Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1008/15.7T8VNF-A.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: AVALISTA
PORTADOR DO TÍTULO
RELAÇÕES IMEDIATAS
CONVENÇÕES EXTRACARTULARES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

1- Nos casos em que o avalista e o portador do título são concomitantemente partes da relação jurídica fundamental que justificou a emissão da letra e do pacto de preenchimento, por se estar no âmbito das relações imediatas, o avalista pode opor ao portador do título que dele reclame o pagamento da obrigação cambiária as exceções pessoais que disponha contra aquele e que se fundem na relação jurídica fundamental e no pacto de preenchimento.

2- Nas relações imediatas nada obsta a que se recorra às convenções extracartulares para se interpretar as declarações apostas na letra dada à execução.

3- O contrato mediante o qual uma sociedade comercial se obriga perante outra a adquirir-lhe, em exclusivo, durante um determinado período de tempo, determinadas quantidades mínimas de café e a promover e publicitar, em exclusivo, esse produto e respetiva marca, recebendo, como contrapartida, determinada quantia de dinheiro, a título de desconto antecipado no preço do café e, bem assim, determinadas máquinas e outros bens, como contrapartida pela publicidade (a título de empréstimo, com a obrigação da respetiva propriedade lhe ser transmitida no termo do prazo ajustado para a vigência do contrato e desde que tenha cumprido todas as obrigações contratuais que assumiu), consubstancia um contrato de natureza comercial, misto, geminado, de natureza complexa, em que avulta e prevalece a celebração de um contrato de fornecimento de café, em regime de exclusividade, mas que envolve elementos típicos do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços e do contrato de comodato.

4- Para que se possa concluir pela nulidade de uma garantia real ou pessoal prestada por uma sociedade a favor de sociedade terceira nos termos do art. 6º, n.º 3 do C.S.Com., não baste que se alegue e prove a gratuidade do ato, mas é ainda necessária a alegação e prova de que esse ato não é necessário e conveniente para a sociedade, não tendo esta qualquer interesse próprio na prestação da garantia e que entre ela e a terceira, beneficiária da garantia, não existe qualquer relação de domínio ou de grupo.

5- As exceções do preenchimento abusivo da letra e da prescrição da obrigação cambiária nela incorporada são exceções de direito material, que têm de ser alegadas e provadas pelo executado, que não as pode suscitar, ex novo, em sede de recurso, dado não serem do conhecimento oficioso do tribunal.

6- Para que se esteja perante um contrato de adesão, sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, não é suficiente a alegação e prova por parte de quem se quer prevalecer desse regime jurídico, que algumas das cláusulas inseridas no contrato foram pré ordenadas unilateralmente pelo proponente, sendo necessário que o núcleo essencial modelador do regime contratualmente acordado constitua um bloco que o aderente aceita ou repudia, sem qualquer possibilidade de negociação.

7- A redução da cláusula penal com fundamento em “manifesta excessividade” apenas pode ser usada em situações excecionais, em que ocorram abusos evidentes, de clamorosa injustiça decorrente da circunstância daquela, comparativamente ao prejuízo sofrido pelo credor com o incumprimento, se mostrar extraordinariamente excessiva, exceda os limites do razoável e bom senso, ainda que esse excesso ocorra por causa superveniente, sob pena de se colocar em crise a liberdade contratual dos contratantes que livremente a ajustaram e as vantagens dessa cláusula.

8- Na apreciação desse manifesto excesso deverá proceder-se à comparação entre o montante que resulta da cláusula penal e a ordem de grandeza do prejuízo sofrido pelo credor com o incumprimento, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto.

9- Verificado que seja esse evidente exagero da cláusula penal, o juiz pode reduzi-la, equitativamente sem qualquer limite rígido, mesmo para baixo do valor do dano causado em consequência do incumprimento, mas não deverá colocar em crise o valor coercivo daquela.

10- A cláusula penal em que é ajustado que em caso de incumprimento do contrato o devedor ficar obrigado a pagar uma indemnização correspondente ao valor dos Kgs. de café não adquirido, ao preço pelo qual este teria sido comprado por aquele ao credor, é manifestamente excessiva.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO

Recorrentes: José (…)
Recorrida: (…) Lda.

Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, que (…) Lda., instaurou contra (…) S.A., José (…) e Paulo (…), dando à execução a letra junta em anexo ao requerimento executivo, vieram os executados (..) S.A. (esta, no apenso A), José (…) e Paulo (..) (estes, no apenso B) deduzir oposição à execução mediante embargos, invocando:

1º - a nulidade do contrato subjacente à emissão da letra e da própria letra, por falta de capacidade da sociedade executada, na medida em que o contrato subjacente à letra e a própria letra constituem a prestação de uma garantia prestada pela sociedade executada, X – Restauração, S.A., à sociedade “Y – Restauração e Bebidas, Lda., garantia essa que é contrária ao fim da sociedade executada.

Para tanto alegam, em síntese, que quando foi celebrado o contrato de fornecimento de café de fls. 17 a 23, entre a sociedade executada e a exequente, contrato esse em cuja elaboração e preparação das respetivas cláusulas a sociedade executada não teve qualquer intervenção, tendo-se limitado a aceitar a proposta de contrato tipo cujo clausulado foi fixado unilateralmente pela exequente, esta sabia que não iria ser fornecido qualquer café à sociedade executada e, bem assim, que a sociedade executada não iria encomendar ou adquirir qualquer quantidade de café ou de outros produtos, mas que quem iria encomendar e consumir café e teria de cumprir as obrigações contratuais emergentes daquele contrato seria a sociedade “Y”, tal como acabou por acontecer, sendo o café fornecido e faturado à cessionária;
Acontece que ao outorgar aquele contrato, a sociedade executada tornou-se solidariamente responsável pelo pagamento à exequente dos valores devidos pelo fornecimento de café a outras empresas e pelos eventuais incumprimentos das obrigações emergentes desse contrato, sem que tivesse qualquer interesse justificado na prestação de tal garantia, o que contaria o fim dessa sociedade;
2º - a nulidade da cláusula penal prevista na cláusula 7ª, nº 3 do contrato de fornecimento de café celebrado, por se revelar manifestamente excessiva, sustentando, em súmula, que essa cláusula prevê o pagamento do preço de café não consumido, o que permite à exequente receber a totalidade do preço do café que perspetivava vender até ao final do contrato, a que acresce o benefício de não ter de fornecer o café não consumido, o que tudo permitirá à exequente obter duas vantagens adicionais que o cumprimento pontual do contrato não lhe proporcionaria, já que com a declaração da resolução do contrato, receberá imediatamente o valor do preço dos 5.280 Kgs., ficando, também, com essa quantidade de café, o que quer dizer que a exequente ganha mais desta forma que com o cumprimento integral do contrato, uma vez que recebe a totalidade do valor do café previsto fornecer no contrato à sociedade executada (6.500 Kgs.), conservando, porém, a propriedade sobre os 5.280 Kgs. de café não fornecido;
A referida cláusula é abusiva, contrária aos princípios da boa fé, não é proporcional com os eventuais danos que se pretendem ressarcir e como tal proibida nos termos da al a) do art. 19º do DL 446/85, o que determina a respetiva nulidade;
Acresce que ainda que assim não se entenda, serão aplicáveis as disposições dos arts. 810.º e ss. do CC, por o credor não poder exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal;
Além disso, não existe culpa da sociedade executada no incumprimento do identificado contrato, pois a responsabilidade pela aquisição do café estava cedida a terceiros;
3º- a nulidade e a inexequibilidade do título dado à execução, alegando, em síntese, que o aceite da letra dada à execução está assinado pelos executados José e Paulo, sem qualquer menção da qualidade em que outorgam e sem que tenha sido aposto no título, no local destinado ao aceite, qualquer carimbo ou indicação da sociedade “X”;
Os oponentes José e Paulo limitaram-se a assinar a letra de garantia nos locais e com os dizeres sugeridos pelo sociedade exequente, pensando estar a prestar uma garantia pessoal à sociedade “X” no âmbito do contrato de fornecimento de café celebrado;
A sociedade executada é representada, desde abril de 2007, por um administrador único, tendo sido designado para esse cargo o executado José, que é quem, desde então, representa a sociedade executada;
O executado Paulo não é administrador, nem à data detinha ou detém qualquer cargo social na sociedade executada “X”, nem à data detinha, ou detém, qualquer cargo social nessa sociedade;
A letra dada à execução foi entregue em branco, apenas com as duas assinaturas nela apostas, tendo sido preenchida, a posteriori, pela exequente;
O facto de constarem duas assinaturas apostas no aceite - uma de José, que é administrador único da sociedade executada, e outra de Paulo, que não é sócio, sequer exerce qualquer cargo social naquela sociedade -, permite concluir que não é esta sociedade a aceitante da letra dada à execução, nem tal vinculação poderá deduzir-se, pelo que essa sociedade não se encontra validamente vinculada;
Acresce que a exequente sabia que a sociedade executada era gerida e obrigada apenas por um administrador único, tal como fez constar no contrato de fornecimento de café e no pacto de preenchimento da letra, documentos esses que ela própria elaborou;
Deste modo, a letra entregue deveria ser completada pela exequente, não com a indicação da sociedade executada no lugar do sacado, mas sim com a identificação dos aceitantes José e Paulo, pelo que existe um flagrante erro no preenchimento, que inutiliza a própria letra dada à execução;
A sociedade executada é, assim, parte ilegítima, já que os signatários da letra dada à execução não a assinaram, sequer o poderiam fazer, na qualidade de administradores daquela sociedade, o que determina a nulidade do título por falta de forma do aceite;
4º- a nulidade do pacto de preenchimento da letra, por indeterminabilidade do respetivo objeto, sustentando que o pacto de preenchimento não prevê qualquer limite máximo de valor a garantir, sequer critérios adequados definindo o objeto ou prazo da garantia, sendo que o pacto previa a garantia de pagamento de obrigações futuras decorrentes de fornecimentos que seriam efetuados aos cessionários do estabelecimento “T. C.”;
Acresce que mesmo que se entenda que o pacto não é autónomo face ao contrato de fornecimento, o facto de o pacto não mencionar a que contrato se associa torna esse pacto sem objeto determinável;
5º- a nulidade do pacto de preenchimento e da letra, em função do carácter perpétuo, alegando para o efeito, em síntese, que a letra dada à execução configura uma assunção de dívida por prazo ilimitado, o que determina a respetiva nulidade, por ser contrário à ordem pública, uma vez que a exequente poderia preencher a letra quando o entendesse;
6º- o abuso de direito da exequente na exigibilidade do consumo contratado e na resolução do contrato por incumprimento do mesmo, alegando que a exequente sabia que a executada não teria condições para consumir o volume de café contratado e, por isso, é abusivo que resolva o contrato com fundamento no incumprimento, sendo que o próprio contrato previa a prorrogação do período do contrato, de modo a que o consumo total contratado fosse atingido;
7º- a nulidade da cláusula que obrigava à aquisição de quantidades mínimas de café, por contrária à lei, alegando, em síntese, que essa cláusula, contendo uma obrigação de aquisição de quantidades mínimas de café, consubstancia uma restrição concorrencial contrária às normas da defesa da concorrência (art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 18/2003, de 11.06), já que acaba por influenciar a duração do contrato, o que determina a respetiva nulidade; e
8º- a falta de preenchimentos dos pressupostos da resolução contratual, sustentado que o mero consumo de café em quantidade inferior ao contratualmente previsto não é fundamento de resolução do contrato e do pedido de indemnização, por a sociedade executada “X” não ter agido com culpa e por estar prevista a prorrogação do prazo de vigência do contrato no caso de atingido o prazo de vigência do contrato de fornecimento de café, a quantia de café contratada não estar atingida.
Acresce que em março de 2014, a sociedade executada “X” celebrou com o senhorio do estabelecimento um contrato de resolução do contrato de arrendamento e a exequente acompanhou todo esse processo, tendo, nesse âmbito, trocado correspondência com a administração do T. C.;
O primeiro desses inquilinos, a “V. S., Unipessoal, Lda.”, ainda consumiu café no mês de dezembro de 2014;
Acontece que inesperadamente, por carta de 11 de agosto de 2015, a exequente rescindiu o contrato de fornecimento celebrado com a executada “X”, por incumprimento da cláusula 1ª, ponto 4, als. a) e b) do contrato, sem invocação de qualquer outra razão válida que legitimasse tal rescisão.

A exequente contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Alegou que não obstante o contrato celebrado entre as partes não ser de adesão, que todas as cláusulas desse contrato foram negociadas e acordadas entre as partes contratantes;
Invocou a exceção do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, sustentando que a invocação pelos apelantes da exceção da nulidade e da inexequibilidade do título dado à execução com fundamento de que as assinaturas apostas no lugar do aceitante se reportam a si a título particular e não à sociedade executada, por no lugar do aceite não constar o carimbo dessa sociedade, quando, no pacto de preenchimento consta, logo no início, “X – Restauração, S.A.”, em que esta declara autorizar expressamente a sociedade exequente a preencher e a apresentar a letra anexa, contrato este em que no lugar do aceitante consta a assinatura de ambos os oponentes e no qual apuseram o carimbo da empresa, estes deixaram-na em plena e natural convicção que as assinaturas apostas na letra correspondiam ao constante do pacto e que a letra tinha sido aceite por esta última e avalizada pelos embargantes;
Impugnou parte da factualidade alegada pelos embargantes.
Conclui pela improcedência dos embargos, pedindo que seja absolvida do pedido deduzido pelos embargantes e se determine o prosseguimento da execução.

Por despacho proferido no apenso B foi ordenada a apensação aos presentes autos desse apenso (fls. 170 e 180).
Realizou-se audiência prévia, em que se fixou o valor da ação em 148.145,98 euros, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo sido apresentadas reclamações, e conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes, designando-se data para a realização de audiência final.
Não obstante não terem sido apresentadas reclamações quanto ao objeto do litígio e aos temas da prova fixados em sede de audiência prévia, por requerimento de fls. 155 a 156, a sociedade embargante “X” veio reclamar quanto ao objeto do litígio, tendo essa reclamação sido indeferida, por despacho proferido a fls. 162, com fundamento na respetiva extemporaneidade.

Em sede de audiência final, constatou-se que se tinha realizado audiência prévia, sem que no apenso B tivesse sido proferido despacho a admitir liminarmente a oposição mediante embargos e a notificação da exequente para os contestar, querendo.
Nessa sequência, submeteu-se “à consideração dos ilustres mandatários das partes a possibilidade de, prescindindo de todos os prazos inerentes, se considerar implicitamente admitidos os embargos do apenso B, e a exequente declarar pretender aproveitar o teor da contestação do apenso A também para os embargos do apenso B” (cfr. ata de fls. 180).
Pelos ilustres mandatários das partes foi dito “que concordam com o acima exposto, requerendo que os atos se processem nesses exatos termos, não se opondo que, em conformidade, o julgamento se realize desde já” (cfr. fls. 180 verso).

Realizada audiência final foi proferida sentença, julgando as oposições à execução totalmente improcedentes, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Nestes termos, vistos os princípios expostos e as indicadas normas jurídicas, julgo os embargos de executado totalmente improcedentes.
*
Custas pelos embargantes”.

Inconformados com o assim decidido, vieram os embargantes, José e Paulo, interpor o presente recurso de apelação, em que apresentam as seguintes conclusões:

I - Da alteração da matéria de facto

I. Neste ponto, interessa desde logo referir que, perante a prova produzida nos presentes autos, é entendimento dos Embargantes que o Tribunal recorrido não poderia ter dado como provado os pontos 36. e 37. dos Factos Provados (ponto 2. do decisório), pois ao longo da audiência final de discussão e julgamento, foi várias vezes referido em sede declarações de parte e por depoimento testemunhal, que o contrato celebrado entre a B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. e a X – Restauração, S. A. apenas foi outorgado de forma provisória e porque a sociedade Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA. ainda não tinha concluído o seu processo de constituição à data,
II. Foi, aliás, referido de forma coincidente, pelas partes ouvidas que assinaram de cruz o referido contrato, bem como os demais documentos, veja-se o que dizem Paulo, quando ouvido em sede declarações de parte, aos minutos 04.57´ a 04.55´, 04.57´ a 05.20´, 06.48´ a 07.16´, 12.12´ a 13.18´, 19.10´ a 19.35´ e 19.50´ a 20.35´ e José aos seguintes minutos das suas declarações 06.40´ a 08.10´, 08.20´ a 08.50´, 11.18´ a 11.43´, 15.43´ a 16.20´, 18.03´ a 18.34´.
III. Tais declarações, tal como o teor global das declarações de parte tomadas nos presentes autos, revelam que a verdadeira intenção da sociedade X – Restauração, S. A., bem como dos pretensos avalistas seria apenas garantir que a posição contratual assumida com a B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. fosse transmitida para a sociedade Y – RESTAURAÇÃO.
IV. Não se tendo preocupado com o alcance da redação dos documentos, dado que os mesmos tinham sido negociados pelas sociedades B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. e Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA., que desejavam assumir esse mesmo contrato de fornecimento de café entre si e que tal só não terá acontecido de imediato apenas por impedimento referente ao processo de constituição da sociedade Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA..
V. Pelo que, e para todos os devidos e legais efeitos, não se poderá considerar como facto provado, por isso não resultar da prova produzida nos autos,
- Que os executados pessoas singulares tenham querido assinar a letra em causa nos presentes autos, seja a título pessoal ou a qualquer outro título,
- E que essa tenha sido a sua vontade real,

A - Do aditamento à matéria de facto

VI. Deverão ser aditados à matéria de facto dada como provada os seguintes factos,

- A - “A letra de câmbio dada à execução nos presentes autos foi entregue em branco, sem qualquer referência à sociedade X – Restauração, S. A., carimbo, identificação ou declaração de intervenção enquanto representante legal desta, apenas com as assinaturas de José e de Paulo no aceite e no verso, a seguir à expressão “Bom para aval ao subscritor” com as assinaturas de José e de Paulo. Tendo sido preenchida posteriormente pela exequente.
- B - «O contrato de fornecimento de café celebrado entre a sociedade X – Restauração, S. A. e a sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., apenas não foi celebrado entre esta e a Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA. em virtude de esta se encontrar, à data, ainda em processo de constituição enquanto sociedade.»
- C - «A sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., na pessoa de A. B., teve conhecimento direto de que, à data em que aquela sociedade celebrou o contrato de fornecimento de café com a X – Restauração, S. A. em causa nos autos, tinha conhecimento direto de que esta não tinha intenção de explorar o estabelecimento comercial objeto do fornecimento contratado, naquele ou em qualquer momento.»
- D - «A sociedade X – Restauração, S. A., pela pessoa do seu legal representante ou por qualquer outra pessoa, nunca teve conhecimento do fluxo de consumo de café dos cessionários do estabelecimento comercial em causa nos autos, pois estes (Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA. e L. C. UNIPESSOAL, LDA.) sempre se relacionaram de forma direta com a B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., sem prestarem contas dos volumes das encomendas e consumos efetuados.»
- E - «As negociações referentes ao contrato de fornecimento de café em causa nos presentes autos, na parte em que se referem ao preço, a consumos obrigatórios, cláusulas indemnizatórias ou pressupostos de incumprimento, foram exclusivamente realizadas entre as sociedades B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. e Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA. nas pessoas do Sr. A. B. e Sr. V. M. respetivamente, não tendo a X – Restauração, S. A. participado nas mesmas, seja pela pessoa do seu administrador único ou por qualquer outra pessoa.»
- F - «A X – Restauração, S. A. sempre diligenciou no sentido de que os produtos de marca “CAFÉ T” fossem consumidos no estabelecimento “T. C. Café” em regime de exclusividade, mesmo após ter perdido a condição de arrendatária deste estabelecimento comercial. Sendo certo que se a B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. não tem procedido à resolução contratual, ainda hoje o referido estabelecimento, que se encontra em laboração, estaria a consumir os ditos produtos de marca “CAFÉ T”.»
- G - «O empréstimo dos equipamentos descritos no Anexo I do contrato de fornecimento de café celebrado entre a B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. e X – Restauração, S. A., foi feito por contrapartida de publicidade, conforme a vontade expressa nos n.º 1, 2 e 3 do referido Anexo I do Contrato (junto como Doc. 4 com a PI de Embargos
VII. Com o fundamento nos documentos, depoimentos e declarações de parte referidos no corpo das presentes Alegações, sob o título I – DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, bem como nos termos das remissões aí feitas para o registo áudio da Audiência Final de Discussão e Julgamento, para onde, para os devidos e legais efeitos, se remete a título de economia processual.

II - Da qualificação jurídica dos factos

A – Da incapacidade da sociedade X, S. A.

VIII. Não dando acolhimento ao invocado pelos Embargantes, defendeu, para o efeito e em jeito de síntese, o Tribunal a quo que
«[…] o contrato celebrado entre a sociedade executada e a exequente não corporiza a prestação de qualquer garantia, pessoal ou real, por parte da executada a favor de terceiros.»,
IX. Ora, não podem os Embargantes ora Recorrentes discordar de forma mais frontal, dado que o Tribunal a quo labora em manifesto equívoco na subsunção do direito à factualidade apurada, pois resultando manifestamente provado dos autos que, na data de 15.07.2009 a sociedade Exequente B. S. - Torrefacção e Comércio de Café, Lda. celebrou com a sociedade Executada X – Restauração, S. A. um contrato de compra e venda de café, também não deixou de resultar como demonstrado à saciedade, nos presentes autos, que
- A sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. nunca vendeu um único grama de café à sociedade X – Restauração, S. A..
- Desde a celebração do referido contrato de fornecimento de café em 15.07.2009, a sociedade X – Restauração, S. A. nunca explorou o estabelecimento comercial “T. C. Café”, sito na Rua …, em Braga, objeto do contrato de fornecimento de café, cfr. Doc. 4 junto aos autos com a PI de Embargos.
- Sempre foram sociedades terceiras a explorar o referido estabelecimento comercial.
- Por outro lado, também ficou manifestamente comprovado que a sociedade Executada X – Restauração, S. A. não tem, nem nunca teve, qualquer interesse próprio, seja em virtude de participação social, de relação de domínio ou de qualquer outra forma, nessas sociedades terceiras (Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA. e L. C. UNIPESSOAL, LDA.) que exploraram o dito estabelecimento comercial.
- Sendo certo que essas sociedades terceiras sempre negociaram diretamente com a sociedade Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. os fornecimentos de café, fazendo as encomendas e pagamentos diretamente a esta, sem que nunca tenham disso prestado contas à sociedade Executada X – Restauração, S. A..
- Tal como ficou comprovado nos presentes autos que a sociedade Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. nunca prestou contas à sociedade Executada X – Restauração, S. A. das relações comerciais que mantinha com aquelas sociedades a propósito do referido estabelecimento comercial, não prestando quaisquer contas das encomendas e dos pagamentos efetuados ou por efetuar.
- Conjuntamente com estes factos, resultou também provado dos presentes autos que à data da celebração do contrato de fornecimento de café entre a sociedade Exequente e a sociedade Executada, aquela tinha conhecimento de que esta não iria explorar diretamente o estabelecimento comercial objeto do contrato, bem como não tinha qualquer intenção de alguma vez o explorar diretamente.
- Durante 6 (seis) anos, a sociedade Exequente faturou e obteve o pagamento dos fornecimentos de café efetuados das sociedade cessionárias do referido estabelecimento comercial.
- A sociedade Executada celebrou o referido contrato com a sociedade Exequente porque a sociedade que seria cessionária à data, e cujo responsável desta tinha uma relação de especial amizade com o Sr. A. B., administrador da sociedade Exequente, ainda não tinha concluído o processo de constituição, sendo certo que a posição contratual assumida pela sociedade Executada seria para transmitir à sociedade cessionária em momento ulterior.
X. Assim, ao decidir como decidiu, mal andou o Tribunal recorrido, tendo inclusivamente, pela qualificação jurídica dos factos apurados, incorrido em violação do previsto n.º 3 do art.º 6º do CSC, bem como do previsto no n.º 1 do art.º 6º do CSC,
XI. Pelo que, sempre serão de reputar os referidos negócios jurídicos como nulos, nos termos do disposto no art.º 294º do CCiv.,
XII. Pois, analisando-se todo o complexo contratual, resulta claro que a sociedade Executada X – Restauração, S. A. assume uma série de obrigações genéricas relativas ao contrato de café celebrado, responsabilizando-se, nomeadamente, pelas obrigações advindas de todas as faturas emitidas pela sociedade Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda..
XIII. Verifica-se que, à data da celebração do contrato de fornecimento de café, foi entregue uma letra em branco, ineficaz e inválida conforme ficará infra sobejamente demonstrado, à qual se juntou um acordo de preenchimento (Doc. 6 junto com a PI de embargos deduzida nos presentes autos) que rezava da seguinte forma

«1. Valor a pagar: o correspondente às faturas, juros e mora e indemnização nos termos contratuais.
2. Data de emissão: não poderá ser anterior ao 8º dia posterior ao da carta em que seja solicitado pagamento à nossa empresa, das quantias em débito.» (negrito e sublinhado nossos)
XIV. Ora, a utilização expressa do vocábulo “faturas” é uma referência expressa às faturas relativas a fornecimentos de café e produtos da marca “CAFÉ T”, pois nada mais a sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. teria no âmbito do seu objeto social para poder faturar à X – Restauração, S. A., pelo que, fica demonstrada assunção por esta sociedade de dívidas que sempre seriam da responsabilidade entidades terceiras.
XV. Ou seja, desta forma a sociedade Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. imputava ao património da sociedade Executada X – Restauração, S. A. a garantia do cumprimento dos fornecimentos efetuados às sociedades terceiras que, conforme era comprovadamente do seu conhecimento, iriam explorar o estabelecimento comercial em causa.
XVI. Ora, não se compreende, e não tem qualquer razão de facto que tal possa sustentar, como se pode pretender cindir, conforme o Tribunal a quo preconiza na decisão ora recorrida, a parte do contrato referente ao fornecimento de café às sociedade terceiras e cessionárias do estabelecimento comercial, e, ao mesmo tempo, imputar à sociedade Executada o cumprimento dos mínimos de consumo de café,
XVII. Pois, estando a sociedade Executada obrigada a respeitar a gestão das cessionárias do estabelecimento, não tinha qualquer faculdade objetiva de consumir café para vender naquele estabelecimento comercial que, tendo em conta a cessão de exploração, não estava na sua disposição e era o objeto do contrato de fornecimento de café.
XVIII. Ora, nestes termos, a obrigação da sociedade Executada seria sempre impossível e, à data da celebração do contrato em causa nos autos, a sociedade Exequente tinha conhecimento desse facto, não podendo, por isso, prevalecer o raciocínio do Tribunal recorrido, pelo qual apenas os mínimos de consumo obrigatório estariam imputados à sociedade Executada, ou seja, por falta de tradução dessa ideia na redação contratual, bem como por impossibilidade da Executada poder comercializar café no estabelecimento objecto do contrato de fornecimento em causa nos autos.
XIX. Pelo que, e em sentido contrário ao expendido pelo Tribunal a quo, sempre deverá o Tribunal ad quem declarar, conforme alegado e provado nos autos, a nulidade dos referidos contratos por incapacidade da sociedade X – Restauração, S. A., aliás do conhecimento da sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., em virtude da violação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 6º do CSC e do 294º do CCiv..

II - Da Nulidade do título por falta de forma e consequente inexequibilidade do mesmo
XX. Ora, os Embargantes e ora Recorrentes, na petição inicial por si deduzida, colocaram em causa a capacidade do documento junto aos autos como pretensa letra de câmbio para ser usado como título executivo, nomeadamente, nos termos em que a Exequente configurou a presente ação executiva, ou seja, com a intervenção da sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. enquanto Exequente e detentora da legitimidade ativa, e com a intervenção da X – Restauração, S. A. enquanto Executada e detentora da legitimidade passiva e, por fim, com a intervenção dos Recorrentes enquanto avalistas Executados.
XXI. Ora, para todos os efeitos, os Embargantes demonstraram, de forma cabal no seu entendimento, que o referido documento de letra de câmbio não contém, em nenhuma parte, qualquer subscrição da sociedade X – Restauração, S. A., que possa ter, legitimamente, vinculado a sociedade X – Restauração, S. A. ao pagamento da quantia aposta no documento pela sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda..
XXII. Veja-se que, não consta do documento de letra de câmbio, como é curial para todas as partes intervenientes no processo e resulta claro de uma rápida análise do pretenso título, qualquer menção a uma intervenção em representação da sociedade X – Restauração, S. A., não constando, também, do referido documento de letra de câmbio, qualquer carimbo da sociedade X – Restauração, S. A..
XXIII. Por outro lado, é também manifesto que do aceite da letra de câmbio dada à execução constam duas (2) assinaturas.
XXIV. Resultou provado de forma plena pela junção de Certidão do Registo Comercial, a sociedade X – Restauração, S. A., é uma sociedade anónima que é representada por um “administrador único” desde de deliberação de 30.03.2007, com registo de 17.04.2007, cfr Doc. 1 – junto aos autos e dado como reproduzido para todos os efeitos legais com a petição inicial dos Embargantes.
XXV. Por outro lado, conforme Doc. 7 – junto aos autos e dado como reproduzido para todos os efeitos legais com a petição inicial dos Embargantes, a letra de câmbio em referência, tratava-se de uma letra em branco, da qual não constava qualquer identificação do sacado, tendo sido a Exequente a apor a posteriori, no campo referente ao sacado, a identificação da sociedade X – Restauração, S. A..
XXVI. Ora, uma vez que a sociedade obriga-se, e à data obrigava-se, pela assinatura de uma única dessas pessoas, José, que era/é o administrador único da X – Restauração, S. A., não participando o Senhor Paulo na administração da sociedade Executada, sendo, aliás, absolutamente alheio a esta, conforme resultou plenamente provado.
XXVII. Por outro lado, não existe qualquer menção, no referido documento pretenso título executivo, à existência de uma intervenção em representação da sociedade que viria a ser identificada pela Exequente como a sociedade sacada.
XXVIII. Assim, tendo em conta esta factualidade incontroversa, os Embargantes invocaram a ilegitimidade da sociedade Executada nos autos, por esta não ter subscrito, e consequentemente não se ter obrigado por vínculo cartular, a referida letra de câmbio, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 409º do CSC
«Os administradores obrigam a sociedade, apondo a sua assinatura, com a indicação dessa qualidade.» (negrito e sublinhado nossos)
XXIX. Resultou manifestamente provado que não houve, na subscrição do aceite da letra de câmbio por José, qualquer referência à qualidade de administrador da sociedade X – Restauração, S. A., sendo certo que o aceite foi assinado por uma outra pessoa externa à sociedade X – Restauração, S. A., tendo, inclusivamente, ficado provado que a Exequente conhecia estes factos: (i) que José era o único administrador da X – Restauração, S. A. e (ii) que Paulo não detinha quaisquer poderes de representação da sociedade X – Restauração, S. A..
XXX. Por outro lado, da letra dada à execução (i) não consta qualquer referência à intervenção na qualidade de administrador por José, (ii) não consta, igualmente da letra em causa, qualquer carimbo da sociedade, bem como (iii) a identificação da sociedade X – Restauração, S. A. como sacada só aconteceu por aposição, a posteriori, por parte da Exequente.
XXXI. Ora, a letra de câmbio constitui-se como um negócio jurídico formal, que exige uma série de menções cuja carência redundará na falta de forma e invalidade do vínculo cambiário, cfr. arts.º 1º e 2º da LULL, na medida em que a exteriorização da vontade requer especiais solenidades.
XXXII. Aplicando-se aos títulos cambiários o princípio da literalidade, que postula a definição ou delimitação dos vínculos cambiários exclusivamente pelos termos do documento que dá forma à respetiva constituição, impondo-se, assim, a auto-suficiência do próprio título: o seu teor define, em exclusivo, o conteúdo, a extensão e as modalidades do direito (ou da obrigação) nele mencionado.
XXXIII. No caso, a invocação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça com n.º 01/2002 e de 06.12.2001, que uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:
«A indicação da qualidade de gerente prescrita no n.º 4 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do artigo 217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.»
XXXIV. Não é suscetível de fazer falecer o argumento utilizado pelos embargantes, pois, por um lado, existem manifestas e capitais diferenças entre o Acórdão referido e o presente caso, pois no caso que originou a referida jurisprudência uniformizada, a letra dada à execução é unicamente subscrita pelo único gerente da sociedade devedora, resultando daí a confluência entre a subscrição pela pessoa singular e por esta na qualidade de representante da sociedade devedora, o que não acontece nos presentes autos,
XXXV. Dado que a letra em branco foi subscrita por duas pessoas, sendo que uma delas é completamente alheia à administração da X – Restauração, S. A., cfr. Certidão do Registo Comercial (Doc. 1 junta aos autos com a PI de Embargos), facto que era do conhecimento da sociedade Exequente nos autos.
XXXVI. Ora, sendo certo que o negócio jurídico cambiário origina, também, a prerrogativa executiva por parte do sacador, pressupõe, também por isso mesmo, o preenchimento de diversos requisitos formais, cuja ausência redundará na nulidade do próprio título por falta de forma,
XXXVII. Pelo que, mal andou o Tribunal recorrido ao não ter conhecido da nulidade invocada e, em consequência, decidiu em violação do disposto nos art.ºs. 1º e 2º da LULL, nulidade esta que se estenderá à obrigação dos avalistas conforme o disposto, interpretado a contrario sensu, no segundo parágrafo in fine do art. 32º da LULL, bem como do disposto nos art.sº 53 e na al. c) do art.º 729º do CPC.
XXXVIII. Pelo que, para todos os devidos e legais efeitos, sempre deverá o Tribunal ad quem conhecer da nulidade do título cambiário dado à execução e, consequentemente, dar por extinta o processo executivo por carência, em absoluto, de título executivo válido que a possa sustentar.

Sem prescindir,

XXXIX. Ainda que se possa entender como aplicável no contexto dos títulos cambiários as disposições relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos cfr. os art.ºs 236º a 239º do CCiv., o que não se concede, sempre se diga que não poderia, o Tribunal a quo, perante a factualidade provada e adquirida em juízo, decidir de forma diferente daquela que se vem de expor, pois nos termos do art.º 238º do CCiv., a propósito dos negócios jurídicos formais,
«1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade(negrito e sublinhado nosso)
XL. Ora, pretender reconstituir o negócio cambiário corporizado no documento dado à execução expurgando e ignorando um dos aceites subscritos para que se possa daí retirar a vontade de vinculação da sociedade X – Restauração, S. A. à obrigação cambiária, será sempre um exercício interpretativo sem o mínimo de correspondência com o elemento literal do documento, que, recorde-se, foi assinado no aceite por José e por Paulo, sendo certo que apenas o primeiro obrigava a sociedade executada, conforme era conhecimento da Exequente.
XLI. Por outro lado, não consta dos autos, nem sequer a Exequente se dedicou demonstrá-lo, como sempre seria sua obrigação nos termos do disposto nos art.ºs 342º e 346º do CCiv., qualquer matéria de facto que pudesse dar como provada uma vontade real das partes distinta daquela que consta do documento pretensa letra de câmbio.
XLII. Ainda assim, interpretar o referido documento no sentido de deste constar unicamente a vinculação da X – Restauração, S. A. como sociedade sacada, seria sempre violador do previsto no n.º 2 do art.º 238º do CCiv., na medida em que comprometeria as declarações negociais constantes do próprio documento,
XLIII. Pois, se se declarou no documento fundamento da iniciativa executiva por parte da Exequente que José e Paulo subscrevendo-o com aceitantes, não estão satisfeitos os requisitos de forma legal relativamente à intervenção da sociedade X – Restauração, S. A., no sentido de esta poder intervir como Executada nos presentes autos.
XLIV. Existe, pois, uma preterição absoluta de uma formalidade ad substantiam a que a declaração negocial cambiária estava sujeita e que impunha (i) que a sociedade X – Restauração, S. A. tivesse intervindo e (ii) que tivesse sido unicamente a sociedade X – Restauração, S. A. a intervir como aceitante.
XLV. Assim, e tendo em conta o sentido da decisão prolatada, andou mal o Tribunal a quo ao não conhecer da ilegitimidade, por falta de título executivo validamente constituído, violando, nomeadamente, o disposto no art.º 53 e na al. c) do art.º 729º do CPC, bem como o previsto no art.º 238º do CCiv..
Ainda assim,

III – Da nulidade do acordo de preenchimento

XLVI. Conforme já ficou demonstrado e provado, o título em causa foi entregue ao portador unicamente (i) com as assinaturas de José e por Paulo no aceite, e (ii) com as assinaturas de José e por Paulo no verso do documento e sob os dizeres “Bom para aval ao subscritor”, tendo sido acompanhado por “Autorização de Preenchimento de Letra”, Doc. 6 junto com a PI de embargos deduzida nos presentes autos, que determinou as seguintes regras:

«1. Valor a pagar: o correspondente às faturas, juros e mora e indemnização nos termos contratuais.
2. Data de emissão: não poderá ser anterior ao 8º dia posterior ao da carta em que seja solicitado pagamento à nossa empresa, das quantias em débito.»

Da nulidade por indeterminabilidade

XLVII. Ora, conforme a factualidade apurada pelo Tribunal, o pretenso título teria sido entregue ao portador no contexto de relação contratual duradoura, para garantia de um generalidade de obrigações que pudessem resultar do contrato celebrado entre a Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. e a sociedade Executada X – Restauração, S. A., nomeadamente, para garantia do valor correspondente às faturas, juros e mora e indemnização nos termos contratuais.
XLVIII. Já ficou referido e deverá ser aditado à matéria de facto dada como provada, a sociedade Executada X – Restauração, S. A., desde que celebrou o referido contrato de fornecimento de café com a Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. e até ao dia de hoje, nunca explorou o estabelecimento designado “T. C. Café” e sito na Rua …, em Braga.
XLIX. Sendo certo que, conforme matéria que se deverá ter como provada nos presentes autos, à data em que tal contrato foi celebrado a sociedade Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. tinha conhecimento de que a sociedade Executada X – Restauração, S. A. não tinha qualquer intenção de voltar a explorar diretamente o referido estabelecimento comercial.
L. Sempre se diga que, conforme também resultou provado dos autos, o contrato de fornecimento de café, conforme foi celebrado, sempre foi visto pelos intervenientes como precário em relação às partes, na medida em que a posição assumida pela sociedade Executada X – Restauração, S. A. deveria ser assumida pela sociedade que iria explorar o estabelecimento, Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA., conforme a primeira parte do n.º 2 do Artigo Sétimo do Contrato de Cessão de Exploração celebrado entre a X – Restauração, S. A. e a Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA., cfr. Doc. 5 junto com a PI de Embargos deduzida nos presentes autos.
LI. Por outro lado, a sociedade Executada X – Restauração, S. A., desde nunca explorou diretamente o estabelecimento comercial em causa no contrato de fornecimento de café e durante a vigência deste.
LII. Ora, conforme resultou também provado de forma concludente, clara, manifesta e reiterada pelos vários depoimentos testemunhais, nunca a sociedade Executada X – Restauração, S. A. teve acesso aos valores de café encomendados e, de facto, fornecidos pela Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. a essas entidades terceiras nem por estas, nem sequer pela sociedade Exequente,
LIII. Bem como, nunca teve a sociedade Executada X – Restauração, S.A. conhecimento da informação relativa aos quilos e montante de café encomendados, tendo sido todas as transações referentes ao contrato de fornecimento de café em causa nos autos tratadas diretamente entre a Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. e os cessionários.
LIV. Conforme, aliás, o comprovam as faturas juntas aos autos pela Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., os depoimentos dos funcionários desta, bem como dos representantes legais das sociedades cessionárias do estabelecimento comercial “T. C. Café”.
LV. A Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. comportou-se sempre como se o contrato de fornecimento de café tivesse sido celebrado diretamente com as cessionárias, não prestando quaisquer contas do seu cumprimento à sociedade Executada X – Restauração, S. A.,
LVI. Por outro lado, a sociedade Executada X – Restauração, S. A. não teve qualquer possibilidade, ao longo da execução do referido contrato de fornecimento de café, de controlar, fosse de que forma fosse, o cumprimento do contrato em causa.
LVII. A verdade é que, um olhar atento sobre as disposições previstas na referida “Autorização de Preenchimento de Letra” (Doc. 6 junto com a PI de embargos deduzida nos presentes autos) facilmente conclui que: (i) a garantia em causa, em conexão com a relação jurídica fundamental de carácter duradouro, previa uma generalidade de obrigações futuras, (ii) de montante indeterminável, (iii) de montante máximo, também ele, indeterminável, (iv) de caráter genérico e sem quaisquer critérios previstos na referida “Autorização de Preenchimento de Letra” susceptíveis de dar operatividade a um exercício de determinação da amplitude da obrigação garantida, e (v) sem que tivesse sido determinada qualquer data de vencimento da obrigação cambiária.
LVIII. Para este efeito, perante uma obrigação como aquela que vem descrita nos autos, esta só se poderá considerar determinável (i) se, de alguma forma, o limite máximo ou plafond da obrigação do avalista viesse previsto no acordo de preenchimento da letra de câmbio, (ii) ou se o avalista estivesse numa posição suscetível de lhe proporcionar o controlo no fluxo da vinculação em causa, ou seja, se tivesse a possibilidade de monitorizar o montante da dívida garantida pelo título,
LIX. Ora, por um lado, é manifesto e incontrovertível que no caso não existia qualquer limite ou plafond previsto, seja no acordo de preenchimento, seja no próprio contrato de fornecimento de café.
LX. Por outro lado, e tendo em conta a totalidade da prova adquirida nos presentes autos, não poderá resultar coisa diferente da total impossibilidade dos avalistas, no caso, terem conhecimento ou poderem acompanhar o desenvolvimento do montante por si garantido, pois, conforme ficou amplamente demonstrado, nunca os avalistas controlaram as encomendas realizadas pelas sociedades cessionárias junto da Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., não tendo tido conhecimento da quantidade ou montantes encomendados, nomeadamente dos consumos mensais de cada um dos cessionários do estabelecimento comercial,
LXI. Nunca tiveram, os avalistas, conhecimento das ordens de encomenda, dos pagamentos efetuados ou por efetuar em razão da execução do contrato de fornecimento de café, conforme, aliás, versão unívoca corroborada em sede de depoimento testemunhal tanto pelos cessionários responsáveis pela exploração do estabelecimento comercial, como pelos funcionários da Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., não foram prestadas à sociedade Executada X – Restauração, S. A. quaisquer contas durante o desenvolvimento das relações comercias mantidas entre a Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. e as sociedades cessionárias.
LXII. Assim sendo, no caso e tendo em conta a referida factualidade cabalmente provada nos presentes autos, bem como o teor do acordo de preenchimento do pretenso título emitido em branco, é manifesto que não havia qualquer forma de os avalistas poderem prefigurar a dimensão da responsabilidade por estes assumida ao darem o aval, porque à data da vinculação assumida, a sua responsabilidade não só era indeterminada, como era, para si, absolutamente indeterminável, conforme se infere de forma clara dos factos que se vem de referir.
LXIII. Pelo que, ao não conhecer da referida nulidade do acordo de preenchimento em causa, o Tribunal a quo, violou o disposto n.ºs 1 e 2 do art.º 280º e do art. 400º, ambos do CCiv., art.º 10º da LULL, pelo que, conhecendo da referida nulidade, deverá o Tribunal ad quem declarar os autos principais referentes ao processo executivo principal como extintos na sua totalidade, cfr. o previsto na primeira parte do n.º 4, do art.º 732º do CPC.
Sem prescindir, sempre se diga que

Da nulidade pelo decurso do prazo prescricional

LXIV. Analisando o título conforme foi entregue ao portador (Doc. 7 – junto com a petição inicial dos Embargantes), salta à vista o facto de no mesmo não estar aposta qualquer data de vencimento.
LXV. Por outro lado, não consta do acordo de preenchimento (Doc. 6 junto com a PI de embargos deduzida nos presentes autos), qualquer disposição relativa à data a apor como no título como data de vencimento,
LXVI. Sendo certo que o pretenso título terá sido entregue, e o acordo de preenchimento terá sido celebrado, em momento contemporâneo da celebração do contrato de fornecimento de café, ou seja, a 15.07.2009.
LXVII. A Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. apôs no documento em causa a data de 01.09.2015 como data de vencimento, ou seja, mais de seis (6) anos após a celebração do contrato de fornecimento de café
LXVIII. Para se aferir da correção do preenchimento do referido documento, interessa perceber em que data se deu o incumprimento contratual que fundamentou o preenchimento do título entregue em branco.
LXIX. A Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., imputa o incumprimento contratual à violação das als. a) e b), do n.º 4 da Cláusula 1ª do contrato de fornecimento de café (Doc. 4 junto com a PI de embargos deduzida nos presentes autos), reza assim o referido clausulado invocado pela Exequente,

«O 2º Outorgante obriga-se ainda a:

a) Comprar um mínimo mensal de 136 Kg de CAFÉ T Lote 100% Arábica, já supra indicado, correspondendo ao consumo total mínimo de 6.500 Kgs, até ao termo de vigência do contrato.
b) Empregar todos os meios ao seu alcance para manter as vendas de café no seu estabelecimento, bem como a manter um stock mínimo adequado ao consumo a que se obrigou.»
LXX. É com base no incumprimento do consumo mensal obrigatório, cfr. previsto na al. b) supra citada, que a Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. entendeu estar constituída no direito de preencher a letra em branco entregue.
LXXI. Interessa perceber se, procedendo esse juízo de que o incumprimento do consumo mensal obrigatório implicaria o incumprimento contratual, em que momento é que o incumprimento alegado pela Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. como fundamento para o preenchimento da letra se deu.
LXXII. É, à presente data, claro para os Embargantes/Recorrentes que, conferindo as faturas juntas pela Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. (Docs. 2.2, 2.3, 3.2, 3.3, 6.2, 6.3, 6.4 da Contestação junta aos autos), que nunca o consumo mensal obrigatório foi cumprido. Aliás, desde o primeiro mês de vigência do referido contrato de fornecimento de café (Doc. 4 junto com a PI de embargos deduzida nos presentes autos) que nunca, em nenhum período de 30 dias, as quantidades encomendadas à Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. chegaram, sequer, a aproximar-se dos 136 Kg.
LXXIII. Ora, analisando todas as faturas juntas pela Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., conclui-se que a média de quantidades de café fornecidas, durante a vigência do referido contrato de fornecimento café, não terá atingido os 20Kgs/mês, ou seja, com um déficit médio de 116 Kgs. mensais, todos os meses, desde 15.07.2009.
LXXIV. Ou seja, o incumprimento referido como fundamento para o preenchimento do título, para a sua apresentação a pagamento e para que fosse dado à execução, ocorreu 74 (setenta e quatro) meses antes, há mais de 6 (seis) anos.
LXXV. Por outro lado, a Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., continuou a fornecer café aos cessionários do estabelecimento comercial sem que esse facto se mostrasse como um obstáculo, sendo certo que o contrato de fornecimento de café referia,
LXXVI. o contrato de fornecimento de café que havia sido celebrado com um período de vigência que foi estabelecido em 4 (quatro) anos, período esse renovável automaticamente. Neste sentido, veja-se a Cláusula 6ª do convénio
«1º. O presente contrato tem início na data da sua assinatura e, na hipótese de total cumprimento, a duração de quatro anos, renovando-se automaticamente por iguais períodos de tempo se não for expressamente denunciado por qualquer das partes, através de carta registada com aviso de receção, 30 dias antes do seu termo de vigência.
Se decorridos quatro anos da data do início do contrato, o 2º Outorgante não tiver atingido o volume de compras a que se obrigou em 1, 1º e 4º al. a), o período de duração do contrato será determinado no momento em que tal volume de compras se encontre concretizado.» (negrito e sublinhado nossos)
LXXVII. Ou seja, de acordo com este clausulado, a Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. passados 48 (quarenta e oito) meses, 4 (quatro) anos, de consumos médios de 20 Kgs/mês, i. e., com um déficit relativamente ao consumo mensal obrigatório a rondar os 116Kgs/mês, não só permaneceu na inerte, nunca achando verdadeiramente estar constituída no direito de preencher a pretensa letra de câmbio, e não estava de facto, conforme se verá melhor infra, como se conformou com a renovação do referido contrato, no dia 15.07.2013.
LXXVIII. Só passados mais de 2 (dois) anos e 26 (vinte e seis) meses depois da renovação do contrato, entendeu a Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. apor a data de vencimento à letra em branco entregue a 15.07.2009,
LXXIX. Ora, e salvo melhor opinião, este preenchimento não é legítimo, e muito menos fundado em razões suscetíveis de o legitimarem, pois, por um lado, do acordo de preenchimento - Doc. 6 junto com a PI de embargos deduzida nos presentes autos – não consta qualquer disposição relativa ao preenchimento da data de vencimento na letra entregue em branco,
LXXX. Por outro lado, a Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. Cfr. Docs. 6.1 junto com a Contestação junta aos autos – pretendeu resolver o contrato de fornecimento em causa nos autos com fundamento na violação das als. a) e b) do n.º 4 da Cláusula 1.ª do Convénio, que rezam assim

«O 2º Outorgante obriga-se ainda a:

a) Comprar um mínimo mensal de 136 Kg de CAFÉ T Lote 100% Arábica, já supra indicado, correspondendo ao consumo total mínimo de 6.500 Kgs, até ao termo de vigência do contrato.
b) Empregar todos os meios ao seu alcance para manter as vendas de café no seu estabelecimento, bem como a manter um stock mínimo adequado ao consumo a que se obrigou.»
LXXXI. A Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. não alegou e nem sequer produziu qualquer indício de prova, porque para todos os efeitos não o lograria fazer tendo em conta a inexistência de qualquer factualidade que o pudesse sustentar, quanto à verificação da ocorrência de qualquer circunstância que preenchesse a transcrita al. b) do n.º 4 da Cláusula 1.ª do contrato de fornecimento de café em causa, tendo, aliás, da prova documentada e adquirida nos autos resultado precisamente o contrário,
LXXXII. Ou seja, a sociedade Executada X – Restauração, S. A. envidou todos os esforços no sentido de garantir que o café consumido no referido estabelecimento comercial fosse sempre o café de marca T, fornecido pela Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda..
LXXXIII. Pelo que, a Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. apenas poderá ter querido preencher o referido título com fundamento no incumprimento da al. a) do n.º 4 da Cláusula 1.ª do contrato de fornecimento de café, ou seja, com fundamento num incumprimento do consumo mensal obrigatório ocorrido 6 (seis) anos antes do preenchimento, em 01.09.2015.
LXXXIV. Ora, no caso de omissão de disposição expressa no acordo de preenchimento quanto à data de vencimento e quanto ao prazo para preenchimento do título, tal não pode significar a perpetuação da obrigação cambiária, sob pena de se estar a modificar o prazo legal de prescrição e, como tal, ser nulo o negócio cambiário assim constituído, cfr. o previsto no art.º 300º do CCiv..
LXXXV. Assim, dever-se-á entender que o prazo para preenchimento e exercício do direito decorrente do título cambiário se iniciou com o primeiro incumprimento em relação ao consumo mensal obrigatório, ou seja, a 15 de Agosto de 2009, quando estava decorrido um mês sobre a celebração do contrato de fornecimento de café.
LXXXVI. Sendo certo que, após o decurso de 3 (três) anos sobre aquele facto, i. e. a partir de 16 de Agosto de 2012, encontrava-se a Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. impossibilitada de preencher o título de forma eficaz, cfr. o art.º 70 da LULL,
LXXXVII. É, aliás, isso que se retira da interpretação conjunta do contrato de fornecimento de café com o acordo de preenchimento, referindo aquele convénio, cfr. Cláusula 10ª do Doc. 6 junto com a PI de embargos deduzida nos presentes autos
«Como garantia das obrigações de restituição e indemnização, o 2º Outorgante entrega nesta data a B. S., Lda., uma letra […] cujos montantes e data de vencimento, serão preenchidas por B. S., Lda., se e na medida em que tal obrigação de restituição ocorrer(negrito e sublinhado nossos)
LXXXVIII. Pelo que, de acordo com esta Cláusula, sempre deveria a letra ter sido preenchida com data de vencimento do dia em que ocorreu o fundamento de incumprimento invocado pela Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda..
LXXXIX. Sobre este aspeto, e neste sentido, veja-se a posição de CAROLINA CUNHA,
«[…] a verificação do pressuposto a que o preenchimento está submetido faculta-nos a determinação da data de vencimento que deve ser aposta no título e assim acaba, reflexamente, por traçar um limite factual taxativo ao exercício da faculdade de preenchimento: pode ocorrer até ao final do prazo de prescrição cambiária.»
XC. Assim, ao decidir em sentido diferente do peticionado, o Tribunal recorrido violou, nomeadamente, o disposto no art.º 300º do CCiv., no o art.º 70 da LULL, art.º 10º da LULL,
XCI. Pelo que, conhecendo da errónea qualificação jurídica dos factos, deverá o Tribunal ad quem revogar a sentença proferida e declarar os autos principais referentes ao processo executivo principal como extintos na sua totalidade, cfr. o previsto na primeira parte do n.º 4, do art.º 732º do CPC.

IV - Da falta de preenchimento dos pressupostos da resolução contratual

XCII. A sociedade Exequente pretendeu resolver o contrato de fornecimento de café em causa nos autos, preenchendo subsequentemente a letra entregue em branco, com fundamento nas als. a) e b) do n.º 4 da Cláusula 1ª do contrato de fornecimento de café em causa nos autos, já supra transcritas.
XCIII. Resultando largamente provado dos autos que, apesar de tudo quanto se vem de dizer quanto à validade do referido contrato, do que não se prescinde, que a sociedade Executada a X – Restauração, S. A. tudo fez no sentido de garantir que no referido estabelecimento fossem vendidos, em exclusivo, os produtos de marca “CAFÉ T” referidos no contrato.
XCIV. A sociedade Exequente só poderia pretender resolver o contrato com fundamento na al. a) do n.º 4 da Cláusula 1ª, relativa aos consumos obrigatórios de café.
XCV. Desde já se esclarece que a mesma não foi também violada pela sociedade Executada, pois, se por um lado aquele dispositivo previa como obrigação a compra de um mínimo mensal de 136 Kg de café e um total de 6.500Kgs durante a vigência do contrato à sociedade Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda.,
XCVI. Não deixa de ser também correto afirmar que o mesmo contrato previa no n.º 1 da Cláusula 6ª a sua vigência por 4 (quatro) anos, sendo certo que tal período de vigência dever-se-ia considerar automaticamente prolongado até que fosse atingido o volume de compras estatuído na al. a) do n.º 4 da Cláusula 1ª, conforme o disposto no segundo parágrafo do n.º 1 da Cláusula 6º do contrato, cfr. Doc. 4 junto com a PI de embargos deduzida nos presentes autos,
«Se decorridos quatro anos da data do início do contrato, o 2º Outorgante não tiver atingido o volume de compras a que se obrigou em I, 1º e 4º al. a), o período de duração do contrato será determinado no momento em que tal volume de compras se encontre concretizado e pago.» (negrito e sublinhado nosso)
XCVII. Resulta, pois, inquestionavelmente e sem qualquer condicionalismo referente à aceitação ou não da sociedade Exequente que, não sendo o consumo contratado atingido na vigência determinada para o contrato, este veria a sua vigência prorrogada até que tal volume fosse atingido.
XCVIII. Acresce a todo este clausulado o comportamento da própria sociedade Exequente que, tendo tido conhecimento dos consumos praticados desde o primeiro mês de vigência do contrato em causa, sempre soube que o consumo médio mensal, e como tal o volume de encomendas de café, se cifrava à volta dos 20 kgs/mês, bem longe dos 136 kgs/mês contratados e necessários para que o contrato fosse cumprido no prazo de 4 (quatro) anos de vigência determinados.
XCIX. Ora, do que ficou manifestamente expresso no segundo parágrafo do n.º 1 da Cláusula 6º do contrato, bem como daquilo que foi o comportamento da sociedade Exequente ao longo de toda a vigência do contrato, nomeadamente quando deixou o período inicial de vigência de 4 (quatro) anos sem nada fazer, só se pode entender que a referida al. a) do n.º 4 da Cláusula 1ª do contrato não tem o alcance que agora a sociedade Exequente lhe pretendeu dar.
C. Pelo que, sempre deverá a resolução operada ser considerada inválida, tendo em conta que não houve qualquer incumprimento contratual por parte da sociedade Executada X – Restauração, S. A. que a fundamentasse e consequentemente, ser considerado que a sociedade Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. não se encontrava munida do direito de preencher a letra de câmbio entregue em branco nos termos em que o fez.

V - Da nulidade da cláusula penal prevista no contrato

CI. Ainda que se entenda que, no caso, o contrato em causa não é inválido, hipótese que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se conjetura, sempre se diga que a cláusula que fundamenta a liquidação da quantia exigida nos presentes autos executivos é nula, manifestamente excessiva e a sua exigência configura-se como um direito, a existir, exercitado de forma abusiva, conforme ficará infra melhor demonstrado.
CII. Conforme já ficou referido, o contrato em referência previa a obrigação de consumo mínimo mensal de 136 kgs de café, bem como, postulava um consumo total, durante os 4 (quatro) anos de vigência inicialmente prevista para o contrato, de 6.500kgs de café, cfr. a al. a) do n.º 4 da Cláusula 1ª do contrato (Doc. 4 junto com a PI de Embargos).
CIII. Por outro lado, previa o n.º 2 da Cláusula 6ª do contrato (Doc. 4 junto com a PI de Embargos) que o preço a cobrar pela sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. seria de € 25,00/kg.
CIV. Ora, tendo sido consumidos e pagos pelas entidades terceiras, cessionárias do estabelecimento comercial em causa nos autos, 680Kgs, durante seis anos da vigência do contrato e a uma média a rondar os 20Kgs/mês, entendeu a sociedade Exequente que resolvendo o dito contrato, resolução esta inválida e em violação das previsões contratuais bem como do comportamento contratual da Exequente, ter direito a uma indemnização calculada pela quantidade total prevista no contrato e não adquirida ao valor contratualmente fixado por kg, ou seja, entende a sociedade Exequente ter direito a receber € 145.500,00 (cento e quarenta e cinco mil e quinhentos euros) (5.820 (6.500 – 680 = 5.820) * € 25,00 = € 145.500,00) a título indemnizatório pelo incumprimento do contrato.
CV. Sempre se diga que uma cláusula penal estipulada nestes termos é sempre uma cláusula penal abusiva e manifestamente excessiva, como aliás é entendimento pacífico da jurisprudência, pois a ter-se como válida a referida cláusula penal, a sociedade Exequente sempre receberia a totalidade do valor do contrato (€ 162.500,00), tendo, no entanto, apenas procedido à entrega de café no valor de € 17.000,00, sendo certo que este valor foi confessadamente pago pelas sociedades cessionárias do estabelecimento comercial em causa.
CVI. Ou seja, para todos os efeitos, a entender-se a referida interpretação como válida, a sociedade Exequente sempre receberia a totalidade do valor do contrato, tendo apenas prestado café no valor aproximado de 1/10 (um décimo) da totalidade do contrato.
CVII. Ora, diretamente desta inferência resulta a manifesta excessividade de uma cláusula assim prevista, pois constituiria a Exequente na abusiva posição de receber a totalidade do preço sem ter que cumprir com mais do que uma pequeníssima parte da sua obrigação, bem como exoneraria a sociedade Exequente B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. dos custos inerentes à obrigação de prestar os remanescentes 5.820kgs de café.
CVIII. Por outro lado, conforme nos dizem as regras da experiência comum, o preço por kg fixado contratualmente comporta, de forma inerente a essa determinação, um juízo sobre o custo de produção de cada kg, que acaba sempre por redundar numa margem, muitas vezes abaixo dos 30%, de lucro sobre o preço total faturado pelo café produzido.
CIX. Ora, a considerar-se válida a cláusula penal ora colocada em causa, o lucro obtido pela sociedade Exequente seria manifesta e desproporcionalmente superior ao seu interesse positivo no cumprimento do contrato,
CX. Ou seja, todo o montante que a Exequente pretende receber (€ 145.500,00) e pelo qual preencheu a letra de câmbio, seria lucro, dada a inexistência de qualquer custo de produção associada.
CXI. Por outro lado, não se pode incluir no âmbito da cláusula penal prevista contratualmente, o valor de € 16.917,00 referentes a material emprestado pela sociedade Exequente à sociedade Executada, pois resulta expresso do Anexo I contrato de café (Doc. 4 junto com a PI de Embargos) junto aos autos e cujo teor não foi impugnado, o referido equipamento foi entregue, e reservada a sua propriedade para a sociedade Exequente, a título de contrapartida pela publicidade da marca “CAFÉ T” no estabelecimento comercial em causa nos autos.
CXII. Aliás, não só a publicidade foi efetivamente prestada, como foi prestada em excesso, dado que, concretizando-se a publicidade contratada como contrapartida na utilização de “... Café” publicitárias e tendo o contrato em causa um período de vigência inicialmente contratado em 4 (quatro) anos, ou seja, de 15.07.2009 a 15.07.2013, a realidade é que o uso das referidas “... Café” publicitárias prosseguiu até à data em que a Exequente pretendeu resolver o contrato, ou seja, em 01.09.2015
CXIII. É, pois, de fácil percepção que não só a contrapartida contratada para o empréstimo dos equipamentos foi, efetivamente, cumprida, como, também, ficou a sociedade Executada a haver da Exequente o equivalente a mais de 2 (dois) anos de publicidade, entre 16.07.2013 e 01.09.2015, sem que tenha sido prestada qualquer contrapartida.
CXIV. Não relevará, também, o desgaste de um uso normal do referido equipamento, dado que ao empréstimo de equipamentos correspondeu uma contraprestação que, conforme já ficou demonstrado, foi efetivamente entregue, cfr. o Anexo I do contrato de fornecimento de café (Doc. 4 junto com a PI de Embargos) e sendo certo que, nesse equilíbrio de prestação/contraprestação a Exequente e a Executada ponderando, certamente, o desgaste entretanto ocorrido no equipamento em causa.
CXV. Por outro lado, conforme nos diz o ponto II do Sumário do Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Proc. nº 1057/12.7TBVLG, de 21-02-2018, em caso análogo,
«II- É manifestamente excessiva a cláusula penal prevista para o incumprimento da obrigação de compra do montante total de quilogramas de café que o adquirente se obrigou a comprar em certo período de tempo fixada em montante unitário igual ao que seria devido no caso de fornecimento efetivo de café.» (negrito e sublinhado nossos)
CXVI. Pois será sempre correto afirmar que pretender obter o cumprimento do preço acordado para a totalidade de um contrato em que apenas se cumpriu pouco mais de um décimo (1/10), ou seja, sem que se tenha tido os custos de produção inerentes à grande parte do contrato (aproximadamente 9/10) a título indemnizatório e de cláusula penal, não só é manifestamente abusivo e excessivo, como revelador da má fé da Exequente, pois enquanto a sociedade Executada diligenciava pela continuidade do consumo de produtos marca “CAFÉ T” esta sempre teria mais interesse na resolução contratual enquanto opção mais lucrativa.
CXVII. Aliás, neste sentido de razoabilidade e manutenção da boa fé nas relações contratuais, manifestou-se o Supremo Tribunal de Justiça no Proc. n.º 1303/11.4TBGRD.C1.S1, de 10-10-2013, em situação análoga, da seguinte forma,
«VI - O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento de uma cláusula penal, nem pode – em caso algum – exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal – art. 811.º do CC.
VII - É abusiva a cláusula penal na parte em que refere que a indemnização pelo incumprimento deverá ser igual ao valor das bebidas não adquiridas, na medida em que se é certo que a Autora não auferiu o lucro dessas vendas, não é menos certo que não suportou as despesas que ressaltariam desse fornecimento.» (negrito e sublinhado nossos)
CXVIII. Ora, se a Exequente nos autos não auferiu o lucro das vendas de café contratadas, não deixa de ser incontrovertível que não teve de suportar as despesas inerentes ao fornecimento das quantidades de café contratadas.
CXIX. E ainda que se pretenda analisar o complexo contratual em conjunto para apurar da excessividade da cláusula, como pretendeu o Tribunal a quo, muito para além da factualidade apurada nos autos e por vezes contrariando a prova produzida e não impugnada nos autos,
CXX. Sempre valerá o que nos diz aquele Supremo Tribunal no Acórdão do STJ no Proc. n.º 2042/13.7TVLSB.L1.S1, de 16-03-2017, pois
«Tal não significa que a aludida cláusula não possa ou não deva ser considerada manifestamente excessiva, nos termos do n.º 1 do art. 812.º do CC, e passível de redução equitativa, como no caso da mesma proporcionar ao fornecedor/fabricante um proveito francamente superior ao cumprimento do contrato, porquanto lhe permite receber o correspondente ao preço total dos produtos objeto do contrato, sem incorrer nos correspondentes custos, designadamente, de produção e de transporte, para além de ficar com a possibilidade de vender a terceiros a totalidade dos litros das bebidas negociados e não adquiridos.» (negrito e sublinhado nossos)
CXXI. Assim, a cláusula penal em causa, na medida em que confere à prestadora uma situação patrimonial mais favorável que aquela que ocorreria se o contrato tivesse perdurado até ao fim, ultrapassando largamente o âmbito de uma prestação indemnizatória atribuidora de uma indemnização por interesse contratual positivo e com carácter mais amplo e abrangente do que a resultante das regras gerais aplicáveis em sede de resolução do contrato, dever-se-á ter como nula nos termos do previsto, por proibida, pelo art. 19.º, al. c), da LCCG.
CXXII. E, ainda que assim não seja, sempre se diga que está vedado à sociedade Exequente exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da prestação principal, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 811º do CCiv., com no caso está manifestamente a fazê-lo.
CXXIII. Por outro lado, ainda que assim não se entenda e conforme já foi sendo referido e comprovado, a cláusula penal constante do referido contrato é manifestamente excessiva, por isso mesmo e em todo o caso deverá ser reduzida pelo Tribunal ad quem de acordo com um juízo de equidade, cf. o previsto no n.º 1 do art.º 812º do CCiv..
CXXIV. Ora, tendo o Tribunal ad quem, considerado improcedente o peticionado pelos Embargantes a este propósito, sempre se deverá ter a sentença recorrida como violadora dos normativos que se vem de referir, devendo o Tribunal ad quem conhecer dessa mesma violação revogando-a e pronunciando-se de acordo com o alegado.

Termos em que, com o mui Douto suprimento de V. Exas. deve ser dado o provimento ao presente Recurso, revogando-se conforme o alegado a sentença recorrida.

A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação, concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:

I - A Douta Sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura, devendo os factos dados como provados serem considerados como definitivamente assentes e, bem assim, a matéria de Direito àqueles aplicada, porquanto, o processo de formação da convicção dos factos provados, e não provados, pelo M.mo Juiz a quo e seu enquadramento jurídico, revela-se irrepreensível, explanado de forma lógica e através de um percurso sequencial adequado, além de solidamente alicerçado na constatação, articulação e encadeamento da prova produzida, não resultando, do recurso interposto quaisquer elementos que façam soçobrar a decisão proferida.
II - O recurso interposto pelos Recorrentes abrange a Sentença na sua totalidade, pois que, tudo questionam, id est, esboçam impugnação quer no tocante à matéria de facto, quer no concernente ao Direito aplicado.
III - Porém, salvo melhor entendimento, não assiste razão aos Recorrentes, pois que, só por erro grosseiro na análise da prova produzida nos Autos, poderia o M.mo Juiz a quo decidir no sentido preconizado por aqueles, sendo irrepreensível o veredicto proferido, conforme passaremos a demonstrar.

Atentemos,

IV - Previamente, é mister constatar que, salvo melhor opinião, não é lícito aos Recorrentes prevalecer-se dos meios de defesa que elencam como fundamentos do recurso, por a tanto obstar o disposto nos arts. 17º e 32º, da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças, dos quais decorre que o vínculo que liga o portador da letra e o avalista é de natureza estritamente cambiária, sendo o aval uma garantia objetiva do próprio pagamento da letra, não podendo o avalista opor ao portador os meios de defesa atinentes à relação jurídica subjacente, - entre o sacador e o subscritor avalizado -, relação essa que representa, para o avalista, res inter alios acta.
V - Assim sendo, atenta a natureza do aval, como ato cambiário abstrato e, bem assim, moderando o Direito adjetivo ao Direito substantivo, como impõe a hierarquia das normas, não deverá este Venerando Tribunal da Relação conhecer do recurso interposto, precisamente, por não ser lícito aos avalistas, Recorrentes solitários, - visto que a avalizada não recorreu da decisão proferida -, opor à Recorrida os meios de defesa assentes na relação substancial entre o portador e o subscritor avalizado, ainda que encorpados em fundamentos de recurso.

Sem desmerecer, mas caso assim não se entenda,

VI - Importa que notar que, ao contrário do proposto pelos Recorrentes, inexistem motivos que importem a alteração da matéria de facto, por duas ordens de razão.
VII - Primo, debruçando-nos sobre o articulado recursivo, verificamos que os Apelantes, não obstante impugnarem a decisão da matéria de facto, não deram integral cumprimento aos ex lege determinados ónus, - inscritos nos arts 639º e 640º, do CPC -, nomeadamente aos consignados sob o artigo 640º, nº 1 als. a), b) e c), daquele compósito normativo, pelo que, não se acha o Tribunal ad quem habilitado a conhecer da impugnação da matéria de facto, devendo ser rejeitado o recurso nesta parte.
VIII - Secundo, mesmo que assim não se entenda, - hipótese que se coloca por cautela de patrocínio -, considerando este Venerando Tribunal da Relação que está em condições de conhecer do objeto de recurso -, é mister notar que não cumpre à Instância Recursiva realizar novo julgamento, mas, tão-só, reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados.
IX - Com efeito, é o Juiz a quo que contacta pessoalmente com as partes e com as testemunhas, colhendo, além das respetivas declarações, os gestos, expressões, confortos, desconfortos e outras particularidades insuscetíveis de ser sindicadas pelo registo fonográfico, sendo o magistrado que mais se imiscui na contenda e, por inerência, o seu avaliador privilegiado no tocante à matéria de facto.
X - No evento em apreço, a convicção do Tribunal a quo fundou-se na análise, crítica e conjugada, dos depoimentos das partes e das testemunhas e dos documentos juntos aos autos, à luz das regras da experiência comum e norteada pelo princípio da livre apreciação da prova – cfr. art. 396º, do Código Civil ., tendo o M.mo Juiz a quo apreendido, corretamente, a matéria de facto dada como provada, o que determinou a total improcedência dos Embargos de Executado deduzidos.
XI - O Tribunal a quo, apreendeu, irrepreensivelmente, o pedaço de vida em apreço, - quer a relação cambiária, quer a substancial -, assim como, verificou não ter ocorrido a relação de garantia que nos vem narrada no Recurso interposto e se reputa como vero produto da imaginação dos Recorrentes, pois que, não tem qualquer aporte à prova documental.
XII - Destarte, ao contrário do veiculado pelos oras Recorrentes, não se verifica, nos presentes autos, a necessidade de modificar a matéria de facto consignada na Sentença sob recurso, seja pela amputação de alguns pontos, seja pela adição de outros, na medida em que, não há onde afiliar qualquer erro da 1ª Instância na apreciação e julgamento da matéria de facto, impondo- se a improcedência do recurso nesta parte.

Sem desmerecer, centrando-nos agora no arrazoado quanto à qualificação jurídica dos factos, importa concluir o sequente:

XIII - Não é de acolher a aventada tese da incapacidade da sociedade X, S. A., por toda a alegação desenvolvida pelos Recorrentes assentar na reconstrução da realidade que empreendem com vista a fazer vingar a asserção de que se estabeleceu inter partes uma relação de garantia, a qual não tem qualquer encontro com a realidade, quedando, ao invés, irrepreensível o ajuizado pelo Tribunal a quo, que nesta sede secundamos e damos por reproduzido em rebate ao alegado e concluído pelos Recorrentes
XIV - Outrossim, mesmo a conceber-se o conjeturado pelos Recorrentes, - que se analisa por cautela de patrocínio -, a aventada incapacidade seria inoponível à ora Recorrente, não afetando a responsabilidade de todos os Executados, conforme prescrevem os artigos 6º, nºs 4 e 5, 72º, nº 1, 79º, nº 1, 64º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais. Perante a ora Recorrida, sempre seria a Executada pessoa coletiva responsável pelo pagamento das quantias inscritas no título executivo, a saber, a letra entregue, (tal qual os ora Recorrentes, enquanto avalistas), assim como, pelo cumprimento, ou consequências do incumprimento, do contrato outorgado, (a relação substancial), o que, em todo o caso, importa a falência integral, o alegado e concluído pelos Recorrentes neste conspecto.
XV - De igual guisa, não é de acolher a ambicionada nulidade do título por falta de forma e consequente inexequibilidade, porquanto, conforme notou o Tribunal a quo, esbarra e soçobra ante o acervo normativo relevante e, bem assim, ainda, na jurisprudência provinda do topo da pirâmide Judiciária, a saber, o Acórdão uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 1/2002, de 06/12/2001, instruiu a posteridade nos moldes sequentes: “A indicação da qualidade de gerente prescrita no nº 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do artigo 217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.”. Ora, no caso em apreço, face à abundância de documentos que definiam a relação estabelecida inter partes, quer no plano contratual, quer no plano cambiário, dúvidas não subsistiam quanto à qualidade dos intervenientes, conforme muito bem notou o Tribunal a quo, o que radica na conclusão que o título executivo comunga de exequibilidade intrínseca e extrínseca, impondo-se, consequentemente, a improcedência do recurso apresentado, nesta parte.
XVI - Outrossim, mesmo que assim não fosse, hipótese que apenas se concebe por cautela de patrocínio, sempre soçobraria a pretensão dos Recorrentes, avalistas, em face do disposto nos arts. 7º e 8º, da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças, dos quais decorre que os avalistas da sociedade subscritora da letra não podem invocar perante o sacador e portador da mesma a falha de representação.
XVII - Idem, não é de acolher a maquinada nulidade do acordo de preenchimento, porquanto, a letra ofertada nos autos de jaez executiva como título executivo, foi entregue, em branco, à Recorrida, aquando da celebração do contrato de fornecimento de produtos da marca “CAFÉ T”, e bem assim, da “AUTORIZAÇÃO DE PREENCHIMENTO DE LETRA”, aportados aos autos, existindo assim pacto de preenchimento da letra, sendo este último pacto de inteligibilidade evidente, porquanto, ali se acham inscritos, entre o mais, os seguintes dizeres: “1. Valor a pagar: o correspondente às facturas, juros de mora e indemnização devida nos termos contratuais. / 2. Data da emissão: não poderá ser anterior ao 8.° dia posterior ao da carta em que seja solicitado o pagamento, à nossa empresa, das quantias em débito.
XVIII - A emissão de letra em branco é admissível nos termos do art. 10º, da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças, passando esta a produzir todos os efeitos próprios após o preenchimento, sendo que, in casu, a letra foi preenchida em conformidade com aquele pacto de preenchimento, constituindo os Embargantes, incluindo os Recorrentes, como obrigados cambiários ao pagamento da quantia nela inscrita em obediência àquele pacto prévio, conforme disposto pelo art. 28º da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças, inexistindo, pois, fundamento algum onde afiliar a nulidade da letra, assim como, do pacto de preenchimento, devendo judiciar-se improcedente tudo quanto vem alegado neste sentido.
XIX - Ibidem, não deve merecer qualquer hospedagem a almejada nulidade por indeterminabilidade, porquanto, tal qual observou o Tribunal a quo, depois de meditar profundamente sobre a questão, resulta dos factos alegados e provados a efetiva celebração de um pacto de preenchimento da letra, assim como, de um contrato, que permitem determinar, por mero cálculo aritmético, os valores em dívida que poderiam ser apostos na letra exequenda.
XX - De igual feição, é imperativo desatender a pretendida nulidade pelo decurso do prazo prescricional, desde logo, por a questão ser levantada apenas em sede recursiva, em ostensiva violação do princípio da concentração da defesa, legalmente consignado no art. 573º, do CPC, que cumpria aos ora Recorrentes observar, porquanto, achando-nos no âmbito de Embargos de Executado, o articulado despoletador deste apenso de jaez declarativa, enxertado na execução, ainda que configurado como petição inicial tem uma inegável ligação instrumental e funcional à ação executiva em que se enxerta, assumindo, materialmente, o papel de uma verdadeira contestação, pois que, não o olvidemos, nasce já em rebate ao um Requerimento Executivo, estribado num título Executivo, dos quais emerge e nos quais se estriba e explana a causa petendi e se formula o petitum.

Sem conceder,

XXI - Caso assim não se entenda, satisfaz notar que também, neste particular não assiste qualquer razão ao ensaio esboçado pelos Recorrentes, na medida em que a letra presenteada como título executivo nos autos principais foi entregue, em branco, - art. 10º, da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças -, à ora Recorrida por ocasião da celebração do contrato de fornecimento de produtos da marca “CAFÉ T”., passando a produzir todos os efeitos próprios após o preenchimento. De facto, nos termos do art. 70º, da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças, as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento, sendo esta a data que o Legislador fixou como relevante para efeitos de contagem da prescrição.
XXII - Já no plano contratual contemporâneo da entrega da letra em branco, onde se regula o seu preenchimento, (a relação substancial), colhe aplicação o artigo 309º, do C. Civil, segundo o qual, é de vinte anos o prazo de prescrição.
XXIII - Destarte, da conjugação dos mencionados normativos, resulta que, sem qualquer sofisma, enquanto a letra não for preenchida e nela inserida a data de vencimento, não começa o prazo de prescrição da obrigação cambiária, importando judiciar improcedente a invocada prescrição por carecer, em absoluto de fundamento legal.
XXIV - Ademais, não é asilar a cobiçada falta de preenchimento dos pressupostos da resolução contratual, por consubstanciar mera opinião discordante dos Recorrentes relativamente ao que, devidamente fundamentado, prevaleceu na decisão sob impugnação. Tal qual entendeu o Tribunal a quo, interpretando devidamente a integralidade do contrato acomete à repleção que a ora Recorrida poderia resolver contrato no caso de algum incumprimento de aquisição mínima mensal, sob pena de ficar sujeita a nunca poder resolver, sendo certo que, foram alocadas aos autos diversas missivas das quais resulta que a ora Recorrida sempre interpelou a Executada pessoa coletiva, com conhecimento dos Recorrentes no sentido de cumprir o contrato e, bem assim, missivas onde a aqui Recorrida resolveu o contrato disso dando conhecimento a todos os Executados, incluindo os aqui Recorrentes, os quais, invariavelmente, insistiam junto daquela pela manutenção do contrato.
XXV - Enfim, não é de acolher a proposta nulidade da cláusula penal prevista no contrato, assim como, a sua excessividade, atento o mesuradamente perscrutado na Sentença proferida pela primeira instância, onde, o M.mo Juiz a quo, depois de considerar todo o quadro normativo relevante e, bem assim, atentar e acolher o ensinamento que nos é legado pela Jurisprudência, baixou ao caso concreto, destacando as singularidades que justificam no prazo em apreço quer a validade, quer a amplitude da cláusula penal.
XXVI - Destarte, secundando tal juízo que, por exemplar, nos permitimos transcrever em sede de alegações, é mister considerar neste remate conclusivo o avultado investimento que a exequente fez no início do contrato sem nenhuma contrapartida efetiva imediata, - € 76.917,00 -, esperando, legitimamente, o retorno traduzido na venda futura de café, o que, naturalmente, pressupõe que o cliente seja obrigado a adquirir determinada quantidade de café durante certo período de tempo e se estabeleça uma cláusula penal para o caso de incumprimento do contratado. Tendo presente este quadro, atentas as não despiciendas minudências do caso concreto, bons id est, os bons frutos que colheram, quer os Recorrentes, quer a Executada pessoa coletiva, da ligação que mantiveram com a Recorrida, redunda que o montante da cláusula penal corresponde a € 11,78 por cada Kg de café não consumido, o qual não se afigura excessivo, num quadro negocial como o dos autos, o que importa a falência da almejada nulidade e ou excessividade da cláusula penal ajustada inter partes.

Pelo que,

XXVII - Atingimos a conclusão última, a saber, que bem andou o Tribunal a quo na decisão proferida, a qual permanece irrepreensível, nos seus fundamentos e sentido, e é de manter, porquanto, foram considerados todos os factos relevantes, os quais se acham devidamente ponderados e corretamente subsumidos à Lei aplicável, está fundamentada com precisão e, acima de tudo, fez a devida justiça, impondo-se, concomitantemente, a improcedência total do recurso contra a mesma arremessado.

Nestes termos e nos por V. Ex.as doutamente supridos, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a Sentença recorrida na íntegra e nos seus termos.
*
Corridos os visto legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação são as seguintes:

a- questão prévia suscitada pela apelada, consistente em saber se não tendo a embargante “X – Restauração, S.A.”, interposto recurso da sentença recorrida, que julgou totalmente improcedentes os fundamentos que aquela e os apelantes deduziram em sede de oposição mediante embargos à execução, os apelantes, enquanto avalistas da identificada sociedade, podem opor à apelada as exceções de direito que invocaram e, por conseguinte, impugnar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância na sentença recorrida e, bem assim, o julgamento de mérito nela realizado;
b- em caso de improcedência daquela questão prévia, se os apelantes deram cumprimento aos ónus impostos aos apelantes pelo art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e, no caso negativo, quais as consequências daí decorrentes;
c- caso os apelantes tenham cumprido com esses ónus, se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento quanto à matéria de facto realizado pela 1ª Instância:
c.1- ao considerar provada a matéria dos pontos 36º e 37º e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova dessa materialidade fáctica;
c.2- ao considerar provada a matéria do ponto 27º e se uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe alterar os factos considerados provados pela 1ª Instância nesse ponto, julgando provada a seguinte matéria de facto:
c.3- ao não considerar como provada, sequer como não provada, a materialidade fáctica que se segue e se uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela prova dos seguintes factos:
B - «O contrato de fornecimento de café celebrado entre a sociedade X – Restauração, S. A. e a sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., apenas não foi celebrado entre esta e a Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA. em virtude de esta se encontrar, à data, ainda em processo de constituição enquanto sociedade.»
C - «A sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., na pessoa de A. B., teve conhecimento direto de que, à data em que aquela sociedade celebrou o contrato de fornecimento de café com a X – Restauração, S. A. em causa nos autos, de que esta não tinha intenção de explorar o estabelecimento comercial objeto do fornecimento contratado, naquele ou em qualquer momento.»
D - «A sociedade X – Restauração, S. A., pela pessoa do seu legal representante ou por qualquer outra pessoa, nunca teve conhecimento do fluxo de consumo de café dos cessionários do estabelecimento comercial em causa nos autos, pois estes (Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA. e L. C. UNIPESSOAL, LDA.) sempre se relacionaram de forma direta com a B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., sem prestarem contas dos volumes das encomendas e consumos efetuados.»
E- «As negociações referentes ao contrato de fornecimento de café em causa nos presentes autos, na parte em que se referem ao preço, a consumos obrigatórios, cláusulas indemnizatórias ou pressupostos de incumprimento, foram exclusivamente realizadas entre as sociedades B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. e Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA. nas pessoas do Sr. A. B. e Sr. V. M., respetivamente, não tendo a X – Restauração, S. A. participado nas mesmas, seja pela pessoa do seu administrador único ou por qualquer outra pessoa».
F - «A X – Restauração, S. A. sempre diligenciou no sentido de que os produtos de marca “CAFÉ T” fossem consumidos no estabelecimento “T. C. Café” em regime de exclusividade, mesmo após ter perdido a condição de arrendatária deste estabelecimento comercial. Sendo certo que se a B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. não tem procedido á resolução contratual, ainda hoje o referido estabelecimento, que se encontra em laboração, estaria a consumir os ditos produtos de marca “CAFÉ T”.»
G - «O empréstimo dos equipamentos descritos no Anexo I do contrato de fornecimento de café celebrado entre a B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. e X – Restauração, S. A., foi feito por contrapartida de publicidade, conforme a vontade expressa nos n.º 1, 2 e 3 do referido Anexo I do Contrato (junto como Doc. 4 com a PI de Embargos
d- se a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida:
d.1- ao julgar improcedente a exceção da nulidade dos negócios celebrados, com fundamento em violação do princípio da especialidade do fim que rege as sociedades comerciais, quando em função da matéria fáctica apurada, o contrato de fornecimento de café e a letra dada à execução não passam de uma assunção de dívidas futuras de terceiros por parte da sociedade executada “X”, sem que esta tivesse qualquer interesse próprio que fundamentasse as garantias prestadas a favor desses terceiros, incorrendo a sentença recorrida em violação do disposto nos arts. 6º, n.ºs 1 e 3 do CSC e 294º do CC;
d.2- ao julgar improcedente a exceção da nulidade da letra dada à execução por falta de forma e da consequente inexequibilidade dessa letra, quando desta não consta qualquer menção, designadamente, carimbo, em como a mesma tivesse sido aceite em representação da sociedade executada “X” e quando, à data da aposição das assinaturas nessa letra, no lugar destinado ao aceite, essa sociedade se obrigava apenas pela assinatura de José, que era o seu administrador único, não participando Paulo na administração daquela sociedade, à qual era absolutamente alheio, com o que a sentença recorrida, ao julgar improcedente a enunciada exceção, incorreu em violação do disposto nos arts. 409º, n.º 4 do CSC, 238º, n.º 2, 376º do CC, 1º, 2º, 32º da LULL, 53º, n.º 1, 576º, n.º 2 e 577º, al. e) e 729º, n.º 1, al. c) do CPC;
d.3- ao julgar improcedente a exceção da nulidade do pacto de preenchimento da letra dada à execução por indeterminabilidade do respetivo objeto, quando, em função da matéria de facto apurada, a sociedade executada “X”, desde que celebrou o contrato de fornecimento de café, e até hoje, nunca explorou o estabelecimento “T. C.”; a exequente tinha conhecimento que aquela sociedade executada não tinha qualquer intenção de voltar a explorar diretamente o referido estabelecimento; o contrato de fornecimento de café celebrado sempre foi visto pelos intervenientes como precário em relação às partes, na medida em que a posição assumida pela “X” deveria ser assumida pela sociedade que iria explorar o estabelecimento - a “Y – Restauração e Bebidas, Lda.”; a “X” e os apelantes (avalistas) nunca tiveram acesso aos valores de café encomendados e, de facto, fornecidos pela exequente, sequer tiveram qualquer possibilidade, ao longo da execução desse contrato, de controlar fosse de que forma fosse, o cumprimento deste, tendo todas as transações referentes ao mesmo sido tratadas diretamente entre a exequente e os cessionários, pelo que ao julgar improcedente essa exceção a sentença recorrida incorreu em violação do disposto nos arts. 280º, n.ºs 1 e 2, 400º do CC, 10º da LULL e 732º, n.º 4, 1ª parte do CPC;
d.4- ao julgar improcedente a exceção da nulidade pelo decurso do prazo prescricional, quando do pacto de preenchimento não consta qualquer disposição relativa à data de vencimento a apor na letra dada à execução; a exequente apôs na letra como data de vencimento o dia 01/09/2015 e imputou à “X” a violação das obrigações contratuais previstas nas als. a) e b), do n.º 4 da cláusula 1ª do contrato de fornecimento de café celebrado; das faturas juntas pela exequente aos autos se verifica que nunca o consumo mensal obrigatório de café foi cumprido e quando a exequente não alegou qualquer facto de onde decorra ter a “X” incorrido na violação da al. b), do n.º 4, antes da prova produzida resultou apurado que esta envidou todos os esforços no sentido de garantir que o café consumido no referido estabelecimento fosse sempre café de marca “T”, pelo que o prazo de preenchimento da letra dada à execução se iniciou em 15 de agosto de 2009, altura em que se encontrava decorrido um mês sobre a data da celebração do contrato de fornecimento de café e ocorreu o primeiro incumprimento desse contrato, pelo que, e uma vez decorridos três anos sobre essa data, isto é, a partir de 16 de agosto de 2012, encontrava-se a exequente impossibilitada de preencher a letra dada à execução, pelo que ao decidir em sentido diferente, o tribunal a quo violou o disposto nos arts. 300º do CC, 70º e 10º da LULL;
A propósito desta questão suscita-se a questão prévia, aliás, suscitada pela apelada, sobre se esta questão não consubstanciará questão nova, não suscitada pelos apelantes junto da 1ª Instância e que não é do conhecimento oficioso desta Relação;
d.5- ao julgar improcedente a oposição por falta de preenchimento dos pressupostos da resolução contratual quando a exequente resolveu o contrato de fornecimento de café com fundamento na pretensa violação pela executada “X” das als. a) e b) do n.º 4 da cláusula 1ª do contrato de fornecimento de café, mas da prova produzida resulta apurado que a executada tudo fez no sentido de garantir que no estabelecimento comercial fossem vendidos, em exclusivo, produtos da marca “CAFÉ T” e quando se verifica que ao longo da vigência do contrato de fornecimento de café, nunca foi atingido o consumo mínimo de café acordado, facto esse que, conectado com o comportamento assumido pela exequente ao longo da vigência desse contrato, nomeadamente quando deixou decorrer o prazo inicial de quatro anos previsto para a vigência desse contrato, sem nada fazer, designadamente, não o resolvendo, tem de se entender que a referida al. a), do n.º 4 da cláusula 1ª do contrato celebrado não tem o alcance que a exequente agora lhe pretende agora dar, não dispondo esta de fundamento juridicamente válido para resolver o contrato e para preencher a letra dada à execução;
d.6- ao julgar improcedente a nulidade da cláusula penal prevista no contrato com fundamento em ser abusiva e manifestamente excessiva, com o que a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 19º, al. c) da LCCG, 811º, n.º 3 e 812º, n.º 1 do CC.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provados os seguintes factos:

1. Na execução a que os presentes autos estão apensos, a exequente apresentou à execução a letra cujo original se encontra a fls. 9 dos autos executivos, que aqui se dá por reproduzida, contendo inscrito, em algarismos e por extenso, a importância de € 145.750,00, donde consta: no local da data de emissão, 2015-08-22; no local da data de vencimento: 2015-09-01; no local do sacador: “B. S., Lda.”; no local do sacado: “X – Restauração, S.A.”; contendo na parte anterior da letra, a seguir à expressão “Aceite”, duas assinaturas (dos executados José e Paulo); e no verso, a seguir à expressão “Bom para aval ao subscritor”, as assinaturas dos executados José e Paulo.
2. A letra referida em 1. foi emitida como garantia associada ao acordo escrito junto a fls. 47 a 59 deste apenso, que aqui se dá por reproduzido, datado de 15.07.2009, no qual a exequente vem identificada como primeira outorgante, a sociedade executada vem identificada como segunda outorgante, e os executados José e Paulo vêm identificados como terceiros outorgantes.
3. Do acordo referido em 2. constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
“1ª
(...)
4º.O 2º Outorgante obriga-se ainda a:
a) Comprar um mínimo mensal de 136 kg de CAFÉ T…correspondendo ao consumo total mínimo de 6.500 Kgs, até ao termo da vigência do contrato.
(…)

1º Como contrapartida das obrigações assumidas nas cláusulas anteriores, o CAFÉ T colocou à disposição do 1º Outorgante o material e/ou equipamento descritos no Anexo I…bem como a quantia de 60.000,00…a título de Rappel antecipado.
(…)

1º.O presente contrato tem o início na data da sua assinatura e, na hipótese de total cumprimento, a duração de quatro anos, renovando-se automaticamente…
Se decorridos quatro anos da data do início do contrato, o 2º Outorgante não tiver atingido o volume de compras a que se obrigou em I, 1º e 4º al. a), o período de duração do contrato será determinado no momento em que tal volume de compras se encontre concretizado.
2º.O preço do lote é de €uros 25,00/Kg.

1-Qualquer das partes pode rescindir o contrato com efeitos imediatos, por incumprimento da outra parte das obrigações ora assumidas, designadamente a estipulada na cláusula 1ª, n.º 1 e n.º 4 al. a)…
(…)
3-…a violação das obrigações de exclusividade e de consumo mínimo de café…fará incorrer a parte faltosa na responsabilidade de indemnizar o CAFÉ T no montante de 25,00 €uros por cada Kg de café não adquirido.

Os terceiros outorgantes declaram constituir-se fiadores da Segunda Outorgante.
(…)
10ª
Como garantia das obrigações de restituição e indemnização, o 2º Outorgante entrega nesta data…uma letra por ele subscrita, cujos montantes e data de vencimento serão preenchidos por B. S., Lda.,…”.
4. Os executados José e Paulo apuseram as suas assinaturas, sobre carimbo com os dizeres “X – Restauração A Administração” e a seguir à expressão “O(s) aceitante(s), no documento escrito junto a fls. 59 (verso) destes embargos, sob o título “Autorização de Preenchimento de letra”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, além do mais, que:
“X – RESTAURAÇÃO, S.A….representada pelo administrador único Sr. José…autoriza expressamente a sociedade comercial B. S.…a preencher e apresentar a pagamento a letra anexa.
Tal letra é pagável à vista e, no que ao seu preenchimento diz respeito, deverão obedecer às seguintes regras:
1.Valor a pagar: o correspondente às faturas, juros de mora e indemnização devida nos termos contratuais.
(…)
O(s) aceitante(s):
(…)
O avalista: José...
(…)
O avalista: Paulo…
(…)”.
5. Por acordo escrito datado de 23.07.2009, intitulado “Locação de Estabelecimento”, a sociedade executada, na qualidade de primeira outorgante, e a sociedade “Y – Restauração e Bebidas, Lda.”, na qualidade de segunda outorgante, declararam o que consta do documento de fls. 94 a 99, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, declarando nomeadamente a sociedade executada que, “cede…a exploração daquele estabelecimento, pelo prazo, preço e condições constantes dos artigos seguintes” e declarando as partes que “Se o segundo outorgante rescindir este contrato de locação e não tiver cumprido na íntegra as responsabilidades decorrentes do contrato de fornecimento de café, as mesmas recairão na primeira outorgante.”.
6. Por acordo escrito datado de 23.03.2011, intitulado “Contrato de Cessão de Exploração”, a sociedade executada, na qualidade de cedente, e a sociedade “L. C., Unipessoal, Lda.”, na qualidade de cessionária, declararam o que consta do documento de fls. 107 a 111, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente que, “A concessão de exploração é feita pelo prazo de 36 meses…” e que “Na eventualidade de as necessidades de consumo...não cobrirem todos os consumos definidos nos contratos de fornecimento de bebidas e café...são da exclusiva responsabilidade da Cedente todas as consequências resultantes dos inferiores consumos...”.
7. Por acordo escrito datado de 05.03.2014, a sociedade executada, como segunda contraente, e a sociedade “T. C. de Braga, EM, S.A.”, como primeira contraente, declararam o que consta do documento de fls. 121 a 122, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, declarando nomeadamente que, “A segunda contraente entrega nesta data o locado…” e que “A primeira contraente diligenciará para que os futuros inquilinos do locado...consumam café da marca T, em regime de exclusividade...até que perfaça um consumo de 5830 Kg...”.
8. Por carta registada com aviso de receção, a exequente remeteu à sociedade executada o escrito de fls. 66, datado de 11.08.2015, que aqui se dá por reproduzido, de onde consta, entre o mais, que:

“…vimos por este meio rescindir o respetivo contrato, com base no incumprimento, por parte de V. Exas da Cláusula 1ª, ponto n.º 4, alíneas a) e b) do referido contrato.
Tal facto…implica…a obrigação de terem de nos pagar uma indemnização no valor de 145.500,00 €ur, referente a 5.820 Kgs de Café…não adquirido…”.
9. Por carta registada com aviso de receção, foi remetida ao executado José o escrito de fls. 69, datado de 11.08.2015, que aqui se dá por reproduzido.
10. Por carta registada com aviso de receção, foi remetida ao executado Paulo o escrito de fls. 70, datado de 11.08.2015, que aqui se dá por reproduzido.
11. O registo comercial da sociedade executada continha, entre 2009 e 2015, as inscrições que constam da certidão de fls. 77 a 81, cujo teor aqui se dá por reproduzido, contando da mesma, entre o mais, o registo de designação de José como administrador único, sob a ap. 25, de 26.02.2009.
12. Em meados do ano de 2009, a X iniciou negociações com V. M., sócio gerente da sociedade Y – Restauração e Bebidas Lda., com vista a que lhe fosse cedida a exploração do referido estabelecimento.
13. Entre outros contratos com vários fornecedores, a X tinha celebrado anteriormente com a marca S. um contrato de fornecimento de café, em regime de exclusividade.
14. No âmbito das negociações, o gerente da Y deu conta ao administrador da X do seu interesse em que o fornecedor de café fosse a sociedade B. S. Lda., que fornecia o “CAFÉ T”.
15. Foi então que o sócio gerente da Y apresentou ao administrador da executada o Sr. A. B., que visitou o espaço do T. C. Café, demonstrando interesse que, no âmbito da nova exploração, passassem a ser consumidos, em exclusivo, os produtos CAFÉ T.
16. Para viabilizar este desiderato e para que a X pudesse rescindir o contrato de fornecimento com a S., foi-lhe disponibilizada pela B. S. a quantia de € 60.000,00.
17. A exequente B. S. nunca forneceu ou faturou café diretamente à executada X.
18. Era do conhecimento da exequente que a exploração do estabelecimento T. C. Café iria ser feita, pelo menos no início, pela sociedade “Y”,
19. Sabendo a exequente que, pelo menos nessa altura, quem iria encomendar e consumir o café seria a “Y”.
20. A X ou os seus sócios não tinham e não nem têm qualquer interesse ou participação no capital social na sociedade Y – Restauração de Bebidas Lda., e nem esta se trata de sociedade com quem tenham relação de domínio ou de grupo.
21. A Y, entretanto, cessou a actividade e encerrou o estabelecimento, devolvendo à executada o estabelecimento em 2011.
22. Nessa sequência e de modo a, nomeadamente dar continuidade ao contrato de fornecimento de café celebrado com a exequente, a sociedade executada celebrou o contrato acima referido com a empresa “L. C. Unipessoal Lda.”.
23. A partir dessa data e até Agosto de 2013, data em que findou a cessão de exploração, a L. C. Unipessoal Lda. encomendou e consumiu CAFÉ T,
24. que a exequente lhe facturou.
25. A sociedade executada X ou os seus sócios não têm qualquer interesse próprio ou participação na sociedade L. C. Unipessoal Lda., nem existe relação de domínio ou grupo societário.
26. A exequente preencheu a letra com o valor correspondente à indemnização contratual pela falta de aquisição de 5.820kg de café.
27. A letra dada à execução foi entregue em branco, apenas com as assinaturas, tendo sido preenchida posteriormente pela exequente.
28. Os executados José e Paulo pelo menos tomaram conhecimento prévio à assinatura do acordo (referido em 2 dos factos provados) das quantidades de café a adquirir, dos volumes mensais de compra, do preço do café e da indemnização fixada para o caso de incumprimento,
29. Nada tendo oposto a tais cláusulas contratuais.
30. Pelo menos o pagamento da exequente à sociedade executada da quantia de € 60.000,00 prevista no dito acordo foi negociada entre a exequente e a sociedade executada.
31. Tendo os executados pessoa singular acordado previamente constituir-se fiadores no contrato em causa.
32. Além dos 60.000,00 supra referidos como entregues pela exequente à sociedade executada, a exequente ainda colocou no estabelecimento da executada o equipamento indicado no anexo ao contrato referido em 2 dos factos provados,
33. Equipamentos esses que foram valorizados em € 16.917,00.
34. A sociedade executada e a sociedade “S., S.A.” haviam declarado o que consta do acordo escrito de fls. 83 a 87, datado de 15.07.2005, intitulado “Contrato de Fornecimento…”, cujo teor se dá por reproduzido.
35. Pela “rescisão” deste acordo, nas circunstâncias já acima referidas, a sociedade executada pagou à sociedade “S.” a quantia de € 57.535,47.
36. Os executados José e Paulo quiseram assinar a letra referida nos factos provados, por um lado, a título pessoal e na qualidade de avalistas, e, por outro, como representantes de facto e/ou de direito da sociedade executada, com intenção de esta assumir a qualidade de aceitante,
37. Vontade real essa que era do conhecimento da exequente.
38. Antes do envio da carta referida em 8 dos factos provados, a exequente remeteu à sociedade executada, que recebeu:
a. O escrito de fls. 60, datado de 20.11.2012, cujo teor se dá por reproduzido;
b. O escrito de fls. 62 (verso), datado de 17.09.2013, cujo teor se dá por reproduzido.
*
Por sua vez, a 1ª Instância considerou não provados os factos que se seguem:

Não se provaram os seguintes factos potencialmente relevantes:

a) A executada X não teve qualquer intervenção na elaboração do contrato e definição das suas cláusulas, tendo-se limitado a aceitar a proposta de contrato com o clausulado fixado pela B. S. Lda..
b) Quando celebraram o contrato de fornecimento de café referido em 2 dos factos provados, a exequente sabia que nunca iria ser efetuado qualquer fornecimento de café diretamente à X e que esta que nunca iria encomendar ou adquirir qualquer quantidade desse ou dos outros produtos comercializados pela exequente.
c) Quando celebraram o contrato de fornecimento de café referido em 2 dos factos provados, a exequente sabia que o estabelecimento da executada apenas teria capacidade para consumir entre 15Kg a 25Kg por mês, através da venda de “cafés expresso”.
d) As quantidades de café a adquirir, os volumes mensais de compra, o preço do café e a indemnização fixada para o caso de incumprimento foram objeto de discussão/negociação direta entre a exequente e os executados.
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A- FUNDAMENTAÇÃO JURIDICA.

Já se enunciaram supra as concretas questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação, sendo indiscutível que a primeira questão que se impõe tratar é a questão prévia suscitada pela apelada quando sustenta que não tendo a sociedade aceitante da letra dada à execução, a “X”, interposto recurso da sentença recorrida, que julgou totalmente improcedentes as exceções de direito invocadas por esta sociedade e pelos apelantes em sede oposição mediante embargos à presente execução e, encontrando-se, por isso, essa sentença transitada em julgado em relação àquela sociedade, os embargantes, enquanto avalistas desta, nos termos do disposto nos arts. 17º e 32º da LULL, não podem ser admitidos a deduzir os fundamentos de recurso que contra ela deduzem, colocando em crise o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e, bem assim, o julgamento de mérito por esta realizado, julgando improcedentes as referidas exceções de direito, na medida em que o vínculo que liga a portadora da letra e os avalistas é de natureza estritamente cambiária, não podendo, por isso, os apelantes, enquanto avalistas, opor à apelada os meios de defesa atinentes à relação jurídica subjacente estabelecida entre aquela e a sociedade avalizada, sob pena de se estar a negar a natureza do aval prestado pelos apelantes como ato cambiário.

Nesta medida, conclui a apelada, não deverá esta Relação conhecer do recurso interposto pelos apelantes, precisamente por não ser lícito aos avalistas, recorrentes solitários, opor àquela, portadora da letra dada à execução, os meios de defesa assentes na relação substancial estabelecida entre esta e a aceitante avalizada (a sociedade “X”), ainda que encorpados em fundamentos de recurso, sob pena de se incorrer na prática de ato inútil e como tal proibido por lei (art. 130º do CPC).

B.1- Da oponibilidade dos fundamentos de recurso deduzidos pelos apelantes à apelada.

A questão prévia suscitada pela apelada consiste em saber se os apelantes, enquanto avalistas da aceitante da letra dada à execução, podem opor àquela, portadora dessa letra, as exceções de direito fundadas na relação fundamental, subjacente ou causal que justificou a emissão dessa letra.
A letra dada à execução encontra-se junta a fls. 9 dos autos executivos e contém inscrito, em algarismo e por extenso, as menções elencadas no ponto 1º dos factos apurados, onde constam, nomeadamente, no local do sacador: “B. S., Lda.” (a aqui apelada); no local do sacado: “X – Restauração, S.A.”; na parte anterior da letra, a seguir à expressão “Aceite”, as duas assinaturas da autoria dos aqui apelantes, José e Paulo; e no respetivo verso, a seguir à expressão: “Bom para aval ao subscritor”, as assinaturas dos mesmos apelantes.
Por sua vez, é pacífico nos autos que a identificada letra é uma letra que foi emitida em branco.
Deste modo, atento o princípio da literalidade que informa os títulos de crédito, pela simples análise da letra dada à execução, não sofre qualquer dúvida que os apelantes assinaram a letra enquanto avalistas, tendo sido nessa qualidade que os mesmos foram demandados pela exequente e aqui apelada no âmbito da execução que a mesma instaurou contra os mesmos e a sociedade “X”, esta na qualidade de aceitante da letra.
Assim, caso aos apelantes, tal como pretende a apelada acontecer, não possam opor àquela, enquanto avalistas, as exceções de direito fundadas na relação causal que subjaz à emissão dessa letra, exceções essas que os mesmos e a “X”” deduziram em sede de oposição à execução e em relação à qual a 1ª Instância decidiu, julgando-as improcedentes, decisão essa com a qual os mesmos não se conformam, mas com a qual se conformou a sociedade avalizada, pelo que, quanto a ela, a sentença recorrida encontra-se transitada em julgado, é apodíctico que não só estará vedado ao tribunal ad quem conhecer dessas exceções de direito, na medida em que apenas a sociedade “X”, que não recorreu, podia opô-las à apelada, como também lhe estará vedado entrar no conhecimento da impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, sob pena de estar a praticar um ato inútil e, por isso, proibido por lei.
Com efeito, conforme cremos ser entendimento jurisprudencial pacífico, o direito à impugnação do julgamento da matéria de facto não tem um valor a se, mas antes assume um caráter instrumental em relação à decisão de mérito do pleito proferida na sentença recorrida.
Na verdade, com a impugnação do julgamento da matéria de facto os recorrentes pretendem tão só operar a alteração da decisão de mérito proferida na sentença recorrida, que lhes foi desfavorável ou que não lhes foi integralmente favorável.
Por conseguinte, quando a decisão de mérito proferida na sentença recorrida, atentas as diversas soluções plausíveis de direito, não possa sofrer qualquer alteração por virtude e em consequência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos recorrentes, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais e da limitação dos atos, este consagrado no art. 130º do CPC, o tribunal ad quem deve abster-se de reapreciar a matéria de facto impugnada, sob pena de estar a levar a cabo uma atividade processual que sabe, de antemão, ser absolutamente inútil e inconsequente.
Dito por outras palavras, os enunciados princípios da utilidade, economia, celeridade processuais e da limitação dos atos deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta, ponderadas as várias soluções jurídicas plausíveis da questão de direito, impor que se conclua que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual com relevância que se projete na decisão de mérito proferida (1).
Como consequência, a ser certa a tese jurídica propugnada pela apelada, não só terá de se julgar improcedente o recurso na parte em que os apelantes colocam em crise a sentença recorrida quando julgou improcedente as enunciadas exceções de direito, como se terá de rejeitar o recurso quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto, dado que do êxito dessa impugnação nenhuma valia traria para os apelantes em sede de julgamento da matéria de direito, pelo que a apreciação dessa impugnação consubstanciará inegavelmente um ato inútil e inconsequente e, por isso, proibido por lei.
Urge assim verificar se efetivamente assiste razão à apelada ao suscitar a enunciada questão prévia.
Como referido, o título executivo que serve de base à presente execução para pagamento de quantia certa é a letra que se encontra junta a fls. 9 dos autos de execução.
A letra é um título de crédito à ordem, sujeita às formalidades enunciadas no art. 1º da LULL, mediante o qual, uma pessoa (o sacador) ordena a outra (sacado), que lhe pague a si ou a terceiro (tomador) determinada importância (2).
Sendo a letra um título necessariamente à ordem, tal significa que ainda que aquela não envolva expressamente a cláusula à ordem, a mesma é transmissível por via de endosso (art. 11º da LULL), podendo livremente circular.
A circulação da letra, enquanto título de crédito é uma característica inerente a todos os títulos cambiários e justifica que aquela, assim como todos os títulos de crédito, beneficiem de um regime jurídico especial, próprio e específico, destinado a defender os interesses de terceiros de boa-fé, imposta pelas necessidades de facilitar a circulação desses títulos.

Esse regime jencontra-se explanado, quanto às letras e livranças, na LULL, e dele decorrem os seguintes princípios:

a) incorporação da obrigação no título (a obrigação cambiária e o título constituem uma unidade, de modo que sem título não existe direito ou obrigação cambiária, sequer estes podem, respetivamente, ser exercitados ou reclamados contra os obrigados cambiários);
b) literalidade da obrigação (a reconstituição da obrigação cambiária faz-se pela simples inspeção do título, isto é, o direito cambiário tem unicamente a entidade concreta, a dimensão, as qualidades e a relação que o título descrevem);
c) abstração da obrigação (a obrigação cambiária é independente da causa debendi, pelo que o direito impregnado no título não é uma parte da relação fundamental, mas uma realidade nova, um quid distinto e, por isso, a relação cambiária não tem comunicação com a relação fundamental, não podendo ser afastada ou afetada por qualquer defeito desta);
d) independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título (a nulidade de uma das obrigações que o título incorpora não se transmite às demais) e
e) autonomia, enquanto afirmação de que o direito do portador do título é independente do de um titular antecedente e não pode ser prejudicado por qualquer defeito que na relação anterior se teria alojado.

Por sua vez, o aval é a garantia típica dos títulos de crédito, tratando-se do negócio cambiário, unilateral e abstrato que tem por conteúdo uma promessa de pagar a letra ou a livrança e por função a garantia desse pagamento.
O aval pode ser prestado por um terceiro ou por um signatário da letra (art. 30º/2 da LULL) e tem de ser prestado a favor de um dos obrigados cambiários, sem prejuízo de não constar do aval a designação daquele por quem é dado, se considerar prestado a favor do sacador da letra (art. 31º/4 da LULL).
O aval é escrito na letra ou numa folha anexa e exprime-se pelas palavras “bom por aval” ou qualquer outra fórmula equivalente, mas a simples assinatura na face anterior da letra, que não seja a assinatura do sacado ou do sacador, vale como aval (art. 31º da LULL).
O dador do aval, nos termos do art. 32º da LULL, é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, o que significa que a responsabilidade do avalista se determina pela do avalizado, sendo a sua responsabilidade não subsidiária, mas sim solidária e cumulativa (3), ou, no dizer de Antunes Varela, “… perante o credor, a obrigação do avalista é mais uma obrigação paralela da que recai sobre o avalizado do que uma obrigação subsidiária como acontece na fiança” (4).
Deste modo, ao contrário do que acontece, em regra, com o fiador, o avalista não goza do benefício da excussão prévia.
Acresce que a posição do avalista, como a de qualquer interveniente na letra, é também autónoma em relação à obrigação do avalizado, posto que o aval subsiste mesmo que o ato do avalizado seja nulo por qualquer razão que não seja um vício de forma (art. 32º/2 da LULL), pelo que com a prestação do aval, o avalista passa a ser um devedor cambiário, sujeito de uma obrigação cambiária, embora dependente, no plano formal, da do avalizado (art. 47º da LULL), a sua obrigação cambiária é materialmente autónoma em relação à do avalizado, de modo que a sua obrigação se mantem mesmo no caso da obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
A autonomia do aval traduz-se assim, num regime segundo o qual o avalista é responsável pelo pagamento de uma obrigação cambiária própria, como avalista, que se define pela do avalizado, mas que vive e subsiste independentemente desta.
O avalista é responsável mesmo que a assinatura do avalizado seja falsa ou de uma pessoa fictícia (art. 7º da LULL), porque o avalista garante, não só que o avalizado pagará, mas também a sua genuidade” (5). Ele responde, mesmo que o avalizado não deva responder. A garantia dada pelo avalista pode funcionar separadamente da obrigação do avalizado, o que significa que “o avalista não está só em posição paralela à do avalizado; está numa posição de todo autónoma em relação a este” (6).
Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador (art. 47º/1 e 77º da LULL), tendo este o direito de acionar todas essas pessoas, individual ou coletivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram, o mesmo direito possuindo qualquer dos signatários de uma letra quando a tenham pago, sendo que a ação intentada contra um dos co-obrigados não impede de acionar os outros, mesmo os posteriores àquele que foi acionado em primeiro lugar (art. 47º/4 da LULL).
O avalista responsabiliza-se pelo pagamento da letra e no caso de a pagar pode exigir dos seus garantes a soma integral do que pagou, os juros, desde a data em que a pagou e as despesas que tiver feito (arts. 49º da LULL).
A obrigação assumida pelo avalista é, assim, e conforme põe em destaque Abel Delgado, uma “responsabilidade primária”, na medida em que aquele assume uma posição de responsabilidade direta, imediata e pessoal, para com o portador do título, respondendo pelo cumprimento da obrigação que avalizou com todo o seu património, sem que possa opor ao portador do título o benefício da excussão prévia e sem que lhe possa opor qualquer vício fundado nas relações pessoais entre este e o avalizado, na medida em que a sua obrigação é autónoma em relação à obrigação do avalizado, mantendo-se a obrigação cambiária que assumiu mesmo que a obrigação que garantiu seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (7).
Tal significa que contrariamente ao que acontece na fiança, em que o fiador pode opor ao credor, além dos meios de defesa que lhe são próprios, aqueles que competem ao devedor afiançado, salvo se forem incompatíveis com a obrigação do fiador (art. 637º do CC), o avalista não pode opor ao portador do título cambiário os meios de defesa que competem ao avalizado, exceção feita ao pagamento (8).
O avalista não pode, assim, opor ao portador do título as exceções que o avalizado poderia opor ao primeiro e que se fundem na relação jurídica subjacente ou causal que justifica a emissão do título e ao qual o avalizado pode recorrer quando esteja em relação ao portador do título nas denominadas relações imediatas.
A obrigação do avalista não é afetada pela nulidade da obrigação assumida pelo avalizado no título de crédito, a menos que essa nulidade resulte de um vício de forma, pelo que o avalista apenas se poderá subtrair à obrigação de pagamento se o título de crédito não obedecer às condições legais sob o ponto de vista formal (9).
Como consequência, embora o aval apresente características que são próximas da fiança, aquele não se reconduz à figura da fiança, dado que apresenta aspetos jurídicos próprios e específicos que o afastam dessa figura.
Note-se, porém, que se os princípios da incorporação, literalidade, abstração, independência e autonomia que informam os títulos de crédito, salvo se o portador do título ao adquiri-lo tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor (art. 17º da LULL), devem valer irrestritamente nas denominadas relações mediatas, isto é, “nas estabelecidas entre o portador do título e os sujeitos cambiários, em que o portador é estranho às convenções extracartulares” (10), uma vez que nelas o título entrou necessariamente em circulação, tanto assim que está em poder de um terceiro estranho à relação fundamental ou causal que preside e justifica a emissão do título e as restantes operações cambiárias a que foi submetido, por forma a preservar-se e a fomentar-se a livre circulação dos títulos de crédito e a inerente necessidade de se proteger os portadores daquele que se encontrem de boa fé, pelo que, nessas relações mediatas, tudo se deve passar como se a obrigação cambiária fosse uma obrigação sem causa, já nas denominadas relações imediatas, não existe qualquer razão para que esses princípios se mantenham vigentes.
Na verdade, nas relações imediatas, isto é, naquelas em que o título de crédito está em poder “de um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador – sacado, sacador – tomador, tomador – primeiro endossado, etc.)” e, em que, por isso, “os sujeitos cambiários são concomitantemente das convenções extracartulares” (11), não existe qualquer justificação para que os enunciados princípios, próprios e específicos dos títulos de crédito se mantenham em vigor, posto que nelas, ou o título não entrou em circulação, ou tendo-o entrado, o mesmo acabou por reverter à posse de um sujeito cambiário, sendo o portador do título e o obrigado cambiário a quem o primeiro exige o pagamento da obrigação cambiária concomitantemente os sujeitos das relações extracartulares.
Nas relações imediatas, a boa fé, enquanto princípio nuclear da ordem jurídica, reclama antes que os enunciados princípios típicos dos títulos de crédito sejam neutralizados e que, consequentemente, os sujeitos dessas relações possam opor entre eles as exceções pessoais que disponham e que se fundam nas convenções extracartulares entre eles estabelecidas.
Porque assim é, nas relações imediatas, em que o portador do título e o obrigado cambiário, a quem o primeiro exige o pagamento da obrigação cambiária incorporada no título, são concomitantemente parte da obrigação causal ou subjacente, também chamada de contrato originário ou relação jurídica fundamental, que justifica a emissão do título ou a operação cambiária entre eles realizado (saque, aceite, aval ou endosso do título cambiário), a boa fé reclama que tudo se passe como se a obrigação cambiária não fosse literal, abstrata, independente e autónoma, mas antes uma obrigação causal. Por isso, entre esse sujeitos imediatos tudo se deve passar como no regime comum, uma vez que o título de crédito, “enquanto continua entre os sujeitos originários, representa apenas um título de obrigação, ligada a ela e sujeito às suas vicissitudes” (12).
Deste modo, nas relações imediatas, o obrigado cambiário pode opor ao portador do título que dele reclame o pagamento da obrigação cambiária incorporada no título, sem qualquer restrição, qualquer exceção pessoal fundada nas relações extracartulares entre eles estabelecidas, designadamente, as que emirjam da relação jurídica fundamental que justifica a emissão do título ou as operações cambiárias entre eles realizadas ou, tratando-se de título sacado em branco, as exceções fundadas na violação desse pacto de preenchimento. É que nas relações imediatas, o portador do título não é um terceiro em relação a essas relações extracartulares, pelo que, quanto a ele, não é necessário fazer valer as enunciadas características da literalidade, abstração, independência e autonomia próprias dos títulos de crédito, mas antes o portador do título e o sujeito cambiário a quem aquele exige o pagamento da obrigação cambiária são concomitantemente sujeitos das relações extracambiárias, pelo que a boa fé reclama que se neutralize os enunciados princípios e o título de crédito passe a ver considerado como título causal.
Da mesma maneira, assumindo o avalista uma obrigação própria e autónoma da obrigação por ele avalizada, que é solidária e cumulativa ou paralela em relação à do avalizado, que subsiste mesmo que a obrigação garantida seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, se é certo que nas relações mediatas não é possível ao avalista opor ao portador do título que dele reclame o pagamento da obrigação cambiária incorporada no título que avalizou as exceções de direito fundadas nas relações pessoais que o avalizado detenha em relação ao mesmo e que emirjam das relações extracartulares entre eles estabelecidas, designadamente, a invalidade do aval prestado, fundada, nomeadamente, em indeterminabilidade do respetivo objeto ou, tratando-se de título sacado em branco, a violação do pacto de preenchimento, já nas denominadas relações imediatas, isto é, em que o avalista e o portador do título são concomitantemente sujeitos das relação jurídica fundamental que justificou a emissão do título, designadamente, do pacto de preenchimento, é lícito ao avalista opor ao portador do título que avalizou que dele reclame o pagamento da obrigação cambiária todas as exceções que decorram dessa relação jurídica fundamental, designadamente, a violação do pacto de preenchimento (13).
Assente nestas premissas, revertendo ao caso em análise, os apelantes, conforme infra se demonstrará, figuram na letra dada à execução como avalistas da aceitante dessa letra, a sociedade “X – Restauração, S.A.”, tendo sido nessa qualidade que os mesmos foram demandadas pela apelada, portadora dessa letra, que nela figura como sacadora, no âmbito da presente execução para pagamento de quantia certa (ponto 1º dos factos provados).
Essa letra foi emitida como garantia associada ao acordo escrito que se encontra junto aos autos a fls. 57 a 58 e respetivo anexo, este junto aos autos a fls. 59, datado de 15/07/2009 (cfr. ponto 2º dos factos provados).
Esse contrato foi celebrado entre a aqui apelada, que nele figura como “primeiro outorgante”; a sociedade aceitante da letra, “X”, que nele outorgou como “segunda outorgante”; e os aqui apelantes, que nele outorgaram como “terceiros outorgantes”, tratando-se, por isso, do contrato subjacente à emissão da letra dada à execução e que justifica a respetiva emissão.
Por sua vez, tendo essa letra sido sacada em branco, o preenchimento da mesma pela apelada teve subjacente a intitulada “autorização de preenchimento da letra”, que se encontra junta aos autos a fls. 59 verso.
Neste documento, os apelantes apuseram a sua assinatura sobre carimbo com os dizeres “X – Restauração A Administração”, seguindo-se a menção “o avalista: Paulo (…)” e “o avalista Paulo (…) (cfr. doc. de fls. 59 verso e ponto 4º dos factos apurados).
Decorre do que se vem dizendo que os apelantes intervieram na celebração do contrato de fls. 57 a 59, que justifica a emissão da letra dada à execução e, bem assim, no pacto de preenchimento de fls. 59 verso, com base no qual a apelada preencheu a letra dada à execução e que lhe serve de título executivo.
Destarte, a apelada, portadora e sacadora dessa letra, e os apelantes, avalistas da aceitante dessa letra, encontram-se entre si no domínio das relações imediatas.
No domínio dessas relações imediatas, contrariamente ao pretendido pela apelada, conforme supra se demonstrou, os apelantes, apesar de serem avalista da aceitante da letra dada à execução, podem opor-lhe todas as exceções fundadas no contrato de fls. 57 a 59 que justificou a emissão dessa letra, bem como as fundadas no pacto de preenchimento de fls. 59 verso e respetiva violação, com base no qual a apelada preencheu essa letra emitida em branco.
Deste modo, apesar da aceitante da letra dada à execução e avalizada pelos apelantes – a sociedade “X” – não ter interposto recurso da sentença recorrida, que julgou improcedente todas as exceções de direito por ela e pelos apelantes suscitadas em sede da presente oposição à execução mediante embargos, pelo que, quanto a ela, essa sentença transitou em julgado, e apesar dessas exceções se fundaram no contrato de fls. 57 a 59, que justificou a emissão dessa letra e, bem assim, na pretensa violação pela apelada do pacto de preenchimento de fls. 59 verso, assiste aos apelantes o direito de opor essas exceções à apelada e, consequentemente, colocarem em crise a sentença recorrida, que julgou improcedente essas exceções e o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância em que assentou o julgamento de mérito daquelas exceções.
Resulta do que se vem dizendo, improceder a questão prévia suscitada pela apelada.

B.2- Questão prévia: cumprimento pelos apelantes dos ónus de impugnação da matéria de facto.

Os apelantes impugnam o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância sustentando que a prova produzida não consente que se tivesse considerado provada a materialidade fáctica dos pontos 36º e 37º, mas antes impõe que se considere não provada essa matéria.
Mais impugnam o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância ao considerar provada a matéria do ponto 27º, sustentando que a prova produzida impõe que se altere os factos considerados provados, substituindo-os pelos que identifica.
Finalmente reclamam que se adite aos factos provados na sentença uma série de factos que identificam nas suas alegações de recurso, os quais não foram considerados provados, sequer como não provados pela 1ª Instância, mas que, na sua perspetiva, a prova produzida impõe que se conclua pela respetiva prova.
Sustenta a apelada que os apelantes não deram cumprimento aos ónus legais que sobre si impendem em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, reclamando que se rejeite o recurso interposto nesta parte.
Deste modo, impõe-se enunciar quais os concretos ónus a que os apelantes se encontram subordinados em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e verificar se os mesmos deram cumprimento a esses ónus, sem o que não é possível a este Tribunal da Relação entrar na sindicância do julgamento da matéria de facto impugnada pelos apelantes, pelo que essa apreciação sempre teria de ser operada ainda que a apelada não tivesse suscitado a enunciada questão prévia.

B.2.1- Ónus de impugnação do julgamento da matéria de facto em geral.

Como é sabido, na sequência da reforma introduzida ao CPC pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de julgamento da matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.
Nessa operação foi propósito do legislador que o tribunal de segunda instância realize um novo julgamento em relação à matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estabelecido no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (14).
Deste modo, perante as regras positivas vigentes na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1ª instância, embora, nessa tarefa, esteja naturalmente limitada pelos princípios da imediação e da oralidade.
Como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Nessa sua livre apreciação, o Tribunal da Relação não está condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo, na formação dessa sua convicção autónoma recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da 1ª instância (15).
Precise-se que apesar do que se acaba de referir, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pelo Tribunal da Relação em sede de matéria de facto se transformasse na repetição do julgamento realizado em 1ª Instância, sequer permitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC.
É assim que com vista a atingir esse desiderato, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª Instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (16), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Depois, tal como se impõe ao juiz da 1ª Instância a obrigação de fundamentar a sua decisão, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da auto responsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, o recorrente indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que vingou na 1ª instância.
Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).
Cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial pacífico que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna e a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada a essa matéria impugnada.
Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (17), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo o STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.
O cumprimento dos referidos ónus, como adverte Abrantes Geraldes, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações, uma vez que só na medida em que se conhece especificamente o que se encontra impugnado e qual a lógica de raciocínio expandido pelo recorrente na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita o recorrido de todos os elementos que lhe permitam contrariar essa impugnação em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos enunciados princípios de auto responsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (18).
Como consequência, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação (segundo o STJ, nas conclusões), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (19).
Esta posição tem sido aquela que tem sido seguida de forma praticamente uniforme pela jurisprudência do STJ, que, como referido, tem sustentado que a decisão que, na perspetiva do apelante, deve ser proferida quanto à concreta matéria de facto que impugna, deve, também, constar das conclusões (20).
Acresce que essa instância superior tem operado uma distinção entre: a) ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação da matéria de facto, onde os requisitos impostos à parte se encontram ligados com o mérito ou demérito do recurso; e b) ónus secundários, que se prendem com os requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas e, bem assim, a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que, na sua perspetiva, sustentam esse julgamento diverso da matéria de facto que impugna, requisitos estes sobre que versa o n.º 1 do art. 640º do CPC, a jurisprudência, sem prejuízo do que infra se dirá, tem considerado que aquele critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus, se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto na parte em que se verifica a omissão.
Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os enunciados no n.º 2 daquele art. 640º, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenha sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, considera-se que embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz do enunciado critério de rigor, não convém exponenciar esse critério ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” (21). Argumenta-se que se está perante meros requisitos de forma, destinados a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento” (22).
Precise-se que mesmo em relação aos ónus de impugnação primários tem-se assistido ultimamente, ao nível do STJ, a um aliviar do enunciado critério de rigor, admitindo-se a apreciação do recurso ainda que as conclusões sejam omissas quanto à referência expressa dos concretos pontos da matéria de facto que o apelante impugna, desde que os factos impugnados resultem claramente identificados nas antecedentes alegações (23).

B.2.2- Cumprimento dos ónus impostos aos apelantes em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância.

Tendo presente os enunciados critérios orientadores, descendo ao caso concreto, importa verificar se assiste razão à apelada quando sustenta que os apelantes não deram cumprimento aos ónus da impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e acabados de enunciar.

Nesta sede, compulsada a alegação dos apelantes e analisada a impugnação do julgamento da matéria de facto que os mesmos operam, nela distingue-se claramente dois núcleos de situações distintas, a saber:

a) situações em que os apelantes imputam ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância violação de regras de direito probatório material, sustentando que a matéria de facto julgada como provada não se encontra conforme com a força probatório dos documentos particulares juntos aos autos, não impugnados pela apelada e, bem assim, com as regras da admissão dos factos alegados pelas partes; e
b) situações em que aqueles imputam erro de julgamento quanto à matéria de facto considerada provada e não provada pela 1ª Instância, sustentando que a prova produzida, nuns casos, impunha que se concluísse pela não prova dos factos que esta considerou como provados e noutros, que essa prova impunha que aquele tribunal tivesse concluído pela prova da matéria de facto que identificam, não obstante a 1ª Instância não ter considerado provada, sequer como não provada, essa concreta materialidade fáctica.

No primeiro núcleo de situações insere-se a matéria de facto considerada provada pela 1ª Instância no ponto 27º da sentença recorrida e, bem assim, a matéria fáctica identificada na alínea G) do ponto VI das conclusões de recurso apresentadas pelos apelantes.

Na verdade, quanto aos factos considerados provados no ponto 27º, sustentam os apelantes que a matéria aí considerada provada não se encontra conforme ao teor do documento n.º 7 junto em anexo à petição inicial, o qual não terá sido impugnado (vide pontos 20º e 21º das alegações de recurso apresentadas pelos apelantes), e concluem impor-se alterar a redação desse ponto por forma a torná-la conforme ao teor desse documento.

Já em relação à matéria da alínea G), do ponto VI das suas conclusões de recurso, os apelantes pretendem que se impõe considerar provado que: “O empréstimo dos equipamentos descritos no Anexo I do contrato de fornecimento de café celebrado entre a B. S. – Torrefação e Comércio de Café, Lda. e X – Restauração, S.A, foi feito por contrapartida de publicidade, conforme a vontade expressa nos n.ºs 1, 2 e 3, do referido Anexo I do Contrato (junto como Doc. 4 com a PI de embargos), alegando que a 1ª Instância não considerou provada, sequer como não provada, esta concreta factualidade apesar da mesma não ter sido impugnada e, consequentemente, a respetiva prova estar assente por admissão (cfr. pontos 44º e 45º das alegações de recurso apresentadas pelos apelantes).

Neste núcleo de situações, o vício que os apelantes imputam ao julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo, consiste em este ter pretensamente incorrido em violação de regras de direito probatório material, ao desconsiderar, quanto à matéria do ponto 27º, a força probatória do documento particular junto aos autos a fls. 22 verso e 23, não impugnado efetivamente pela apelada (arts. 373º, 374º, n.º 1 e 376º, n.ºs 1 e 2 do CC), e quanto à matéria da alínea G), do ponto VI das suas conclusões de recurso, ao ignorar o disposto no art. 574º, n. 2 do CPC.

Por conseguinte, a ter a 1ª Instância incorrido nesses vícios, a matéria em causa encontra-se subtraída ao princípio da livre apreciação da prova e, por isso, às regras acima explanadas, as quais vigoram exclusivamente quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto que se encontra sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (art. 607º, n.º 5 do CPC), e não, como é o caso, quando no julgamento da matéria de facto foram desconsideradas pela 1ª Instância regras de direito probatório material e assim, esse tribunal incorreu em erro de direito, que como tal, inclusivamente, é do conhecimento oficioso da Relação e do STJ.

Com efeito, quanto à matéria de facto que se encontre excluída do princípio da livre apreciação da prova, por a lei exigir que a respetiva prova se faça através de formalidade especial, ou por se tratar de matéria cuja prova só pode ser feita por documento, ou por se tratar de factos que estão plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do CPC), está-se parente matéria cujo julgamento de facto é o mero resultado da aplicação de normas sobre prova vinculada, regras essas que não deixam ao juiz do julgamento qualquer margem de subjetivismo, não lhe restando se não aplicar essas regras aos factos em julgamento e considerá-los provados ou não provados segundo essas mesmas normas.

A infração de tais normas de direito probatório material traduz erro de direito e impõe que “mesmo oficiosamente, tanto a Relação como o Supremo Tribunal de Justiça, devam interferir na matéria de facto prova e não provada quando, no âmbito da apelação ou da revista, se verificar que a mesma está afetada por erro de direito probatório material, quer na vertente da atribuição de força probatória plena a meios dela destituídos, quer na vertente do desrespeito dessa força probatória” (24).

Resulta do que se vem dizendo que, quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes em relação ao ponto 27º da matéria de facto considerada provada na sentença recorrida e, bem assim, quanto à vertida na alínea G) da conclusão VI das suas alegações de recurso, que os mesmos pretendem que seja aditada aos factos considerados provados na sentença, improcede a questão prévia suscitada pelos apelantes, uma vez que as regras enunciadas no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, não são aplicáveis a essa concreta impugnação, restando verificar infra se ocorre ou não efetivamente a infração das regras de direito probatório material que os apelantes assacam ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância quanto a estes concretos factos.

O núcleo de factos cujo julgamento de facto operada pela 1ª Instância vem impugnado pelos apelantes e em relação aos quais essa impugnação se encontra sujeita aos ónus elencados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, por se tratar de matéria de facto sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, respeita unicamente à matéria vertida nos pontos 36º e 37º dos factos considerados provados na sentença recorrida e, bem assim, à matéria de facto que os mesmos identificam nas alíneas B, C, D, E e F das conclusão VI das suas alegações de recurso, matéria essa que os mesmos pretendem seja aditada ao elenco dos factos considerados provados na sentença.

Acontece que analisadas as alegações de recurso, salvo o devido respeito por posição contrária, os apelantes deram cumprimento, ainda que imperfeito, mas ainda assim suficiente, aos enunciados ónus.

Na verdade, quanto à matéria dos pontos 36º e 37º dos factos considerados provados, os apelantes indicam, nas conclusões de recurso, que consideram a matéria vertida nesses pontos incorretamente julgada e, bem assim, indicam a concreta decisão que, no seu entender, deve ser proferida quanto a essa concreta matéria (a de não provado). Na motivação de recurso, os apelantes indicam os concretos meios probatórios que, no seu entender, impõem esse julgamento de não provado que propugnam (declarações de parte prestadas pelos apelantes Paulo e José) e indicam o início e o termo dos excertos dessas declarações em que fundam o seu recurso (vide pontos 11º e 12º das alegações de recurso).

No que respeita à matéria da alínea B da conclusão VI das alegações de recurso, os apelantes alegam que esta concreta matéria não foi considerada provada, sequer como não provada pela 1ª Instância, e indicam, nas conclusões, a decisão que quanto a ela deverá ser proferida pelo tribunal ad quem (a de provado), além de que, nas motivações de recurso, indicam os concretos meios probatórios que, no seu entender, impõem esse julgamento que propugnam (declarações de parte prestadas pelo apelante José e depoimento da testemunha Vítor, conjugados com o teor do doc. 9 junto com a p.i. de embargos) e quanto a essas declarações e depoimento indicam o início e o termo dos excertos em que fundam o seu recurso (vide pontos 23º e 24º das alegações de recurso).

Em relação à matéria da alínea C da conclusão VI das alegações de recurso, os apelantes sustentam que esta concreta matéria não foi considerada provada, sequer como não provada, pela 1ª Instância, e indicam, nas conclusões, a decisão que quanto a ela deve ser proferida por esta Relação (a de provado) e, nas motivações de recurso, identificam os concretos meios probatórios que, a seu ver, impõem esse julgamento diverso que propugnam (declarações de parte do apelante Paulo e depoimento da testemunha Vítor), além de que enunciam o início e o termo dos excertos dessas declarações e depoimento em que fundam esse recurso (cfr. ponto 29º das alegações de recurso).

Já quanto à matéria da alínea D da conclusão VI das alegações de recurso, os apelantes alegam que esta matéria não foi igualmente considerada provada, sequer como não provada, pela 1ª Instância, e indicam, nas conclusões, a decisão que quanto a ela deverá ser proferida pela Relação (a de provado) e, nas motivações de recurso, enunciam os concretos meios probatórios que, a seu ver, impõem esse julgamento de provado (depoimentos das testemunhas V. M., L. V., J. F., C. S. e T. J. e declarações de parte do apelante Paulo) e, bem assim, o início e o termo dos excertos desses depoimentos e declarações em que fundamentam o recurso (cfr. ponto 33º das alegações de recurso).

Igualmente, em relação à matéria da alínea E da conclusão VI das alegações de recurso, os apelantes sustentam que esta concreta matéria não foi igualmente considerada provada, sequer como não provada, pelo tribunal a quo, e identificam, nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida quanto à mesma (a de provado) e, nas motivações de recurso, procedem à identificação dos meios probatórios que, na sua perspetiva, impõem esse julgamento (declarações de parte prestadas pelos apelantes José e Paulo e enquadramento global do depoimento da testemunha Vítor) e identificam o início e o termo dos excertos dessas declarações de parte em que fundamentam esse recurso, sendo certo que, salvo melhor opinião, quanto ao depoimento da testemunha Vítor, fundando os mesmos a impugnação no “enquadramento global” do depoimento prestado por esta testemunha, naturalmente que não faz sentido exigir-se-lhes que indiquem o início e o termo dos excertos do testemunho desta concreta testemunha em que fundam o recurso, quando o que está em causa é o enquadramento global do respetivo testemunho (cfr. pontos 37º e 38º das alegações de recurso).

Finalmente, quanto à matéria da alínea F da conclusão VI das alegações de recurso, os apelantes alegam que esta matéria não foi considerada provada, sequer como não provada pela 1ª Instância e indicam, nas conclusões de recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida em relação à mesma (a de provado) e já, nas motivações de recurso, procedem à identificação dos meios probatórios que, segundo eles, suportam este julgamento diverso que propugnam (declarações de parte dos apelantes José e Paulo, conjugadas com o teor das cláusulas 2.3 e 2.3.1 do documento 5 junto com a p.i. de embargos e doc. 18 junto com o mesmo articulado) e, quanto a essas declarações, identificam o início e o termo dos excertos em que fundam o recurso (pontos 40º e 41º das alegações de recurso).

É certo que quando à análise crítica da prova produzida, isto é, à indicação do porquê de, na perspetiva dos apelantes, os fundamentos probatórios que identificam em relação à matéria de facto vertida nos pontos 36º e 37º dos factos considerados provados pela 1ª Instância imporem decisão diversa da que vingou neste tribunal, os apelantes fazem uma análise crítica dessa mesma prova manifestamente insuficiente de modo a suportar esse julgamento diverso que propugnam, posto que se limitam praticamente a remeter para os excertos das declarações de parte prestadas pelos próprios apelantes em sede de audiência final – excertos esses que identificam nos pontos 10º e 11º -, a aludir ao depoimento da testemunha A. J. (cujos excertos nem sequer identificam e que, por isso, está esta Relação impedida de a ele se socorrer) e a afirmar que ao longo da audiência final “foi várias vezes referido em sede de declarações de parte e por depoimento testemunhal (testemunhas estas que nem sequer identificam, sequer os excertos dessas pretensas testemunhas que terão feito essas pretensas afirmações) que o contrato celebrado entre a exequente e a executada “X” apenas foi outorgado de forma provisória e porque a sociedade “Y” ainda não tinha concluído o seu processo de constituição à data e, bem assim, que a “X”, na pessoa do seu administrador único, nunca participou na negociação de qualquer cláusula contratual referente aos consumos e quantidade de café, bem como ao preço do mesmo”, desconsiderando, inclusivamente, os factos já, em definitivo, julgados provados e não provados nos autos, porque não impugnados.

De resto, quanto à matéria de facto das alíneas B, C, D, E e F da conclusão VI das suas alegações de recurso, que os apelantes pretendem ver aditada aos factos considerados provados na sentença, verifica-se que os mesmos, igualmente, praticamente se limitam a remeter para os meios de prova que identificam, não concatenando essa prova com a matéria de facto já, em definitivo, julgada provada e não provada na sentença recorrida e indo ao ponto de postularem que se julgue como provada matéria que entraria em colisão frontal com a factualidade já, em definitivo, provada e não provada naquela sentença, conforme infra se demonstrará.

Acontece que não obstante os enunciados vícios em que incorreram os apelantes em sede de fundamentação da impugnação da matéria de facto que operam, de acordo com a jurisprudência do STJ, “a insuficiência ou a mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro de reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação” (25), pelo que esse vício não determina a rejeição do recurso quanto ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância.

Destarte, em face dos fundamentos que se acabam de explanar, impõe-se concluir pela improcedência da questão prévia suscitada pela apelada quando pretendem que os apelantes não deram cumprimento aos ónus enunciados no art. 640º, n.º1 e 2, al. a) do CPC, no que respeita à impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância em relação os factos dos pontos 36º e 37º dos factos considerados provados na sentença recorrida e, bem assim, quanto à matéria das alíneas B, C, D, E e F da conclusão VI das alegações de recurso que apresentaram, matéria essa que os apelantes pretendem seja aditada ao elenco dos factos considerados provados na sentença.

Posto isto, antes de avançarmos para a apreciação da sindicância do julgamento desta concreta matéria de facto que os apelantes operam em relação ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, única, reafirma-se, cujo julgamento se encontra sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, isto é, em que a prova deva ser apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos pelo legislador, importa enunciar quais os concretos critérios em que é consentido ao Tribunal da Relação alterar o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância.

B.2.3- Critérios em que é consentido ao Tribunal da Relação alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância.

Como acima se deixou explanado, contrariamente àquela que é a posição que vem sufragada pela apelada nas suas contra-alegações de recurso, em relação à matéria de facto cujo julgamento vem impugnado pelos recorrentes e que se encontra sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, cumpre ao Tribunal da Relação realizar um novo julgamento.

Nesse novo julgamento, o Tribunal da Relação goza dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, sem exclusão dos que decorrem do princípio da livre apreciação da prova (26), embora esteja, reafirma-se, limitada pelos princípios da imediação e da oralidade.

No entanto, realizado esse novo julgamento, impõe-se ter presente que para que seja possível ao Tribunal da Relação alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, não basta que a prova indicada pelos recorrentes, conectada com a restante prova constante dos autos, a que o tribunal ad quem, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta esse julgamento diverso, mas antes que o imponha.

Na verdade, o art. 662º, n.º 1 do CPC é expresso em estabelecer que: “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Esta exigência legal decorre da circunstância de se manterem em vigor no atual CPC os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, pelo que nos casos em que os factos em julgamento vêm esse julgamento submetido ao princípio da livre apreciação da prova, impõe-se ter presente que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta e que, por isso, não se pode aniquilar, em absoluto, essa livre apreciação da prova que assiste ao juiz da 1ª Instância, sequer desconsiderar, em absoluto, os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou a produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação áudio dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.

Como decorrência do que se acaba de enunciar, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, isto é, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida que entenda pertinente, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.

Por conseguinte, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (27).
Assentes nestas premissas, urge entrar na sindicância que os apelantes operam em relação ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto aos pontos 36º e 37º dos factos considerados provados na sentença recorrida e, bem assim, quanto aos factos que identificam nas alíneas B, C, D, E e F da conclusão VI das suas alegações de recurso.

B.2.4- Impugnação do julgamento dos pontos 36º e 37º da matéria de facto considerada provada.

Nos pontos 36º e 37º a 1ª Instância julgou provados os seguintes factos:

36 – Os executados José e Paulo quiseram assinar a letra referida nos factos provados, por um lado, a título pessoal e na qualidade de avalistas e, por outro, como representantes de facto e/ou de direito da sociedade executada, com intenção de esta assumir a qualidade de aceitante.
37- Vontade real essa que era do conhecimento da exequente.

E fundamentou os factos que assim considerou provados nos seguintes termos:

Esta factualidade resulta, desde logo, dos juízos de experiência comum, face aos termos do contrato e da autorização de preenchimento da letra, de onde resulta claramente que os executados pessoa singular, para além de avalistas, a título pessoal, assinam no sentido de vincularem a sociedade executada como aceitante da letra, referência que, aliás, consta expressamente da autorização de preenchimento. E, neste sentido, resulta evidente que a vontade dos embargantes foi a que consta provada, o que, aliás, não resultou contraditado sequer pelo depoimento dos embargantes”.

Os apelantes colocam em crise o enunciado julgamento, sustentando que a prova produzida não consente que se conclua pela prova desta concreta materialidade fáctica, pretendendo que foi produzida prova em sentido contrário, sem que a sua credibilidade tenha sido colocada em causa, concretizando que ao longo da audiência final foi, por várias vezes referido, em sede de declarações de parte e por depoimento testemunhal, que o contrato celebrado entre a exequente “B. S.” e a executada “X” apenas foi outorgado de forma provisória porque a sociedade “Y” ainda não tinha concluído o seu processo de constituição à data e, bem assim, que a “X”, na pessoa do seu administrador único, nunca participou na negociação de qualquer cláusula contratual referente aos consumos e quantidades de café, bem como ao preço do mesmo.

Mais sustentam que em corroboração desses factos, a testemunha A. J. referiu que o procedimento que o administrador único da “X” adotou, aquando da celebração daquele contrato com a sociedade exequente, foi o mesmo que já adotara aquando da assinatura do contrato de fornecimento de café com a “S.” e que antecedeu o contrato relação fundamental do título dado à execução e, bem assim, que corroborando este desconhecimento de facto do alcance da vinculação assumida, apontam as declarações de parte prestadas pelos próprios apelantes.

Deste modo, concluem os apelantes, “o teor global das declarações de parte tomadas nos presentes autos revelam que a verdadeira intenção da sociedade X, bem como dos pretensos avalistas seria apenas garantir que a posição contratual assumida com a B. S. fosse transmitida para a sociedade Y, não se tendo preocupado com o alcance da redação dos documentos, dado que os mesmos tinham sido negociados pelas sociedade B. S. e Y, que desejavam assumir esse mesmo contrato de fornecimento de café entre si”, o que “não terá acontecido de imediato apenas por impedimento referente ao processo de constituição da sociedade Y, pelo que” não se poderá concluir pela prova dessa matéria.

Vejamos se assiste razão aos apelantes nas críticas que aduzem ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância.
Precise-se, para que dúvidas não existam no espírito de quem quer que seja, que procedemos à análise de toda a prova documental que se encontra junta aos autos e, bem assim, à audição integral de toda a prova pessoal que foi produzida em audiência final.

Posto isto, incumbe precisar que em função do teor da certidão da matrícula da sociedade executada, “X”, junta aos autos a fls. 77 a 81, a sua constituição foi inscrita na matrícula em 06/06/2005, tendo sido nomeado como seu administrador único o aqui apelante José, o qual, por inscrição na matrícula de 29/07/2005, renunciou a essas funções, data em que foi nomeado, mais o apelante Paulo e a testemunha A. J., como membro do conselho da administração daquela sociedade, funções essas a que os mesmos, por inscrição na matrícula de 17/04/2007, renunciaram, data a partir da qual o apelante José foi nomeado novamente administrador único da sociedade executada, cargo esse para que foi renomeado por inscrição na matrícula de 26/02/2009.
Deste modo, dúvidas não subsistem que em 15/07/2009, data da celebração do contrato de fornecimento de café sobre que versam os presentes autos entre a exequente/apelada “B. S.” e a sociedade executada “X” (cfr. fls. 17 a 19 e 57 a 59), o único administrador de direito desta sociedade era o apelante José.
Relembra-se, no entanto, aos apelantes que foram eles próprios que, em sede de declarações de parte, confessaram que as assinaturas que se encontram apostas naquele contrato e, bem assim, no respetivo anexo I, este junto aos autos a fls. 59, bem como na intitulada “autorização de preenchimento de letra”, junta aos autos a fls. 59 verso, assim como as assinaturas que se encontram apostas na letra dada à execução (junta a fls. 23 do presente apenso), no lugar destinado ao aceite e, bem assim, no verso dessa letra, sob a expressão “bom para aval ao subscritor”, são da sua autoria.
Deste modo, se à data da assinatura daquele contrato e letra o apelante José era o administrador único de direito da sociedade “X”, este e o apelante Paulo, tal como confessaram acontecer, outorgaram naquele contrato e respetivo anexo na qualidade de “segundo outorgante”, isto é, como administradores da sociedade executada e, bem assim, como “terceiros outorgantes”, onde, além do mais, declaram “constituir-se fiadores da Segunda Outorgante respondendo e obrigando-se, solidária e integralmente pelo cumprimento de todas as cláusulas do presente contrato, nos mesmos termos em que esta o faz” (cláusula 8ª do contrato); “(…) que renunciam expressamente ao benefício da excussão prévia, tornando-se assim garantes e principais devedores, nos precisos termos em que o é a Segunda Outorgante” (cláusula 9ª) e que “Como garantia das obrigações de restituição e indemnização, o 2º Outorgante entrega nesta data a B. S., Lda., uma letra por ele subscrita, cujos montantes e data de vencimento, serão preenchidos por B. S., Lda., se e na medida em que tal obrigação de restituição ocorrer…” (cláusula 10ª), o mesmo acontecendo com a “autorização de preenchimento de letra” de fls. 59 verso, que aqueles confessadamente assinaram sob o carimbo da “X”, e a expressão: “A Administração”, e a seguir à menção: “O(s) aceitante(s)”, em que declaram que: “X (…), representada pelo administrador único Sr. José (….), autoriza expressamente a sociedade comercial B. S. – Torrefação e Comércio de Café, Lda., a preencher e apresentar a pagamento a letra anexa. Tal letra é pagável à vista e, no que ao seu preenchimento diz respeito, deverão obedecer às seguintes regras: 1- Valor a pagar: o correspondente às faturas, juros de mora e indemnização devida nos termos contratuais. 2- Data da emissão; não poderá ser anterior ao 8º dia posterior ao da carta em que seja solicitado o pagamento, à nossa empresa, das quantias em débito”.
De resto, do teor desta “autorização de preenchimento de letra” resulta inequivocamente demonstrado, tal como sustentam os apelantes acontecer, que à data da celebração do identificado contrato de fornecimento de café de fls. 57 a 580, respetivo anexo I de fls. 59, da identificada autorização de preenchimento da letra dada à execução de fls. 59 verso e, bem assim, da assinatura da letra dada à execução, a sociedade apelada, “B. S.” tinha perfeito conhecimento que o apelante José era o único administrador de direito da sociedade executada “X”, tanto assim que faz essa declaração expressamente no identificado documento de fls. 59 verso.
Porém, se o apelante José era, então, o único administrador de direito da sociedade “X”, esta não era administrada exclusivamente por este, mas também pelo apelante Paulo, que era, assim, o seu administrador de facto, conforme resulta assacado das declarações de parte que prestaram em audiência final e de toda a prova testemunhal aí produzida.
Aliás, em função dessas declarações e da prova testemunhal produzida resulta, inclusivamente assacado, que o papel primordial desempenhado na administração da “X” era, inclusivamente, despenhado pelo apelante Paulo, seu administrador de facto.
Na verdade, o apelante José iniciou as suas declarações de parte afirmando que “nós íamos passar o estabelecimento à Y do senhor Vítor”; que o Vítor queria que fosse celebrado contrato de fornecimento de café com o “CAFÉ T”; “Eles tinham contrato com a S. e celebraram o contrato com o CAFÉ T para que a Y pudesse entrar lá e pudesse ficar com o CAFÉ T”, aludindo, em síntese, sistematicamente ao longo das suas declarações de parte a “nós” e “eles”, concretizando, por diversas vezes, que se estava a referir ao próprio (administrador único de direito da sociedade “X”) e ao apelante Paulo, seu cunhado e administrador de facto dessa sociedade.
Aliás, o apelante José foi ao ponto de afirmar que quem fazia a ponte entre o mesmo, o senhor Vítor, da sociedade “Y”, e o senhor B., legal representante da apelada “B. S.”, era o apelante Paulo, afirmando que “a nível de dinheiro e cheques, tudo foi tratado com o cunhado dele”, isto é, com o apelante Paulo.
Acresce que perguntado ao apelante José quem eram as pessoas que estavam presentes na altura da assinatura do contrato de fls. 57 a 58, respetivo anexo de fls. 59, da autorização de preenchimento da letra dada à execução de fls. 59 verso e da assinatura da própria letra dada à execução, o mesmo afirmou que quem estavam presentes foi o senhor B., da “B. S.”, o V. V., da Y, o cunhado (o apelante Paulo), o próprio e outra pessoa, cuja identidade não soube já indicar.
Passando às declarações de parte prestadas pelo apelante Paulo, o seu discurso foi o mesmo do apelante José, isto é, ao longo das declarações de parte que prestou em audiência final falou, sistemática e constantemente, em “nós”, referindo-se ao próprio e ao apelante José, como sendo ambos quem administravam a sociedade “X”.
Assim, a título meramente exemplificativo, o apelante Paulo afirmou: “decidiu-se arrendar o espaço e apareceu o Vítor Ribeiro, que exigiu que fosse o CAFÉ T a fornecer o café”; “tinham contrato com a S.”; “assinaram o contrato porque, na altura, o Vítor estava ainda a constituir a firma” (a “Y”); “assinaram o contrato com a B. S. mas estavam tão convencidos que o Vítor ia ficar com o café – o estabelecimento comercial -, que ficaram descansados”; “para eles o Vítor ficaria, em definitivo, com o café”; “assinaram o contrato de cruz”; “tinham um contrato e nunca procuraram furtar-se às responsabilidades”; o contrato foi assinado no estabelecimento “T. C.”, e na altura, estavam presentes o próprio, o José (o apelante), o senhor B. (legal representante da apelada “B. S.”), o Vítor (legal representante da sociedade “Y”), eventualmente a mulher deste Vítor (embora não tenha a certeza quanto à presença desta), e um senhor de um banco, que financiou a operação, já que o Vítor lhes entregou cem mil euros, na altura, pela cessação da exploração do estabelecimento de café “T. C. Café” à Y.
Igualmente as testemunhas V. M. e mulher, L. V., legais representantes da “Y”; C. L., administradora executiva da sociedade “T. C.”; J. F., vendedor da apelada “B. S.”; C. S., empregado de escritório da mesma apelada de 2001 a outubro de 2018; V. M., advogado e amigo dos apelantes, a quem estes recorreram pedindo-lhe conselhos, tendo, inclusivamente, tal como afirmou acontecer, estado presente em várias reuniões que tiveram lugar entre os apelantes José e Paulo (pessoa última esta que identificou como “F.”) e o senhor Vítor da “Y”, que culminou com a celebração, em 23/07/2009, entre a apelada “X” e a “Y” do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial “T. C. Café” junto aos autos a fls. 19 verso a 23; L. C., arquiteto e gerente de direito da sociedade “L. C., Unipessoal, Lda.” e T. J., mãe da anterior testemunha e gerente de facto dessa sociedade “L. e C.”, com quem a executada “X” veio, em 23/03/2011, a celebrar o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial junto aos autos a fls. 26 a 28, tendo por objeto o mesmo estabelecimento comercial (“T. C. Café”), referiram-se sistematicamente, ao longo dos respetivos depoimentos, aos apelantes José e Paulo como sendo ambos os legais representantes da sociedade “X”, posto que sempre se assumiram perante as mesmas como legais representantes da sociedade “X”, negociando ambos com elas a celebração dos contratos que as respetivas sociedades (caso da “Y” e da “L. C., Unipessoal”) vieram a celebrar com a “X”, quer contactando (ambos), no caso da testemunha C. L., esta, na qualidade de administradora executiva da sociedade “T. C.”, para resolver os problemas da “X” atinentes, designadamente, ao contrato de fornecimento de café objeto dos presentes autos.

Significativo é ainda o depoimento prestado pela testemunha L. D., vereadora da Câmara Municipal de … dos pelouros da cultura e da educação desde finais de 2013. Esta testemunha foi perentória em referir que tendo assumido as funções de vereadora chegou-lhe um pedido do apelante Paulo (pessoa que igualmente identificou por “F.”), pedindo-lhe que o atendesse para que aquele lhe pudesse falar da situação do T. C., assunto que se relacionava com a “X” (relembra-se que apesar deste pedido, o apelante Paulo não era administrador de direito desta sociedade, o que é bem demonstrativo que o mesmo era seu administrador de facto). A depoente satisfez esse pedido e o “F.” contou-lhe que antes da depoente ter assumido as funções de vereadora, a “X” tinha explorado o T. C. e pretendia que a sociedade “T. C. assumisse todo um prejuízo que ele (Paulo) tinha tido por não estar a funcionar o estabelecimento”; “o Filipe sentia-se altamente lesado com a situação que estava a viver”; “na altura ela registou o que o Filipe lhe disse e reportou-o à Dr.ª C. L.”, a cuja presença, relembra-se, conforme depoimento da testemunha C. L., compareceram ambos os apelantes – José e Paulo -, relatando a identificada C. L. que, na altura, a sociedade “T. C. tinha uma ação de despejo intentada contra a “X”, pretendendo os apelantes José e Paulo que a sociedade “T. C.”, de que aquele era (e é) administradora executiva, “assegurasse que os futuros ocupantes do estabelecimento, assumissem o consumo de café que tinham com a B. S. e outros contratos com outras empresas”.
Destaca-se, pelo seu peso significativo, que a testemunha C. L. foi perentória em afirmar que: “na altura, o senhor F. e o sócio pediram para ter com ela a reunião porque estavam a ter uma série de problemas com os fornecedores”, ou seja, mais uma vez, não só também esta testemunha C. L., identifica ambos os apelantes como administradores da sociedade “X”, mas, inclusivamente, à semelhança das outras testemunhas que depuseram em audiência final e corroborando as declarações de parte prestadas pelo apelante José, aponta o apelante Paulo como sendo a pessoa que, nessa administração da “X”, assume o papel preponderante, posto que o identifica como administrador principal dessa sociedade e o apelante José como “sócio”.
Destarte, em face da prova produzida, que como se disse, é toda ela concordante nesse sentido, dúvidas não podem existir que se à data da celebração do contrato de fornecimento de café, respetivo anexo I, “autorização de preenchimento da letra” dada à execução e assinatura desses documentos e, bem assim, da letra dada à execução, não obstante o apelante José fosse efetivamente o único administrador de direito da sociedade “X”, essa sociedade era efetivamente administrada de facto por ambos os apelantes, assumindo, inclusivamente, o apelante Paulo uma posição de destaque nessa administração em relação ao apelante José, pelo que é indiscutível que o apelante Pedro era (e é) administrador de facto da sociedade “X”, assumindo-se como tal perante o apelante José e terceiros, designadamente, perante todas as identificadas testemunhas que depuseram em audiência final e, inclusivamente, como um administrador privilegiado e destacado em relação ao papel desenvolvido pelo apelante José na administração dessa sociedade, tendo ambos, inegavelmente negociado a celebração daquele contrato de fornecimento de café com a apelado “B. S.” e assinando o mesmo, respetivo anexo, a autorização do preenchimento da letra dada à execução e, bem assim, a própria letra dada à execução nessa dupla qualidade, ou seja: na qualidade de legais representantes da sociedade “X” – o apelante José, enquanto seu administrador único de direito, e o apelante Paulo, como administrador de facto dessa sociedade – e a título pessoal, enquanto avalistas dessa sociedade, facto este que era do conhecimento da sociedade exequente, “B. S.”, já que, como referido, do teor do documento de fls. 59 verso, é inegável que esta tinha, então, perfeito conhecimento que o administrador único de direito da “X” era o apelante José, não obstante, ambos os apelantes sempre se terem assumido perante si, assim como sempre se assumiram perante todas as supra identificadas testemunhas que depuseram em audiência final, como se ambos administrassem de facto a sociedade “X”, o que, aliás justifica que ambos tivessem assinado aquele contrato, respetivo anexo I, autorização de preenchimento da letra dada à execução e a própria letra dada à execução como administradores da “X”.
Avançando.
Os apelantes José e Paulo, assim como a testemunha V. M. sustentaram que, na altura, a testemunha V. V., legal representante da “Y”, impôs como condição para a celebração do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial celebrado, em 23/07/2009, entre a “X” e a “Y”, que o contrato de fornecimento de café fosse celebrado com a apelada “B. S.”, já que V. V. era conhecido, amigo e tinha tido relações comerciais privilegiadas com o sócio gerente dessa sociedade - o senhor B..
Precise-se que não obstante as testemunhas V. V. e L. V., legais representantes da “Y”, tenham negado a existência da enunciada relação privilegiada e de amizade entre o primeiro e o legal representante da “B. S.” – senhor B. -, os mesmos confirmaram que o identificado V. V. impôs como condição para a celebração do contrato de cessão de exploração do estabelecimento “T. C. Café” de fls. 19 verso a 23 entre a “X” e a “Y”, que a “X” celebrasse o contrato de fornecimento de café com a apelada “B. S.”.
Os apelantes José e Paulo e, bem assim, a testemunha V. M. referiram que, na altura, a “X” tinha um contrato de fornecimento de café celebrado com a S., facto este que é igualmente corroborado por toda a prova produzida, inclusivamente, pelo teor desse contrato, que se encontra junto aos autos a fls. 14 a 16.
No entanto, os apelantes José e Paulo pretenderam que todas as negociações que foram então estabelecidas entre aqueles e a apelada “B. S.” com vista à celebração do contrato de fornecimento de café objeto dos autos e que culminou com a assinatura desse contrato, respetivo anexo, autorização de assinatura da letra dada à execução e aposição das respetivas assinaturas nessa letra e documentos, foram estabelecidas exclusivamente entre a testemunha V. M., da “Y”, e a “B. S.”, limitando-se aqueles a comparecer no dia designado para a assinatura desse contrato, respetivo anexo, autorização de preenchimento da letra dada à execução e a própria letra e a assinar esses documentos “de cruz”, o que foi contrariado pelas testemunhas V. V. e L. V., legais representantes da “Y”, os quais pretenderam não terem estado presentes nas negociações relativas a esse contrato, sequer à assinatura do mesmo e dos enunciados documentos.
Precise-se que se os identificados depoimentos prestados pelas testemunhas V. M. e L. V., quando pretendem que se mantiveram à margem das negociações que culminaram com a celebração do contrato de fornecimento de café objeto dos autos e demais documentos acima identificados nos merecem sérias reservas, uma vez que são os próprios V. M. e L. V. que referem este contrato de fornecimento de café foi celebrado por imposição do próprio V. M., que teria recusado celebrar o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial de fls. 19 verso a 23 entre a “X” e a “Y” caso a “X” não celebrasse com a “B. S.” o contrato de fornecimento de café ao referido estabelecimento comercial, também nos merece sérias reservas as declarações de parte prestadas pelos apelantes José e Paulo quando pretendem que essas negociações foram levadas exclusivamente a cabo pela testemunha V. M. e a sociedade apelada “B. S.”, limitando-se aqueles a comparecer no dia designado para a assinatura desse contrato, respetivo anexo, a autorização para preenchimento da letra dada à execução e a própria letra dada à execução e a assinar esses documentos “de cruz”.
Na verdade, conforme é confessado pelos apelantes José e Paulo e, bem assim, resulta assacado de toda a prova produzida, José e Paulo já tinham sido ambos administradores de direito da sociedade “X”.
Apesar de à data das negociações que culminaram com a celebração do contrato de fornecimento de café objeto dos autos e da assinatura daqueles documentos, incluindo da letra dada à execução, apenas o apelante José ser o administrador único de direito da sociedade “X”, ambos os apelantes administravam-na efetivamente, assumindo, inclusivamente, o apelante Paulo uma posição de preponderância nessa administração de facto da sociedade “X” comparativamente ao seu administrador de direito – o apelante José.
Acresce que ambos os apelantes já tinham experiência na área comercial, posto que ambos tinham explorado o estabelecimento de café “T. C. de Braga”, que então se encontrava encerrado mas cuja exploração aqueles pretendiam ceder a terceiros, como era o caso da sociedade “Y”.
Neste contexto, ambos os apelantes eram comerciantes, pessoas com experiência na área comercial, tanto assim que tinham explorado anteriormente aquele estabelecimento comercial de café, ambos assumiam-se como administradores da sociedade “X” e, inclusivamente, o apelante Paulo assumia uma posição de destaque nessa administração, pelo que à luz das regras da experiência comum não colhe a tese da sua pretensa ingenuidade, deixando que o contrato de fornecimento de café fosse negociado exclusivamente entre a testemunha V. M., gerente da “Y”, com quem pretendiam celebrar, e vieram a celebrar, em 23/07/2009, o contrato de cessão de exploração do estabelecimento de café de fls. 19 verso a 23, e o Senhor B., legal representante da “B. S.”, limitando-se pretensamente a comparecer no dia designado para a assinatura desse contrato, respetivo anexo, a autorização de preenchimento da letra dada à execução e a própria letra dada à execução, e a assinar esses documentos de “cruz”.
Acresce que, contrariamente ao que pretendem os apelantes, à data em que tiveram lugar essas negociações e foram assinados os identificados documentos, os mesmos não tinham, sequer podiam ter, a convicção, sequer quiseram, que a testemunha V. M., em nome da sociedade “Y”, assumisse, em definitivo, a exploração do estabelecimento comercial “T. C. Café” e com isso as obrigações emergentes do contrato de fornecimento de café a celebrar com a “B. S.”, na medida em que os mesmos não celebraram com a sociedade “Y” um contrato de trespasse do estabelecimento comercial de café, mas antes um contrato de cessão de exploração temporária desse estabelecimento comercial, junto aos autos a fls. 19 verso a 23, nos termos do qual a “X” cedeu essa exploração à “Y”, pelo prazo de dez anos (cfr. cláusula 2ª de fls. 20), estando-se, assim, perante uma transferência temporária desse estabelecimento comercial, transferência essa que, consequentemente, os apelantes quiseram indiscutivelmente que não fosse definitiva, mas antes temporária, mais concretamente, pelo prazo de dez anos.
Nestas circunstâncias é inegável que os apelantes José e Paulo não só quiseram transferir temporariamente o estabelecimento de café da “X” para a “Y”, como não ignoravam, sequer podiam ignorar, que em caso de incumprimento desse contrato de cessão da exploração do estabelecimento de café, o prazo de dez anos previstos para a transferência podia vir a não ser atingido, na medida em caso de incumprimento, o contrato de fls. 19 verso a 23 podia ser antes resolvido.
Acresce que conforme é confessado pelos próprios apelantes, os mesmos sabiam que o contrato de fornecimento de café estava a ser celebrado em nome da “X”, pelo que não ignoravam, sequer podiam ignorar, que as obrigações contratuais emergentes desse contrato impendiam sobre a “X” - não sobre a sociedade “Y”.
Acresce que conforme supra já se demonstrou, os identificados José e Paulo, no momento em que assinaram o contrato de fornecimento de café, respetivo anexo I, a autorização de preenchimento da letra dada à execução e a própria letra dada à execução, atuavam na já supra enunciada dupla qualidade – enquanto administradores de facto e de direito (esta última, quanto ao apelante José) da “X” e enquanto avalistas dessa sociedade.
Neste contexto, é indiscutível que os apelantes, os quais, reafirma-se, eram comerciantes, pessoas que já tinham explorado o estabelecimento comercial de café e que, por isso, não podem ter, sequer têm, as características de ignorância e de ingenuidade a que se arrogam, não ignoravam, sequer podiam ignorar, que as obrigações emergentes do contrato de fornecimento de café estavam a ser assumidas pela sociedade “X” e pelos próprios, na qualidade de avalistas (não pela sociedade “Y”), não colhendo, sequer podendo colher, a tese sufragada pelos mesmos segundo a qual se teriam mantido à margem das negociações que culminaram com a celebração desse contrato com a apelada “B. S., do respetivo anexo, da autorização de preenchimento da letra dada à execução e da assinatura dessa letra, limitando-se os mesmos pretensamente a assinar esses documentos de “de cruz”, na medida em que não ignoravam que as obrigações contratuais emergentes desse contrato estavam a ser assumidas pela “X”, de que ambos eram administradores – o apelante José, administrador de direito, e o apelante Paulo, administrador de facto dessa sociedade – e que ambos avalizaram essas obrigações a título pessoal e que, inclusivamente, não celebraram um contrato de trespasse do estabelecimento comercial com a “Y”, mas antes um contrato de cessão de exploração desse estabelecimento de café, o qual, inclusivamente, podia não atingir o termo de vigência ajustado.
De resto, apesar do apelante José pretender ter assinado aqueles documentos de cruz, acabou por afirmar que “leu o contrato na transversal”, o mesmo acontecendo com o apelante Paulo, que acabou por referir que “tinham uma ideia do que lá estava”.
Deste modo, quer porque o contrato celebrado com a “Y” não foi um contrato de trespasse, mas sim um contrato de cessão temporária da exploração do estabelecimento de café, quer porque os apelantes eram comerciantes e pessoas com experiência no exercício da atividade comercial, quer porque o contrato de fornecimento de café e a letra dada à execução foi por eles assinado enquanto representantes da “X” e na qualidade pessoal de fiadores e avalistas dessa sociedade, não colhe o mínimo de plausibilidade possível à luz das regras da experiência comum a tese por eles propugnada quando pretendem que se mantiveram à margem das negociações, tendo estas pretensamente tido lugar entre a testemunha V. M. e a “B. S.”, limitando-se aqueles a assinar esses documentos “de cruz”, assim como não colhe a versão dos factos por eles sustentada (e aventada pela testemunha V. M. – que se limitou a referir ser essa a sua convicção, para logo afirmar que, no entanto, não o pode afirmar com certeza) segundo a qual o contrato objeto dos autos apenas não foi celebrado diretamente entre a “B. S.” e a “Y” porque esta última ainda estava em processo de constituição e que para eles a celebração desse contrato era uma “coisa temporária”, dado que mal a “Y” estivesse constituída, o contrato de fornecimento de café seria transferido para esta última.
Com efeito, para além das razões já anteriormente explanadas, o contrato de fornecimento de café, respetivo anexo, a autorização de preenchimento da letra dada à execução e a assinatura da própria letra dada à execução foram assinados em 15/07/2009 (cfr. fls. 57 a 59) e a constituição da sociedade “Y” foi inscrita na matrícula nessa mesma data de 15/07/2009 (cfr. fls. 24 a 25), o que deita logo por terra aquela versão dos factos apresentada pelos apelantes e aventada pela testemunha V. M., posto que nada impedia que o contrato de fornecimento de café tivesse sido celebrado em nome da sociedade “Y” caso tivesse sido essa a intenção, que não o foi.
Acresce que tendo a sociedade “X” celebrado com a sociedade “Y” o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial de fls. 19 verso a 23, em 23/07/2009, nele pactuando, na respetiva cláusula 7ª, n.º 2 que “o contrato de fornecimento de café da marca CAFÉ T, também atualmente existente entre esta marca e a aqui primeira outorgante, o mesmo será objeto de um aditamento com o segundo outorgante”, mal se compreende que logo, aquando da celebração desse contrato de cessão de exploração, não tivesse sido celebrado esse aditamento.
Acresce que à enunciada tese sufragada pelos apelantes opõe-se também o facto de, nessa cláusula 7ª n.º 2 do contrato de fls. 19 verso a 23 ter ficado acordado que “se o segundo outorgante (a Y) rescindir este contrato de locação, não tiver cumprido na íntegra as responsabilidade decorrentes do contrato de fornecimento de café, as mesmas recairão na primeira outorgante” (a X”), o que é bem demonstrativo, que os identificados José e Paulo, não só negociaram a celebração do contrato de fornecimento de café, respetivo anexo, autorização de preenchimento da letra dada à execução e assinaram a própria letra dada à execução com a apelada “B. S., querendo que as obrigações contratuais emergentes desse contrato recaíssem sobre a sociedade “X”, de que ambos eram administradores (o apelante José, administrador de direito e o apelante Paulo administrador de facto), afiançando e avalizando essas obrigações a título pessoal, tanto assim que reafirmaram naquela cláusula 7ª, n.º 2, que caso o contrato de cessão de exploração celebrado com a “Y” viesse a ser rescindido e as responsabilidade emergentes do contrato de fornecimento de café não estivessem integralmente cumpridas, as mesmas recairiam sobre a “X”.
Finalmente, à pretendida tese dos apelantes opõe-se o comportamento que os mesmos tiveram na sequência do incumprimento desse contrato de cessão de exploração do estabelecimento de café de fls. 19 verso a 23 pela sociedade “Y” e, bem assim, do incumprimento pela “L. C., Unipessoal, Lda.” do contrato de fls. 26 a 28 e da ação de despejo que veio a ser movida pela sociedade “T. C.” à “X”.
Na verdade, na sequência dos incumprimento desses contratos pela “Y” e pela “L. C.” e perante a identificada ação de despejo intentada pelo “T. C.” contra a “X”, os apelantes José e Paulo sempre se assumiram perante terceiros, designadamente, perante as testemunhas L. D. e C. L., como legais representantes da “X”, como responsáveis pelo cumprimento do contrato de fornecimento de café que esta sociedade tinha celebrado com a “B. S.” e que afiançaram a avalizaram, tentando arranjar solução que lhes permitisse eximir-se ou minorar as responsabilidades que sobre eles (a título pessoal) e a “X” recaíam em virtude e por consequência do incumprimento daquele contrato.
Finalmente, tendo os apelantes confessadamente recebido da apelada as cartas juntas aos autos a fls. 62 verso e 34, acusando que não estava a ser consumido café no estabelecimento comercial de café, os mesmos nunca enjeitaram perante a apelada “B. S.” essa obrigação de consumo de café como sendo da sociedade de que o apelante Paulo era administrador de facto e que o apelante José era administrador de direito (a “X”), mas antes pelo contrário, assumiram sempre essas obrigações contratuais como sendo suas e dessa sociedade, conforme é atestado pelo teor da carta de fls. 65.
Aqui chegados, impera concluir que bem andou a 1ª Instância ao julgar provada a matéria de facto dos pontos 36º e 37º, uma vez que a prova produzida, atentos os fundamentos probatórios acabados de enunciar, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, impõe que se conclua pela respetiva prova, não consentindo, aliás, outra resposta a não ser de provado.
Nesta conformidade, na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes, mantém-se inalterados os factos considerados provados nos pontos 36º e 37º na sentença recorrida.

B.2.5- Da alínea B da conclusão VI das alegações de recurso dos apelantes.

Pretendem os apelantes que se adite aos factos considerados provados na sentença recorrida a seguinte materialidade fáctica:

“B - «O contrato de fornecimento de café celebrado entre a sociedade X – Restauração, S. A. e a sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., apenas não foi celebrado entre esta e a Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA. em virtude de esta se encontrar, à data, ainda em processo de constituição enquanto sociedade.».

Para tanto sustentam que apesar da 1ª Instância não ter julgado provada, sequer como provada, esta concreta materialidade fáctica, as declarações de parte prestadas pelos próprios em audiência final, bem como o depoimento prestado pela testemunha Vítor, conjugados com o teor do documento n.º 9, junto em anexo à petição de embargos, impõe que se conclua pela prova da mesma, mas sem manifesta razão.

Na verdade, a matéria em referência consubstancia factos essenciais da exceções de direito que os apelantes suscitam em sede de oposição à execução mediante embargos à presente execução e, como tal, nos termos do disposto no art. 5º, n.º 1 do CPC, esses factos tinham de ter sido alegados pelos apelantes na petição de embargos, o que não aconteceu, sob pena de não poderem ser considerados provados (sequer como não provados) na sentença recorrida.

Acresce referir que não fora o enunciado impedimento de ordem processual ao deferimento da pretensão dos apelantes, em função dos fundamentos probatórios acima já explanados, nada, mas absolutamente nada, possibilitaria que concluísse pela prova dessa materialidade fáctica, mas antes pelo contrário.
Destarte, sem mais, por desnecessárias considerações, bem andou a 1ª Instância ao não considerar provada, sequer como não provada, essa factualidade, improcedendo este fundamento de recurso.

B.2.5- Da alínea C da conclusão VI das alegações de recurso dos apelantes.

Pretendem os apelantes que se considere como provada a seguinte factualidade, argumentando que as declarações de parte prestadas pelo apelante Paulo e pela testemunha Vítor impõe que se conclua pela prova da mesma:

C - «A sociedade B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., na pessoa de A. B., teve conhecimento direto de que, à data em que aquela sociedade celebrou o contrato de fornecimento de café com a X – Restauração, S. A. em causa nos autos, de que esta não tinha intenção de explorar o estabelecimento comercial objeto do fornecimento contratado, naquele ou em qualquer momento».
Acontece que conforme fundamentos probatórios acima explanados, se é certo que a apelada “B. S.” tinha conhecimento, à data da celebração do contrato de fornecimento de café, respetivo anexo I, autorização de preenchimento da letra dada à execução e assinatura dessa letra, que a “X” não tinha, no imediato, intenção de explorar o estabelecimento comercial e que, assim, não seria ela que iria consumir café, mas sim a “Y”, nada nos autos permite que se vá além deste facto, posto que, reafirma-se, a “X” não celebrou um contrato de trespasse do estabelecimento comercial de café com a “Y”, mas sim um contrato de cessão de exploração temporária desse estabelecimento e, inclusivamente, previram na cláusula 7ª, n.º 2, desse contrato de fls. 19 verso a 23, que caso o enunciado contrato de cessão da exploração do estabelecimento de café fosse rescindido, sem estarem cumpridas, na íntegra, as responsabilidades decorrentes do contrato de fornecimento de café, “as mesmas recairão na primeira outorgante” (a “X”).
De resto, o que se acaba de concluir foi dado como provado pela 1ª Instância no ponto 18º dos factos considerados como provados na sentença recorrida, onde se concluiu pela prova que: “era do conhecimento da exequente que a exploração do estabelecimento T. C. Café iria ser feita, pelo menos no início, pela sociedade “Y”, que igualmente, na al. b) dos factos julgados não provados, concluiu pela não prova em como “quando celebraram o contrato de fornecimento de café referido em 2 dos factos provados, a exequente sabia que nunca iria ser efetuado qualquer fornecimento de café diretamente à X e que esta nunca iria encomendar ou adquirir qualquer quantidade desse ou de outros produtos comercializados pela exequente”.
O enunciado julgamento de facto não foi impugnado pelos apelantes, pelo que o mesmo se encontra, em definitivo, assente.
Por conseguinte, além da prova produzida apenas permitir efetivamente que se conclua pela prova e não prova da enunciada matéria fáctica assim julgada como provada e não provada pela 1ª Instância, jamais permitindo que se conclua pela prova dos factos que os apelantes agora pretendem que se considere como provada, esta Relação também não poderia jamais concluir pela prova dessa materialidade fáctica, sob pena de entrar em colisão frontal com o enunciado julgamento de facto realizado pela 1ª Instância.
Resulta do que se vem dizendo, improceder este fundamento de recurso.

B.2.6- Da alínea D da conclusão VI das alegações de recurso dos apelantes.

Insurgem-se os apelantes contra a circunstância da 1ª Instância não ter julgado como provado, sequer como não provado, a seguinte matéria fáctica, pretendendo que os depoimentos das testemunhas V. M., L. V., J. F., C. S. e T. J., bem como as declarações de parte prestadas pelo apelante Paulo, impõe que se conclua pela prova da mesma:

D - «A sociedade X – Restauração, S. A., pela pessoa do seu legal representante ou por qualquer outra pessoa, nunca teve conhecimento do fluxo de consumo de café dos cessionários do estabelecimento comercial em causa nos autos, pois estes (Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA. e L. C. UNIPESSOAL, LDA.) sempre se relacionaram de forma direta com a B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., sem prestarem contas dos volumes das encomendas e consumos efetuados.»
A este propósito é um facto que as sociedade “Y” e, posteriormente, a “L. C.”, no período em que exploraram o estabelecimento de café objeto dos autos, encomendavam o café à apelada “B. S.”, sem darem qualquer satisfação à “X”, e, bem assim, procediam ao pagamento desse café à apelada sem dar qualquer satisfação à “X”.
Também é um facto que essas quantidades de café que as sociedade “Y” e “L. C. Unipessoal” encomendavam à apelada eram por esta fornecidas e faturadas a essas sociedades.
Com efeito, os enunciados factos não só foram confirmados pelas declarações de parte prestadas pelos apelantes em audiência final, como foram corroborados pelos depoimentos prestados pelas testemunhas V. V., L. V., J. F., C. S., V. M., L. C. e T. J., como se mostram conforme às regras da experiência comum, já que não é razoável aceitar-se que, no período em que a exploração do estabelecimento de café estava cedida, respetivamente, à “Y” e à “L. C. Unipessoal”, estas fossem fazer as encomendas de café à “B. S.” em função das suas necessidades, mediante autorização ou satisfação prévia à “X”, sequer que a apelada fosse faturar esse café à sociedade “X”, que não lhe tinha feito a encomenda do mesmo.
No entanto, nada nos autos permite concluir que a “X” e os apelantes não tivessem conhecimento das concretas quantidades de café que foram compradas à embargada pelas identificadas “Y” e “L. C. Unipessoal” durante o período temporal em que estas exploraram esse estabelecimento. Antes pelo contrário, o teor das cartas de fls. 60 a 62, 62 verso a 64, que a apelada “B. S.” enviou à “X” e a resposta de fls. 65, bem como o teor das cartas de fls. 66 a 70, evidenciam que a apelada foi mantendo a sociedade “X”, de quem o apelante José era o administrador único de direito e o apelante Paulo era o seu administrador de facto, assumindo, de resto, este último, relembra-se, uma posição de destaque nessa administração da “X” e encetando ambos, nos termos já demonstrados, diligências, designadamente, junto da empresa “T. C.” no sentido de minorar ou eliminar as suas responsabilidades pessoais, enquanto fiadores e avalistas, da sociedade “X” e para a própria sociedade de que eram administradores nos termos supra enunciados, informados das quantidades de café que tinham sido consumidas por aqueles sociedades terceiras, exploradoras temporárias do estabelecimento comercial de café.
Deste modo, para além da matéria considerada provada pela 1ª Instância nos pontos 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º e 25º dos factos provados na sentença recorrida, impera concluir pela não prova da enunciada matéria fáctica apontada pela apelante na identificada alínea D da conclusão VI das suas alegações de recurso.
Destarte, em face dos fundamentos probatórios que se acabam de enunciar, improcede este fundamento de recurso.

B.2.7- Da alínea E da conclusão VI das alegações de recurso dos apelantes.

Pretendem os apelantes que se considere como provada a matéria de facto que se segue:

E - «As negociações referentes ao contrato de fornecimento de café em causa nos presentes autos, na parte em que se referem ao preço, a consumos obrigatórios, cláusulas indemnizatórias ou pressupostos de incumprimento, foram exclusivamente realizadas entre as sociedades B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. e Y – RESTAURAÇÃO E BEBIDAS, LDA. nas pessoas do Sr. A. B. e Sr. V. M., respetivamente, não tendo a X – Restauração, S. A. participado nas mesmas, seja pela pessoa do seu administrador único ou por qualquer outra pessoa.»
Para tanto alegam que as declarações de parte prestados pelos próprios e o teor global do depoimento prestado pela testemunha Vítor impõe que se julgue provada esta concreta materialidade fáctica.
Acontece que sobre esta factualidade já nos pronunciamos supra, concluindo que a prova produzida não consente que se conclua pela respetiva prova, mas antes pelo contrário.
Termos em que sem maiores delongas, improcede este fundamento de recurso.

B.2.8- Da alínea F da conclusão VI das alegações de recurso dos apelantes.

Os apelantes impugnam o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, sustentando que não obstante esta não tenha considerado provada, sequer como não provada, a matéria de facto que se segue, face às declarações de parte prestadas pelos apelantes José e Paulo e o depoimento prestado pela testemunha T. J., conectados com o teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, as cláusulas 2.3 e 2.3.1 do documento n.º 15 junto com a p.i. de embargos e o doc. n.º 18, junto com o mesmo articulado, impõe que se conclua pela prova do seguinte:

F - «A X – Restauração, S. A. sempre diligenciou no sentido de que os produtos de marca “CAFÉ T” fossem consumidos no estabelecimento “T. C. Café” em regime de exclusividade, mesmo após ter perdido a condição de arrendatária deste estabelecimento comercial. Sendo certo que se a B. S. – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. não tem procedido á resolução contratual, ainda hoje o referido estabelecimento, que se encontra em laboração, estaria a consumir os ditos produtos de marca “CAFÉ T”.»

A este propósito impõe-se realçar que a afirmação de que “a X sempre diligenciou no sentido de que os produtos de marca “CAFÉ T” fossem consumidos no estabelecimento “T. C. Café” em regime de exclusividade, mesmo após ter perdido a condição de arrendatária deste estabelecimento comercial” encerra uma afirmação conclusiva na medida em que é a partir dos concretos factos realizados pela “X” e respetivos gerentes (de direito e de facto) que se há-de concluir ou não que aquela “sempre diligenciou” no sentido de ser consumido “CAFÉ T” no estabelecimento comercial em apreço.

Esses concretos factos, que a prova produzida consente efetivamente que se tivesse considerado como provados, encontram-se elencados nos pontos 7 e 22 dos factos julgados provados na sentença recorrida, os quais, porque não impugnados, se encontram, em definitivo, assentes.

Para além destes factos que a 1ª Instância julgou como provados, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, a prova produzida não consente que se conclua que caso a apelada “B. S.” não tivesse procedido à resolução do contrato de fornecimento de café, ainda hoje o referido estabelecimento comercial estaria a consumir café e produtos da marca “CAFÉ T”.

Na verdade, o que a prova produzida evidencia é que o estabelecimento comercial de café denominado “T. C. Café” andou, e tem andado, num rodopio de “abre e fecha de portas” ao público, pelo que nada permite concluir que, à data da resolução do contrato de fornecimento de café pela apelada, aquele estabelecimento comercial de café se encontrasse aberto ao público, ou que o mesmo continue, atualmente, aberto ao público.
Acresce que o teor da carta junta aos autos a fls. 60, datada de 20/11/2012, indicia no sentido que quando o estabelecimento de café estava a ser explorado pela “L. e C., Unipessoal”, na sequência do contrato de cessão de exploração celebrado entre esta sociedade e a “X”, junto aos autos a fls. 26 a 28, nem sempre a “L. e C.” terá consumido “CAFÉ T” no estabelecimento de café – pelo menos é disso que se queixa a apelada nessa carta, sem que tivesse sido feita prova em como essa queixa fosse infundada.
Por sua vez, tendo a “L. e C.” encerrado aquele estabelecimento de café, na sequência da ação de despejo que a sociedade “T. C. de Braga, E.M., S.A.” instaurou contra a “X” e das diligência que os apelantes efetuaram junto daquela sociedade para minorar ou excluir as responsabilidades que para eles, e para a “X”, emergiam do incumprimento do contrato de fornecimento de café (cfr. depoimentos das testemunhas L. D. e C. L.), a “X” e o “T. C. de Braga” vieram a celebrar entre eles o acordo escrito de fls. 33, em que a primeira entregou o estabelecimento de café à sociedade “T. C.”, considerando ambas esse contrato cessado, por iniciativa da última, em 08/03/2013 (cfr. cláusulas 1.2 e 2.1 de fls. 33) e obrigando-se o “T. C.” a “diligenciar que os futuros inquilinos do locado, no período de duração do seu contrato de arrendamento, consumam café da marca T, em regime de exclusividade, cujo fornecedor seja a B. S. – Torrefação e Comércio de Café, Lda.”, até que se perfaça 5.830 kgs” (cfr. cláusula 2.3.1 de fls. 33 verso).
Acontece que tendo a sociedade T. C. se “limitado a diligenciar” que os futuros inquilinos do T. C. continuassem a consumir café da marca “T”, esta assumiu uma simples obrigação de meios e não de resultados, não tendo, por conseguinte, assumido a obrigação de que os futuros inquilinos do estabelecimento comercial consumissem efetivamente esse café naquele estabelecimento (sequer se vislumbra que pudesse ter assumido outro tipo de obrigação se não a de “diligenciar” – obrigação de meios), conforme, de resto, a mesma afirma junto da apelada na carta que lhe enviou e que se encontra junta aos autos a fls. 65 verso, em resposta à carta datada de 17/07/2014, em que a apelada manifestamente se queixava que, no estabelecimento comercial, não estaria a ser consumido CAFÉ T.
De resto, já na carta datada de fls. 62 verso, datada de 17/09/2013, a “B. S.” tinha-se queixado que o estabelecimento estava encerrado e não se encontrava, por isso, a consumir café.
Deste modo, atentos os fundamentos probatórios que se acabam de enunciar, nada nos autos permite que se conclua que o estabelecimento comercial de café continue em laboração e/ou que estivesse em laboração quando a apelada “B. S.” procedeu à resolução do contrato de fornecimento de café, sequer que caso esta última não tivesse procedido à resolução desse contrato, ainda hoje, no referido estabelecimento, se estaria a consumir café e produtos da marca “CAFÉ T”.
Termos em que, atento o caráter conclusivo da matéria vertida na primeira parte da alínea F) e porque a prova produzida não consente que se conclua pela prova da restante matéria aí alegada pelos apelantes, improcede este fundamento de recurso.

Resulta do exposto que na improcedência de todos os fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes quanto aos pontos 36º e 37º da matéria considerada provada na sentença recorrida e quanto à vertida nas alíneas B, C, D, E e F da conclusão VI das alegações de recurso apresentadas pelos apelantes, mantém-se inalterado o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, restando verificar se ao julgar como provada a matéria do ponto 27º dos factos considerados como provados e ao não considerar como provada, sequer como não provada, a matéria da alínea G) da conclusão VI das alegações de recurso apresentadas pelos apelantes, a 1ª Instância incorreu na violação das regras de direito probatório material que os apelantes lhe imputam.

B.2.8 – Violação de regras de direito probatório material.

B.2.8.1- Matéria do ponto 27º dos factos considerados provados na sentença recorrida.

No ponto 27º a 1ª Instância deu como provado que: “A letra dada à execução foi entregue em branco, apenas com as assinaturas, tendo sido preenchida posteriormente pela exequente”.

Sustenta a apelante que atento o teor do documento n.º 7, junto aos autos com a petição inicial, cujo teor não foi impugnado, se impõe alterar a redação daquele ponto por forma a tornar a matéria aí considerada provada conforme ao teor desse documento, nos termos que se seguem:

“A letra de câmbio dada à execução nos presentes autos foi entregue em branco, sem qualquer referência à sociedade “X – Restauração, S.A., carimbo, identificação ou declaração de intervenção enquanto representante legal desta, apenas com as assinaturas de José e de Paulo no aceite e no verso, a seguir à expressão “Bom para aval ao subscritor”, com as assinaturas de José e de Paulo. Tendo sido preenchida posteriormente pela exequente”;
A matéria assim julgada como provada corresponde à factualidade que vem alegada pelos apelantes no ponto 79º da petição de embargos, onde precisamente aqueles alegam que: “A letra dada à execução foi entregue em branco, apenas com as duas assinaturas, tendo sido preenchida a posteori pela exequente”.
Acontece que no ponto 80º da petição de embargos os apelantes confessam que as assinaturas que se encontram apostas no “aceite” da letra dada à execução são da sua autoria e juntaram aos autos a fls. 23, cópia da letra dada à execução, no estado em que esta se encontrava quando os mesmos nela apuseram a sua assinatura, ou seja, antes da mesma ter sido preenchida pela apelada “B. S.”.
A apelada não impugnou este documento de fls. 23, pelo que nos termos do disposto nos arts. 362º, 363º, n.º 1, 373º, n.º 1, 374º, n.º 1 e 376º, n.ºs 1 e 2 do CC, se tem como plenamente provado o respectivo teor, isto é, que a letra dada à execução nos presentes autos foi entregue em branco, sem nela constar qualquer referência à sociedade “X – Restauração, S.A.”, incluindo carimbo da firma desta sociedade, sequer sem que dela constasse qualquer menção em como José e Paulo tivessem aposto na mesma, no lugar do aceite, a sua assinatura enquanto representantes desta sociedade. José e Paulo apuseram a sua assinatura nessa letra, no lugar do aceite, e também apuseram no verso daquela a sua assinatura sob a expressão: “Bom para aval ao subscritor”, tendo sido a exequente que, posteriormente, preencheu essa letra com os mais dizeres que nela constam inscritos.

Nesta conformidade, na procedência deste fundamento de recurso, altera-se a redação do ponto 27º dos factos considerados provados na sentença recorrida, o qual passa a constar da seguinte redação:

27- A letra dada à execução nos presentes autos foi entregue em branco, sem nela constar qualquer referência à sociedade “X – Restauração, S.A.”, incluindo, carimbo da firma desta sociedade, sequer sem que dela constasse qualquer menção em como José e Paulo tivessem aposto na mesma, no lugar destinado ao aceite, a sua assinatura enquanto representantes dessa sociedade. José e Paulo apuseram a sua assinatura, nessa letra, no lugar do aceite, e também apuseram no verso daquela a sua assinatura sob a expressão: “Bom para aval ao subscritor”, tendo sido a exequente que, posteriormente, preencheu essa letra com os mais dizeres que nela constam inscritos”.

B.2.8.1- Matéria da alínea G) dos factos considerados provados na sentença recorrida.

Sustentam os apelantes que não obstante a 1ª Instância não tenha considerado provado, sequer como não provado, que “o empréstimo dos equipamentos descrito no Anexo I do contrato de fornecimento de café celebrado entre a “B. S. – Torrefação e Comércio de Café, Lda.” e a “X – Restauração, S.A., foi feito por contrapartida de publicidade”, que se impõe julgar como provada essa matéria, por admissão, e a nosso ver com parcial razão.
Na verdade, no ponto 17º da petição de embargos, os apelantes alegam que “de acordo com o teor do n.º 1 da cláusula 3ª do contrato, como contrapartida das obrigações assumidas nas cláusulas anteriores, o CAFÉ T colocou à disposição da 2ª outorgante o material ou equipamentos descritos no Anexo I, que esta última utilizará na qualidade de depositário”.
Os apelantes juntaram, em anexo, à petição inicial, o contrato de fls. 17 a 18, em cuja cláusula 3ª, n.ºs 2 e 3, consta que “durante a vigência do contrato, o material permanecerá propriedade do CAFÉ T, e que após o seu termos, e desde que pontualmente cumprido passará para a propriedade do 2º Outorgante”.
Por sua vez, os apelantes juntaram em anexo à petição de embargos, a fls. 19, o referido Anexo I, em cujas cláusulas 1ª, 3ª e 4ª consta que a entrega desse material pela “B. S.” é feita à “X” como contrapartida de publicidade ao “CAFÉ T”.
A apelada não impugnou aquela alegação dos apelantes, sequer arguiu a falsidade dos identificados documentos ou das assinaturas que neles constam, pelo que, nos termos do disposto nos arts. 362º, 363º, n.º 1, 373º, n.º 1, 374º, n.º1, 376º, n.ºs 1 e 2, 352º e 358º, n.º 2 do CC, se tem como plenamente provado que os equipamentos descritos no Anexo I do contrato de fornecimento de café celebrado entre a B. S. – Torrefação e Comércio de Café, Lda. e a X – Restauração, S.A, foram entregues pela primeira à segunda como contrapartida de publicidade que esta se obrigou a efetuar ao “CAFÉ T”.
Já em função daqueles documentos não colhe a pretensão dos apelantes segundo a qual essa entrega do equipamento tivesse ocorrido a título de empréstimo, na medida em que se tal é certo, no termo do prazo acordado para a vigência do contrato de fornecimento de café, caso a “X” tivesse cumprido pontualmente as obrigações que para si emergiam desse contrato, a propriedade sobre esse equipamento revertia para a “X”. Logo, essa ilação dos apelantes não é integralmente certa, impondo-se a respetiva correcção.

Nesta conformidade, na parcial procedência deste fundamento de recurso, ordena-se que seja aditado aos factos considerados provados na sentença recorrida, a seguinte factualidade, que se julga como provada:

“39- Os equipamentos descritos no Anexo I do contrato de fornecimento de café celebrado entre a B. S. – Torrefação e Comércio de Café, Lda. e a X – Restauração, S.A, foram entregues pela primeira à segunda, a título de empréstimo, como contrapartida de publicidade que esta se obrigou a efetuar ao “CAFÉ T”, revertendo a propriedade desse equipamento para a X” no termo acordado para a vigência do contrato e caso esta cumprisse integralmente as obrigações que para si emergiam desse contrato”.

Introduzidas as alterações acima identificadas à matéria de facto considerada prova na sentença, resta verificar se a mesma padece dos erros de direito que os apelantes lhe imputam quanto à decisão de mérito nela proferida.

B.3- Nulidade dos negócios celebrados por violação do princípio da especialidade.

Os apelantes insurgem-se contra a sentença recorrida, imputando erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida ao julgar improcedente a exceção da nulidade dos negócios jurídicos celebrados, com fundamento em violação do princípio da especialidade do fim que rege as sociedades comerciais, sustentando que em função da matéria fáctica apurada, o contrato de fornecimento de café e a letra dada à execução não passam, de facto, de uma assunção de dívidas futuras de terceiros por parte da sociedade “X”, sem que esta tivesse qualquer interesse próprio que fundamentasse as garantias prestadas a favor desses terceiros.
Argumentam que analisando todo o complexo contratual, a sociedade “X” assumiu uma série de obrigações genéricas relativas ao contrato de fornecimento de café celebrado, responsabilizando-se, nomeadamente, pelas obrigações advindas de todas as faturas emitidas pela sociedade exequente, obrigando-se a consumir café e os produtos da marca “CAFÉ T”, isto apesar de ter ficado amplamente provado que a sociedade exequente, ainda em data anterior à celebração do contrato, tinha perfeito conhecimento que a “X” não tinha qualquer intenção de, por si, consumir qualquer café ou produtos da marca “T” uma vez que não iria explorar o estabelecimento comercial em causa.
Mais argumentam que analisado todo esse complexo contratual, incluindo o acordo de preenchimento de fls. 22 verso e a expressão “faturas” neste utilizado, essa expressão é referência expressa às faturas relativas ao fornecimento de café e produtos da marca “CAFÉ T”, quando a sociedade exequente bem sabia que a sociedade “X” nenhum café ou produtos lhe iria comprar, dado que o estabelecimento comercial iria ser explorado por sociedades terceiras, pelo que não sofre dúvidas que a sociedade “B. S.” imputa ao património da sociedade executada “X” a garantia do cumprimento dos fornecimento efetuados às sociedades terceiras que, conforme era comprovadamente do seu conhecimento, iriam explorar o estabelecimento comercial em causa.
Concluem que ao julgar improcedente a mencionada exceção, a 1ª Instância incorreu em violação do disposto nos arts. 6º, n.ºs 1 e 3 do CSC e 294º do CC.
Vejamos se assiste razão aos apelantes nas críticas que apontam à sentença recorrida.
O art. 160º do CC, estabelece para as pessoas coletivas o princípio da especialidade, segundo o qual a capacidade daquelas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, excetuando-se os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular.
O art. 6º, n.º 1 do Cód. Soc. Comerciais (CSC) reproduz este comando legal em relação às sociedades comerciais.
Significa isto que a capacidade de gozo das pessoas coletivas e das sociedades comerciais sofre três ordens de restrições, a saber: só integra os direitos e obrigações necessárias ou convenientes à prossecução dos seus fins; esse direitos e obrigações não podem estar-lhes vedados por lei; e esses direitos e obrigações não podem ser inseparáveis da personalidade singular (28).
Sendo lucrativo o fim das sociedades comerciais, em consonância com os enunciados limites à capacidade de gozo das pessoas coletivas, o n.º 3 daquele art. 6º do CSC, determina que se considera contrária ao fim da sociedade, a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
Assim é que se entende que “os atos estranhos à capacidade societária, contrários ao fim lucrativo (doações, comodatos, mútuos gratuitos, prestação gratuita de garantias) são nulos” (29).
Note-se, contudo, que é entendimento pacífico que “não basta a simples gratuitidade dos atos para colocá-los fora da capacidade e dentro da nulidade. Atos gratuitos podem entrar na capacidade societária, as sociedades podem validamente praticá-los quando eles se revelem necessários ou, ao menos convenientes à consecução de lucros. Imagine-se que a sociedade A subscreve uma letra de câmbio de favor para possibilitar que a sociedade B seja financiada por um banco” (…). “Se é verdade que os negócios gratuitos supõem o espírito de liberalidade, é igualmente verdade que esse espírito não se confunde com o ânimo ou escopo altruísta, desinteressado; liberalidades existem com fim interessado ou interesseiro e estes são em geral compatíveis com o fim lucrativo das sociedades, entram na capacidade delas” (30).
Por consequência, para que se considere que a prestação de uma garantia real ou pessoal por parte de uma sociedade comercial é nula, por contrária ao fim lucrativo desta e, consequentemente, do princípio da especialidade que informa a capacidade de gozo das sociedades comerciais, não basta a simples alegação e prova da gratuidade desse ato, mas é necessário que quem invoque a mencionada exceção alegue e prove que esse ato, além de gratuito, não é necessário e conveniente para aquela, oponente, não existindo, por isso, qualquer interesse próprio da sociedade em prestar semelhante garantia a favor desses terceiros, sequer que entre a sociedade e esses terceiros não existe qualquer relação de domínio ou de grupo (31).
No caso dos autos, os apelantes insistem que o contrato de fornecimento de café celebrado entre a apelada “B. S.” e a sociedade “X” e em que os mesmos outorgaram enquanto “terceiros contratantes” – fiadores -, contrato esse junto aos autos a fls. 57 a 58, e respetivo anexo de fls. 59, bem como a autorização de preenchimento da letra dada à execução, esta junta aos autos a fls. 59 verso e, bem assim, a letra que os próprios assinaram em branco, nos moldes que infra se explanarão, consubstancia uma assunção de dívida futura de terceiros, por parte da sociedade executada “X”, sem que subsistisse qualquer interesse próprio desta em assumir essa garantia a favor dos terceiros que iriam explorar o estabelecimento comercial, mas sem manifesta razão.
Na verdade, apesar de terem alegado que a sociedade “X” não tinha qualquer propósito de explorar o estabelecimento comercial “T. C. Café”, onde a primeira se obrigou perante a apelada “B. S.”, a comercializar, em exclusivo, café e outros produtos da marca “CAFÉ T” nas quantidades mensais mínimas de 136 Kgs., durante o prazo de quatro anos, e a publicitar essa marca, e, bem assim, que esse facto era do conhecimento da apelada “B. S.”, que, por isso, sempre soube que a “X” não tinha qualquer interesse próprio na celebração daquele contrato e que nem sequer tinha condições para cumpri-lo, dado que não iria explorar esse estabelecimento, bem sabendo que a “X” estava, por isso, na prática, a assumir uma assunção de dívidas futuras dos terceiros que iriam explorar aquele estabelecimento comercial, verifica-se que contrariamente ao que era seu ónus probatório fazer (art. 342º, n.º 1 do CC), os apelantes não lograram fazer prova dessa sua alegação, posto que o que se provou é que a apelada “B. S.” tinha conhecimento que a exploração do estabelecimento “T. C. Café” iria ser feita, pelo menos, no início da vigência daquele contrato, pela sociedade “Y” e que, pelo menos, nessa altura, seria esta quem iria encomendar e consumir café (pontos 18º a 19º dos factos apurados).
Deste modo, contrariamente ao que era seu ónus fazer, os apelantes não lograram fazer prova dessa sua alegação segundo a qual quando celebraram o contrato de fornecimento de café, a apelada soubesse que nunca iria ser efetuado qualquer fornecimento de café diretamente à “X” e que esta nunca lhe iria encomendar ou adquirir qualquer quantidade desse ou dos outros produtos que comercializava (al. b) dos factos não provados), sequer que a “X” não tivesse, então, qualquer intenção de vir a explorar esse estabelecimento de café e, bem assim que esse facto fosse do conhecimento da apelada “B. S.”, de onde resulta afastada, por ausência de prova da pertinente factualidade, a tese da apelante segundo a qual, mediante a celebração desse contrato, a “X” se limitou, na prática, a garantir o cumprimento das obrigações dos terceiros que iriam explorar o estabelecimento comercial de café.
Acresce precisar que ainda que os apelantes tivessem provado essa sua versão factual nos termos da qual, à data da celebração daquele contrato de fls. 57 a 58, respetivo anexo de fls. 59, denominada “autorização de preenchimento de letra” de fls. 59 verso, e assinatura em branco da letra dada à execução, a X não tinha qualquer propósito em explorar o estabelecimento comercial de café e, bem assim, que esse facto era do conhecimento da apelada “B. S.” (o que, reafirma-se, não provaram), nunca se poderia concluir que esses atos jurídicos consubstanciam, na prática, uma assunção de dívidas futuras a favor dos terceiros que iriam explorar o estabelecimento comercial de café, sem que subsistisse qualquer interesse próprio e direto da “X” que fundamentasse e justificasse a concessão dessa pretensa garantia a favor desses terceiros.
Com efeito, apurou-se que o apelante José celebrou aquele contrato de fornecimento de café, na qualidade de legal representante daquela sociedade (veja-se que no contrato de fls. 57 a 58 e no anexo I de fls. 59 apôs nele a sua assinatura sob a firma da sociedade “X” e a expressão “A Administração”) e, bem assim, ambos os apelantes a título pessoal, na qualidade de fiadores das obrigações assumidas por essa sociedade (vide teor do documento de fls. 57 a 59).
Acresce que ambos os apelantes assinaram a letra dada à execução, por um lado, a título pessoal e na qualidade de avalistas e, por outro, como representantes de facto e/ou de direito da sociedade executada (“X), com intenção de esta assumir a qualidade de aceitante (ponto 36º dos factos aprovados).
Por outro lado, nessas qualidades, os apelantes praticaram esses atos no exercício da respetiva liberdade contratual e tendo em vista dar satisfação ao interesse manifestado pelo gerente da “Y”, no âmbito das negociações estabelecidas com vista à cedência da exploração do estabelecimento comercial pela “X” à “Y”, em que o fornecedor de café fosse a sociedade apelada, “B. S.”, que fornecia “CAFÉ T” (cfr. pontos 12 a 15 dos factos provados).
Logo, ainda que se entendesse que a celebração daquele contrato e a assinatura da mencionada letra dada à execução, na prática, consubstanciavam uma garantia assumida pela sociedade “X” a favor dos terceiros, que iriam explorar o estabelecimento comercial de café (o que não se consente), em função desse quadro factuológico, não se provou que a sociedade “X” não tivesse interesse direto e pessoal na assunção dessa garantia, mas antes pelo contrário, esse interesse pessoal e direto existiu, na medida em visou satisfazer o interesse do gerente da sociedade “Y”, sociedade esta que iria explorar o estabelecimento comercial de café, no sentido do fornecimento de café ao estabelecimento comercial passar a ser efetuado pela apelada “B. S.”, por forma a potenciar que a “X” e a “Y” celebrassem entre elas o contrato de cessão de exploração do referido estabelecimento comercial, visando, assim, a “X” afastar esse engulho que pudesse emperrar as negociações tendentes à celebração daquele contrato de cessão de exploração do estabelecimento com a “Y”.
De resto, para viabilizar esse desiderato e para que a “X” pudesse rescindir o contrato de fornecimento de café que tinha celebrado com a “S.”, provou-se que a apelada “B. S.” disponibilizou-lhe a quantia de 60.000,00 euros (cfr. ponto 16º dos factos apurados).
Logo, mesmo na tese dos apelantes, nunca a mencionada exceção por eles invocada podia proceder à luz do regime jurídico do art. 6º, n.ºs 1 e 3 do CSC.
Acontece que conforme bem ponderou a 1ª Instância, o contrato em causa nos autos, celebrado entre a sociedade executada, “X” e exequente “B. S.”, não corporiza a prestação de qualquer garantia, pessoal ou real, por parte da primeira a favor de terceiros, nomeadamente, da sociedade “Y”, a qual iria explorar temporariamente o estabelecimento de café.

Na verdade, olhando atomisticamente as obrigações contratuais estipuladas nesse acordo escrito junto aos autos a fls. 57 a 58 e respetivo Anexo I de fls. 59, a que comummente se atribui a designação de “contrato de fornecimento de café”, nele surpreendem-se uma multiplicidade de obrigações sinalagmáticas assumidas, quer pela sociedade executada “X”, quer pela sociedade apelada, “B. S.”, designadamente:

a- a obrigação da “X” de adquirir à apelada “B. S.”, durante o prazo de 4 anos, em regime de exclusividade, um mínimo mensal de 136 Kgs. de café, num total mínimo de 6.500 Kgs. de café;
b- a obrigação da “B. S.” de fornecer à sociedade “X”, durante aqueles quatro anos ajustados para a vigência do contrato, as referidas quantidades mínimas de café;
c- a obrigação da “X” de, durante o referido período temporal de quatro anos, não adquirir a terceiros, nem vender no estabelecimento “T. C. Café”, café ou outros produtos análogos, obrigando-se a consumir nele, em exclusivo, café, açúcar, descafeinado e adoçantes da marca “CAFÉ T” e a publicitar exclusivamente esta marca e a promove-la;
d- a obrigação da “B. S.” de entregar à “X” o material e equipamento que se encontra discriminado no Anexo I, como contrapartida da publicidade prestada ao “CAFÉ T” naquele estabelecimento comercial pela “X”, cuja propriedade permaneceria na primeira, durante a vigência do contrato, podendo a “X” utilizar esse material e equipamento na qualidade de fiel depositária, mas cuja propriedade reverteria para a última findo o período de vigência desse contrato e desde que esta cumprisse pontualmente as obrigações emergentes desse contrato; e
e- a obrigação da “B. S.” de entregar à “X” a quantia de 60.000,00 euros, a título de “rappel” antecipado, e que a primeira lhe disponibilizou para que pudesse rescindir o contrato de fornecimento de café que tinha celebrado com a “S.”, satisfazendo, assim, o interesse do gerente da sociedade “Y” no sentido de que o fornecimento de café ao estabelecimento comercial passasse a ser efetuado pela “B. S.”.

No que respeita às obrigações que se acabam de elencar em a) e b), as mesmas consubstanciam a vinculação recíproca da sociedade “X” e da apelada “B. S.” de, durante determinado período temporal, no caso, quatro anos, a primeira lhe comprar um mínimo mensal de 136 Kgs. de café, num total mínimo de 6.500 Kgs. desse produto, obrigando-se a última, por sua vez, a efetuar-lhe esse fornecimento mensal mínimo e total mínimo de café.
Como é bom de ver, por via da assunção de tais obrigações, a “X” e a “B. S.” não declaram, respetivamente, comprar e vender uma à outra àquelas quantidades mínimas de café, mas o que declaram e se vincularam foi de que, ao longo dos quatro anos estipulados para a vigência do contrato, se obrigavam a celebrar entre elas sucessivos contratos de compra e venda, mediante os quais a “B. S.” transferiria para a “X” as referidas quantidades mínimas de café, por determinado preço convencionado, que no caso ascendia a 25 euros/Kg.
Significa isto, que mediante a celebração do enunciado contrato de fornecimento de café não se transferiu a propriedade do café convencionada da apelada “B. S.” para a sociedade “X”, mediante determinado preço, mas o que nele se estipulou é que a transferência da propriedade do café há-de ocorrer, no futuro, em consequência dos sucessivos contratos de compra e venda que as contratantes se vincularam a celebrar entre si, ao longo dos quatro anos que estipularam para a vigência desse contrato.
Logo, as cláusulas contratuais em que apelada e a “X” assumiram entre elas as obrigações contratuais acima identificadas em a) e b), mais não são do que cláusulas típicas do contrato nominado e típico, que é o contrato-promessa de compra e venda comercial bilateral, regulado nos arts. 410º a 413º e 830º do CC e 463º, n.º 1 do Cód. Comercial.
Já as obrigações pactuadas entre as partes, em que a apelada “B. S.” transferiu a posse sobre os bens discriminados no Anexo I, sua propriedade, para que a “X” os usasse enquanto se mantivesse em vigor o contrato (que assim, ficou investida numa posse em nome alheio sobre esses bens – detenção), mediante a obrigação daquela sociedade de lhos restituir logo que cessasse o contrato, são obrigações típicas do contrato de comodato, regulado nos arts. 1129º a 1141º do CC.
A obrigação assumida pela “B. S.” de transferir a propriedade sobre esses bens para a “X” no termo do prazo acordado para a vigência do contrato, contanto que esta última tivesse cumprido pontualmente todas as obrigações contratuais para si emergiam do contrato, consubstanciam obrigações típicas de um contrato-promessa unilateral, em que a apelada se obrigou perante a “X”, no futuro (daí a 4 anos), a celebrar com ela um contrato mediante o qual transferiria a sua propriedade sobre esses bens para a última, caso se verificasse aquela outra condição – cumprimento pela sociedade “X” de todas as obrigações contratuais assumidas.
A obrigação assumida pela “X” de publicitar e promover no estabelecimento comercial de café “T. C. Café” exclusivamente a marca “CAFÉ T” durante o período acordado para a vigência do contrato, consubstancia a celebração de um contrato de prestação de serviços, mais concretamente, de publicidade, o qual se encontra regulado nos arts.1154º e segs. do CC.
Finalmente, a entrega pela apelada “B. S.” à “X” da quantia de 60.000,00 euros, a título de desconto antecipado no preço do café que esta se obrigou a comprar-lhe, e que esta se obrigou a vender-lhe, ao longo dos referidos quatro anos, são cláusula próprias do contrato típico de compra e venda de café.
Significa isto que num único contrato a apelada “B. S.” e a sociedade “X” reuniram cláusulas típicas de diversos tipos contratuais, em que estão contratualizadas prestações bilaterais de conteúdo sinalagmático, constituídas em torno de um contrato de fornecimento de café, em regime de exclusividade, mas onde, para além desse tipo contratual, emergem vinculações obrigacionais conjugadas típicas de outros contratos típicos.
Note-se que o assim acordado pelas contratantes é consentido pelo princípio da liberdade contratual previsto no art. 405º do CC, em função do qual, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no CC ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (n.º 1), podendo, ainda, reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei” (n.º 2).
Por outro lado, tendo em consideração a finalidade económica prosseguida pelas partes com a celebração desse contrato – a compra e venda de café, em regime de exclusividade, a promoção e publicitação da marca e a fidelização do cliente –, não se antolha como razoável aceitar-se que a apelada “B. S.” se disponibilizasse a assumir as enunciadas obrigações contratuais, emprestando à “X” os bens acima identificados e obrigando-se a transferir para a última a propriedade sobre esses bens no termo dos quatro anos convencionados para a vigência desse contrato, caso esta última cumprisse pontualmente todas as obrigações contratuais decorrentes desse contrato e, bem assim, entregando-lhe a quantia de 60.000,00 euros, a título de desconto antecipado no preço do café, caso a sociedade “X” não se tivesse obrigado a comprar-lhe café, em regime de exclusividade e na quantidade mínima mensal de 136 Kgs., durante os mencionados quatro anos e, bem assim, a publicitar e a promover, no estabelecimento, a sua marca “CAFÉ T”, em regime de exclusividade, sequer se antolha como razoável aceitar que esta última assumisse semelhantes obrigações, caso a apelada não lhe concedesse as mencionadas contrapartidas.
Logo, as obrigações assumidas pelas partes naquele único contrato e que são típicas de diversos contratos nominados e regulados na lei, mostram-se incindíveis entre si, não sendo suscetíveis de autonomização, pelo que o contrato de fornecimento de café consubstancia um único contrato misto, logo atípico.
Trata-se mais concretamente de um contrato de natureza comercial, misto, geminado, de natureza complexa, em que estão contratualizadas prestações bilaterais de conteúdo sinalagmático, em que avulta e prevalece a celebração de um contrato de fornecimento de café, em regime de exclusividade, mas que envolve elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços e do contrato de comodato (32).
Esta multiplicidade de obrigações contratuais, de caráter sinalagmático e de conteúdo complexo foram assumidas, reafirma-se, pela sociedade executada “X” e a sociedade apelada “ B. S.”, ao abrigo da respetiva autonomia privada, que andando a negociar com o legal representante da sociedade “Y” a cedência do estabelecimento de café para esta sociedade e visando satisfazer o interesse daquele legal representante da “Y”, no sentido que o fornecimento de café a esse estabelecimento passasse a ser efetuado pela apelada “B. S.”, a “X” optou, dentro dessa sua autonomia privada, em pôr termo ao contrato de fornecimento de café que tinha celebrado com a sociedade “S.” e por celebrar com a “B. S.” o contrato objeto dos autos, em que esta última lhe disponibilizou sessenta mil euros, com vista a viabilizar a rescisão do contrato que a “X” tinha com a “S.” e assumindo as obrigações contratuais emergentes desse contrato perante a “B. S.”.
Naturalmente que a circunstância da exequente “B. S.” ter conhecimento, à data de celebração daquele contrato, que a exploração do estabelecimento comercial de café iria ser feito, pelo menos, no início, pela sociedade “Y” e que, pelo menos nessa altura, quem lhe iria encomendar e consumir café seria esta sociedade (cfr. pontos 18º e 19º dos factos provados), factualidade esta que, de resto, por maioria de razão, era do conhecimento da própria executada “X” e, bem assim, do apelante José, seu administrador único de direito, e do apelante Paulo, seu administrador de facto, não transmuta aquele contrato numa garantia por eles prestada a favor da sociedade “Y” ou dos eventuais terceiros que viessem a explorar esse estabelecimento de café.
Na verdade, a intenção que presidiu à celebração daquele contrato pela “X” e respetivos administradores de direito e de facto (os apelantes) e pela exequente “B. S.” não foi no sentido de que a primeira assumisse essa garantia, mas antes que ela própria assumisse, conforme inegavelmente assumiu, as enunciadas obrigações contratuais emergentes desse contrato perante a “B. S.”.
Naturalmente que se a “X” e os respetivos administradores de facto e de direito decidiram assumir essas obrigações contratuais, não obstante andarem a negociar com a sociedade “Y” a cedência da exploração do estabelecimento comercial de café, fizeram-no ao abrigo da respetiva liberdade contratual, não cabendo à sociedade exequente “B. S.”, que tendo conhecimento desse facto e que sabia que, pelo menos no início, o estabelecimento de café iria ser explorado pela “Y” e que, pelo menos, nessa altura, quem lhe iria encomendar e consumir café seria esta última sociedade, opor-se a essa decisão da administração da “X”, uma vez que não lhe cumpria determinar a vida interna da sociedade “X” e zelar pela sua boa administração, mas antes aos respetivos administradores de direito e de facto, que ainda assim decidiram celebrar aquele contrato e assumir as respetivas obrigações, não ignorando, sequer podendo ignorar, os riscos que tal comportava e isto, não obstante, bem saberem, porque não o podiam ignorar, que enquanto o estabelecimento de café fosse explorado por terceiros, ou transferiam a sua posição contratual para esses terceiros, conforme se encontrava previsto e era permitido pela cláusula 2ª, n.º 2 do contrato celebrado com a “B. S.” (cfr. fls. 90) - o que não fizeram - ou a “X” (e eles próprios, enquanto fiadores e avalistas) seriam responsáveis pelo cumprimento integral das obrigações contratuais emergentes desse contrato perante a apelada “B. S.”.
Para a apelada “B. S.” era naturalmente totalmente indiferente se o estabelecimento de café estava a ser explorado diretamente pela “X” ou se por via indireta, mediante recurso a terceiros, a quem esta tivesse cedido temporariamente a exploração daquele estabelecimento (caso da “Y” e, posteriormente, da “L. C. Unipessoal, Lda.” – cfr. ponto 23º dos factos apurados) ou definitivamente – trespasse -, contanto que a “X”, com quem aquela tinha celebrado o contrato em referência e que era a responsável, perante si, pelo cumprimento das respetivas obrigações contratuais, cumprisse essas obrigações.
Por conseguinte, ao celebrar o referido contrato, a “X” assumiu perante a exequente “B. S.” a obrigação de cumprir as obrigações contratadas, no exercício da respetiva liberdade contratual, prosseguindo naturalmente aquele que, na perspetiva da sua administração (de direito e de facto), era a melhor forma de satisfazer os seus interesses, obrigações essas que em nada se reconduzem à assunção pela última de dívidas futuras da sociedade terceira – “Y” – que, no imediato, e pelo prazo previsível de dez anos, iria explorar aquele estabelecimento de café - ou de eventuais outros terceiros que viessem, no futuro, a explorar esse estabelecimento.
Aliás, esses terceiros não celebraram qualquer contrato com a apelada “B. S.”, não tendo, consequentemente, assumido perante aquela qualquer obrigação contratual, mas quem assumiu as obrigações contratuais perante a apelada foi, única e exclusivamente, a executada “X”, que, por isso, é a única responsável pelo cumprimento das mesmas e isto independentemente de, à data, pretender ceder ou não a exploração do estabelecimento comercial desse estabelecimento a terceiros, conforme era o caso, e desse facto ser ou não do conhecimento da apelada.
Precise-se que não é certa a tese dos apelantes segundo a qual, mediante a celebração daquele contrato de fornecimento de café, a “X”, e eles próprios (enquanto fiadores e avalistas) garantiram o pagamento das faturas respeitantes ao café encomendado pela “Y” e fornecida à última pela apelada “B. S.”.
Com efeito, esse café não foi encomendado à apelada pela “X”, mas sim pela sociedade “Y” e, posteriormente, pela “L. C., Unipessoal”, tendo sido a estas que a “B. S.” forneceu essas quantidades de café encomendadas, pelo que apenas a “Y” e a “L. C.” são as responsáveis pelo pagamento do preço da compra à “B. S.” no âmbito dos contratos de compra e venda que com esta celebraram.
O que a “X” era responsável perante a “B. S.”, sendo esta a dimensão da sua responsabilidade e dos respetivos fiadores e avalistas (os apelantes) era, reafirma-se, pela compra das quantidades mínimas de café que com ela contratualizou e pelo cumprimento das demais obrigações contratuais que assumiu perante aquela ao celebrar com a mesma o contrato objeto dos autos.
Naturalmente que não obstante para a apelada “B. S.” fosse indiferente se o estabelecimento de café estava a ser explorado diretamente pela executada “X” ou se por terceiros (matéria essa, reafirma-se, ao qual a mesma era, e é, absolutamente alheia), e não obstante a “X” não fosse responsável, perante a primeira, pelo pagamento do preço do café que os terceiros, exploradores do estabelecimento, lhes encomendassem e que aquela lhes forneceu, sabendo a “B. S.”, inclusivamente, à data da celebração do contrato de fornecimento de café com a “X” que, pelo menos, no início, o estabelecimento iria ser explorado, não pela última, mas sim pela sociedade “Y”, a boa fé contratual reclamava que aquela imputasse os fornecimentos de café realizados à “Y” e à “L. C.” (ou a outros terceiros, eventuais futuros exploradores do estabelecimento), na obrigação contratual assumida perante si pela “X” de lhe comprar uma quantia mínima mensal de 136 Kgs. de café, e uma quantidade mínima desse produto, ao longo dos quatro anos, de 6.500 Kgs., matéria esta que, como bem realçou a 1ª Instância, não se encontra em discussão nos presentes autos, uma vez que a apelada imputou as quantidades de café adquiridas pela “Y” e pela “L. C., Unipessoal” nas quantidades de café que a “X” se obrigou contratualmente a adquirir-lhe.
Resulta do que se vem dizendo, que contrariamente àquela que é a posição dos apelantes, a sentença recorrida, a qual aqui se subscreve, ao julgar improcedente a exceção da nulidade dos negócios jurídicos celebrados, com fundamento em violação do princípio da especialidade do fim que rege as sociedades comerciais, não padece dos erros de direito que aqueles lhe imputam, não postergando, designadamente, o regime jurídico dos arts. 6º, n.ºs 1 e 3 do CSC e 294º do CC, improcedendo este fundamento de recurso.

B.4- Nulidade da letra dada à execução por vício de forma e da inexequibilidade da mesma.

Imputam os apelante erro de direito quanto à decisão de mérito proferida na sentença recorrida ao julgar improcedente a exceção da nulidade da letra dada à execução por vício de forma, e da inexequibilidade daquele título, sustentando que tendo essa letra sido emitida em branco e não constando na mesma, no local destinado ao aceite, qualquer menção em como aqueles nela apuseram, nesse local, a sua assinatura enquanto administradores da sociedade “X” e quando, à data da aposição dessa assinatura, esta sociedade se obrigava pela assinatura de uma única pessoa, o apelante José, que era administrador único dessa sociedade, não participando o apelante Paulo na administração daquela, ao qual era absolutamente alheio, impunha-se julgar procedente essa exceção, sob pena de se incorrer na violação dos arts. 409º, n.º 4 do CSC, 238º, n.º 2, 376º do CC, 1º, 2º, 32º da LULL e 53º, n.º1, 576º, n.º 2, 577º, al. e) e 729º, al c) do CPC.

Apreciando:

Nos termos do n.º 1 do art. 409º, do CSC, os atos praticados pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato de sociedade ou resultante das deliberações e acionistas, mesmo que tais limitações estejam publicadas, acrescentando o seu n.º 4 que os administradores obrigam a sociedade, apondo a sua assinatura, com a indicação dessa qualidade.
O n.º 4 daquele preceito estabelece que a sociedade pode opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do seu objeto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o ato praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu, por deliberação expressa ou tácita.
A solução jurídica acabada de enunciar visa a salvaguarda do tráfego jurídico e a necessidade de se proteger os terceiros de boa fé, sabendo-se que sendo as sociedades, enquanto pessoas coletivas, representadas pelos seus representantes legais e estando a capacidade de gozo destas limitada, nos termos atrás enunciados, pelo art. 6º do CSC, não seria curial e economicamente sustentável que se exigisse que os terceiros que no comércio jurídico contactassem com as sociedades, estabelecendo com elas relações jurídicas, fossem obrigadas a fazer uma investigação sobre o seu objeto social e os poderes dos seus representantes legais, a fim de indagarem sobre se os últimos estavam ou não a atuar dentro desse objeto social e dos poderes representativos que lhes estavam conferidos.
É assim que se compreende que nos termos do enunciado art. 409º, n.ºs 1 e 3 do CSC., os atos praticados pelos representantes da sociedade são sempre eficazes e vinculam-na, contanto que os terceiros estejam de boa fé (33).
No caso sobre que versam os autos, o apelante José apôs a sua assinatura no contrato de fornecimento de café e respetivo anexo I, de fls. 57 a 59, sob o carimbo da firma da sociedade executada “X” e a expressão “a administração”.
Na altura da assinatura desse contrato, o apelante José era (e é) o administrador único da sociedade “X” (cfr. ponto 11 dos factos provados).
No entanto, contrariamente à alegação dos apelantes, não se provou que o apelante Paulo não tivesse qualquer intervenção ao nível da administração da sociedade “X”, mas pelo contrário, este era seu administrador de facto (pontos 36º e 37º dos factos provados).
Acresce que contrariamente à tese dos apelantes, esse contrato não consubstancia qualquer assunção de obrigações da sociedade “X” relativamente à sociedade “Y” que iria explorar, pelo menos, no início o estabelecimento comercial de café, sequer de eventuais terceiros que viessem a explorar, no futuro, esse estabelecimento comercial.
Acresce que, conforme supra já se demonstrou, ainda que assim não fosse, esse contrato (de pretensa assunção de obrigações de terceiros por parte da “X”) não padeceria do vício da nulidade que os apelantes lhe imputam à luz do art. 6º do CSC.
Logo, ao apor a sua assinatura naquele contrato e respetivo anexo de fls. 57 a 59, na qualidade de administrador da “X”, sob a firma desta sociedade e a expressão: “A Administração”, o apelante José vinculou validamente a sociedade “X” às obrigações por ela assumidas perante a “B. S.”.
Acresce, ainda, que ambos os apelantes apuseram a sua assinatura nesse contrato e respetivo anexo I, na qualidade de fiadores, pelo que se responsabilizaram pessoalmente pelas obrigações contratuais que dele emergem para a “X” enquanto fiadores dessa sociedade, renunciando, inclusivamente, ao benefício da excussão prévia, “tornando-se garantes e principais devedores, nos precisos termos em que o é a segunda outorgante” (“X”) pelo cumprimento dessas obrigações.
Já na intitulada “autorização de preenchimento de letra” junta aos autos a fls. 59 verso, ambos os apelantes apuseram a sua assinatura sob o carimbo da firma da executada “X”, a menção “o aceitante” e “A Administração”.
O apelante Paulo não era administrador de direito da sociedade “X”, uma vez que esta, à data, tinha (e tem) como único administrador de direito o apelante José.
Deste modo, importa submeter o contrato de fornecimento de café de fls. 57 a 58, e o respetivo anexo de fls. 59 e, bem assim, o teor da “autorização da letra” de fls. 59 verso, aos critérios interpretativos estabelecidos nos arts. 236º a 238º do CC, com vista a determinar a que título o apelante Paulo apôs a sua assinatura neste documento de fls. 59 verso, sob o carimbo da firma da sociedade “X”, a expressão “A Administração” e “O(s) aceitante(s).
Em sede interpretativa da declaração negocial vigora, como sabe, como regra geral, o art. 236º, n.º 1 do CC., segundo o qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Ao assim estatuir, é pacífico que o legislador consagrou a denominada doutrina da impressão do destinatário, de cariz objetivista, da qual decorre que, em homenagem aos princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, se dá prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário; não ao seu ponto de vista subjetivo, isto é, aquilo que o concreto declaratário realmente compreendeu em face de declaração negocial de que foi destinatário, mas na sua dimensão objetiva, ou seja, aquilo que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, depreenderia ou poderia depreender daquela declaração.
Dito por outras palavras, o princípio regra vigente em sede de “interpretação das declarações de vontade é este: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que será apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratório, em face do comportamento do declarante” (34).
Deste modo é que, conforme refere Mota Pinto, (35)”(…) a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário lhe atribuiria; considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conhece efetivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele racionou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável”.
Aplicando esses princípios ao caso presente, diremos que sem grande esforço interpretativo qualquer observador externo que se visse confrontado com o teor do documento de fls. 59 verso e com o contrato de fornecimento de café e respetivo anexo de fls. 57 a 59, concluiria que o apelante Paulo assinou aquele primeiro documento enquanto administrador de facto da sociedade “X”.
Na verdade, Paulo assinou o contrato de fornecimento de café e respetivo anexo I enquanto terceiro outorgante, declarando, conjuntamente com o apelante José, que se constituíam fiadores da sociedade “X”, “respondendo e obrigando-se, solidária e integralmente pelo cumprimento de todas as cláusulas” desse “contrato, nos mesmos termos em que esta o faz” e declarando ambos que “renunciam expressamente ao benefício da execução prévia, tornando-se assim garantes e principais devedores, nos precisos termos em que o é” a “X”.
Para além de não ser normal alguém assumir semelhante obrigação, a não ser que tenha um interesse e uma relação muito forte com a pessoa que se obriga nos termos daquele contrato e a quem se presta a fiança (a “X”), o que logo aponta no sentido de que o apelante é administrador de facto desta sociedade, a mesma obrigação foi assumida pelo apelante José, que era à data, e é, efetivamente, o único administrador de direito da sociedade “X”.
Essa qualidade de administrador de facto do apelante Paulo em relação à sociedade “X” sai reforçada quando se verifica que o mesmo, assim como o apelante José, também assinaram o anexo I desse contrato, como “terceiros outorgantes”, não obstante este documento respeitar à entrega do material pela “B. S.” à “X”, a título de contrapartida pela publicidade que esta se obrigou a efetuar no estabelecimento de café à marca “CAFÉ T”.
Acresce que naquele contrato de fornecimento de café, consta a cláusula 10ª, em que se declara que “Como contrapartida das obrigações de restituição e indemnização, o 2º Outorgante (“X) entrega nesta data a B. S., Lda., uma letra por ele subscrita, cujos montantes e data de vencimento, serão preenchidos por B. S., Lda., se e na medida em que tal obrigação de restituição ocorrer. Não se verificando essa obrigação de restituição e indemnização, B. S., Lda., devolverá ao 2ª Outorgante a citada letra, após boa execução do contrato”.
A intitulada “autorização de preenchimento de letra” de fls. 59, em que se lê: “X, Restauração, S.A.”, com sede …, representada pelo administrador único, Sr. José, contribuinte …, autoriza expressamente a sociedade comercial B. S. – Torrefação e Comércio de Café, Lda., a preencher e apresentar a pagamento a letra anexa. Tal letra é pagável à vista e, no que ao seu preenchimento diz respeito, deverão obedecer às seguintes regras: 1- Valor a pagar: o correspondente às faturas, juros de mora e indemnização nos termos contratuais; 2- Data de emissão: não poderá ser anterior ao 8º dia posterior ao da carta em que seja solicitado o pagamento, à nossa empresa, das quantias em dívida” e que ambos os apelantes assinaram, sob o carimbo da firma da sociedade “X” e as expressões “A Administração” e “O(s) aceitante(s), é manifestamente complemento daquela cláusula 10ª.
Assim, qualquer observador externo, reafirma-se, em face dos factos que se vem enunciando, apenas poderia concluir (e teria concluído), que o apelante Paulo apôs aquela assinatura, neste documento, e assumiu as obrigações contratuais emergentes do contrato de fornecimento de café em virtude e por via de ser administrador de facto da sociedade “X”.
Essa sua convicção resulta corroborada quando se verifica que na mesma data da assinatura daquele contrato, respetivo Anexo I e “autorização de preenchimento da letra”, foi entregue à sociedade “B. S.” a letra dada à execução, em branco, onde ambos os apelantes apuseram a sua assinatura, no lugar destinado ao aceite e, bem assim, no respetivo verso sob a expressão “Bom para aval ao subscritor”.
Deste modo é indiscutível que qualquer observador externo que se visse confrontado com os elementos que se acabam de enunciar e que tivesse conhecimento que o apelante Paulo não era administrador de direito da sociedade “X” (como era o caso da apelada “B. S.”) teria forçosamente concluído que o mesmo era administrador de facto desta sociedade, tendo sido, nessa qualidade, que assinou aqueles documentos em representação desta última.
Note-se que se é certo que não sendo o apelante Paulo administrador de direito da sociedade “X”, mas tão só seu administrador de facto, o mesmo não podia vincular validamente a sociedade “X”.
No entanto, esse facto, assim como a circunstância da apelada “B. S.” ter conhecimento que apenas o apelante José detinha a qualidade jurídica de administrador de direito da sociedade “X”, não tem a virtualidade de invalidar esses atos jurídicos, posto que os mesmos foram assinados por quem detinha, à data, efetivamente a qualidade de administrador de direito da sociedade “X” e estava, por isso, juridicamente habilitado a vincular validamente a sociedade “X” - o apelante José.
Precise-se que os apelantes não questionam a validade jurídica das denominadas letras em branco, sequer essa validade pode ser questionada face ao regime jurídico consagrado no art. 10º da LULL, onde se estabelece que “se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.
Com efeito, ao assim estatuir, a ordem jurídica reconhece expressamente a validade jurídica das denominadas letras em branco, isto é, em que falta algum dos requisitos essenciais para que aquelas possam valer como letra, mas onde existe, pelo menos, a assinatura de um obrigado cambiário, com a intenção de assumir uma obrigação cambiária, importando, neste âmbito, distinguir, entre requisitos de validade jurídica da letra e requisitos da existência da letra, os quais são naturalmente mais exigentes que os primeiros (36).
Para que seja válida uma letra em branco, a lei apenas exige que um obrigado cambiário (sacador, aceitante, avalista ou endossante) aponha a sua assinatura num título onde conste a palavra «letra» (art. 1º, n.º 1 da LULL) (37), com a intenção de assumir uma obrigação cambiária, isto é, “é indispensável que a assinatura conste de um título que seja apto, segundo a prática dos negócios, para incorporar obrigações cambiárias” (38).
Todos os restantes elementos essenciais da letra enunciados no art. 1º da LULL (indicação do montante, do tempo de vencimento, do lugar do pagamento, etc.), podem ser posteriormente preenchidos pelo portador do título, de acordo com o denominado pacto de preenchimento, sem que isso constitua impedimento legal à validade jurídica das denominadas letras em branco, embora esses elementos essenciais tenham de constar do documento quanto este é apresentado a pagamento, dado serem requisitos de existência do mesmo enquanto título de crédito, sem os quais aquele não produz efeitos enquanto “letra”.
Deste modo, a aposição da assinatura por um dos obrigados cambiários num documento em que conste a expressão «letra» incompleta, isto é, em que falte os elementos essenciais elencados no art. 1º da LULL, não são requisitos de validade da letra, mas antes requisitos da sua existência enquanto letra, posto que são condição imprescindíveis para que possa valer como “letra”.
É assim que antes daqueles elementos essenciais serem apostos no título “temos algo a que a própria lei chama já letra, mas que ainda não está em condições de produzir os efeitos, ou todos os efeitos desta” (39).
Uma letra em branco, reafirma-se, é juridicamente válida, estando essa validade dependente da circunstância de um obrigado cambiário ter aposta a sua assinatura num documento em que conste inscrita a expressão «letra», com a intenção de assumir uma obrigação cambiária, como quem diz, ter entregue esse documento a um terceiro, com quem celebrou, expressa ou tacitamente, um pacto de preenchimento.
No caso, na sequência da celebração do contrato de fornecimento de café e respetivo anexo de fls. 57 a 59 e, bem assim, da intitulada “autorização de preenchimento da letra” de fls. 59 verso, dando concretização prática à cláusula 10ª daquele contrato, de que aquela autorização é complemento, os apelantes apuseram a sua assinatura no rosto dessa letra, no lugar destinado ao aceite, quando esta se encontrava então completamente em branco, mas onde constava a palavra “letra”.
Os apelantes apuseram essa assinatura naquele local sem fazer menção à qualidade em que o faziam e sem que da mesma constasse essa menção, sequer qualquer referência à sociedade “X”.
Acresce que os apelantes também apuseram a sua assinatura no verso dessa letra sob a expressão “bom para aval ao subscritor”.
Insistem os apelantes que ao aporem essa sua assinatura no rosto dessa letra, no lugar destinado ao aceite, sem que dela constasse qualquer menção, designadamente, carimbo, da sociedade “X” e quando, à data, o apelante Paulo não era administrador de direito desta sociedade, não vincularem validamente a “X”, e que, consequentemente, a apelada “B. S.”, ao preencher essa letra com a menção “X” como sacada, inviabilizou qualquer vinculação cambiária, mas sem manifesta razão.
Com efeito, é certo que a letra dada à execução foi assinada pelos apelantes em branco.
No entanto, como já referido, uma letra em branco é juridicamente válida, contanto que um obrigado cambiário aponha a sua assinatura num documento onde conste a expressão “letra” com a intenção de assumir uma obrigação cambiária, o que vale por dizer, a entregue a terceiro, com quem celebrou, expressa ou tacitamente, um pacto de preenchimento, como foi o caso, nos termos anteriormente já enunciados.
Os apelantes são obrigados cambiários posto que apuseram no verso dessa letra a sua assinatura sob a menção “bom para aval ao subscritor”, pelo que são avalistas.
Note-se que o “subscritor” é o obrigado principal e emitente da livrança.
Nos termos do disposto no art. 78º da LULL, o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra, pelo que a expressão sob a qual os apelantes apuseram a sua assinatura no verso da letra – “bom para aval ao subscritor” – apenas pode significar que aqueles prestaram o aval a favor da aceitante dessa letra.
Os apelantes apuseram igualmente no rosto dessa letra, no local destinado à aposição do aceite, a sua assinatura.
Não obstante o tenham feito sem que indicassem a qualidade em que o faziam, como bem realça a 1ª Instância, pondo termo às divergências jurisprudenciais que então se faziam sentir, o STJ veio uniformizar jurisprudência, por acórdão n.º 1/2002, de 06/12/2001, publicado no DR. Iª Série, de 24/01/2002, que como jurisprudência qualificada que é, este tribunal deve acatar, até porque não vislumbra qualquer fundamento jurídico válido para se afastar da mesma, no sentido de que: “A indicação da qualidade de gerente prescrita no n.º 4 do art. 260º do Código das Sociedades Comerciais, pode ser deduzida, nos termos do art. 217º do CC., de factos que, com toda a probabilidade a revelem”.
Assim sendo, tendo os apelantes prestado o seu aval ao subscritor, isto é, ao aceitante da letra dada à execução e não fazendo qualquer sentido que os aceitantes fossem os próprios avalistas, uma vez que, nessa hipótese, o aval nenhuma garantia acrescida conferiria ao portador da letra, pela simples análise do título, entretanto preenchido pela apelada “B. S.”, que inscreveu nessa letra dada à execução como sacado a sociedade “X – Restauração, S.A.”, qualquer observador externo teria forçosamente concluído que os apelantes apuseram a sua assinatura, no rosto daquela, no lugar destinado ao aceite, enquanto administradores da sociedade “X”.
Com efeito, nessa letra figura como sacadora a “B. S.”, como sacada a “X” e como avalistas os apelantes, não existindo outros sujeitos cambiários.
Os apelantes podiam evidentemente ter prestado o aval à sacadora “B. S.”.
No entanto qualquer observador externo, pela simples análise do título, mesmo desconhecendo as relações extracartulares, ou seja, o contrato de fornecimento de café e o respetivo anexo de fls. 57 a 59 e, bem assim, o pacto de preenchimento de fls. 59 verso, logo teria excluído essa possibilidade antes a constatação que os apelantes declararam, no verso da letra, que prestavam o aval “ao subscritor”, expressão esta que não pode ter outro sentido útil que não seja o “aceitante”.
Ora, como não faria qualquer sentido que o aceitante fossem os próprios avalistas, logo esse observador externo, reafirma-se, perante a simples observância da letra dada à execução, apenas poderia concluir que o aceitante era a sociedade “X” e que, consequentemente, os apelantes apuseram a sua assinatura no rosto dessa letra, no lugar destinada à aposição do aceite, na qualidade de administradores desta sociedade.
É certo que como referem os apelantes, Paulo não detinha efetivamente a qualidade jurídica da sociedade “X”, facto esse que era do conhecimento da apelada “B. S.”.
No entanto, como referido, qualquer observador externo que se visse confrontado com a letra dada à execução e que tivesse conhecimento do referido facto, como era o caso da apelada, mesmo que desconhecesse as convenções extracartulares celebradas, apenas podia concluir que o apelante Paulo assinou aquela letra, no lugar destinado ao aceite, enquanto administrador de facto da sociedade “X”, assinando-a o apelante José enquanto administrador de direito e que, consequentemente, estando a sociedade aceitante validamente representada pelo seu legal representante – José – esse aceite era juridicamente válido e vinculativo para a sociedade “X”, como efetivamente o é.
Sendo estas as conclusões que qualquer observador externos teria forçosamente extraído pela mera análise do título, impõe-se, no entanto, referir que tal como se pondera no aresto uniformizador de jurisprudência supra identificado e resulta do quadro legal acima já explanado, nas relações imediatas, como são indiscutivelmente as relações que intercedem entre os apelantes e apelada “B. S.”, nada obsta a que se recorra às convenções extracartulares para se interpretar as declarações negociais vertidas na letra dada à execução, se tal necessário fosse, que nem sequer o é.
Nas relações imediatas não existe nenhuma razão para não se neutralizar as supra enunciadas características da literalidade, abstração, independência e autonomia, próprias dos títulos de crédito, mas antes a boa fé reclama que se proceda a essa neutralização e que título passe a valer como “título causal”.
Deste modo, como se escreve naquele aresto: “o rigor do formalismo cambiário destina-se essencialmente a proteger os interesses de terceiros, pelo que não há – ou se há, em muito escassa medida – justificação alguma para que circunstâncias extracartulares não sejam consideradas nas relações interpartes para interpretar o título e corrigir o formalismo de acordo com a boa fé”.
Ora, de acordo com o contrato de fornecimento de café e respetivo anexo I, junto aos autos a fls. 57 a 59, e o pacto de preenchimento de fls. 59 verso, é indiscutível que ambos os apelantes outorgarem nesses documentos enquanto representantes da sociedade “X” (o apelante José, enquanto seu administrador de direito, e o apelante Paulo, enquanto seu administrador de facto).
Na cláusula 10º desse contrato e, bem assim, no pacto de preenchimento de fls. 59, consta que foi entregue à “B. S.” uma letra “subscrita” pela “X”, o que vale por dizer, por esta aceite.
Esse aceite é prestado pela “X” “como garantia das obrigações de restituição e indemnização” que emergissem do contrato de fornecimento de café celebrado, “cujos montantes e data de vencimento, serão preenchidos por B. S.”.
Os apelantes assinaram, inclusivamente, o pacto de preenchimento de fls. 59 verso, sob a menção “aceitantes”, seguida do carimbo da firma da “X” e a menção “A Administração”.
Por último, dir-se-á que perante todos os factos que se acabam de referir e estando apurado nos autos que os apelantes José e Paulo quiseram assinar a letra dada à execução, por um lado, a título pessoal e na qualidade de avalistas, e por outro, como representantes de facto e/ou de direito da sociedade executada, com intenção desta assumir a qualidade de aceitante, vontade real essa que era do conhecimento da apelada (cfr. pontos 36º e 37º da factualidade apurada), a invocação pelos apelantes de qualquer invalidade formal ocorrida ao nível da vinculação da sociedade “X” enquanto aceitante da letra dada à execução (invalidade formal essa que, reafirma-se, não se descortina), consubstanciaria manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, que sempre teria de ser neutralizado à luz do art. 334º do CC.

Resulta do que se vem dizendo, que ao julgar improcedente a invocada exceção, a sentença recorrida não padece dos erros de direito que os apelantes lhe imputam, improcedendo todos os fundamentos de recurso por eles aduzidos.

B.5- Nulidade da obrigação por indeterminabilidade do respectivo objeto.

Sustentam os apelantes que a sentença recorrida padece de erro de direito ao julgar improcedente a exceção da nulidade do acordo de preenchimento, por indeterminabilidade do respectivo objeto, concluindo que ao julgar improcedente esta exceção, a 1ª Instância violou o disposto nos arts. 280º, n.ºs 1 e 2, 400º do CC, 10º da LULL e 732º, n.º 4, 1ª parte, do CPC.

Vejamos se lhes assiste razão nas críticas que aduzem.

Dispõe o art. 280º, n.º 1 do CC que é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.

Debruçando-se sobre esta norma Pires de Lima e Antunes Varela, propugnam que a mesma comina de nulidade os negócios jurídicos de objeto indeterminável, mas não os de objeto indeterminado (40).

Deste modo, de acordo com a exigência decorrente daquele preceito, não se exige que no momento da celebração do negócio, o objeto fique determinado, mas apenas que seja determinável, ou seja, que do negócio constem critérios objetivos que permitam determinar o respetivo objeto, por forma a obstar a que o devedor fique ilimitadamente nas mãos do credor ou de terceiro.

Como pondera Almeida Costa, de acordo com a exigência do n.º 1 do art. 280º, “o conteúdo da prestação deve ficar inicialmente determinado ou, quando menos, deve ser determinável em momento posterior. De acordo com esta exigência não será válida a obrigação sempre que o objeto da prestação se não encontre desde logo completamente individualizado e nem possa vir a sê-lo, por falta, ou eventual inoperância de um critério para esse efeito estabelecido pelas partes, no respetivo negócio jurídico, ou pela lei, em normas supletivas (41).

Na mesma linha escreve Menezes Cordeiro que “a prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor, mas, não obstante, exista um critério para proceder à determinação”; “a prestação é indeterminada e indeterminável quando não exista qualquer critério para proceder à determinação” (42).

Resulta do que se vem dizendo que o negócio será nulo por indeterminabilidade do seu objeto, sempre que, no momento da sua concretização, a prestação debitória não esteja definida e do contrato não resultem quaisquer critérios ou limites que a permitam definir ou delimitar no futuro” (43).

Debruçando-se sobre a determinabilidade da fiança, Pedro Martinez e Fuzeta da Ponte, propugnam que essa determinabilidade “consiste na possibilidade do fiador … prefigurar ex ante o tipo, o montante e a medida do próprio compromisso”, impondo-se, por isso, “a necessidade de o fiador conhecer o critério ou critérios indispensáveis para delinear o limite do seu compromisso, sendo que a eventual obrigação futura deve ter conteúdo previsível no momento da estipulação da fiança” (44).

Esta também é a posição adotada pelo STJ a propósito da fiança, no acórdão n.º 4/2001, in DR. – Iª Série – A, de 08/03/2001, em que consagrou jurisprudência uniformizada no sentido de que “é nula, por indeterminabilidade do seu objeto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentidas, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha”.

Destarte, o art. 290º, n.º 1 do CC não exige que a obrigação do aceitante da letra e do respetivo avalista esteja determinada quanto ao respetivo objeto no momento da prestação do aceite e do respetivo aval, mas apenas reclama que essa obrigação seja determinável, isto é, que tenha ficado convencionado no pacto de preenchimento, um critério objetivo, que permita àqueles conhecer o objeto das obrigações que assumiram.

Na cláusula 10ª do contrato de fornecimento de café objeto dos autos (fls. 57 a 58) ficou convencionado que a letra entregue em branco à apelada “B. S.” se destina a garantir as “obrigações de restituição e indemnização”.

Por sua vez, do teor da cláusula 3ª, n.ºs 1 e 2 daquele contrato e do respetivo Anexo I (fls. 57 a 59) resulta que no termo daquele contrato de fornecimento de café a “X”, caso não cumprisse pontualmente as obrigações para si decorrentes desse contrato, encontrava-se obrigada a restituir à apelada “B. S.” o material que se encontra discriminado nesse anexo, o qual foi valorizado em 16.917,00 euros.

Já na cláusula 7ª, n.º 3 do contrato de fornecimento de café estipula-se que “a violação das obrigações de exclusividade e de consumo mínimo de café definido em I, 4º, al. a), fará incorrer a parte faltosa na responsabilidade de indemnizar o CAFÉ T no montante de 25,00 euros por cada Kg. de café não adquirido”.

Nessa cláusula 1ª, 4º, al. a) a “X” obrigou-se a comprar à “B. S.” um mínimo total de 6.500 Kgs.

Deste modo, em função deste clausulado, o objeto da responsabilidade assumida quer pela apelada “X”, enquanto aceitante da letra dada à execução, quer pelos apelantes, enquanto avalistas daquela, encontrava-se perfeitamente determinado no momento da assunção das obrigações cambiárias, posto que esse montante nunca poderia exceder o valor dos 16.917,00 euros, em que foram valorizados os bens discriminados no anexo I, acrescido, na pior das hipóteses, de 162.500,00 euros (6.500 Kgs. x 25 euros).

No entanto, os apelantes sustentam que essa indeterminabilidade de objeto verifica-se em relação ao pacto de preenchimento de fls. 59 verso.

Nesse pacto de preenchimento ficou convencionado que o valor pelo qual a apelada ficava autorizada a preencher a letra seria correspondente às faturas, juros de mora e indemnização.

A imputação pelos apelantes da invocada invalidade funda-se na circunstância de, na sua perspetiva, aqueles e a “X” serem responsáveis pelo pagamento das quantidades de café que fossem compradas pela sociedade “Y” e pelos eventuais terceiros que viessem a explorar o estabelecimento de café, quando, conforme supra já se demonstrou, assim não é.

Na verdade, o café que a “Y” e, posteriormente, a “L. C. Unipessoal” compraram à apelada “B. S.” e que eventuais outros exploradores do estabelecimento comercial lhe pudessem vir a comprar, respeitam unicamente às relações contratuais de compra e venda estabelecidas entre esses terceiro e a apelada, pelo que salvo devido respeito por entendimento contrário, não obstante, como referido, a boa fé contratual reclamasse que a “B. S.” imputasse essas quantidades de café adquiridas por esses terceiros na obrigação da executada “X” de lhe comprar um mínimo mensal de 136 Kgs. de café, e um mínimo total de 6.500 Kgs., a apelada nunca poderia responsabilizar a “X” e/ou os apelantes, seus avalistas, pelo preço do café que lhe foi adquirido por terceiros.

O valor das faturas e respetivos juros de mora a que se reporta o pacto de preenchimento de fls. 59 é necessariamente o valor do preço do café que a própria executada “X” comprasse à apelada “B. S.” e que, consequentemente, esta e os apelantes (seus administradores de direito e de facto, nos termos atrás explanados) podiam controlar e determinar de molde a não exceder as quantidades mínimas acordadas.

Por sua vez, o valor da “indemnização” aí prevista é o valor da cláusula penal, a qual, como amplamente já demonstrado, nunca podia exceder a quantia de 162.500,00 euros, correspondente ao preço total do café (caso não fosse adquirido na sua totalidade), acrescido do valor dos bens a restituir que se encontram discriminados no anexo I, os quais por sua vez, nunca podiam exceder 16.917,00 euros.

Logo, a obrigação assumida não é indeterminável, mas perfeitamente determinável no montante em que foi celebrado o contrato, os apelantes prestaram a fiança e o aval a favor da aceitante.

O outro argumento em que os apelantes fundam esta sua exceção é o de que tendo aqueles transferido a exploração do estabelecimento comercial para a “Y” e não pretendendo a “X” alegadamente explorar mais esse estabelecimento, factos esses que seriam do conhecimento da apelada (tudo factos que não provaram nos termos em que são por eles alegados – vide fundamentos supra), ao celebrar aquele contrato com a “B. S.”, este contrato e assunção das obrigações cambiárias consubstanciaria, na prática, uma assunção de dividas futuras de terceiros por parte da “X”, a propósito do que já nos debruçamos supra, de forma abundante e, cremos, esclarecedora, onde se concluiu pela improcedência de toda esta argumentação.

Sintetizando, bem andou a 1ª Instância em concluir pela improcedência desta exceção, não padecendo a sentença recorrida dos erros de direito que os apelantes lhe assacam.

Nesta conformidade, perante os fundamentos que se acabam de explanar, na improcedência de todos os fundamentos de recurso apresentados pelos apelantes, improcede este fundamento de recurso.

B.6- Da nulidade pelo decurso do prazo prescricional.

Imputam os apelantes erro de direito quanto à decisão de mérito proferida na sentença recorrida, sustentando que a letra dada à execução não podia ser preenchida pela apelada “B. S.” sem quaisquer condicionantes temporais, dado que aqueles e a executada “X” não podiam ficar perpetuamente vinculados à garantia prestada.

Assim, verificando-se que nada ficou estipulado no pacto de preenchimento quanto à data de vencimento e ao prazo de preenchimento da letra, verificando-se pelas faturas juntas aos autos pela própria apelada que as quantidades mínimas de café acordadas adquirir pela “X” àquela nunca foram atingidas, sob pena de se estar a modificar o prazo legal de prescrição e, como tal ser nulo o negócio cambiário assim constituído, a partir de 15 de agosto de 2009, data em que incorreu o primeiro incumprimento contratual e até limite do decurso do prazo prescricional de 3 anos previsto no art. 70º da LULL, a apelada encontrava-se obrigada a preencher a letra dada à execução.

Após o decurso desse prazo, isto é, a partir de 16 de agosto de 2012, a apelada “B. S.” encontrava-se impossibilitada de preencher essa letra de forma eficaz.
Como decorrência desta argumentação, concluem os apelantes que a apelada “B. S.”, ao ter preenchido a letra dada à execução com data de vencimento de 16 de agosto de 2012, constitui-se em preenchimento abusivo dessa letra, violando o disposto no art. 10º da LULL e que ao decidir em sentido distinto a 1ª Instância incorreu na violação desse comando legal e o da 1ª parte, do n.º 4 do art. 732º do CPC.

Acontece que como bem realça a apelada, quer se encare esta alegação dos apelantes na vertente do preenchimento abusivo da letra dada à execução, quer na vertente do decurso do prazo prescricional da obrigação cambiária incorporada na letra dada à execução, estamos perante questões novas, que os apelantes não suscitaram na petição de embargos e que por não se tratar de exceções que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, não podem por eles ser suscitadas, ex novo, em sede de recurso e ser conhecidas por este tribunal.

Com efeito, quanto à exceção do preenchimento abusivo da letra dada à execução, trata-se de exceção de direito material, que tem de ser alegada e provada pelo executado (45).

Por sua vez, a exceção da prescrição da obrigação cambiária é igualmente uma exceção de direito material que apenas pode ser invocada pelo devedor a quem essa exceção aproveita (46).

Ora, conforme se vê da petição inicial, embora nela os apelantes tivessem arguido a exceção da nulidade do pacto de preenchimento e da letra em branco “em função do carácter perpétuo”, os mesmos limitaram-se a alegar como fundamento dessa exceção que: “a letra em causa representa uma assunção de divida por prazo ilimitado, pelo que teria de se concluir estarmos perante um negócio jurídico contendo um vínculo de garantia perpétuo, contrário à ordem pública, e também por isso, nulo”; que “se se entender que a letra em branco só se efetiva quando preenchida e, consequentemente, o prazo prescricional a que alude o art. 70º da LULL só corre a partir desse momento, como aparentemente decorre da lei e da generalidade da jurisprudência, então, em abstrato, poderia a exequente preencher a letra em qualquer momento (…), desde que antes tenha ocorrido um eventual incumprimento dos termos contratuais”, mostrando-se “violado o n.º 2 do art. 280º do CC, por ser contrária à ordem pública, bem como a al. j) do art. 18º do DL. n.º 448/85, (…) que expressamente proíbe em absoluto a existência de cláusulas que estabeleçam obrigações duradouras perpétuas ou cujo tempo dependa apenas da vontade de quem as predisponha”.

Deste modo, os apelantes não invocaram como fundamento daquela exceção os fundamentos fácticos e jurídicos que agora suscitam em sede de recurso, sequer a 1ª Instância conheceu desses fundamentos para decidir aquela exceção (até porque não o podia fazer, sob pena de incorrer na nulidade da parte final da al. d), do n.º 1 do art. 615º do CPC).
Destarte, reafirma-se, quer se enquadre esses fundamentos fácticos e jurídicos na exceção perentória da violação do pacto de preenchimento pela apelada, quer na exceção da prescrição da obrigação cambiária incorporada na letra dada à execução, estes fundamentos consubstanciam questão nova, não suscitados pelos apelantes perante a 1ª Instância e que, por isso, não foram alvo de decisão na sentença sindicada e não são do conhecimento oficioso do tribunal, estando vedado o respectivo conhecimento pelo tribunal ad quem.

Com efeito, os recursos são os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, através dos quais se obtêm o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida, tratando-se de meios que visam modificar essa decisão e não criar decisões sobre matéria nova, não podendo, assim, neles ser versadas questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido e que não sejam do conhecimento oficioso do tribunal (47).

Nesta conformidade, rejeita-se o enunciado fundamento de apelação, por se tratar de questão nova, não suscitada pelos apelantes junto do tribunal a quo e que não são do conhecimento oficioso do tribunal.

B.7- Da falta de preenchimento dos pressupostos da resolução contratual.

Insurgem-se os apelantes contra a sentença recorrida, sustentando que ao julgar improcedente a mencionada exceção, a 1ª Instância incorreu em erro de direito, isto porque a sociedade executada tudo fez no sentido de garantir que no estabelecimento fossem vendidos, em exclusivo, os produtos de marca “CAFÉ T”; mesmo depois de ter sido acionada pela Câmara Municipal de … com vista ao seu despejo do imóvel onde se encontrava o “T. C. Café”, aquela logrou obter um acordo que garantia a continuidade do fornecimento daqueles produtos; o estabelecimento encontra-se presentemente aberto e em funcionamento e que a cessação da comercialização dos referidos produtos se deve, exclusivamente à apelada, que resolveu o contrato.
Mais sustentam que se por um lado, no contrato de fornecimento de café se previa como obrigação da executada “X” de comprar um mínimo mensal de 136 Kgs. de café e um total de 6.500 Kgs. desse produto durante a vigência desse contrato, também é certo que, nesse contrato, se previa a prorrogação do prazo de vigência do mesmo se uma vez decorridos os quatro anos, não tivesse sido atingido o volume das compras.
Acresce que a exequente sempre soube que o consumo mínimo mensal nunca foi atingido e deixou decorrer o referido prazo de vigência do contrato sem que nunca tivesse sentido necessidade de o resolver.
Concluem que o enunciado comportamento omissivo da apelada “B. S.” apenas pode significar que o alcance da cláusula 1ª, n.º 4, al. a) do contrato celebrado não tem o alcance que agora aquela lhe pretende dar e que, consequentemente, quando esta resolveu o contrato não dispunha de fundamento jurídico válido para o fazer, devendo, por isso, essa resolução ser considerada inválida e ser declarado que a mesma não dispunha de fundamento para proceder ao preenchimento da letra dada à execução.

Apreciando:

Analisados os mencionados fundamentos de recurso, dir-se-á que a maioria dos fundamentos fácticos que os apelantes invocam para fundamentar o seu inconformismo em relação à decisão de mérito proferida pela 1ª Instância, se fundamentam em factos cuja prova os mesmos não lograram fazer, conforme era seu ónus (art. 342º, n.º 1 do CC).
Na verdade, embora os apelantes tivessem impugnado o julgamento da matéria de facto, pretendendo que se julgasse como não provados os factos vertidos nos pontos 36º e 37º da matéria de facto considerada provada pela 1ª Instância e, bem assim, que se considerasse provada a materialidade fáctica das alíneas B, C, D, E e F da conclusão VI das suas alegações de recurso, soçobraram nesse seu desiderato.
Depois, ao aduzirem os enunciados fundamentos de recurso é indiscutível que os apelantes omitem, desconsideram ou desvalorizam que as obrigações contratuais emergentes do contrato de fornecimento de café de fls. 57 a 58 foram assumidas pela “X” e pelos próprios, enquanto fiadores daquela sociedade, e que a obrigação cambiária incorporada no título dado à execução, que eles avalizaram, foi aceite por essa sociedade, e não por terceiros, que exploraram o estabelecimento de café (a “Y” e a “L. C.) ou que o pudessem vir a explorar.
Os apelantes também omitem, desconsideram ou desvalorizam que se é certo que era do conhecimento da apelada “B. S.” que a exploração do estabelecimento “T. C. Café” iria ser feita, pelo menos, no início pela sociedade “Y” e que, pelo menos, nessa altura, quem lhe iria encomendar e consumir o café seria esta sociedade e não a “X”, que não foi com a “Y” ou outros terceiros que celebraram o contrato de fornecimento de café com a “B. S.”, mas sim a “X” e que, consequentemente, foi esta e os apelantes, enquanto seus fiadores, que assumiram as obrigações contratuais emergentes desse contrato e assumiram as obrigações cambiárias incorporadas na letra dada à execução; que era à administração (de direito e de facto) daquela sociedade, isto é, ao apelantes, que competia avaliar os riscos que decorriam para a executada “X” (e para os próprios, enquanto fiadores e avalistas) da celebração daquele contrato e da conveniência ou não dessa celebração, designadamente, se se encontravam ou não em condições, nomeadamente, materiais, de cumprir com essas obrigações – não à apelada “B. S.”, para quem naturalmente era indiferente o modo como a executada iria cumprir essas obrigações, nomeadamente, se as iria cumprir diretamente, ou por via indireta, mediante recurso a terceiros para quem, temporária ou definitivamente, transferisse a exploração do estabelecimento comercial.
De resto, sobre toda esta problemática já nos pronunciamos supra, concluindo pela improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes, o que aqui se reitera.
Avançando. É certo que na cláusula 6ª do contrato de fornecimento de café celebrado se prevê que, decorrido o prazo de quatro anos acordado para a respetiva vigência, caso não tivesse sido atingido pela “X” “o volume de compras a que se obrigou em I, 1ª e 4, al. a), o período de duração do contrato será determinado no momento em que tal volume de compras se encontre concretizado e pago”.
No entanto, nos termos da cláusula 7ª, n.º 1 desse contrato prevê-se expressamente que: “Qualquer das partes pode rescindir o contrato com efeitos imediatos, por incumprimento da outra parte, das obrigações ora assumidas, designadamente a estipulada na cláusula 1ª, n.º 1 e n.º 4, al. a), assim como o não pagamento das faturas dentro dos prazo estabelecidos, ou seja 30 dias após a data da emissão da fatura”.
O sentido interpretativo a dar a este clausulado é indiscutivelmente o seguinte: qualquer das partes, isto é, quer a executada “X”, quer a apelada “B. S.”, podiam resolver o contrato (com as inerentes consequências), caso a sua contraparte incumprisse as obrigações que assumiu nos termos daquele acordo, onde se inclui o consumo mínimo mensal pela “X” de 136 Kgs. de café, a quantidade mínima de 6.500 Kgs. de café que esta se obrigou a comprar ao longo dos quatro anos ajustados para a vigência desse acordo e/ou o não pagamento do preço do café comprado, no prazo de 30 dias a contar da data de emissão das respetivas faturas.
No entanto, quanto ao consumo total mínimo de 6.500 Kgs. que a executada “X” se obrigou a comprar à apelada “B. S.” ao longo dos referidos quatro anos de vigência do contrato, caso atingido esse limite temporal de quatro anos e a primeira não tivesse atingido esse consumo mínimo de 6.500 Kgs. de produto, em vez de resolver o contrato, a “B. S.” poderia optar pela renovação do contrato – o que aconteceria automaticamente, salvo declaração expressa da “B. S.”, resolvendo-o -, situação em que essa renovação ocorreria pelo tempo necessária a ser atingido esse consumo mínimo de 6.500 Kgs. de café e se mostrar pago o respetivo preço.
Concede-se assim à apelada “B. S.” de em vez de resolver o contrato (com as graves consequências que isso traria para si, perdendo o cliente e o projeto comercial que delineara estabelecer com aquele, mas, sobretudo, as graves consequências que tal traria para o cliente), optar pela renovação do contrato.
No caso, tal como referem os apelantes, o volume mínimo de café que a executada “X” se obrigou mensalmente a comprar à apelada “B. S.” - 136 Kgs. - nunca foi atingido (vide faturas juntas aos autos pela apelada a fls. 60 verso, 61, 63, 66 verso e 67, cujo teor não foi impugnado).
Também é certo que o prazo acordado para a vigência do contrato de fornecimento de café terminou em 15/07/2013 (cfr. data da celebração do contrato e cláusula 6ª deste) e que a apelada não o resolveu, pelo que este se renovou nos termos da cláusula 6ª.
A apelada “B. S.” apenas veio a resolver o contrato por carta de fls. 66, datada de 11/08/2015 (cfr. ponto 8º dos factos provados).
No entanto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, desse comportamento não podemos extrair qualquer atitude omissiva da parte da apelada “B. S.” perante os sucessivos incumprimentos em que se vinha constituindo a executada “X”, que levasse a última e/ou os apelantes a acreditar fundadamente que aquela não iria resolver o contrato caso persistissem os incumprimentos e, muito menos, que a “B. S.” não dispusesse de fundamente contratualmente válido para resolver o contrato no momento em que o fez, conforme dispunha.
Na verdade, a apelada remeteu à executada as cartas de fls. 60 e 62 verso (cfr. ponto 38º dos factos provados) e, bem assim, a de fls. 34 (junta pelos próprios apelantes em anexo à petição de embargos, cujo teor não foi impugnado).
Na carta de fls. 60, datada de 20/11/2012, a apelada adverte a “X” que teve conhecimento que “a D. L. C., pessoa que neste momento está a explorar o v/ estabelecimento (…) não se encontra a consumir café e outros produtos análogos da n/ marca CAFÉ T (…)” e que “se tal situação se continuar a verificar, seremos forçados a rescindir o respetivo contrato de fornecimento de café, com base no incumprimento, por parte de V. Exas, da Cláusula 1ª, ponto n.º 1 e n.º 4, alíneas a) e b) do referido contrato”, indicando-lhe, inclusivamente, o concreto valor indemnizatório que esta lhe teria de pagar em caso de resolução.
Já na carta de fls. 62 verso, datada de 17/09/2013, a “B. S.” adverte novamente a “X” que “a D. T. J., pessoa que neste momento está a explorar o v/ estabelecimento “T. C. Café (…) não se encontra a consumir, por se encontrar encerrado, café e outros produtos análogos à n/ marca”, seguindo-se o alerta que se essa situação persistir será obrigada a rescindir o contrato ao abrigo dos dispositivos mencionados na carta anteriormente referida e a indicação do montante indemnizatório que a “X” lhe teria de pagar.
Note-se que a esta carta a “X” respondeu à apelada, por carta de fls. 65, datada de 25/09/2013 (cujo teor também não foi impugnado), onde não nega aquelas acusações, mas informa que como já dera conhecimento última, tinha celebrado novo contrato de cessação de exploração do estabelecimento e que o novo cessionário irá assumir a posição contratual.
Na carta de fls. 34, de 17/07/2014, a “B. S.” deu conhecimento à “X” da carta que tinha remetido à testemunha C. L., administradora executiva do T. C.”, onde informa que por mail de 14/04/2014 tinha sido informada pela última que iria resolver a situação do estabelecimento o mais tardar até ao fim de abril de 2014 e que apesar disso “o assunto continua sem solução concreta” e que se “no prazo de cinco dias não começarem a comprarem mensalmente, a quantidade de café que foi acordada (…) iremos proceder à resolução do contrato, o que implica a obrigação daquela sociedade” (a “X”) de lhe pagar uma indemnização de 145.450,00 euros.
Do teor destas cartas, se por um lado resulta uma certa condescendência/compreensão da apelada quanto ao facto de não estarem a ser atingidos as compras mínimas mensais de café ajustadas – compreensíveis face ao investimento que a apelada tinha feito e à procura incessante daquela em não perder a cliente e de votar ao insucesso o projeto comercial que tinha delineado estabelecer com aquela -, por outro, resulta que a mesma não toleraria que não lhe fosse comprado café, assistindo-se, inclusivamente, a uma certa pressão junto da executada “X” em manifestar-lhe esse seu propósito, advertindo-a que se propunha resolver o contrato caso as situações de não consumo de café persistissem e para as consequências indemnizatórias em que incorreria.
Finalmente, precise-se que para que os apelantes obtivessem sucesso nessa sua alegação, cumpria-lhes provar que à data em que a apelada resolveu o contrato, o estabelecimento de café se encontrava aberto e a comprar café à apelada (art. 342º, n.º 1 do CC), o que não fizeram.
Destarte, improcede igualmente este fundamento de recurso.

B.8- Nulidade e excessividade da cláusula penal.

Finalmente, os apelantes imputam erro de direito à sentença recorrida quando nela foi julgada improcedente a nulidade da cláusula penal e a respetiva excessividade, sustentando que essa cláusula é nula nos termos dos arts. 19º, al. c), da LCCG e 811º, n.º 3 do CC, na medida em que confere à apelada uma situação mais favorável do que aquela que resultaria do cumprimento do contrato, posto que permite à última obter o preço integral do café, sem dispor da quantidade de café que a “X” não lhe adquiriu.
Mais alegam que contrariamente ao entendimento sufragado pela 1ª Instância, essa cláusula penal é abusiva e manifestamente excessiva, pois constituiria a exequente na posição de receber a totalidade do preço do café sem ter de lhe prestar à executada “X” os 5.820 Kgs. de café que esta não lhe comprou, não podendo nessa avaliação ser considerado (como fez o tribunal a quo) o valor de 16.917,00 euros, referentes ao material emprestado pela apelada à sociedade executada, pois que este foi emprestado à última a título de contrapartida pela publicidade da marca “CAFÉ T” no estabelecimento comercial em causa, publicidade essa que foi efetivamente prestada, sequer procedendo as referências jurisprudenciais invocadas na sentença recorrida, as quais se referem a situações distintas daquela sobre que versem os autos, pelo que sempre se impunha a redução da cláusula penal nos termos do n.º 1 do art. 812º do CC.

Apreciando:

B.8.1- Aplicabilidade do regime das cláusulas gerais

O regime das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25/10, visa acautelar situações decorrentes do modelo tradicional do liberalismo individualista, assente na igualdade jurídica das partes e na força soberana do contrato, com o desenvolvimento do capitalismo e a massificação dos produtos, ter sofrido fortes restrições.
Na verdade, assiste-se a uma crescente massificação dos contratos, pré-elaborados por uma das partes, em regra, a economicamente mais forte, destinados a uma massa indeterminada de destinatários, em que a liberdade destes se cinge, na prática, na possibilidade de aderir ou não ao contrato que lhe é facultado, sem que lhes seja concedida a possibilidade de discutir a substância das soluções nele firmadas, não obstante, frequentes vezes, esses destinatários se encontrem necessitados de contratar por forma a acederem aos bens e serviços produzidos ou prestados pelo proponente em situações de monopólio ou oligopólio e que, inclusivamente, são bens ou serviços de primeira necessidade (48).

Ciente desta realidade e visando evitar abusos por parte de quem recorre a semelhante tipo de contratos, designados de contratos de adesão, surge então o enunciado regime das cláusulas contratuais gerais, cujo art. 1º estabelece:

“1- As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se por este diploma;
2- O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar;
3- O ónus da prova de que essa cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretende prevalecer-se do seu conteúdo”.

Resulta do exposto que para que seja aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais é necessário que se alegue e prove que se está perante um contrato que foi pré-elaborado por uma das partes (o proponente), sem prévia negociação individual das respetivas cláusulas, destinado a uma massa indeterminada de destinatários (aderente) e que o último se limitou a aceitar, ou então, que apesar de se tratar de cláusulas inseridas em contratos individualizados, essas cláusulas foram pré-elaboradas pelo preponente e cujo conteúdo o aderente não pôde influenciar.
Note-se, contudo, que para que se esteja perante um contrato de adesão, sujeito ao enunciado regime não é suficiente que algumas das cláusulas inseridas naquele sejam pré ordenadas unilateralmente pelo proponente, mas é necessário que o núcleo essencial modelador do regime jurídico contratualmente acordado constitua um bloco que o aderente aceita ou repudia, sem qualquer possibilidade de negociação (49).
O ónus da alegação e da prova da verificação dos enunciados pressupostos legais necessários à aplicação do DL. n.º 446/85, impende, nos termos do n.º 3 do seu art. 1º, sobre aquele que pretende prevalecer-se desse regime jurídico, isto é, no caso, sobre os apelantes.
Acontece que apesar dos apelantes terem alegado que a executada “X” não teve qualquer intervenção na elaboração do contrato de fornecimento de café sobre que versam os autos e na definição das respetivas cláusulas, tendo-se limitado a aceitar a proposta de contrato, com o clausulado fixado pela “B. S., os mesmos, contrariamente ao que era seu ónus fazer, não lograram fazer prova dessa sua alegação (vide alínea a) dos factos não provados).
Deste modo, não tendo os apelantes feito prova da ausência de negociação individual em relação ao clausulado no contrato de fornecimento de café objeto dos autos, o mesmo não pode ser tido como contrato de adesão e ser-lhe aplicável o regime jurídico do DL n.º 446/85, de 25/10, nomeadamente, o previsto no seu art. 19º, al. c).
Decorre do exposto, improceder a pretensa nulidade da cláusula penal ajustada, com fundamento no regime das cláusulas contratuais gerais.

B.8.2- Nulidade da cláusula penal com fundamento no art. 811º, n.º 3 do CC.

A cláusula penal é a convenção em que as partes acordam antecipadamente numa determinada prestação, normalmente em dinheiro, que o devedor terá de satisfazer ao credor em caso de não cumprimento, ou de não cumprimento perfeito, máxime em termos de tempo, da obrigação (50).
Trata-se de uma manifestação da autonomia privada e da liberdade contratual que a lei reconhece às partes (art. 405º do CC), em que estas convencionam de forma antecipada o montante da indemnização que o inadimplente terá de pagar ao credor em caso de mora (caso em que a cláusula penal se diz “moratória”) ou em caso de incumprimento definitivo (“cláusula penal compensatória”) e que na economia do contrato consubstancia uma cláusula acessória da obrigação principal.
Para além daquela classificação, noutra vertente e ainda atento o respetivo escopo, as cláusulas penais podem ser classificadas: em cláusula de fixação prévia do dano ou de fixação antecipada do dano e cláusula penal puramente compulsória.
Esta dupla função é precisamente apontada por Antunes Varela como sendo a normal e habitual desempenhada pela cláusula penal no sistema da relação obrigacional, escrevendo a esse propósito: “Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (um agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena – pena convencional. A cláusula penal é, nesses casos, um plus em relação à indemnização normal, para que o devedor, com receio da sua aplicação, seja menos tentado a faltar ao cumprimento. A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva. (…). Por outro lado, a cláusula penal visa amiúdes vezes facilitar ao mesmo tempo o cálculo da indemnização exigível” (51).
No caso, na cláusula 3ª, n.ºs 2 e 3 do contrato de fornecimento de café ficou estipulado o seguinte: “2- O não cumprimento das obrigações derivadas do presente contrato fará incorrer a parte faltosa em responsabilidade civil e na obrigação de indemnizar a outra parte pelos prejuízo e lucros cessantes, nos termos legais. 3- Independentemente do estipulado no número anterior, a violação das obrigações de exclusividade e de consumo mínimo de café definido em 1, 4º, al. a), fará incorrer a parte faltosa na responsabilidade de indemnizar o CAFÉ T no montante de 25,00 euros por cada Kg. de café não adquirido”.
Tendo a apelada preenchido a letra dada à execução com o valor correspondente ao preço de 25,00 euros por cada Kg. de café não adquirido pela sociedade “X” e verificando-se que este preço/kg. corresponde precisamente àquele pelo qual a executada se obrigou a vender-lhe o café, sustentam os apelantes que essa cláusula penal é nula à luz do art. 811º, n.º 3 do CC, na medida em que permite colocar a apelada numa situação mais vantajosa que aquela em que se encontraria caso o contrato fosse cumprido, mas sem razão.
A cláusula penal em referência nos autos é indiscutivelmente uma cláusula penal compensatória, que as partes livremente estabeleceram para o caso de ocorrer incumprimento definitivo do contrato quanto às obrigações assumidas pela executada “X” referentes às obrigações de exclusividade e de consumo mínimo de café.
Mediante a respetiva estipulação as partes contratantes prosseguiram inegavelmente aquela dupla finalidade: de liquidação prévia do dano sofrido pela apelada em caso de incumprimento definitivo daquelas obrigações e de compulsão da devedora ao cumprimento.
Como cláusula penal compensatória que é, naturalmente que a apelada não pode exigir cumulativamente da “X” o cumprimento do contrato e o pagamento da cláusula penal (art. 811º, n.º 1 do CC), sequer é isto o que acontece nos autos, dado que, contrariamente ao que sustentam os apelantes e conforme bem ponderou a 1ª Instância, as obrigações incumpridas pela “X” não se reconduzem à não aquisição pela última da quantidade total mínima de café ajustada, mas também ao incumprimento da obrigação de publicitar a marca “CAFÉ T” no estabelecimento comercial.
Na verdade, com a celebração do mencionado contrato a apelada não visou apenas a venda das quantidades de café ajustadas, mas também prosseguiu inegavelmente objetivos de promoção do seu produto e marca, de incrementação das vendas e de fidelização do cliente.
Precise-se que não se comunga da tese sufragada dos apelantes quando pretendem ter sido cumprido a obrigação de publicitação da marca “CAFÉ T”, posto que conforme aqueles não ignoram uma coisa é publicitar uma marca de café num estabelecimento permanentemente aberto ao público ao longo dos quatro anos ajustados para a vigência do contrato, em que se consome um mínimo mensal de 136 Kgs. de café e um total mínimo desse produto de 6.500 Kgs. ao longo desses quatro anos, e outra, bem diversa, é a publicitação dessa mesma marca, num estabelecimento de café que não permanece aberto ao público e onde nunca foi atingido o consumo mínimo mensal de café ajustado e onde foram consumidos escassos 680 Kgs. de produto até à resolução do contrato.
Com efeito, publicitar uma marca não equivale a ter toldes e/ou anúncios ou outros apetrechos afixados e/ou no interior de um estabelecimento encerrado ao público ou em que este recorrentemente abre e encerra portas ao público.
À publicitação de uma marca também não é indiferente a quantidade de produto comercializado ao público, posto que quanto mais produto se servir, maior será o número de clientes que entrará em contacto com o produto, se aperceberá das respetivas características e da marca a ele associado.
Consequentemente, publicitar a marca “CAFÉ T” nos termos que foram preconizados pelas partes aquando da celebração do contrato era que a “X” mantivesse o estabelecimento aberto ao público durante o prazo convencionado de quatro anos e que nele fossem servidas as quantidades mínimas de café ajustadas.
Logo, contrariamente ao pretendido pelos apelantes o prejuízo da apelada “B. S.” em consequência do incumprimento não se reconduz singelamente à questão da não compra pela “X” das quantidades mínimas de café acordadas, não sendo pela circunstância de na cláusula penal se prever que, em caso de incumprimento, a inadimplente ficaria obrigada a pagar o preço de aquisição do café não adquirido, sem abatimento do preço pelo qual a própria a credora o teria de adquirir e os custos associados ao respetivo fornecimento ao cliente que se pode concluir que o montante da indemnização previsto nessa cláusula excede o valor do prejuízo resultante do incumprimento para a apelada, sendo, por isso, nula nos termos do art. 811º, n.º 3 do CC.
Por último, cumpre realçar que conforme é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência a existência de cláusula penal dispensa a apelada do ónus de alegar e provar os factos demonstrativos dos danos sofridos e a respetiva extensão em consequência da inadimplência.
Por conseguinte, é sobre os apelantes, que pretendem impugnar a aplicação da cláusula penal com fundamento de que ela excede o montante do dano efetivo, que incumbe o ónus de alegar e provar que o valor desta excede o valor real do dano (52).
Ora, a este propósito, cumpre realçar que os apelantes nada alegaram quanto aos danos efetivamente sofridos pela apelada em consequência do incumprimento da “X”, limitando-se a alegar que aquela cláusula permite à última obter o valor do preço do café não comprado, como se o contrato tivesse sido cumprido, o que, reafirma-se, não se reconduz ao prejuízo efetivo desta.
Resulta do que se vem dizendo, improcederem os fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes e a consequente nulidade da cláusula penal ajustada com fundamento na pretensa violação do art. 811º, n.º 3 do CC.

B.8.3- Redução da cláusula penal por excessividade.

Pretendem os apelantes que a sentença recorrida padece de erro de direito ao não ter reduzido a cláusula penal com fundamento no art. 812º do CC.
O mencionado preceito legal permite ao tribunal a redução da cláusula penal, de acordo com a equidade, quando esta se revelar manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente e ainda que o contrato tenha sido parcialmente cumprido.
A redução da cláusula penal limita a autonomia privada ao permitir que o tribunal se intrometa nos acordos livremente estabelecidos pelos contratantes e atribua uma indemnização inferior àquela que as próprias partes pré-estabeleceram de forma livre. Por isso, a faculdade de redução deve apenas ser usada pelo tribunal em situações excecionais, em que ocorram abusos evidentes, situações de clamorosa injustiça a que conduzem penas manifestamente excessivas, francamente exageradas.
Trata-se de uma válvula de segurança em que o legislador apenas reconhece ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for “manifestamente excessiva”, ou dito por outras, for extraordinariamente excessiva, exceda os limites do razoável e do bom senso, ainda que por causa superveniente.
Deste modo não basta à redução que a cláusula penal seja “excessiva”, posto que doutra forma punha-se em causa a liberdade contratual das partes e as vantagens que a cláusula penal apresenta (53).
Apesar da redução se destinar a afastar o exagero da pena e não a anulá-la, verificado que seja o evidente exagero daquela, o juiz pode reduzi-la, equitativamente, sem qualquer limite rígido preestabelecido, mesmo para baixo do valor do dano causado pela falta de cumprimento (54), mas não deverá colocar em crise o valor coercivo da cláusula.
Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal deverá proceder-se à comparação entre o montante que resulta dessa cláusula e ordem de grandeza do prejuízo que o credor sofrerá com o incumprimento (55), tendo em conta todas as circunstâncias do caso.
Destarte, nessa apreciação deverá o juiz atender à natureza e condições de formação do contrato (por exemplo, se a cláusula foi contrapartida de melhores condições negociais); à situação das partes, nomeadamente a situação económica e social; os seus interesses legítimos, patrimoniais ou não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao efetivo prejuízo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular a boa ou má fé do devedor; ao próprio carácter forfait da cláusula, salvaguardando sempre o seu valor cominatório. É em função da apreciação global de todo o circunstancialismo objetivo e subjetivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má fé, que o juiz pode ou não reduzir a cláusula penal (56).
É sobre o devedor que pretenda obter a redução da cláusula penal com fundamento na sua manifesta excessividade que cabe alegar e provar os factos que inculquem ou demonstrem a desproporcionalidade entre o valor da cláusula penal e dos danos a ressarcir (art. 342º, n.º 1 do CC) (57).
Tendo presente estas premissas, olhando para os factos que se quedaram como provados não podemos deixar de sufragar a globalidade das considerações tecidas pela 1ª Instância na sentença recorrida no âmbito da apreciação que aí faz para aquilatar da alegada manifestamente desproporcionalidade da cláusula penal que vem suscitada pelos apelantes.
Com efeito, a apelada acordou com a executada “X” o fornecimento, em exclusivo, de um mínimo de 136 Kgs. de café, ao longo de quatro anos, num total mínimo de 6.500 Kgs. de café, no estabelecimento comercial desta, com a obrigação de nele não vender, publicitar ou promover outras marcas, com o objetivo de proceder à venda das quantidades de café ajustadas, de promover o seu produto e marca, de incrementar as suas vendas e de fidelizar o cliente.
Para o efeito a apelada fez um investimento no cliente, fornecendo-lhe 60.000,00 euros em dinheiro, a título de desconto antecipado do preço do café a fornecer-lhe e entregou-lhe, como contrapartida da publicidade, o material que se encontra discriminado no anexo I, o qual foi valorizado em 16.917,00 euros, para que este o utilizasse no estabelecimento, com a obrigação de transferir a propriedade desse equipamento para a cliente, caso este, no termo dos quatro anos ajustados para a vigência do contrato, tivesse cumprido as obrigações contratuais que assumira.
O preço acordado para o Kgs. de café a fornecer pela apelada à “X” foi de 25,00 euros (cláusula 6ª, n.º 2 do contrato).
Por conseguinte, a apelada previa receber da executada “X” no termo de vigência do contrato, pelo menos, 162.500,00 euros (6.500 Kgs x 25 euros), a que acresceriam as mais valias decorrentes para o seu negócio da publicidade à sua marca e promoção ao seu produto efetuada no estabelecimento comercial da primeira, contra um investimento de 76.917,00 euros (60.000,00 euros + 16.917,00 euros), a que acresciam juros sobre esse capital investido durante esses quatro anos.
Naturalmente que aquela quantia de 162.500,00 euros e as mais valias decorrentes da publicitação e promoção não correspondia ao lucro que a apelada obteria, posto que para além de se impor subtrair a essa quantia os enunciados 76.917,00 euros, acrescidos de juros de investimento realizado, impunha-se deduzir o preço pelo qual a própria apelada adquiriria os 6.500 kgs. de café, acrescidos dos custos associados ao fornecimento (administrativos e de transporte).
No entanto, se ainda assim a apelada aceitou celebrar o contrato com a executada é porque este inegavelmente lhe era vantajoso.
Logo uma primeira conclusão impõe-se ser extraída: a cláusula penal estipulada, logo à data da celebração do contrato (em que as partes não partiram do pressuposto que aquele iria ser incumprido, mas antes do pressuposto contrário - de contrário, certamente que não o teriam celebrado) revela-se manifestamente excessiva, dado que, em caso de incumprimento, permitia à apelada cobrar a totalidade do preço do café que não lhe tivesse sido adquirido pela executada, ao preço pelo qual lho teria vendido, sem descontar o preço do café pelo qual a própria o teria adquirido e os custos associados ao fornecimento.
Acontece que a executada “X” apenas veio a adquirir 680 Kgs. de café até à data da resolução do contrato e nunca atingiu o consumo mínimo de café ajustado.
Acontece que se a cláusula penal ajustada se revelava manifestamente excessiva à data da celebração do negócio, a mesma não pode deixar de manter essa características atenta a dimensão do prejuízo efetivamente sofrido pela apelada em consequência daquele incumprimento, seja em que circunstâncias for.
Na verdade, a referida cláusula permitirá à apelada obter o pagamento do preço do café não adquirido como se a executada lhe tivesse efetivamente comprado esse café, sem que tenha de despender o custo pelo qual ela própria teria de adquirir esse café e dos custos associados ao fornecimento, quando estão em causa 5.820 Kgs. de café não adquirido (que é a maior parte dos 6.500 Kgs. de quantidade mínima ajustado.
Acresce que o material que a apelada entregou à executada como contrapartida da publicidade que esta se obrigou a prestar-lhe (e que apenas em parte cumpriu), poderá ser reavido, ainda que deteriorado pelo uso e pelo decurso do tempo e, por isso, com escasso valor comercial.
Por outro lado, se é certo que a executada nunca atingiu a quantidade mínima mensal de café ajustada (com os inerentes prejuízos para a apelada), também não menos certo é que se assistiu ao longo do tempo a uma certa compreensão da última com essa inadimplência.
Finalmente, se é certo que cumpria à administração da “X” sopesar os riscos de celebrar o contrato quando se propunha ceder temporariamente a exploração do estabelecimento de café a terceiros (com os inerentes riscos decorrentes da perda do controlo sobre o estabelecimento para o cumprimento do contrato), também não menos certo é que a apelada tinha, à data da celebração daquele contrato, conhecimento que a exploração do estabelecimento iria ser feita, pelo menos no início, por uma sociedade terceira e que seria esta que, pelo menos nessa altura, lhe iria encomendar e consumir o café, pelo que igualmente não ignorava os riscos associados a esta situação para o cumprimento das obrigações livremente assumidas perante si pela sociedade executada.
É certo que a situação dos autos não se reconduz àquela sobre que se debruça o acórdão da R.P. de 21/02/2018, Proc. 1057/12.7TBVLG e os demais arestos aí identificados, em que se reduziu o montante da pena a 50% do valor ajustado.
Com efeito, nas situações sobre que se debruçam esses arestos não houve a entrega de qualquer rapel e nos casos em que tal aconteceu, a quantia entregue não ascende ao montante significativo de 60.000,00 euros que a apelada entregou à sociedade executada e, por conseguinte, o elevado investimento que a apelada fez neste concreto negócio.
No entanto, atentos todos os factores acabados de enunciar, entende-se ser justo e equitativo, reduzir a cláusula penal ajustada em 25% do respetivo valor por forma a eliminar-se a excessividade cometida e sem se colocar em crise o seu caráter cominatório.
Aqui chegados, resta concluir pela parcial procedência da presente apelação, devendo a execução prosseguir os seus termos legais quanto aos apelantes José e Paulo, para cobrança da quantia de 109.312,50 euros, acrescidos de juros de mora, a partir da data de vencimento aposta na letra dada à execução até integral e efetivo pagamento.
*
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação parcialmente improcedente e, em consequência:

a- introduzem as alterações acima identificadas à matéria de facto julgada como provada;
b- revogam a sentença recorrida quanto aos apelantes José (…) e Paulo (…), ordenando a prossecução da execução quanto aos mesmos para cobrança da quantia de 109.312,50 euros (cento e nove mil trezentos e doze euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, a partir da data de vencimento aposta na letra dada à execução até integral pagamento;
c- no mais, confirmam a sentença recorrida.
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Custas quanto aos apelantes José (…) e Paulo (…) , em ambas as instâncias, por apelantes e apelada na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
Guimarães, 10 de julho de 2019
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dra. Eugénia Maria Marinho da Cunha (2ª Adjunta)


1. Acs. STJ. de 17/05/2017, Proc. 4111/13.4TBBRG; RG. de 11/07/2017, Proc. 5527/16.0T8GMR.G1, lendo-se neste: “Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais. No mesmo sentido, Acs. RG de 18/12/2017, Proc. 3892/16.8T8BRG.G1; de 20/09/2018, Proc. 1349/13.8TBVRL.G1; RC. de 27/05/2014, Proc. 104/12.0T2AVR.C1; 24/04/2012, Proc. 219/10.6T2VGS.C1; RL de 10/10/2017, Proc. 23656/15.5T8SNT.L1-7, todos in base de dados da DGSI.
2. Abel Delgado, “Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças”, 6ª ed., Livraria Petrony, 1990, pág. 12.
3. Pedro Pais de Vasconcelos, “Direito Comercial, Títulos de Créditos”, Associação Académica da Faculdade de Lisboa, 1990, pág. 126.
4. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., Almeidina, pág. 480.
5. Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., págs. 127 e 128; no mesmo sentido Abel Delgado, ob. cit., pág. 197, onde se lê que “a falsidade da assinatura não pode classificar-se como um vício de forma”.
6. Oliveira Ascensão, ob. cit., págs. 170 e 171.
7. Nuno Madeira Rodrigues, “Das Letras: Aval e Protesto”, 2ª ed., Almedina, págs. 29 e 30.
8. Ac. RL. de 09/07/1992, CJ, t. 4º, pág. 146.
9. Abel Delgado, in ob. cit., pág. 197.
10. Abel Delgado, ob. cit., pág. 108.
11. Abel Delgado, ob. cit., pág. 108.
12. Ac. RE de 02/03/1978, BMJ n.º 279, pág. 284.
13. Acs. STJ de 28/02/2008, Proc. 08A054; 19/06/2007, Proc. 07A1811; RL. de 02/03/2010, Proc. 26307/08.0YYLSB-A.L1-1; 16/01/2018, Proc. 7230/13.3TBALM-A.L1-7, todos in base de dados da DGSI, lendo-se neste último que: “Tendo o avalista subscrito igualmente o contrato de crédito do qual emerge a obrigação subjacente à emissão desse título e que determina a entrega da livrança por si avalizada, em branco e com autorização de preenchimento, pode aquele opor ao credor e beneficiário da ordem de pagamento assim titulada as exceções decorrentes da relação creditória principal que determinam a extinção dessa obrigação, na medida em que ainda nos encontramos no domínio das relações imediatas”. No mesmo sentido Ac. RC. de 01/07/2014, Proc. 712/11.3T2AGD-A.C1, na mesma base de dados, em que se escreve: “Estando no domínio de relações imediatas pode o avalista chamar à colação o não cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais integradas no contrato de mútuo. O princípio da literalidade, segundo o qual a existência e a validade da relação cambiária não podem ser afetadas por via de elementos estranhos aos títulos, apenas tem o seu campo de aplicação no domínio das relações mediatas. No plano das relações imediatas não há que aplicar as regras próprias dos títulos de créditos, pois não há que dar a devida protecção à circulação de boa fé”. Também Acs. RP. de 24/09/2018, Proc. 2841/16.8T8AGD-A.P1 e RG. de 11/05/2017, Proc. 3140/15.8T8VNF-A.G1, constando o sumário deste último do seguinte: “No domínio das relações imediatas, podem aceitante e avalista opor ao portador da letra as exceções de direito que e por referência à relação subjacente limitem a pretensão do exequente sustentada no título executivo. Considera-se que o avalista que teve intervenção no contrato subjacente à emissão do título que avaliza, se situa no âmbito das relações imediatas e como tal poderá discutir com o portador as exceções derivas da violação do acordo em que tenha intervindo”.
14. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
15. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
16. António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153.
17. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
18. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
19. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
20. Acs. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, todos in base de dados da DGSI.
21. Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs.
22. Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
23. Neste sentido Acs. do STJ, de 08/02/2018, Processo nº 765/13.0TBESP.L1.S1; de 08/02/2018, Processo nº 8440/14.1T8PRT.P1.S1; de 06/06/2018, Processo nº 552/13.5TTVIS.C1.S1, e de 13/11/2018, Processo nº 3396/14, este último ainda inédito e os restantes in base de dados da DGSI.
24. Abrantes Geraldes, “Sentença Cível”, janeiro de 2014, pág. 20, e ob. cit., págs. 275 e 276.
25. Ac. STJ. de 19/02/2015, Proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1, in base de dados da DGSI.
26. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 290.
27. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
28. Ac. STJ. de 04/06/2002, Proc. 03A318, in base de dados da DGSI.
29. Coutinho de Abreu, in “Curso do Direito Comercial”, vol. II, “Das Sociedades”, págs. 184 e 185.
30. Coutinho de Abreu, ob. cit., págs.184 a 185 e 192 a 193.
31. Acs. STJ. de 04/06/2002, anteriormente já identificado e de 26/11/2014, Proc. 1281/10.7TBAMT-A.P1.S1, in base de dados da DGSI.
32. Neste sentido Acs. STJ. de 04/06/2009, Proc. 257/09.1YTLSB; de 15/01/2013, Proc. 600/06.5TCGMR.G1.S1; RE. de 27/04/2017, Proc. 147/14.8TBOLH.E1; RL. de 03/10/2017, Proc. 203/16.6T8MTA.L1-7, todos in base de dados da DGSI.
33. Ac. RL. de 05/06/2012, Proc. 120456/09.9YPRT.L1-7.3, in base de dados da DGSI.
34. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 223.
35. Carlos Mota Pinto, in “Teoria Geral Do Direito Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 447.
36. Oliveira Ascensão, “Direito Comercial”, vol. III, Títulos de Crédito”, Lisboa, 1992, pág. 113. No mesmo sentido Abel Delgado, “Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada”, 6ª ed. Petrony, 1990, pág. 72: “A letra em branco pode ser criada por qualquer subscritor (sacador, aceitante, avalista ou endossante)… É indispensável que a assinatura conste de um título que seja apto, segundo a prática dos negócios, para incorporar obrigações cambiárias. Por isso, a necessidade de ela constar de um título que contenha a designação impressa e expressa de “letra”.
37. Oliveira Acensão, ob. cit., pág. 114.
38. Ac. STJ. de 20/10/2015, Proc. 60/10.6TBMTS.P1.S1, in base de dados da DGSI.
39. Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 113. No mesmo sentido, Ac. STJ. de 20/10/2015, Proc. 60/10.6TBMTS.P1.S1, in base de dados da DGSI, em que se lê: “… uma livrança (letra) em branco é uma livrança incompleta, em que falta algum dos requisitos essenciais, mas onde existe, pelo menos, a assinatura de um obrigado cambiário. É necessário que tal assinatura, como é evidente, seja aposta num título donde conste a palavra «livrança» (art. 75º,n,º 1 da LU). (…)a letra (livrança) em branco, é, pois, se nos é lícito dizer, uma letra incompleta, que contém, no entanto, uma assinatura destinada a fazer surgir a obrigação cambiária. A livrança em branco, pese embora possa já ser um título de crédito endossável, enquanto lhe faltar qualquer elemento essencial, não é um título com plena eficácia. Só adquirirá essa eficiência quando, ulteriormente, for preenchida com as indicações em falta”.
40. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 258.
41. Almeida Costa, “Das Obrigações”, 3ª ed., pág. 475.
42. Menezes Cordeiro, CJ, 1992, t. III, pág. 61.
43. Ac. RP. de 04/07/2002, Proc. 0230592, base de dados da DGSI.
44. Pedro Martinez e Fuzeta da Ponte, “Garantias de Cumprimento”, Almedina, pág. 36.
45. Ac. Uniformização de Jurisprudência de 14/05/1996, Proc. 084633, DR. II Série de 11/07/1996; STJ de 14/12/2006, Proc. 06A258; RG de 04/10/2018, Proc. 3455/07.9TBGMR-A.G1, in base de dados da DGSI.
46. Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed., Almedina, pág.1103; Acs. RL. de 09/01/2018, Proc. 4164/15.0T8FNC-A.L1-7; RP. de 26/05/2015, Proc. 665/13.3TBLSD-A.P1, in base de dados da DGSI.
47. Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, pág. 395.
48. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, págs. 263 a 268 e Preâmbulo do DL n.º 446/85, de 25/10.
49. Acs. STJ. de 15/01/2013, Proc. 600/06.5TCGMR.G1; RE de 27/04/2017, Proc. 146/14.8TBOLH.E1, in base de dados da DGSI.
50. Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., pág. 585.
51. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 7ª ed., Almedina, págs. 139 e 140. No mesmo sentido, Mota Pinto, ob. cit., pág. 586.
52. Antunes Varela, ob. cit., vol. II, pág. 147.
53. Mota Pinto, ob. cit., págs. 587 a 588; Antunes Varela, ob. cit., págs. 145 e 146; Pinto Monteiro, “Clausulas Limitativas”, Almedina, 1984, pág. 140; Acs. STJ. de 10/02/2004, Proc. 04A4299; RP. de 27/05/2014, Proc. 110/10.6TVPRT.P1; RE. de 27/04/2007, Proc. 146/14.8TBOLH.E1, in base de dados da DGSI.
54. Antunes Varela, ob. cit., pág. 148.
55. Ac. STJ. de 29/11/2000, Proc. 2892/01-7ª, Sumários, 55º
56. João Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Compulsória”, Separata do Volume XXX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2007, págs. 274 e 275.
57. Acs. STJ. de 31/03/2009, Proc. 08B3886, 17/04/2208, Proc. 08A630; RL. de 17/12/2015, Proc. 13161-14.2T2SNT.L1-8, todos in base de dados da DGSI.