Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ARMANDO AZEVEDO | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI MAIS FAVORÁVEL AO ARGUIDO ALARGAMENTO DO HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO FUNCIONAMENTO FORA DO HORÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/28/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I. O princípio constitucional da aplicação retroativa da lei mais favorável não tem aplicação somente quanto as penas sejam diferentes, ou seja, quando as penas sejam mais favoráveis ao arguido. O principio tem um âmbito de aplicação mais amplo, sendo aplicável sempre que a lei seja mais favorável, considerando designadamente os elementos da infração, as causas de justificação, etc. II. Por isso, estando em causa várias contraordenações por funcionamento de um estabelecimento fora do horário de funcionamento, se após a data da prática dos factos, entrar em vigor um novo Regulamento Municipal (norma de direito administrativo), o qual alargou o período de funcionamento, o referido regulamento é mais favorável ao arguido, porque algumas das condutas deixaram de ser ilícitas face ao novo regulamento, impondo-se, nessa parte, a extinção do procedimento contraordenacional e o consequente arquivamento dos autos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1. No processo de contraordenação que correu termos perante a Câmara Municipal ..., o arguido AA, com os demais sinais nos autos, por decisão de 10.04.2019, foi condenado nos seguintes termos (transcrição)[1]: - Na coima de €3.740,00, por funcionamento fora do horário estabelecido, relativa aos processos n.ºs 35/2018, 59/2018, 60/2018, 224/2018, 470/2018, 473/2018, 495/2018, 496/2018, 497/2018, 508/2018, 509/2018, 510/2018, 511/2018, 1/2019, 2/2019, 3/2019, 4/2019, 24/2019, 25/2019, 26/2019 e 74/2019; - Na coima de €3.740,00, por funcionamento fora do horário estabelecido, relativa aos processos n.ºs 82/2019, 83/2019, 84/2019, 93/2019, 94/2019, 177/2019, 185/2019, 280/2019, 458/2019, 460/2019, 461/2019 e 462/2019; - Na coima de €250,00, pela falta de afixação do mapa fora do horário, nos processos n.ºs 85/2019, 93/2019 e 176/2019; e - Na coima única €3.900,00 2. O arguido interpôs recurso de impugnação judicial da referida decisão, o qual, por decisão do tribunal de primeira instância de 17.04.2023, foi julgado improcedente. 3- Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação de ..., o qual por acórdão de 19.09.2023, declarou nula a sentença proferida, ordenando que fosse proferida nova sentença. 4- Em 12.12.2023, foi proferida nova sentença pelo tribunal de primeira instância, na qual o recurso foi julgado parcialmente procedente, tendo o arguido sido condenado nos seguintes termos: - Na coima de €1.500,00, nos termos conjugados do art.º 18º, al. a), ponto ii), do D. 9/2021, o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15/05, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 126/96, de 10/08, 111/2010, de 15/10, 48/2011, de 01/04, e 10/2015, de 16/01; - Na coima de €250,00, nos termos do artigo 4.º-A do Decreto-Lei n.º 48/96 e no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do mesmo diploma legal; - Na coima única de €1.600,00, nos termos do artigo 19.º, do Decreto-Lei n.º 433/82. 5. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação de ..., o qual por acórdão de 19.03.2024, declarou nula a sentença proferida, ordenando que fosse proferida nova sentença. 6- Em 12.12.2023, foi proferida nova sentença pelo tribunal de primeira instância, na qual o recurso foi julgado parcialmente procedente, tendo o arguido sido condenado nos seguintes termos: - Na coima de €1.500,00, nos termos conjugados do art.º 18º, al. a), ponto ii), do D. 9/2021, o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15/05, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 126/96, de 10/08, 111/2010, de 15/10, 48/2011, de 01/04, e 10/2015, de 16/01; - Na coima de €250,00, nos termos do artigo 4.º-A do Decreto-Lei n.º 48/96 e no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do mesmo diploma legal; - Na coima única de €1.600,00, nos termos do artigo 19.º, do Decreto-Lei n.º 433/82. 7- Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação de Guimarães, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões: A- O presente recurso tem como objecto matéria de direito dos presentes Autos. B- Em data anterior à da prolação da sentença recorrida, mais concretamente em 08.06.2023, entrou em vigor um novo Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de ... (cf. edital nº 836/2023 publicado no Diário da República, 2.ª Série, nº 110, de 24.05.2023). C- Este diploma ampliou o horário de encerramento dos estabelecimentos, designadamente no que concerne às sextas, sábados e vésperas de feriado, que podem funcionar das 10:00 horas às 04:00 horas do dia seguinte. D- Parte substancial da materialidade descrita na matéria de facto dada como provada que sustenta o preenchimento dos ilícitos contraordenacionais em que o Recorrente foi condenado refere-se ao funcionamento do estabelecimento explorado pelo Recorrente dentro deste horário. E- O art.º 3º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenaçõcs e Coimas (Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro) impõe a aplicação retroativa (embora em bloco) de lei de conteúdo mais favorável ao arguido, previsão igualmente contida no art.º 3, n.º 2,do Regime Jurídico da Contraordenações Económicas (Dec.-Lei 9/2021, de 29.01). F- A APLICAÇÃO DO REGIME MAIS FAVORÁVEL PREVISTO EM DIPLOMA PUBLICADO POSTERIORMENTE À DATA DOS FACTOS - QUER EM MATÉRIA PENAL E CONTRAORDENACIONAL - É PRINCÍPIO DE ACEITAÇÃO PACÍFICA E CONSENSUAL, AO CONTRÁRIO DO QUE SE ENTENDEU NA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA. G- O entendimento proferido na Douta Sentença Recorrida, nos termos do qual tal princípio não se aplica ao caso dos Autos configura flagrante vioIação do disposto no artº 3, num 2 do Dec. Lei num 433/82, de 27 de outubro (RJCO) e no art.º 3, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (Dec. Lei nº 433/82, de 27 de outubro, o que se alega para efeito do previsto no artº 312, num 2 a). do Código de Processo Penal. H - A sentença deve, em consequência, ser revogada, nessa parte, com absolvição da Recorrente. I- Tendo ficado prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Recorrente no seu anterior Recurso - como se refere no Douto Acórdão da Relação de Guimarães, PROC. N° 3553/19..., de 19.03.2024), mantem-se tais alegações nos seus precisos termos (apenas por razões de brevidade não transcrevem, bem como as conclusões decorrentes) Com isso se fazendo JUSTIÇA 8. O Exmo. Senhor Procurador da República, na primeira instância, respondeu ao recurso, defendendo não assistir razão ao recorrente, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição): I. O recorrente vem pôr em crise a sentença proferida nos presentes autos argumentando que o tribunal a quo violou o disposto no n.° 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 433/82 de 27 de outubro ao considerar inaplicável o regime constante do novo Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços no Município ... (cf. edital n.° 836/2023 publicado no Diário da República n.° 100, 2. Série, de 24/05/2023, pág. 359). II. Tal diploma amplia o horário de encerramento do estabelecimento pertencente ao recorrente, designadamente no que concerne às sextas, sábados e vésperas de feriado que podem funcionar das 10h00 às 04h00 do dia seguinte”, sendo esse o caso de múltiplos eventos descritos na matéria de facto dada como provada na sentença recorrida (e que consubstanciaram as contraordenações pelas quais o recorrente foi condenado). III. Como se reconhece na sentença recorrida, “parte substancial da materialidade descrita na matéria de facto dada como provada que sustenta o preenchimento dos ilícitos contraordenacionais em que o recorrente foi condenado refere- se ao funcionamento do estabelecimento explorado pelo recorrente dentro deste horário”. IV. Assim, in casu, o regime resultante desse novo Regulamento afigura-se mais favorável ao recorrente que o regime anterior pelo que esse novo regime é o que deve ser aplicado, como impõe o n.° 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 433/82 de 27 de outubro, o qual estipula que “se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada”. V. Sem prejuízo de interpretação distinta, não se vê como sustentar coerentemente, à luz das referidas normas jurídicas, que o exercício da atividade de um determinado estabelecimento no período compreendido entre as 02h00 e as 04h00 não seja punível a título contraordenacional, caso tal ocorra aquando da prolação da sentença, mas que o venha agora a ser pela prática de tal factualidade em data anterior. Vossas Excelências, contudo, farão como for de JUSTIÇA 9. Nesta instância, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual, por concordar com a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público na primeira instância, defende que o recurso deverá ser julgado procedente. 10. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta. 11. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência. Cumpre apreciar e decidir. II- FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso O âmbito do recurso[2], conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP. Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto no sentido acabado de referir, a questão a decidir consiste em saber se, como defende o recorrente, o tribunal a quo violou o disposto no n.° 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 433/82 de 27 de outubro ao considerar inaplicável o regime constante do novo Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços no Município ... (cf. edital n.° 836/2023 publicado no Diário da República n.° 100, 2. Série, de 24/05/2023, pág. 359). Para além disso, impor ainda emitir pronúncia sobre o teor da conclusão I), na qual o recorrente sustenta “Tendo ficado prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Recorrente no seu anterior Recurso - como se refere no Douto Acórdão da Relação de Guimarães, PROC. N° 3553/19..., de 19.03.2024), mantem-se tais alegações nos seus precisos termos (apenas por razões de brevidade não transcrevem, bem como as conclusões decorrentes)”. 2- A decisão recorrida 1- A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição): Relatório. AA, NIF ...05..., residente na Rua ..., freguesia ..., ..., veio impugnar judicialmente o despacho da Câmara Municipal ..., de 10/04/2019, que condenou o arguido na coima de € 3740,00 relativa aos processos nºs 35/2018, 59/2018, 60/2018, 224/2018, 470/2018, 473/2018, 495/2018, 496/2018, 497/2018, 508/2018, 509/2018, 510/2018, 511/2018, 1/2019, 2/2019, 3/2019, 4/2019, 24/2019, 25/2019, 26/2019 e 74/2019. Ao mesmo foi imputado, em suma, o funcionamento fora do horário estabelecido. No processo apensado foi ainda o arguido condenado na coima de € 3740,00 relativa aos processos nºs 82/2019, 83/2019, 84/2019, 93/2019, 94/2019, 177/2019, 185/2019, 280/2019, 458/2019, 460/2019, 461/2019 e 462/2019 por funcionamento fora do horário, e na coima de € 250,00 nos processos nºs 85/2019, 93/2019 e 176/2019 pela falta de afixação do mapa fora do horário. Por fim, foi-lhe aplicada a coima única de € 3900,00 (fls. 237 e ss. do processo apenso). O recorrente interpôs recurso, sendo que o acórdão constante dos autos a fls. 681 e ss. decidiu que, in casu, em data anterior à da prolação da sentença recorrida, mais concretamente em 08.06.2023, entrou em vigor um novo Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de ... (cf. edital n.º 836/2023 publicado no Diário da República, 2. Série, n.º 110, de 24.05.2023). A apreciação da aplicação de um regime legal (no caso contraordenacional, em matéria económica) posterior à data da prática dos factos relevantes e que possa revelar-se, em bloco, mais favorável ao arguido é, sem dúvida, questão de conhecimento oficioso, sob pena de incumprimento daquele princípio básico ínsito nos dispositivos citados. A omissão de tal procedimento inquina a sentença de nulidade, por omissão de pronúncia. * Factos Provados. a) Foi emitido, em ../../2010, o alvará de licença de utilização nº ...0, que titula a ocupação do prédio sito na Rua ..., freguesia ... (atual união das freguesias ..., ... e BB), Concelho ..., para um centro de artes e espetáculos e bar de apoio. b) Foi emitido, em ../../2010, em nome da então exploradora – EMP01..., Lda – o mapa de horário de funcionamento do estabelecimento instalado no prédio referido em a), então denominado “...”, com autorização para funcionamento das 09h às 24h, com exceção das quartas-feiras, quintas-feiras, sextas-feiras, sábados e vésperas de feriados em que encerra às 02h. c) EMP01..., Lda celebrou, em 29/11/2017, um contrato de cessão de exploração do estabelecimento, na qual cedeu ao arguido a exploração temporário do referido estabelecimento, com início a 01/12/2017. d) O arguido, no dia 30/12/2017, pelas 03h, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com uma centena de clientes no seu interior, sendo audível, do exterior, ruído proveniente do sistema de som, quando possui licença de funcionamento apenas até às 02h; após contacto com o responsável pelo estabelecimento – CC – este desligou o sistema de som e referiu que iria encerrar o estabelecimento, mas passados cerca de 15 minutos, constatou-se que o estabelecimento estava, novamente, em funcionamento, tendo entrado, nessa altura, dois clientes para o seu interior; após novo contacto com o referido responsável, foi cessada a atividade do estabelecimento, tudo conforme contatado pela Polícia de Segurança Pública. e) O arguido, no dia 06/01/2018, pelas 02h30m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com 10 pessoas à entrada e a receber cartão de entrada para o espaço, quando possui licença de funcionamento apenas até às 02h, conforme constatado pela Polícia Municipal. f) O arguido, em 09/01/2018, apresentou comunicação prévia de averbamento do titular da exploração do estabelecimento para seu nome. g) O arguido, no dia 13/01/2018, pelas 02h13m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com 5 pessoas à entrada e a receber cartão de entrada para o espaço, quando possui licença de funcionamento apenas até às 02h, conforme constatado pela Polícia Municipal. h) O arguido requereu, em 02/02/2018, licença para a alteração de utilização do estabelecimento, pretendendo a acumulação de função com a instalação de uma pista de dança. i) De acordo com parecer técnico de 22/02/2018, “do ponto de vista estritamente urbanístico não vemos inconveniente na alteração de utilização, sendo que deve este pedido estar sujeito ao parecer da ANPC e estar de acordo com as normativas expostas no Decreto-Lei 309/2002, de 16 de dezembro”. j) O arguido, no dia 22/04/2018, pelas 03h30m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com vários clientes no seu interior a consumirem bebidas, sendo a música audível no exterior, assim como não tinha afixado no referido estabelecimento, em local bem visível do exterior, o mapa de horário de funcionamento; contactado o responsável pelo estabelecimento – DD – este referiu que não tinha na sua posse o mapa, mas que o estabelecimento estava licenciado para funcionar até às 02h, tendo já sido solicitado nesta autarquia o pedido de horário até às 04h, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. k) O arguido, no dia 05/10/2018, pelas 02h30m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com vários jovens, que aparentavam ser menores, a entrar e sair do espaço com bebidas na mão; contactado o responsável pelo estabelecimento – CC – este referiu que estava a decorrer uma festa das listas das associações de estudantes de ..., encontrando-se no interior do estabelecimento cerca de 100 pessoas, alegadamente pertencentes ao agrupamento de escolas, a dançarem e a consumirem bebidas; durante a permanência no local do agente os menores começaram a abandonar o local, assim como não tinha afixado no referido estabelecimento, em local bem visível do exterior, o mapa de horário de funcionamento, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. l) O arguido, no dia 20/10/2018, pelas 02h45m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, sendo a música audível na via pública, assim como não tinha afixado no referido estabelecimento, em local bem visível do exterior, o mapa de horário de funcionamento, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. m) O arguido, no dia 27/10/2018, pelas 02h20m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, tendo a essa hora entrado 4 clientes no seu interior, tendo-lhes sido entregues pelo porteiro cartões de consumo, quando o horário de encerramento é às 02h, conforme constatado pela Polícia Municipal. n) O arguido, no dia 03/11/2018, pelas 02h30m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, tendo a essa hora entrado pelo menos 5 pessoas no seu interior, tendo-lhes sido entregue pelo porteiro cartões de consumo, quando o horário de encerramento é às 02h e tendo o responsável pelo estabelecimento – CC – referido que estava a decorrer nesta autarquia um pedido de alargamento do horário, conforme constatado pela Polícia Municipal. o) O arguido, no dia 04/11/2018, pelas 02h25m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, tendo a essa hora entrado pelo menos 10 pessoas no seu interior, tendo-lhes sido entregue pelo porteiro cartões de consumo, quando o horário de encerramento é às 02h, conforme constatado pela Polícia Municipal. p) O arguido, no dia 17/11/2018, pelas 03h05m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, sendo a música audível no exterior, após contacto com o responsável pelo estabelecimento – CC – este referiu que tinha autorização desta autarquia para funcionar até às 4h, verificando-se que, na porta de entrada, se encontrava colocada uma folha A4 com o nome de “Tribuna” e um horário de laboração do estabelecimento sem qualquer tipo de informação de quem autorizou o funcionamento até a essa hora, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. q) O arguido, no dia 18/11/2018, pelas 04h, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com vários clientes no seu interior a consumirem bebidas, sendo a música audível no exterior, após contacto com o arguido, este apresentou um horário de funcionamento que permitia o seu encerramento até às 04h, não tendo sido, porém, apresentado qualquer licenciamento que lhe permitisse funcionar até àquela hora, mas tendo a música sido de imediato desligada e começado a proceder-se ao encerramento do estabelecimento, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. r) O arguido, no dia 24/11/2018, pelas 02h45m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, sendo a música audível no exterior, tendo sido solicitado ao arguido que baixasse o som da música, o que este fez, encontrando-se depois, pelas 03h, o estabelecimento ainda em funcionamento, com cerca de 100 clientes no seu interior a consumir bebidas e a ouvir música, sendo o som desta audível no exterior; após contacto com o responsável pelo estabelecimento – DD – este referiu que tinha autorização desta autarquia para funcionar até às 4h, não tendo sido, porém, apresentado qualquer documento comprovativo dessa autorização, verificando-se que, na porta de entrada, se encontrava colocada uma folha A4 com o nome de “Tribuna” e um horário de laboração do estabelecimento sem qualquer tipo de informação de quem autorizou o funcionamento até a essa hora e que, apesar de o mesmo ter referido que iria encerrar o estabelecimento, não o fez, nem cessou o ruído de música, tudo conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. s) Por despacho de 27/11/2018, o pedido referido em h) foi indeferido. t) O arguido, no dia 02/12/2018, pelas 03h20m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com vários clientes no seu interior; após contacto com o arguido, este referiu que tinha licença e que apenas procederia ao seu encerramento a essa hora, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. u) O arguido, no dia 07/12/2018, pelas 03h45m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com vários clientes no seu interior a consumirem bebidas, sendo a música audível no exterior; após contacto com o responsável pelo estabelecimento – CC – este referiu que apenas podia funcionar até às 2h, tendo, na sequência, sido dada ordem para de imediato desligar a música e proceder ao encerramento do estabelecimento, ordem que este prontamente acatou, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. v) O arguido, no dia 08/12/2018, pelas 03h15m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com vários clientes no seu interior a consumirem bebidas, sendo a música audível no exterior; após contacto com o responsável pelo estabelecimento – CC – este referiu que apenas podia funcionar até às 2h, tendo, na sequência, sido dada ordem para de imediato desligar a música e proceder ao encerramento do estabelecimento, ordem que este prontamente acatou, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. w) O arguido, no dia 09/12/2018, pelas 02h55m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com cerca de 200 clientes no seu interior a consumirem bebidas e a ouvir música, sendo o som desta audível no exterior; após contacto com o arguido, este referiu que tinha autorização desta autarquia para funcionar até às 4h, não tendo sido, porém, apresentado qualquer documento comprovativo dessa autorização; o arguido reduziu o volume da música, mas manteve o estabelecimento em funcionamento, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. x) O arguido requereu, em 13/12/2018, a revisão do processo referido em h), juntando parecer favorável da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) datado de 28/11/2018. y) O arguido, no dia 16/12/2018, pelas 03h13m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com vários clientes no seu interior, encontrando-se a música em alto som, sendo a mesma audível no exterior, tendo o ruído sido cessado, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. z) O arguido, no dia 22/12/2018, pelas 02h16m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com cerca de 100 pessoas no seu interior a consumirem bebidas; após contacto com o responsável pelo estabelecimento – CC – este referiu que o estabelecimento iria funcionar até às 4h, tendo reduzido o volume da música, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. aa) O arguido, no dia 30/12/2018, pelas 03h, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com cerca de 200 clientes no seu interior a consumirem bebidas e a ouvir música, sendo o som desta audível no exterior; após contacto com o arguido, este referiu que tinha autorização desta autarquia para funcionar até às 4h, não tendo sido, porém, apresentado qualquer documento comprovativo dessa autorização; o arguido reduziu o volume da música, mas manteve o estabelecimento em funcionamento, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. bb) Por existirem dúvidas sobre o uso pretendido, tendo em consideração a existência de edifícios destinados a uso habitacional num raio de 50m do estabelecimento, foi solicitado, em 05/01/2019, parecer à Divisão Jurídica (DJ). cc) O arguido, no dia 13/01/2019, pelas 06h15m, mantinha em funcionamento o referido estabelecimento, com cerca de 300 clientes no seu interior a consumir bebidas e a ouvir música, sendo o som desta audível no exterior; após contacto com o responsável pelo estabelecimento – DD – este referiu que tinha autorização desta autarquia para funcionar até às 4h, não tendo sido, porém, apresentado qualquer documento comprovativo dessa autorização, verificando-se que, na porta de entrada, se encontrava colocada uma folha A4 com o nome de “Tribuna” e um horário de laboração do estabelecimento sem qualquer tipo de informação de quem autorizou o funcionamento até a essa hora e que, apesar de o mesmo ter referido que iria encerrar o estabelecimento, não o fez, nem cessou o ruído de música, conforme constatado pela Polícia de Segurança Pública. dd) De acordo com parecer da DJ de 22/01/2019, “a referência à distância advém do previsto Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços no Município ... (…) como decorre do previsto no referido Regulamento a distância prevista de 50 metros prende-se exclusivamente com o funcionamento dos estabelecimentos e não com a sua instalação. (…) Pelo que não se vê de que modo poderia a pretensão do requerente ser indeferida ao abrigo do disposto nas normas supra citadas.” Mais é referido que “a questão que aqui se poderá colocar e que poderá inviabilizar a pretensão do requerente é o enquadramento legal da alteração pretendida. Isto é, compulsado o processo verifica-se que possui licença de utilização que destina o uso daquele espaço para um Centro de Artes e Espetáculo, com um bar de apoio, termos em que se não aplica apenas o disposto no RJUE (D.L. 555/99, de 16/12, na sua redação atual) mas também a legislação que rege a instalação dos recintos fixos destinados à realização de espetáculos de natureza artística, atualmente o D.L. n.º 23/2014, de 14 de fevereiro, à data, o D.L. 315/95, de 28 de novembro, na redação dada pelo D.L. 309/2002, de 16 de dezembro. E, ao pretender introduzir uma pista de dança neste espaço, julga-se que passará a enquadrar-se numa outra tipologia de estabelecimento com distinto quadro legal aplicável, no caso, o previsto no D.L. n.º 309/2002, de 16/12, na redação dada pelo D.L. n.º 204/2012, de 29/8, que regula a instalação e o funcionamento dos recintos de espetáculos e de divertimentos públicos.”. Assim, ”se um estabelecimento de restauração e/ou bebidas dispuser de um espaço de dança, terá de obedecer ao licenciamento específico, nomeadamente, autorização de utilização própria para esse efeito, tal como dispõe o D.L. n.º 309/2002, de 16/12” (…) Assim, e no que ao pedido em apreço diz respeito verifica-se, desde logo, que carece de fundamentação legal uma vez que apenas é solicitada a alteração à autorização de utilização ao abrigo do RJUE. Não obstante, e ainda que oficiosamente se pudesse suprimir esta deficiência, julga-se que tal como é solicitado não será possível de apreciar uma vez que no mesmo espaço não poderão estar em funcionamento dois tipos de uso sem que tenham pelo menos duas unidades de ocupação suscetíveis de serem utilizadas de forma independente. Ou seja, um prédio pode contemplar utilizações mistas (62.º n.º 1 do RJUE) contanto que sejam compatíveis entre si e que sejam passiveis de serem utilizadas autonomamente (66.º n.º 4 do RJUE). O que não se julga não ser o caso. Coisa distinta, é a realização de espetáculos ou divertimentos a título ocasional neste tipo de recintos que, como expressamente estabelece o D.L. n.º 23/2014, de 14 de fevereiro, nos seus art.ºs 19.º e 45.º, assim como no próprio preâmbulo do diploma, tem de ter de autorização por parte do IGAC sendo no demais “o regime autorizativo aplicável “ o previsto Decreto-Lei n.º 309/2002, de 16 de dezembro no que respeita ao licenciamento de recintos de diversão provisória. Aplicando-se-lhe quanto ao período de funcionamento os limites previstos no supra citado Regulamento. Pelo que, em suma e salvo melhor opinião, o pedido em causa não encontra enquadramento legal porquanto o espaço não pode cumular a título definitivo usos artísticos e não artísticos, julgando-se deste modo ser “manifestamente contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis” devendo assim ser rejeitado ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 11.º do RJUE”. ee) Na sequência, por despacho de 04/02/2019, o pedido referido em x) foi liminarmente rejeitado. ff) Não obstante o referido em ee) a PSP pode constatar que o arguido manteve em funcionamento com clientes no interior e emitindo ruído nas seguintes datas e horários quando a licença que possuía só permitia o funcionamento até às 2h00 : - em 10/02/2019 pelas 3h15; - em 17/02/2019 pelas 3h07; - em 17/02/2019 pelas 4h07; - em 17/03/2019 pelas 3h30; - em 23/03/2019 pelas 02h30; - em 31/03/2019 pelas 06h05; - em 21/04/2019 pelas 02h40; - em 21/07/2019 pelas 04h00; - em 20/10/2019 pelas 03h50; - em 13/10/2019 pelas 03h10; - em 26/10/2019 pelas 02h50; - em 20/10/2019 pelas 03h20; - em 19/10/2019 pelas 03h50. gg) Ainda se verificou nas datas seguintes e horários que o arguido não afixou no referido estabelecimento e no exterior o mapa de horário de funcionamento: - em 10/02/2019 pelas 03h15; - em 31/03/2019 pelas 6h10; hh) Quase todas as deslocações efetuadas pela Polícia de Segurança Pública ao referido estabelecimento foram motivadas por reclamações efetuadas quanto ao facto de o estabelecimento se encontrar em funcionamento e ser proveniente do mesmo ruído de música que incomodava a vizinhança. ii) Existem vários registos de queixas de moradores vizinhos referentes ao ruído proveniente do funcionamento do estabelecimento, designadamente às quintas-feiras, sextas-feiras e sábados, até às 05/06h, o que perturba o direito ao repouso e descanso a que têm direito. jj) Em várias deslocações ao estabelecimento, no seguimento das denúncias efetuadas ou em cumprimento de ordens superiores, os agentes da Polícia Municipal sempre que constataram a prática de uma contraordenação, designadamente por funcionamento fora do horário, elaboraram os respetivos autos de notícia contra o arguido; noutras ocasiões os agentes verificaram que o estabelecimento se encontrava encerrado ou a proceder ao seu encerramento, tendo apenas, nesses dias, elaborado a respetiva informação. ll) Até à presente data, o arguido não voltou a requerer licença para a alteração de utilização. mm) O arguido sabia que não podia manter o estabelecimento em funcionamento para além do horário legalmente estabelecido mas estava convencido do deferimento do pedido de licenciamento para a sala de dança com a consequente alteração do horário para as 4 horas e por isso passou a praticar esse horário. nn) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente. oo) O arguido é primário em processos de contraordenação. Factos Não provados. - Não houve. Motivação. Foi valorada toda a prova documental junta aos autos, sendo que a mesma é integrada pelos autos de notícia elaborados pela PSP quanto aos factos objeto dos presentes autos. No mais, valorou-se a documentação relativa ao pedido de licenciamento intentado pelo arguido/recorrente e a decisão que sobre o mesmo recaiu. Também o aludido pedido de licenciamento fundamenta a atuação consciente e deliberada do arguido porquanto tal pedido é demonstrativo que o mesmo sabia que só podia manter o estabelecimento em funcionamento até às 2h00. * Da análise jurídica. A respeito da prova em processo administrativo/contraordenacional, refere o Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão datado de 24 de setembro de 2007 (processo n.º ...): o artigo 58° não exige expressamente a análise crítica da prova, "limitando-se a exigir a indicação das provas (no sentido de que a fundamentação das decisões administrativas se basta com a indicação das provas, não sendo exigível o seu exame crítico, contrariamente ao que ocorre com as decisões judiciais, cfr. Ac. da Rel. de Guimarães de 10-7-2003, proc. nº 903/03, rel. Maria Augusta). Depois, porque a decisão administrativa que aplica uma coima não é uma sentença nem se lhe pode equiparar pelo que não há que chamar à colação o artigo 374° do Código de Processo Penal (cfr. v.g. os Acs da Rel. de Coimbra de 13-1-1999, recº nº 955/98, de 17-3-1999, recº nº 11/99, ambos in www.trc.pt). Finalmente, porque os requisitos consignados no citado artigo 58° visam claramente assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão." Assim, considera-se cumprido o dever de fundamentação por a decisão conter todos os elementos de facto e de direito que sustentam a decisão final. O arguido pugna pela manifesta ilegalidade e/ou inconstitucionalidade. designadamente do Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços no Município .... Desde logo se diga que, sobre a questão de o Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços no Município ... nunca ter sido publicado em Diário da República (artigo 101.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro. Dispõe este artigo que no final do procedimento de elaboração dos regulamentos, se deve proceder "à sua publicação na 2.ª série do Diário da República ou na publicação oficial da entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da entidade em causa, com a visibilidade adequada à sua compreensão". No caso concreto, como não existe qualquer publicação oficial. Mas como reconhece o arguido o regulamento vertente foi publicado ainda na vigência do anterior Código Procedimento Administrativo que nada previa quanto a esta questão. E também não podia ser enquadrado na norma que exigiria a sua publicação em DR no anterior regime por não se tratar de norma restritiva de direitos, liberdades e garantias fundamentais, porquanto a mesma não é uma norma restritiva mas sim uma mera fixação de condições de funcionamento em conformidade com o dito art. 3º do D.L. nº 48/96. Recorde-se o que estipulava o art. 3º do D.L. nº 48/96: “Com excepção dos limites horários a fixar para as grandes superfícies comerciais contínuas, através de portaria do Ministro da Economia, nos termos do n.º 6 do artigo 1.º, podem as câmaras municipais, ouvidos os sindicatos, as associações patronais e as associações de consumidores, restringir ou alargar os limites fixados no citado artigo 1.º, a vigorar em todas as épocas do ano ou apenas em épocas determinadas, nos termos seguintes: a) As restrições aos limites fixados no artigo 1.º apenas poderão ocorrer em casos devidamente justificados e que se prendam com razões de segurança ou de protecção da qualidade de vida dos cidadãos; b) Os alargamentos aos limites fixados no artigo 1.º apenas poderão ter lugar em localidades em que os interesses de certas actividades profissionais, nomeadamente ligadas ao turismo, o justifiquem.” Em face do que, o recorrente no seu artigo 28º considera a mesma ilegal e até inconstitucional porque cerceia de forma desproporcional e não fundamentada um fim legítimo. Recorde-se também que na anterior decisão já tínhamos dito que: “E, limitar o funcionamento destes estabelecimentos às 2h00 da manhã não ofende os princípios constitucionais da proporcionalidade e liberdade da iniciativa económica, correspondendo à compatibilização dos direitos em causa”. E acrescentando, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 111/2010, de 15 de Outubro, todos os estabelecimentos de venda ao público e prestação de serviços podiam estar abertos entre as 6 e as 24 horas, todos os dias, por força do artigo 1º do D.L. nº 48/96, de 15 de Maio, excepto nas hipóteses em que o referido horário fosse restringido ou ampliado, ao abrigo do disposto do artigo 3º do referido diploma, com as redacção conferida pelo D.L. nº 111/2010, de 15 de Outubro. No caso em concreto fixou-se o horário das 2H00 o que nos afigura justificado (à data) e em concordância com legislação a observar pelo dito regulamento, sendo que a ampliação de tal horário dependia de licenciamento especial ou impugnação do seu indeferimento, em sede própria e revogação daquela norma o que não sucedeu, podendo acarretar uma contradição de decisões a sua alteração em sede de procedimento contra-ordenacional. Segundo o artigo 61º, n.º 1 da CRP (iniciativa privada, cooperativa e autogestionária), a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral. Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 76/85, seguindo a doutrina: A liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma actividade económica (direito à empresa, liberdade de criação de empresa) e, por outro lado, na liberdade de gestão e actividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade de empresário). Ambas estas vertentes do direito de iniciativa económica privada podem ser objecto de limites mais ou menos extensos. Com efeito, esse direito só pode exercer-se nos quadros definidos pela Constituição e pela lei (n.º 1, in fine), não sendo portanto um direito absoluto, nem tendo sequer os seus limites constitucionalmente garantidos, salvo no que respeita a um mínimo de conteúdo útil constitucionalmente relevante, que a lei não pode aniquilar, de acordo, aliás, com a garantia de existência de um sector económico privado. Sobre os quadros definidos pela lei, disse-se no citado Acórdão n.º 328/94, que (...) o direito de liberdade de iniciativa económica privada, como facilmente deflui do aludido preceito constitucional, não é um direito absoluto (ele exerce-se, nas palavras do Diploma Básico, nos quadros da Constituição e da lei, devendo ter em conta o interesse geral). Não o sendo e nem sequer tendo limites expressamente garantidos pela Constituição (muito embora lhe tenha, necessariamente, de ser reconhecido um conteúdo mínimo, sob pena de ficar esvaziada a sua consagração constitucional) fácil é concluir que a liberdade de conformação do legislador, neste campo, não deixa de ter uma ampla margem de manobra. Assim e tal como se concluiu na decisão anterior não padece a decisão recorrida de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade na perspetiva apontada. * In casu, em 08.06.2023, entrou em vigor um novo Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de ... (cf. edital n.º 836/2023 publicado no Diário da República, 2. Série, n.º 110, de 24.05.2023) – cfr fls. 661 dos autos.Este diploma ampliou o horário de encerramento dos estabelecimentos, designadamente no que concerne às sextas, sábados e vésperas de feriado, que podem funcionar das 10:00 horas às 04:00 horas do dia seguinte. Parte substancial da materialidade descrita na matéria de facto dada como provada que sustenta o preenchimento dos ilícitos contraordenacionais em que o Recorrente foi condenado refere-se ao funcionamento do estabelecimento explorado pelo Recorrente dentro deste horário. O art.º 3º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro) impõe a aplicação retroativa (embora em bloco) de lei de conteúdo mais favorável ao arguido, previsão igualmente contida no art.º 3º, n.º 2, do Regime Jurídico da Contraordenações Económicas (Dec.-Lei 9/2021, de 29.01). A apreciação da aplicação de um regime legal (no caso contraordenacional, em matéria económica) posterior à data da prática dos factos relevantes e que possa revelar-se, em bloco, mais favorável ao arguido é, sem dúvida, questão de conhecimento oficioso, sob pena de incumprimento daquele princípio básico ínsito nos dispositivos citados. Como é sabido, “Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.” Não refere se a Lei for objectivamente mais favorável. A interpretação da disposição deverá ser aquela que é aplicável às situações penais. É de aplicar, em caso de sucessão de Leis, a pena que for concretamente mais favorável (artº 2º nº 4 do Código Penal).” Ora, o exercício que a recorrente faz não é este mas sim algo como isto. Saiu uma lei nova. A pena aplicada parece-me, em abstracto, mais favorável, logo é esta a aplicável. Ora, esta abordagem à questão está errada porque conflituante com o artº 2º nº 4 do Código Penal e 3.° nº 2 do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro. É que a aplicação da lei mais favorável pressupõe que os elementos típicos sejam os mesmos e que a pena seja diferente. Se se vai discutir os elementos do tipo a questão torna-se anterior. Temos de ver se actualmente para que a conduta seja contraordenacionalmente punida é exigido mais do que anteriormente. Deste modo, entende-se que deve improceder o presente recurso também nesta parte porquanto, os elementos típicos da nova norma são diferentes da anterior, e nessa medida não deve ser aplicado. O Tribunal Constitucional tem abundante jurisprudência versando sobre a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional. A este propósito merece destaque o que a propósito se pode ler no Acórdão n.° 297/2016, do Plenário, citando o Acórdão n.° 201/2014, da lª Secção: «14. Sobre a distinção entre os domínios sancionatórios penal e contraordenacional já se pronunciou este Tribunal, em extensa, pese embora fragmentária, jurisprudência em que se colocou o problema da valência de determinados princípios constitucionais com relevo em matéria penal no domínio contraordenacional A tanto se refere a pormenorizada análise efectuada no Acórdão n.° 201 /2014, em especial nos excertos que se transcrevem de seguida, referidos aos princípios da legalidade e da tipicidade e da culpa e às garantias de defesa do arguido, de que nos prevalecemos: Princípios da legalidade e da tipicidade Processo: 76/16.... Referência: ...11 Tribunal da Relação de Lisboa P.I.C.R.S. 9.1. É rica a jurisprudência deste Tribunal sobre a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional. (…) Em síntese, retira-se da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional que (i) embora tais princípios não valham “com o mesmo rigor” ou “com o mesmo grau de exigência” para o ilícito de mera ordenação social, eles valem “na sua ideia essencial”; (ii) aquilo em que consiste a sua ideia essencial outra coisa não é do que a garantia de proteção da confiança e da segurança jurídica que se extrai, desde logo, do princípio do Estado de direito; (iii) assim, a Constituição impõe “exigências mínimas de determinabilidade no ilícito contraordenacional” que só se cumprem se do regime legal for possível aos destinatários saber quais são as condutas proibidas como ainda antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito. (...) E, conclui-se no mesmo Acórdão n.° 297/16, ponto 14: «(...) não obstante a aplicação de tais princípios no domínio contraordenacional, é de salientar que com base na inelutável diferença entre os ilícitos penais e contraordenacionais, seja por referência aos valores e bens jurídicos tutelados, seja face á diversa ressonância ética dos ilícitos, seja por atenção ao tipo de cominação que lhes é associado — pena ou coima, neste caso com afectação do património, mas não da liberdade —, foi construída pela nossa jurisprudência constitucional uma linha de orientação que aponta no sentido de não se terem por automaticamente aplicáveis os princípios constitucionais de direito penal às contraordenações, de não se mostrarem esses princípios, quando aplicáveis, dotados da mesma intensidade e exigência em matéria de contraordenações e de, em consequência, se aceitar uma maior amplitude do poder de conformação do legislador democrático quando versa sobre o direito contraordenacional por comparação com a margem de discricionariedade deixada ao legislador penal.» Na mesma linha, o Acórdão n.° 76/2016, da 3.a Secção, no ponto 7, sublinhou que «nos tipos contraordenacionais, a exigência de lex certa não será prejudicada com a identificação dos ilícitos mediante conceitos jurídicos indeterminados ou cláusulas gerais se for razoavelmente possível a sua concretização através de critérios lógicos, técnicos ou da experiência que permitam prever, com segurança suficiente, a natureza e as características essenciais das condutas constitutivas da infração tipificada». Refere-se ainda no mesmo Acórdão, nos pontos 5 a 7: Processo: 76/16.... Referência: ...11 Tribunal da Relação de Lisboa P.I.C.R.S. «O direito de mera ordenação social é um direito sancionador, que permite á Administração participar no exercício do poder punitivo estadual, aplicando penalidades aos administrados, o que significa que esse direito e esse poder, enquanto emanação do juspuniendi, estão matizados pelos princípios e pelas regras ‘penais”. Por isso, há de admitir-se que os princípios constitucionais do direito penal possam influenciar os direitos sancionadores que derivam da mesma matriz (…) Assim, os princípios com relevo em matéria penal, como os da legalidade, da culpa, non bis in idem, da não retroatividade, da proibição dos efeitos automáticos das penas, da proibição da transmissão da responsabilidade penal, podem estender-se ao domínio contraordenacional, até porque são derivados de princípios do Estado de Direito e da segurança jurídica, nomeadamente sob o seu aspecto de protecção da confiança, princípios constitucionais de validade fundamentante da ordem jurídica. (...) A submissão do direito das contraordenações às garantias essenciais do direito penal, isto é, às garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos, não significa que as normas e princípios constitucionais em matéria penal tenham que ser aplicadas ao domínio contraordenacional com a mesma intensidade e com as mesmas exigências. A indiferença ético-social das condutas que integram as contraordenações coloca diferente grau de exigência ao legislador ordinário na configuração dos respetivos ilícitos, já que não se trata de prevenir ou reprimir condutas ofensivas de bens jurídico-constitucionais, independentemente da sua proibição legal, mas sim de advertir ou admoestar a inobservância de certas proibições ou imposições legislativas. Para efeitos de distinção entre ambos os ilícitos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem seguido fundamentalmente os critérios da ressonância ética e dos diferentes bens jurídicos em causa (Acórdãos n.°s '158/92, 344/93, 469/97, 461/2011, 537/2011, 45/2014, 180/2014). E com fundamento na diferente natureza do ilícito, da censura e das sanções, tem considerado que os princípios constitucionais com relevo em matéria penal não valem com a mesma extensão e intensidade no domínio contraordenacional. Não obstante estar consolidado na jurisprudência constitucional que o direito sancionatório público, enquanto restrição de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito penal, tem-se decidido reiteradamente que os princípios que orientam o direito penal não são automaticamente aplicáveis ao direito de mera ordenação social (Acórdãos n.°s 344/93, 278/99, 160/04, 537/2011, 85/2012). * Questão de maior relevo é de facto a não publicação em DR após a entrada em vigor do novo CPA (art. 4º-A do referido diploma). Não vamos esquecer que, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 48/96, alterado pelo RJACSR, os estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços, de restauração ou de bebidas, os estabelecimentos de restauração ou de bebidas com espaço para dança ou salas destinadas a dança, ou onde habitualmente se dance, ou onde se realizem, de forma acessória, espetáculos de natureza artística, os recintos fixos de espetáculos e de divertimentos públicos não artísticos têm horário de funcionamento livre. O art. 101º do CPA dispõe que: Consulta pública 1 - No caso previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo anterior ou quando a natureza da matéria o justifique, o órgão competente deve submeter o projeto de regulamento a consulta pública, para recolha de sugestões, procedendo, para o efeito, à sua publicação na 2.ª série do Diário da República ou na publicação oficial da entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da entidade em causa, com a visibilidade adequada à sua compreensão. 2 - Os interessados devem dirigir, por escrito, as suas sugestões ao órgão com competência regulamentar, no prazo de 30 dias, a contar da data da publicação do projeto de regulamento. 3 - No preâmbulo do regulamento, é feita menção de que o respetivo projeto foi objeto de consulta pública, quando tenha sido o caso. Ora no caso em apreço, como se disse à altura da sua aprovação não se podia exigir a aplicação do teor desta norma. Sobre o art. 11º do DL nº 10/2015 o mesmo refere apenas regulamentos a aprovar, e não os já aprovados. Sendo que o art. 4º-A não contende com a eficácia do referido regulamento. Mas será a aludida norma aqui aplicável? Mais uma vez entendemos que não porquanto como se provou sob b) : Foi emitido, em ../../2010, em nome da então exploradora – EMP01..., Lda – o mapa de horário de funcionamento do estabelecimento instalado no prédio referido em a), então denominado “...”, com autorização para funcionamento das 09h às 24h, com exceção das quartas-feiras, quintas-feiras, sextas-feiras, sábados e vésperas de feriados em que encerra às 02h. Ou seja, de acordo com o aludido licenciamento, o mesmo não poderia funcionar para lá daquele horário, e a nosso ver, não oferece dúvidas que o mesmo teria de ser observado pelo recorrente. * Noutra vertente alega que, o estabelecimento tem licença e autorização de utilização para recinto fixo de espetáculos, o que significa que é esta – e sempre foi esta – a sua vocação urbanística, tendo o mesmo sido inclusive concebido para o efeito e mantido esta sua utilização ao longo dos anos. A limitação do horário de funcionamento até às 24h e até às 2 horas da manhã tem colocado sérios constrangimentos ao desenvolvimento da actividade económica devidamente licenciada, o que é visível pelo número de processos de contraordenação que têm vindo a ser levantados. Isto porque é evidente que um recinto fixo de espetáculos, de acordo com as regras da experiência e de acordo com o que é comum em qualquer sítio, dentro e fora de Portugal, não pode ter horários tão circunscritos sob pena de a actividade deixar de fazer sentido. Ora na decisão recorrida podemos ler que, constatou-se que o estabelecimento explorado pelo arguido tinha autorização para funcionar, nos dias em causa nestes autos (sextas-feiras, sábados ou vésperas de feriados) até às 02h00. No entanto, nos dias aqui em causa o mesmo encontrava-se em funcionamento para além do horário legalmente estipulado, conforme constatado pela Polícia Municipal (PM) e pela Polícia de Segurança Pública (PSP). Dispõe o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do referido Decreto-Lei nº 48/96, de 15/05, que “constitui contraordenação, punível com coima (…) o funcionamento fora do horário estabelecido”. Atualmente, com a publicação do Decreto-Lei nº 10/2015, de 16/01, que entrou em vigor a 01/03/2015 e que alterou o referido D.L. nº 48/96, deixou de ser exigível proceder a qualquer pedido de autorização ou comunicação prévia do horário de funcionamento, mas o horário a praticar deve estar de acordo com as regras previamente definidas por cada município, através dos respetivos regulamentos (vd. artigo 3.º e 4.º), sob pena de os respetivos exploradores incorrerem em contraordenação pelo funcionamento fora do horário estabelecido. E o atual regulamento deste município (Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Serviços) estipula que, sem prejuízo dos horários já fixados antes da sua entrada em vigor, os estabelecimentos que se situem em zona com prédios destinados a uso habitacional num raio de 50m, apenas podem adotar horário até às 22h00 (artigos 11.º e 4.º, nº 1). Assim sendo, este estabelecimento apenas podia funcionar, naqueles dias, até às 02h00, uma vez que era o horário anteriormente autorizado, beneficiando, assim, da exceção consignada no artigo 11.º (que dispõe que “o presente regulamento não prejudica os horários fixados antes da sua entrada em vigor”), do que o arguido estava perfeitamente ciente (pois caso contrário apenas podia funcionar até às 22h00), ou seja, nesta medida a alteração ao facto provado sob mm) não altera o sentido da decisão porquanto a mera expectativa do arguido numa decisão positiva da entidade administrativa não o eximia do cumprimento da legalidade em vigor. E no mais, esta assente que foi pedido o licenciamento até às 4h00 a qual veio a ser indeferida. Ora, estando em confronto direitos de personalidade e direitos de natureza económica, os primeiros devem prevalecer relativamente aos segundos, nos termos previstos para a colisão de direitos no nº 2 do artº 335º do CC. E, limitar o funcionamento destes estabelecimentos às 2h00 da manhã não ofende os princípios constitucionais da proporcionalidade e liberdade da iniciativa económica, correspondendo à compatibilização dos direitos em causa. Também no tocante à impugnação administrativa junta a fls. 222 a 227, o eventual tratamento desigual relativamente a outros agentes económicos, além de não estar substanciada nomeadamente que os mesmos em condições idênticas, relativas às condições de licenciamento, tenham sido tratados de forma arbitrariamente mais favorável, atendendo à aplicação de critérios de legalidade estrita e já enunciados não se pode concordar que tais decisões sejam violadoras do art. 13º, nº1 do CPA e art. 9º-A do mesmo diploma legal. Relativamente ao alegado sob 11 a 16 pese embora o que é referido, a decisão a apreciar é a recorrida, e nessa o facto é o que consta sob bb), naturalmente que se concorda que a redação anterior é inadmissível, todavia, o mero pedido de parecer e as suas condições podendo serem indiciadores de uma eventual vontade de indeferimento, por si só não invalidam as premissas da decisão recorrida, a qual em si mesmo não ofendeu, a nosso ver, o dito princípio da imparcialidade da administração. * Da coima pela afixação do horário. Também aqui não assiste razão ao arguido, porquanto o mesmo deveria cumprir a norma em vigor e não face à sua discordância ou mesmo pedido de alteração do horário mesmo no pressuposto que o mesmo pudesse vir a ser deferido, não poderia eximir-se ao cumprimento da norma em vigor de afixação do horário de funcionamento. * Montantes das coimas. A decisão recorrida considerou: - Nos processos n.os 35/2018, 59/2018, 60/2018, 495/2018, 496/2018, 497/2018, 508/2018, 509/2018, 510/2018, 511/2018, 1/2019, 2/2019, 3/2019, 4/2019, 24/2019, 25/2019, 26/2019 e 74/2019, o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15/05, alterado pelos Decretos-Lei n.os 126/96, de 10/08, 111/2010, de 15/10, 48/2011, de 01/04 e 10/2015, de 16/01, tendo incorrido, em cada um dos processos, na prática da contra- ordenação prevista e punida na mesma disposição legal, com coima graduada de € 250,00 a € 3.740,00; - Nos processos n.os 224/2018, 470/2018 e 473/2018, o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º e n.º 2 do artigo 4.º-A do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15/05, alterado pelos Decretos-Lei n.os 126/96, de 10/08, 111/2010, de 15/10, 48/2011, de 01/04 e 10/2015, de 16/01, tendo incorrido, em cada um dos processos, na prática das contraordenações previstas e punidas, respetivamente, nas alíneas b) e a) do n.º 2 do artigo 5.º, com coimas graduadas de, respetivamente, € 250,00 a € 3.740,00 e de € 150,00 a € 450,00. Assim, tendo em conta que a contraordenação é punível com coima de entre o montante mínimo de € 250,00 a € 3.740,00, atendendo à gravidade das contraordenações, ao elevado número de infrações praticadas, à culpa do arguido e à sua conduta, decide-se aplicar ao arguido a coima máxima prevista na lei, de € 3.740,00 (três mil e setecentos e quarentas euros). No processo apensado foi ainda o arguido condenado na coima de € 3740,00 relativa aos processos nºs 82/2019, 83/2019, 84/2019, 93/2019, 94/2019, 177/2019, 185/2019, 280/2019, 458/2019, 460/2019, 461/2019 e 462/2019 por funcionamento fora do horário, e na coima de € 250,00 nos processos nºs 85/2019, 93/2019 e 176/2019 pela falta de afixação do mapa fora do horário. Por fim, foi-lhe aplicada a coima única de € 3900,00 (fls. 237 e ss. do processo apenso), sendo as mesmas infrações estão em causa as mesmas molduras abstractas. Alegou o recorrente que não foi aplicado o D.L. nº 9/2021, de 29/11 o qual prevê um regime sancionatório mais favorável e que é de aplicação imediata. Ora o art. 1º gggggg) dispõe que: À terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de agosto, e pela Lei n.º 15/2018, de 27 de março, que, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 29/2014, de 19 de maio, aprova o regime de acesso e de exercício de diversas atividades de comércio, serviços e restauração e estabelece o regime contraordenacional respetivo. Nessa vertente prevê o dito regime que: Artigo 18.º Montante das coimas A cada escalão classificativo de gravidade das contraordenações económicas corresponde uma coima aplicável de acordo com os seguintes critérios gerais: a) Contraordenação leve: i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 150,00 a (euro) 500,00; ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 250,00 a (euro) 1 500,00; iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 600,00 a (euro) 4 000,00; iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 1 250,00 a (euro) 8 000,00; v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 1 500,00 a (euro) 12 000,00; b) Contraordenação grave: i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 650,00 a (euro) 1 500,00; ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 1 700,00 a (euro) 3 000,00; iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 4 000,00 a (euro) 8 000,00; iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 8 000,00 a (euro) 16 000,00; v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 12 000,00 a (euro) 24 000,00; c) Contraordenação muito grave: i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 2 000,00 a (euro) 7 500,00; ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 3 000,00 a (euro) 11 500,00; iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 8 000,00 a (euro) 30 000,00; iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 16 000,00 a (euro) 60 000,00; v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 24 000,00 a (euro) 90 000,00. Está em causa a aplicação da al. a) nº II, o qual de facto configura um regime mais favorável ao anterior. Assim sendo, porque os critérios de fixação da culpa foram devidamente considerados pela decisão recorrida, e sobretudo atenta a reiteração dos incumprimentos fixa-se a coima aplicável em € 500 por cada infração, mas desta vez considerando todos os processos instaurados e não separadamente os do presente processo e os do processo apenso. Verificado o concurso efectivo de contra-ordenações, deve ser determinada a medida concreta da coima por cada uma delas, no quadro da moldura abstracta correspondente, e posteriormente a coima única que tem como limite abstracto mínimo a mais elevada das coimas concretamente aplicadas e como limite abstracto máximo a soma das penas concretamente aplicadas, com o limite do dobro do limite máximo (abstracto) mais elevado das contra-ordenações em concurso (artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82). Posto isto, fixa-se pela violação dos horários de funcionamento e quanto aos normativos referidos a coima única de € 1500,00 e mantendo-se a coima de € 250,00 pela falta de afixação do mapa fora do horário. Assim e por fim fixa-se a coima única por todas as sanções enunciadas em € 1600,00, modificando-se e apenas nesta medida a decisão da autoridade administrativa. Decisão. Julgam-se parcialmente procedentes os recursos apresentados condenando-se o arguido/recorrente: - Nos termos conjugados do art. 18º, al. a) ponto ii) do D. 9/2021, o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15/05, alterado pelos Decretos-Lei n.os 126/96, de 10/08, 111/2010, de 15/10, 48/2011, de 01/04 e 10/2015, de 16/01 na coima global de € 1500,00. - Nos termos do artigo 4.º-A do referido Decreto-Lei n.º 48/96 e no artigo 5.º, n.º 2, alínea a) do mesmo diploma legal na coima de € 250,00. - Nos termos do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82, vai o arguido/recorrente condenado na coima única de € 1600,00. Custas pelo recorrente. 2- Apreciação do recurso 2.1.1- O recorrente, refere, na conclusão I) das suas alegações de recurso, “Tendo ficado prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Recorrente no seu anterior Recurso - como se refere no Douto Acórdão da Relação de Guimarães, PROC. N° 3553/196T8GMR.G2, de 19.03.2024), mantem-se tais alegações nos seus precisos termos (apenas por razões de brevidade não transcrevem, bem como as conclusões decorrentes)”. A verdade é que, na motivação do recurso, o recorrente, relativamente a este ponto, nada mais acrescenta. Ou seja, relativamente a tais questões, limita-se a remeter para o seu anterior recurso. Porém, tal forma de proceder não se encontra prevista na lei e, por isso, não é legalmente consentida. A lei é clara ao exigir que o recorrente na motivação enuncie especificadamente os fundamentos do recurso, cfr. artigo 412º, nº 1 do CPP. E naturalmente tal ónus de especificação não pode ser realizado por remissão para outras peças processuais, até porque o requerimento de interposição de recurso, que deverá conter motivação e conclusões, terá necessariamente de ser autossuficiente. E, como soi dizer-se, o objeto do recurso é a decisão recorrida e não a causa julgada, pelo que é relativamente a ela que o recorrente deverá alegar as razões da sua discordância. Nesta conformidade, nesta parte, o recurso não pode deixar de ser rejeitado por falta de motivação, cfr. artigos 414º, nº 2 e 3, 417º, nº 6 a) e 420º, nº 1 al. b), todos do Código de Processo Penal. 3.1.2- Mas ainda que assim não fosse, sempre nenhuma razão assistiria ao recorrente. De facto, no acórdão desta Relação proferido nos autos em 19.03.2024, com a referência citius 9346631, tais questões cujo conhecimento ficou prejudicado eram: “- A nulidade da sentença prevista no art.º 379º, n.º 1, al. c), do CPP, por omissão de outras pronúncias. - Da errada aplicação das regras do cúmulo.” Quanto à questão do cúmulo jurídico efetuado, face à aplicação da lei mais favorável que irá ser apreciada no ponto seguinte, a mesma fica naturalmente prejudicada. No que concerne à questão da “omissão de outras pronúncias”, na decisão recorrida, relativamente a esta questão, o tribunal recorrido repetiu a fundamentação da anterior decisão, pelo que fazemos nossas as palavras do Ministério Público, proferidas na reposta ao anterior recurso, quando então concluiu, dizendo que: “II. Não obstante afirmar que a sentença recorrida “não se pronunciou sobre inúmeras questões invocadas na defesa” o certo é que, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da respetiva motivação, aí só alude de forma breve, e sem especificar os motivos em que assenta tal alegação, que o tribunal a quo não considerou “que o citado Regulamento dos Horários dos Estabelecimentos de ... não pode produzir quaisquer efeitos”. III. Ora, conforme ressalta do capítulo “da análise jurídica” da sentença recorrida, o certo é que o tribunal recorrido se pronunciou extensivamente sobre a eficácia do aludido Regulamento decorrente da alegada “falta de publicação” e da sua conformidade com “os princípios constitucionais da proporcionalidade e liberdade da iniciativa económica”, concluindo fundamentadamente, em síntese, que é eficaz e apto a produzir os seus efeitos jurídicos, não se vislumbrando, por isso, que enferme — nessa parte — de omissão de pronúncia.” Por isso, nunca a decisão recorrida seria nula por omissão de pronúncia. 2.2- O recorrente, insurge-se contra a sentença recorrida que decidiu julgar “parcialmente procedentes os recursos apresentados” e, consequentemente, condenou o arguido nos seguintes termos: 1) pela prática de 33 (trinta e três) contraordenações, por funcionamento fora do horário, previstas e punidas pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, nº 2 al. b), do DL nº 48/96, de 15.05, 4º, nº 1 e 11º do Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e Prestação de Serviços do Município ..., 18º.al. a), ii) do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, aprovado pelo Decreto – Lei nº 9/2021, de 19.01, na coima individual (por cada uma) de €500,00 (quinhentos euros) 2) pela prática de 5 (cinco) contraordenações, pela falta de afixação do mapa de horário de funcionamento, previstas e punidas pelas disposições conjugadas dos artigos 4ºa e 5º, nº 2 al. a), do DL nº 48/86, de 15.05, 18º, al. a), ii), do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, aprovado pelo Decreto – Lei nº 9/2021, de 19.01, na coima individual (por cada uma) de €250,00 (duzentos e cinquenta euros); e Em cúmulo jurídico das sobreditas coimas parcelares, foi o arguido condenado na coima única de €1600.000 (mil e seiscentos euros). Considerando o objeto do pressente recurso tal como foi delimitado pelo recorrente nas suas conclusões, importa apreciar se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento (erro de direito) ao considerar inaplicável o regime constante do novo Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços no Município ..., cfr. edital nº 836/2023, publicado no Diário da República, nº 100, 2ª Série, de 24.05.2023, pág. 359. Segundo o recorrente, em síntese, o novo Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços no Município ... ( cfr. edital nº 836/2023, publicado no Diário da República, nº 100, 2ª Série, de 24.05.2023, pág. 359), que entrou em vigor em 08.06.2023, apresenta-se como mais favorável para o arguido, pelo que se impunha a sua aplicação à factualidade considerada como provada nos presentes autos e, não o fazendo, o tribunal recorrido violou o disposto no artigo 3º, nº 2 do RGCO, aprovado pelo DL nº 433/82, de 27.10. Desde já se adianta assistir inteira razão ao recorrente quanto à questão em apreço. Na verdade, o recorrente foi condenado pela prática de várias contraordenações previstas e punidas pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, nº 2 al. b), do DL nº 48/96, de 15.05, 4º, nº 1 e 11º do Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e Prestação de Serviços do Município ..., 18º.al. a), ii) do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, aprovado pelo Decreto – Lei nº 9/2021, de 19.01. O referido artigo 5º, nº 2 do DL nº 48/96, de 15.05 estipula que “constitui contraordenação económica leve, punível nos teros do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, a prática dos seguintes atos: a) falta da afixação do mapa de horário de funcionamento, em violação do disposto no nº 2 do artigo 4º-A; b) o funcionamento do estabelecimento fora do horário estabelecido”. Por sua vez, o Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços no Município ..., aprovado por deliberação da Câmara Municipal ..., de 19.02.2015, e pela Assembleia Municipal em reunião de 27.02.2015 – em vigor na data da prática dos factos considerados como provados – estabelecia, no nº 1 do artigo 4º, que “..(…) os estabelecimentos situados em edifícios de habitação, individual ou coletiva, ou que se localizem em zona com prédios destinados a uso habitacional num raio de 50 metros, apenas podem adotar o horário de funcionamento entre as 08 horas e as 22.00 horas”. O artigo 11º do referido diploma legal estipula que “(…) o presente regulamento não prejudica os horários fixados antes da sua entrada em vigor (…)”. Na sentença recorrida, como aliás da decisão administrativa, foi considerado como provado que “ Foi emitido, em ../../2010, em nome da então exploradora – EMP01..., Lda – o mapa de horário de funcionamento do estabelecimento instalado no prédio referido em a), então denominado “...”, com autorização para funcionamento das 09h às 24h, com exceção das quartas-feiras, quintas-feiras, sextas-feiras, sábados e vésperas de feriados em que encerra às 02h.” Assim, por força do acima citado artigo 11º do Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços no Município ..., era este último horário de funcionamento do estabelecimento que o recorrente estava obrigado a cumprir. Porém, em 24.05.2023, foi publicado no Diário da República, 2ª série, nº 110, o Edital nº 836/2023, o Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de ..., aprovado por deliberação da Câmara Municipal ... de 17.04.2023 e pela Assembleia Municipal em reunião de 28.04.2023 que entrou em vigor “15 dias após publicação”, ou seja, em 08.06.2023. Este diploma estabelece, no seu artigo 5º, nº 1 al. d), que 1 - Para efeitos de fixação dos respetivos períodos de funcionamento, os estabelecimentos classificam-se de acordo com os seguintes grupos: (…) d) Grupo IV: i) Centros culturais e recintos fixos de espetáculos; ii) Espaços de organização de eventos; iii) Restaurantes com espaço de dança; iv) Bares, pubs e outros estabelecimentos com espaço de dança; v) Estabelecimentos afins aos referidos nas subalíneas anteriores.” Por seu turno, o artigo 6º, nº 5 al. a) estabelece que “Os estabelecimentos do Grupo IV podem funcionar entre: a) As 10h00 e as 02h00 do dia seguinte, com exceção de sextas, sábados e vésperas de feriado que podem funcionar da 10h00 às 04h00 do dia seguinte;”. Ora, como foi reconhecido na sentença recorrida, “In casu, em 08.06.2023, entrou em vigor um novo Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de ... (cf. edital n.º 836/2023 publicado no Diário da República, 2. Série, n.º 110, de 24.05.2023) – cfr fls. 661 dos autos. Este diploma ampliou o horário de encerramento dos estabelecimentos, designadamente no que concerne às sextas, sábados e vésperas de feriado, que podem funcionar das 10:00 horas às 04:00 horas do dia seguinte. Parte substancial da materialidade descrita na matéria de facto dada como provada que sustenta o preenchimento dos ilícitos contraordenacionais em que o Recorrente foi condenado refere-se ao funcionamento do estabelecimento explorado pelo Recorrente dentro deste horário.” Todavia, por forma incompreensível, concluiu-se pela não aplicação da lei nova, referindo, nomeadamente, que: “O art.º 3º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro) impõe a aplicação retroativa (embora em bloco) de lei de conteúdo mais favorável ao arguido, previsão igualmente contida no art.º 3º, n.º 2, do Regime Jurídico da Contraordenações Económicas (Dec.-Lei 9/2021, de 29.01). A apreciação da aplicação de um regime legal (no caso contraordenacional, em matéria económica) posterior à data da prática dos factos relevantes e que possa revelar-se, em bloco, mais favorável ao arguido é, sem dúvida, questão de conhecimento oficioso, sob pena de incumprimento daquele princípio básico ínsito nos dispositivos citados. Como é sabido, “Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.” Não refere se a Lei for objectivamente mais favorável. A interpretação da disposição deverá ser aquela que é aplicável às situações penais. É de aplicar, em caso de sucessão de Leis, a pena que for concretamente mais favorável (artº 2º nº 4 do Código Penal).” Ora, o exercício que a recorrente faz não é este mas sim algo como isto. Saiu uma lei nova. A pena aplicada parece-me, em abstracto, mais favorável, logo é esta a aplicável. Ora, esta abordagem à questão está errada porque conflituante com o artº 2º nº 4 do Código Penal e 3.° nº 2 do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro. É que a aplicação da lei mais favorável pressupõe que os elementos típicos sejam os mesmos e que a pena seja diferente. Se se vai discutir os elementos do tipo a questão torna-se anterior. Temos de ver se actualmente para que a conduta seja contraordenacionalmente punida é exigido mais do que anteriormente.! Deste modo, entende-se que deve improceder o presente recurso também nesta parte porquanto, os elementos típicos da nova norma são diferentes da anterior, e nessa medida não deve ser aplicado.” Todavia, tal como defende o recorrente, no que foi acompanhado pelo Ministério Público (em primeira instância e nesta Relação), não podemos sufragar este entendimento. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 2 do RGCO (Dec.-Lei n.º 433/82, de 27.10) e do RGCOE (Dec.-Lei 9/2021, de 29.01), “Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.” Como é sabido, a referida norma consagra, no âmbito do direito contraordenacional, o princípio constitucional da aplicação retroativa do regime globalmente mais favorável ao infrator, cfr. artigo 29º, nº 4 da CRP. E, ao contrário do referido na sentença recorrida, o mesmo não tem aplicação somente quanto as penas sejam diferentes, ou seja, quando as penas sejam mais favoráveis ao arguido. O principio tem um âmbito de aplicação mais amplo, sendo aplicável sempre que a lei seja mais favorável, considerando designadamente os elementos da infração, as causas de justificação, etc. E, para além disso, como salientam Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa[3] “A regra do nº 2 (do artigo 3º do DL nº 433/82, de 27.10) funciona igualmente quando a alteração resulta da modificação de normas, não de direito sancionatório, mas de outros ramos de direito. Quando a lei penal se refere a normas, estas fazem parte daquela, são elementos normativos da descrição dos seus conceitos. Se da revogação destas normas resulta uma restrição do âmbito do direito sancionatório, isso importa uma atenuação da sua eficácia que deve aproveitar ao infrator.”. Ora, no caso em apreço, em que está em causa, no que para aqui releva, o funcionamento de um estabelecimento fora do horário de funcionamento, foi isso que sucedeu, na medida em que após a data da prática dos factos, entrou em vigor um novo Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de ... (norma de direito administrativo), o qual alargou o período de funcionamento. Ou seja, estabeleceu um horário menos restritivo da liberdade de funcionamento dos estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de .... E, no caso concreto, o referido regulamento é mais favorável ao recorrente, porque, como se reconhece na sentença recorrida, “Parte substancial da materialidade descrita na matéria de facto dada como provada que sustenta o preenchimento dos ilícitos contraordenacionais em que o Recorrente foi condenado refere-se ao funcionamento do estabelecimento explorado pelo Recorrente dentro deste horário”. Ou seja, parte substancial das condutas do recorrente relativas ao funcionamento do seu estabelecimento comercial fora do horário (ou seja, todas, com exceção dos dias 13.01.2019, 17.02.2019 e 31.03.2019, datas em que funcionou depois das 04.00 horas), deixaram de ser ilícitas face ao novo regulamento, impondo-se, nessa parte, a extinção do procedimento contraordenacional e o consequente arquivamento dos autos. 3.3- Em face do assim decidido, tendo em conta a jurisprudência ínsita no AFJ nº 4/2016, Diário da República n.º 36/2016, Série I de 2016-02-22, importa reformular o cúmulo jurídico das coimas efetuado na sentença recorrida, do qual resultou a condenação do arguido na coima única de €1.600,00, por forma a nele incluir agora apenas as contraordenações que ainda subsistem. Ou seja, as contraordenações relativas ao funcionamento fora do horário, depois das 04.00 horas, por não estarem abrangidas pelo novo Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de ..., praticadas em 13.01.2019, 17.02.2019 e 31.03.2019, e as referentes à falta de afixação do mapa de horário de funcionamento. Ao cúmulo jurídico das coimas refere-se o artigo 19º do RGCO (DL nº 433/82, de 27.10), nos termos do qual: “1 - Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso. 2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso. 3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações.” Em sentido idêntico determina o artigo 26º do DL nº 9/2021, de 29.01 (RJCE), segundo o qual: “1 - Quem tiver praticado várias contraordenações económicas é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso. 2 - A coima a aplicar não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso, nem pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações.” No caso, o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso é de €3000,00 (três mil euros). A soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso é de €2750,00 (500,00 x 3) + (€250,00 x 5). Assim sendo, a moldura abstrata do cúmulo jurídico das contraordenações em concurso situa-se entre o mínimo de €500,00 (coima parcelar mais elevada ) e o máximo de €2.750,00 (soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso), o qual não excede o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso. Ora, tendo presente a referida moldura abstrata, os factos no seu conjunto, a gravidade das contraordenações, da culpa, da situação económica do arguido e do benefício económico por ele obtido ( sem esquecer o critério que presidiu à fixação do valor da coima única de €1600,00 fixado na primeira instância ), temos por adequada e justa a coima única de mil euros. III - DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: 1) Rejeitar o recurso, por falta de motivação, na parte em que o recorrente pretende ver apreciadas, por remissão, questões de anterior recurso, cujo conhecimento foi julgado ter ficado prejudicado, cfr. artigos 417º, nº 6 al. a) e 420º, nº 1 al. b) do Código de Processo Penal; 2) Quanto ao mais, julgar o recurso procedente, em consequência do que se decide: a) Declarar extinto o procedimento contraordenacional, por aplicação do regime mais favorável ao arguido, decorrente do novo Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de ... (cf. edital n.º 836/2023 publicado no Diário da República, 2. Série, n.º 110, de 24.05.2023), quanto a todas contraordenações por funcionamento fora do horário de funcionamento concretamente verificado até às 04.00horas, arquivando-se os autos nesta parte; e b) Proceder à reformulação do cúmulo jurídico das coimas efetuado na sentença recorrida, por forma a nele incluir agora apenas as contraordenações cujo procedimento contraordenacional não foi declarado extinto e que, por isso, ainda subsistem, em consequência do que condenam o arguido na coima global e única de €1000,00 (mil euros). Sem custas. Notifique. Texto integralmente elaborado e revisto pelo seu relator e revisto pelos seus signatários – artigo 94º, nº 2 do CPP, encontrando-se assinado eletronicamente na 1ª página, nos termos do disposto no artigo 19º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09. Notifique. Guimarães, 28 de janeiro de 2025 Armando Azevedo ( Relator) Ana Teixeira (1ª Adjunta) Bráulio Martins (2º Adjunto) [1] Nas transcrições das peças processuais irá reproduzir-se a ortografia segundo o texto original, sem prejuízo da correção de erros ou lapsos manifestos e da formatação do texto, da responsabilidade do relator. [2] Por força do disposto no nº 4 do artigo 74º do RGCO - Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo DL nº 433/82, de 27.10, na redação atualmente em vigor, diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem - o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma. [3] In Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 2001, pág. 85. |