bens pertencentes à herança, pedindo indemnização não inferior a € 200 000,00 correspondentes às rendas que deixou de auferir por não poder arrendar o imóvel em virtude de o mesmo se encontrar ocupado com os referidos bens, e ainda uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, por não o ter podido vender; pretende que sejam relacionados, a título subsidiário, estes créditos como passivo da herança e como crédito da herança sobre a cabeça de casal. Juntou 5 documentos, a saber: - documento nº 1 – cópia da petição inicial da ação instaurada por DD contra BB, CC, EE e FF na qual pede que seja reconhecida e declarada a sua aquisição, por usucapião, do imóvel sito em ... e que constitui a verba nº 51 - documento nº 2 – certidão de citação de BB para a ação cuja petição integra o documento nº 1; - documento nº 3 – cópia da sentença proferida no processo nº 3521/16.... instaurado por BB contra DD que julgou procedente o pedido de declaração da autora como herdeira legitimária de AA e declarou que pertencem exclusivamente à autora os bens móveis discriminados no art. 34º da p.i.; - documentos nºs 4 e 5 – correspondência trocada entre BB e DD. * Em 5.6.2024, a cabeça de casal apresentou resposta à reclamação contra a relação de bens.Impugnou a generalidade da factualidade invocada pelos reclamantes e prestou vários esclarecimentos quanto a diversas verbas. Juntou 18 documentos, arrolou testemunhas e requereu a notificação de DD para entregar pastas referentes a assuntos da herança que terá na sua posse. * Em 30.6.2024 foi proferido despacho com o seguinte dispositivo:“Desta forma entende-se face à total inexistência de requerimento de prova, do que é alegado na oposição, não realizar a audição das testemunhas apresentadas pela cabeça de casal, uma vez que o ónus é apenas dos impugnantes, improcedendo assim tacitamente a reclamação/oposição apresentada, por total falta de indicação de prova, no momento próprio para o efeito, determinado por lei. Notifique.” * Os interessados reclamantes não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:“i. Vem o presente recurso interposto do Despacho de 30JUN2024, pelo qual se considerou que na reclamação à relação de bens houve uma “total inexistência de requerimento de prova do que é alegado na oposição” e julgou improcedente “tacitamente a reclamação/oposição apresentada por total falta de indicação de prova, no momento próprio para o efeito, determinado por lei” ii. O Tribunal a quo descreve em detalhe o regime jurídico do processo de inventário mas, em determinado ponto, perde-se o sentido da argumentação pois tal descrição deveria levar à conclusão oposta a que o Tribunal chegou, se não relativamente a todos pelo menos em relação à maior parte da Reclamação, especialmente no que respeita ao bem relacionado na Verba 51. iii. Os Interessados indicaram, e juntaram prova documental - Docs. 1 e 2 – do que alegaram na Reclamação quanto à Verba 51. iv. Resulta do regime jurídico aplicável e enunciado pelo Tribunal a quo que os Impugnantes, na sua reclamação à relação de bens, deram cumprimento ao legalmente exigido desde logo quanto à reclamação relativamente - à Verba 51 (Docs. 1 e 2 juntos com a Reclamação), - à Verba 53 (Doc. 3) - a parte do passivo da Herança (cfr. art. 51º da Reclamação e Doc 4 junto com a mesma) - aos danos causados pela cabeça-de-casal ao ora Recorrente (cfr. art. 57º da Reclamação e Doc. 5 junto com a mesma) v. Erra pois o Tribunal a quo ao considerar que não foi dado cumprimento ao disposto, designadamente, no art. 1105º, nº 2, do CPC, violando, outrossim, o Despacho recorrido tal disposição legal, pelo que deve ser revogado por ilegal vi. A relação de bens é um documento essencial no processo de inventário, onde o cabeça-de-casal identifica o Activo e o Passivo hereditário, seguindo uma estrutura legalmente definida, apresentando os documentos de suporte que permitam sustentar essa mesma Relação e a correcta identificação dos bens vii. Nos termos do disposto no art. 1097º, nº 3, do CPC, o requerimento deve ser acompanhado - da relação de todos os bens sujeitos a inventário, acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respectivo e, se for o caso, da matriz (al. c)) - a relação dos créditos e das dívidas da herança, acompanhada das provas que possam ser juntas (al. d)) viii. A relação de bens, por força do art. 1098º, nº 4, do CPC, deve ser acompanhada, no que à menção dos bens diz respeito, dos elementos necessários à sua identificação e ao apuramento da sua situação jurídica ix. Na Relação de Bens a cabeça-de-casal apresentou um rol de documentos, ora ilegíveis, ora incompreensíveis, ora erróneos, ora incompletos, tendo os Impugnantes indicado exactamente o que no seu entender deveria ser esclarecido, substituído (p.ex., os documentos total ou parcialmente ilegíveis), rectificado, etc. x. Aqui não se trata, porque não pode tratar-se, de juntar prova mas sim de realçar o que na Relação de Bens não está correcto, não está inteligivelmente documentado xi. Os Impugnantes não tinham que juntar qualquer prova, até porque a prova foi junta, alguma, pela cabeça-de-casal, e a que não foi junta estará em seu poder. xii. O Tribunal a quo, incompreensivelmente, relegou para o caixote do lixo todas as questões suscitadas pelos Impugnantes com a afirmação singela de que não apresentaram prova ou que não cabe à cabeça-de-casal juntar documentos aos autos .... xiii. O Tribunal tem que apreciar e decidir, neste caso, sobre matérias claras, inequívocas, e compreensíveis, tal como os Interessados têm o direito de verem correctamente relacionados os bens e devidamente documentada a Relação, sob pena de se estar a apreciar e decidir questões que, no mínimo, são ou podem ser erróneas e, no limite, não pertencerem os bens, os créditos e as dívidas ao acervo hereditário. xiv. O Tribunal a quo errou, pois, ao desatender os pedidos formulados pelos Impugnante, violando, designadamente, o disposto nos arts. 1097º, nº 3, als. c) e d), 1098º, nº 4, 1105º, 1110º, nº 1, do CPC, e, bem assim, o disposto no art. 590º, nºs 2, al. b), 3, 4, do mesmo código, pelo que deve o despacho ser revogado e determinada a sua substituição por outro que determine a efectiva clarificação e/ou correcção da Relação de Bens xv. O Tribunal a quo errou igualmente ao não considerar que deve ser remetida para os meios comuns, onde aliás já se encontra, a discussão sobre o bem que compõe a Verba 51 da Relação de Bens, por violação, designadamente, do disposto no art. 1092º, nº 2, do CPC., o que também justifica a revogação do Despacho recorrido” Terminaram pedindo que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que mande atender às questões suscitadas pelos Impugnantes na reclamação à relação de bens. * A cabeça de casal contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:“I. A douta decisão recorrida não merece qualquer reparo, aplicando corretamente o Direito, pelo que deve ser mantida. II. O imóvel relacionado na verba 51, como resulta dos autos, foi adquirido e pago pelo autor da herança, estando registada a seu favor, beneficiando da presunção derivada do registo (artº 7º do Código de Registo Predial) sendo certo que, na reclamação apresentada, o recorrente limitou-se a juntar o duplicado da petição inicial (da ação que intentou que corre termos pelo Juízo Central Cível de Cascais - Juiz ... sob o nº 4022/23....) e certidão da citação, o que não constitui prova de qualquer direito. III. O recorrente não alegou qualquer facto de que derive o direito de que se arroga sobre a fração em questão e, tal como foi entendido (e bem) pelo douto Tribunal, a junção do duplicado da petição inicial com certidão da citação da cabeça de casal não equivale à reclamação do relacionamento dessa verba. IV. O Recorrente não alegou factos constitutivos do direito de que se arroga quanto à fração em questão, nem factos capazes de ilidir a presunção derivada do registo, não existindo qualquer fundamento para a remessa dos interessados para os meios comuns, até porque é precisamente no processo de inventário que devem apreciadas e resolvidas estas questões que importem à exacta definição do acervo patrimonial a partilhar, exceto nos casos em que a complexidade da matéria de facto implica a redução das garantias das partes, o que não é o caso, nem assim foi alegado. V. Motivo pelo qual não subsistem motivos que fundamentem a suspensão da instância até à decisão final a proferir na ação judicial com o nº 4022/23...., no que diz respeito ao imóvel relacionado sob a Verba 51 da Relação de Bens, devendo o pedido de suspensão ser indeferido. VI. De igual modo, a reclamação apresentada não foi acompanhada de qualquer prova testemunhal e, quanto aos documentos, o Recorrente limitou-se a juntar citações e requerimentos que dizem respeito a outros processos judiciais e cartas (que nem se destinam a fazer prova da existência ou inexistência dos bens que constam na relação de bens), o que não constitui princípio de prova, conforme resulta no próprio despacho proferido pelo Tribunal de 30/06/2024, nem assumem relevância ou interesse para os autos de inventário. VII. Além do Recorrente não ter pedido produção de prova testemunhal relativamente aos factos alegados, VIII. Relativamente às demais verbas, como muito bem observado no douto despacho recorrido, o Recorrente limitou-se a dizer da sua razão e a requerer que a Recorrida alterasse as verbas, sem indicação de qualquer prova documental ou testemunhal. IX. Ouvida a cabeça de casal, a mesma discordou. X. Pois bem, nos termos do artigo 342º nº 1 do Código Civil, é sobre o Recorrente que recai o ónus da prova e a verdade é que o mesmo não foi capaz de requerer a produção de qualquer prova. XI. Quanto à relação de bens apresentada pela Cabeça de Casal, a mesma foi acompanhada de prova documental, bem como foi arrolada prova testemunhal, que permitiu concretizar, de modo suficiente, todos os bens contemplados nas verbas aí indicadas. XII. Motivo pelo qual bem andou o Tribunal quando determinou a improcedência da reclamação apresentada, não só pela inexistência de indicação de prova por parte do recorrente no momento próprio para o efeito, mas ainda pelo facto do ónus da prova incumbir ao recorrente.” * O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir em separado, com efeito suspensivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.* Foram colhidos os vistos legais.OBJETO DO RECURSO Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso. Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes. Neste enquadramento, a questão a decidir consiste em saber se existe fundamento legal para julgar improcedente a reclamação contra a relação de bens, por total falta de indicação de prova, ou se tal não ocorre, devendo ser apreciadas as questões suscitadas pelos impugnantes na reclamação apresentada. FUNDAMENTAÇÃO FUNDAMENTOS DE FACTO Os factos relevantes são os que se encontram descritos no relatório e os mesmos resultam do iter processual. FUNDAMENTOS DE DIREITO Analisemos, então, se existe fundamento legal para julgar improcedente a reclamação contra a relação de bens, por total falta de indicação de prova, ou se tal não ocorre, devendo ser apreciadas as questões suscitadas pelos impugnantes na reclamação apresentada. Dispõe o art. 1097º do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente proveniência), na parte que aqui releva, que: 3 - O requerente deve juntar ao requerimento inicial: (...) c) A relação de todos os bens sujeitos a inventário, ainda que a sua administração não lhe pertença, acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for o caso, da matriz; d) A relação dos créditos e das dívidas da herança, acompanhada das provas que possam ser juntas. Por seu turno, dispõe o art. 1098º, que: 1 - Na relação de bens referida na alínea c) do n.º 3 do artigo anterior, o cabeça de casal indica o valor que atribui a cada um dos bens, observando-se as seguintes regras: a) O valor dos bens imóveis é o respetivo valor tributável; b) O valor das participações sociais é o respetivo valor nominal; c) São mencionados como bens ilíquidos os direitos de crédito ou de outra natureza cujo valor não seja possível determinar. 2 - Os bens que integram a herança são especificados na relação por meio de verbas, sujeitas a uma só numeração, pela ordem seguinte: direitos de crédito, títulos de crédito, valores mobiliários e demais instrumentos financeiros, participações sociais, dinheiro, moedas estrangeiras, objetos de ouro, prata e pedras preciosas e semelhantes, outras coisas móveis e, por fim, bens imóveis. 3 - Os créditos e as dívidas são relacionados em separado, sujeitos a numeração própria, e com identificação dos respetivos devedores e credores. (...) Os interessados diretos na partilha podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação, apresentar reclamação à relação de bens (art. 1104º, nº 1, al. d). De acordo com o art. 1105º: 1 - Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada. 2 - As provas são indicadas com os requerimentos e respostas. 3 - A questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º (...) Este é o regime jurídico vigente quanto à apresentação da relação de bens no processo de inventário e à dedução de reclamação contra a mesma. Ao processo de inventário, para além das normas dos arts. 1082º a 1130º, que especificamente o regem, aplicam-se ainda as disposições gerais e comuns e, em tudo o que não estiver previsto numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum (art. 549º, nº 1). Para julgar improcedente a reclamação apresentada, a decisão recorrida alicerçou-se na total ausência de apresentação de prova por parte dos interessados defendendo que “os documentos apresentados não são passíveis de ser entendidos como princípio de prova” e que é sobre os reclamantes que impende o ónus de prova, e não sobre a cabeça de casal, não sendo a esta que incumbe juntar documentos. Com base nestes pressupostos entendeu “face à total inexistência de requerimento de prova, do que é alegado na oposição, não realizar a audição das testemunhas apresentadas pela cabeça de casal, uma vez que o ónus é apenas dos impugnantes, improcedendo assim tacitamente a reclamação/oposição apresentada, por total falta de indicação de prova, no momento próprio para o efeito, determinado por lei”. Desde logo, e começando pela parte final da decisão recorrida, importa dizer que não existe no direito processual civil a figura jurídica da improcedência tácita, não podendo ser proferida uma decisão que declare improcedente tacitamente uma reclamação. A reclamação, depois de apreciada, pode culminar numa decisão de procedência ou improcedência, mas essa decisão tem de ser expressa, e não tácita. Por outro lado, também não é exata a afirmação de que não incumbe à cabeça de casal juntar documentos, pois, como resulta do art. 1097º, nº 3, als. c) e d), acima transcrito, a relação de todos os bens sujeitos a inventário deve ser acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for o caso, na matriz e a relação dos créditos e das dívidas da herança deve ser acompanhada das provas que possam ser juntas. Prosseguindo. A decisão recorrida entendeu que os reclamantes não apresentaram prova com o requerimento de reclamação. Porém, tal não corresponde à realidade pois os mesmos apresentaram a prova documental que acima referimos. Os documentos juntos podem não ser aptos ou idóneos para dar como provada a factualidade invocada na reclamação, mas, perante a sua apresentação, não se pode afirmar que não foi apresentada prova. Por outro lado, para alcançar a conclusão de que os documentos juntos não constituem princípio de prova é necessário fazer uma análise crítica do seu teor, relacionando-os com os factos alegados e explicando o motivo pelo qual não são aptos ou idóneos para a prova desses factos, sendo manifestamente insuficiente, para este efeito, dizer singelamente, como faz a decisão recorrida, que os documentos “se limitam a citações e requerimentos atinentes a outros processos, não constituindo princípio de prova”. Acresce que a decisão recorrida, misturando e fazendo equivaler o conceito de não apresentação de prova com o de apresentação de prova inapta para demonstrar a veracidade da factualidade alegada, os quais são diferentes, decidiu de motu proprio não realizar a audição das testemunhas apresentadas pela cabeça de casal, referindo que o ónus da prova não lhe pertence e onera os reclamantes. Para além de, como já demonstrado, não se poder concluir que os reclamantes não apresentaram prova, visto que juntaram documentos, e a eventual inaptidão destes para provar a factualidade alegada não equivaler à ausência de apresentação de prova, a oneração de uma parte com o ónus de prova e a não apresentação por esta de elementos probatórios idóneos para provar a factualidade alegada não obstaculiza de forma imediata e automática que essa factualidade se possa provar. Com efeito, de acordo com o princípio da aquisição processual, que se encontra consagrado no art. 413º, do CPC, o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado. Assim, “no julgamento da matéria de facto, o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, independentemente da parte que alegou o facto ou da que apresentou o meio de prova” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in CPC Anotado, Vol. I, 2ª ed. pág. 505). Naturalmente, que, em princípio e como regra geral, a parte onerada com o ónus probatório indica os meios de prova aptos e idóneos a provar a factualidade que alegou e a parte contrária indica os meios de prova tendentes à prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado ou tendentes a demonstrar que os factos invocados não são verdadeiros ou, pelo menos, a criar uma séria dúvida sobre tal veracidade de modo a que os mesmos sejam considerados não provados. Mas, não obstante ser esta a regra, casos há em que a prova de um facto alegado por uma parte é feita com base em meios probatórios indicados pela parte contrária, o que é processualmente admissível face ao princípio da aquisição processual consagrado no art. 413º que assim o permite ao estatuir que o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las. Assim, no caso em apreço, e à luz do art. 413º do CPC, nada impede que a prova da factualidade alegada pelos reclamantes seja efetuada com base nos depoimentos das testemunhas arroladas pela cabeça de casal. Por outro lado, importa ainda ter em linha de conta o disposto no art. 466º, do CPC, onde se lê que: 1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto. 2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior. 3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão. Significa isto, no caso sub judice, que, até ao final da diligência de inquirição de testemunhas, os reclamantes podem requerer a prestação das suas declarações sobre a factualidade alegada na reclamação, declarações essas que estão sujeitas à livre apreciação do tribunal e das quais pode resultar a prova da factualidade em questão. Assim, e como demonstrado, por qualquer das duas vias anteriores, à face do regime processual civil vigente e aplicável, existe a possibilidade de os reclamantes provarem a factualidade na qual sustentaram a reclamação deduzida e cumprirem o ónus de prova com que se encontram onerados. Por conseguinte, não podia o tribunal a quo oficiosamente decidir não proceder à inquirição das testemunhas arroladas pela cabeça de casal com base na não apresentação de prova, porque esta ocorreu, nem com base na oneração dos reclamantes com o ónus da prova, porque estes podem cumprir esse ónus alicerçados noutros meios probatórios produzidos no processo, mesmo que não tenham sido por si oferecidos. Do que se deixa exposto conclui-se que a decisão recorrida fez assentar a improcedência da reclamação em pressupostos juridicamente incorretos, tendo, por isso, que ser revogada, devendo seguir-se os ulteriores termos processuais relativamente à tramitação da reclamação apresentada contra a relação de bens, apreciando as questões na mesma suscitadas. * Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.Tendo o recurso sido julgado procedente, é a recorrida responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada. DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, determinando que se sigam os ulteriores termos processuais relativamente à tramitação da reclamação apresentada contra a relação de bens, apreciando as questões na mesma suscitadas. Custas da apelação pela recorrida. Notifique. * Guimarães, 2 de abril de 2025 (Relatora) Rosália Cunha (1º/ª Adjunto/a) Maria João Marques Pinto de Matos (2º/ª Adjunto/a) Susana Raquel Sousa Pereira |