Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE | ||
Descritores: | CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA PEDIDOS DE ADESÃO A CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO DESCOBERTO EM CONTA CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS NULIDADE ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – Pretendendo determinada parte, no âmbito de uma acção judicial, a declaração de nulidade do negócio regulado por cláusulas contratuais gerais à luz do n.º 2 do art.º 9º da LCCG, cabe-lhe identificar concretamente as cláusulas que, por não terem sido comunicadas ou devidamente informadas, devessem ser excluídas do contrato e, tentado o seu suprimento, se verificasse a) que não era possível suprir aspectos essenciais regulados pelas mesmas através de normas supletivas ou das regras da integração dos negócios jurídicos b) ou que o seu suprimento conduzia a um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé. II - E isto é assim quer essa parte seja o autor, porque aquela identificação constitui facto essencial integrador da causa de pedir, quer seja o réu, pois tal identificação está na base da excepção perenptória invocada – a nulidade do negócio. III – Tal exigência funda-se nos princípios do dispositivo, da eficácia e economia processual, e do contraditório. IV - O venire contra factum proprium traduz-se no exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente. V - Consistindo o venire em a A. exigir ao R. a restituição das quantias que desembolsou para dar pagamento às sucessivas ordens de pagamento dadas pelo mesmo, para que pudesse haver aquela contradição, o factum proprium haveria de consistir em a A. ter assumido ou proclamado, em momento anterior, que não exigiria ao R. tal restituição. VI - Não pode o R. pretender imputar à A. o facto de ter incorrido num descoberto em conta no valor de mais de € 24.000,00, quando, por um lado, foi o mesmo quem deu as ordens de pagamento e delas beneficiou e, por outro, não alegou ter observado o elementar dever de consulta do saldo contabilístico da conta, quando ordenou mais de 40 operações de pagamento, algumas delas correspondentes a mais de 2 vezes a RMNG/ordenado mínimo nacional, sendo ainda certo não estar alegado qualquer facto relativo à pessoa do R., que fosse do conhecimento da A. e que demandasse para a mesma um especial dever de protecção daquele. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório Banco 1..., SA intentou acção declarativa de condenação com processo comum contra AA pedindo a condenação do mesmo a pagar a quantia de € 26.274,79, correspondente a € 24.691,79, relativo ao capital em dívida, acrescido de juros vencidos até 17/03/2021, que liquida no montante de € 1.522,11 e respectivo imposto de selo, no montante de € 60,88 e ainda nos juros vincendos à taxa contratual de 14,600% até efectivo e integral pagamento. Alegou para tanto que exerce a actividade bancária; no âmbito da sua actividade a 03 de Fevereiro de 2020 celebrou com o R. um contrato de abertura de conta de depósitos à ordem com o número que indica; na mesma data o R. aderiu ao cartão de crédito ..., o qual ficou adstrito à conta de depósitos à ordem, tendo ainda celebrado uma Convenção de Utilização de Assinatura Digital, onde declarou autorizar o débito na conta de depósitos à ordem para liquidação das quantias mutuadas; conforme extracto bancário emitido pelo A., de 31/03/2020, a conta à ordem do R. apresentava um saldo devedor de € 24.339,15, em resultado de movimentos bancários realizados até àquela data; o A. interpelou o R. a 16/10/2020, por carta registada com AR, para proceder à regularização dos valores em dívida, que à data ascendiam a € 24.691,79 no prazo de 20 dias; apesar disso o R. não procedeu ao pagamento de qualquer quantia; todos os movimentos efectuados na referida conta foram feitos de acordo com as instruções do R., com o seu conhecimento e no seu interesse, tendo este beneficiado das quantias utilizadas, pelo que além da devolução das quantias utilizadas, há lugar à remuneração correspondente, constituída pelos juros devidos por esta actividade. O R. foi citado e, após um conjunto de vicissitudes que aqui não cabe relatar, por irrelevantes para o recurso, foi admitido a contestar, o que fez por excepção invocando: - a nulidade do contrato de abertura de conta e pedidos de adesão a cartões de crédito e débito – dizendo que se dirigiu ao balcão de ... da A. manifestando o desejo de abrir uma conta bancária; após recolha dos seus dados foram-lhe apresentadas para assinatura diversas páginas de um documento que lhe foi dito ser o contrato de abertura de conta corrente e do pedido de cartões de pagamento; tal contrato e pedidos de adesão enquadram-se nos denominados contratos de adesão, por conterem cláusulas elaboradas sem prévia negociação; não foi dado a conhecer ao R. o conteúdo das cláusulas inseridas no contrato e pedidos, ainda menos com a antecedência necessária para lhe permitir reflectir e tomar uma decisão; se lhe tivesse sido dado conhecimento, com a devida antecedência, o R. teria notado que se encontra previsto um pedido de adesão a cartão de crédito e que do referido pedido de adesão não consta, sequer, o limite de crédito aprovado, o que não correspondia de todo ao pretendido pelo R. quando se dirigiu ao balcão; o R. tem o 6º ano de escolaridade, não possui empresas, nem está familiarizado com os termos e cláusulas de contrato de abertura de conta de depósitos à ordem, contrato de crédito, pedidos de adesão a cartão de crédito e/ou cartão de crédito; não foi entregue cópia dos documentos; por não ter cumprido com estas formalidades legais, carecem as cláusulas contidas nos ditos contratos e pedidos de adesão, de nulidade e consequente exclusão; - o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, dizendo que como resulta do extracto de conta bancária junto pela A., o limite de crédito associado ao cartão de crédito era de € 250,00; o cartão de débito não deveria permitir utilizar um valor superior ao saldo disponível na conta bancária associada; foi utilizado o cartão de débito para pagamento de valores superiores ao saldo disponível na conta associada; o sistema de utilização do cartão de débito, da responsabilidade da A., não recusou, quando o deveria ter feito, pagamentos efectuados pelo R. na convicção de que tinha saldo bancário suficiente para o efeito; o erro do sistema, da responsabilidade da A., induziu culposamente o R. em erro quanto ao valor do saldo disponível para utilização; caso o sistema de pagamento do cartão de débito tivesse funcionado correctamente, o R. não poderia ter utilizado um valor de que não dispunha na conta bancária, não podendo apresentar saldo devedor; quando o R. foi interpelado pela A. sobre o saldo negativo, alertou aquela de que tal só poderia resultar de erro do sistema e que a mesma deveria assumir tal situação ou algum seguro de responsabilidade civil associado ao sistema utilizado pela mesma; devido à frequência dos movimentos, não era possível ao R. seguir o montante do saldo bancário, ao mesmo tempo que procedia à utilização do cartão de pagamento, ficando o R. convencido, com a aprovação das sucessivas operações de pagamento que existia saldo bancário para o efeito, pois caso contrário teria pago de outra forma ou não teria efectuado a operação. E contestou por impugnação, declarando aceitar os artigos 1, 2.º, 3.º, 4.º e 6.º da petição inicial e repetindo o que já havia alegado em sede de excepção. A A. foi notificada para responder às excepções, tendo vindo dizer que estamos perante um contrato de adesão, a que o R. aderiu, sabendo que mediante a sua assinatura se encontrava vinculado às cláusulas que definiam as condições do mesmo, tendo declarado que tomou conhecimento e aceitava subscrever todo o clausulado do contrato de conta corrente em depósitos, do qual lhe foi previamente entregue uma cópia; o R., enquanto plenamente capaz e na sua condição de homem médio, antes de subscrever o referido contrato, teria lido as suas cláusulas; nos termos do art.º 224º, n.º 1 do CC a declaração negocial [é patente que a resposta foi elaborada sobre outra peça pois se refere à “declaração negocial da Embargante e do executado] tornou-se eficaz com a assinatura do contrato; os contratos celebrados pelo R. importam a constituição/reconhecimento da obrigação de pagamento em prestações mensais, assim como a constituição da obrigação de pagar juros de mora e demais penalidades em caso de incumprimento; o contrato é um contrato de crédito em conta corrente, sendo enviado ao R. mensalmente os extractos da conta corrente; as operações registadas consideram-se corretas e definitivamente aprovadas pelo mutuário se este não manifestar o seu desacordo quanto a qualquer dado constante daquela, o que o R. nunca fez; caberia ao R. demonstrar que pagou os valores peticionados, o que não sucede; até à data do termo do contrato, o mesmo sempre produziu os seus efeitos, criando na A. uma legítima expectativa de conformidade contratual. Com dispensa da audiência prévia (após notificação das partes para tal, as quais nada disseram), foi proferido despacho saneador. Realizou-se audiência final e após foi proferida sentença, cujo decisório tem o seguinte teor: “De acordo com o exposto, e de harmonia com os preceitos legais supra citados, julga-se a acção totalmente procedente, por provada, e, consequentemente, condena-se o Réu a pagar ao Autor a quantia de €26.274,79 (vinte e seis mil duzentos e setenta e quatro euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.--- Custas da acção a cargo do réu, sem prejuízo do apoio judiciário de que o meso beneficia (art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC). (…) O R. interpôs recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: [1] I. O Recorrente considera que foram incorretamente julgados os factos considerados como provados em 4) e 11) atento ao teor dos articulados, a prova documental e a prova testemunhal produzida em audiência e discussão e julgamento e depoimento de parte prestado pelo Recorrente, impor sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnada uma decisão diversa da recorrida, concretamente, os factos supra mencionados e que foram dados como provados, deveriam ter sido dados como não provados, com infra iremos ver e analisar. II. Além disso, o Recorrente considera que foram incorretamente julgados os factos considerados como não provados em C, D e E atento ao teor dos articulados, a prova documental, prova testemunhal produzida em audiência e discussão e julgamento e depoimento de parte prestado pelo Recorrente, impor sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnada uma decisão diversa da recorrida, concretamente, os factos supra mencionados e que foram dados como não provados, deveriam ter sido dados como provados, com infra iremos ver e analisar. III. Ora, com o devido respeito, não podemos, de todo, concordar com a fundamentação do Meritíssimo Juiz a quo. IV. Consta dos referidos pontos 4), e 11) da matéria de factos dados como provados o seguinte:“4) Na mesma data, o réu aderiu ao cartão de crédito ..., o qual ficou adstrito à conta de depósitos à ordem supra referida, tendo ainda celebrado uma convenção de utilização de assinatura digital, onde declarou autorizar o débito na conta de depósitos à ordem para liquidação das quantias mutuadas;“ e“11) De acordo com o verso da ficha de abertura de conta assinada pelo réu, a disponibilização da documentação bancária ao réu foi feita via e-mail para o endereço electrónico indicado pelo réu;--- “ V. Com efeito, pese embora tenha efectivamente o Réu aceite em sede de contestação os artigos 1, 2.º, 3.º, 4.º e 6.º da petição inicial tal deve ler-se em consonância com a integralidade da contestação e da posição ali expressa, no seu conjunto (cfr. n.º 2 do artigo 574.º do C.P.C) VI. Ora como acima alegado e abaixo melhor se desenvolverá, em sede de contestação, e ainda antes da impugnação defendeu-se o Réu por excepção alegando a nulidade do contrato de abertura de conta e pedidos de adesão a cartões de crédito e débito, por incumprimento das regras legais previstas no Decreto-Lei n.º 446/85. VII. Com efeito, se consta da ficha de abertura de conta (fls. 5-8) e demais documentação junta pela Autora a rubrica ou assinatura do Réu, não o fez o Reu com pleno conhecimento do teor das clausulas aí constantes, e sem que lhe tivesse sido anteriormente comunicadas as cláusulas contratuais gerais de modo adequado, daí o mesmo ter reconhecido ter assinado tal contrato, e pedidos de adesão a cartões de débito e de crédito. VIII. Nesse sentido por diversas vezes se pronunciou o Recorrente em sede de depoimento de parte, resultando claro não lhe foi entregue qualquer documentação nem antes nem depois de assinar o contrato de abertura de conta bancária e pedidos de adesão a cartões de credito e de débito (Sessão de 11/07/2023, CD faixa 4 – início 14:58:54 e termo 15:19:17 - passagens de 01:18 a 02:19, de 03:19 a 04:39, de 06:11 a 06:56 e de 15:17 a 19:00). IX. Aliás a testemunha BB, colaborador da Autora declarou precisamente que em principio tais informações são disponibilizadas aos clientes para as ler, se assim entender. (Sessão de 11/07/2023, CD faixa 5 – início 15:20:10 e termo 15:40:38 - passagem de 05:15 a 07:11) X. Confirmando-se assim que não é o procedimento habitual, pois que se pode abrir uma conta em cerca de 40 minutos. (Sessão de 11/07/2023, CD faixa 5 – início 15:20:10 e termo 15:40:38 - passagem de 04:28 a 05:13). XI. Salientando-se aqui que, ao contrário do entendimento tido pelo tribunal, é manifesto das declarações do Recorrente que não tinha conhecimento do teor das cláusulas inseridas no contrato, na sua globalidade, mas particularmente das cláusulas referentes ao pedido de adesão á cartão de crédito e de débito. XII. Pois, como este bem explicou, dirigiu-se ao balcão da Autora para abertura de conta bancária à ordem, e que no decorrer da conversa tida com o funcionário foi lhe proposta a adesão a cartões de débito e de crédito, sendo este ultimo com plafond de 250,00€. XIII. Tendo o Réu explicado que lhe entregaram de imediato os cartões e ficaram de enviar posteriormente por email as condições e clausulas do contrato que assinou, na tablet. XIV. O que nunca chegou a suceder. XV. Ao contrário do que consta da douta sentença o Recorrente não admitiu ter recebido o email com tais condições, pelo contrário, sendo esse que acede ao seu email ( Sessão de 11/07/2023, CD faixa 4 – início 14:58:54 e termo 15:19:17 - passagem de 04:50 a 06:08). XVI. Apenas quando por varias vezes perguntado se podia ter sido enviado por email e ele não se ter apercebido declarou poderia ter sucedido mas não se recorda ter recebido. XVII. Sendo certo que, nem a Autora em sede de resposta à matéria de excepção da Contestação alegou sequer ter enviado tais condições posteriormente, nomeadamente via email, mas que foram do conhecimento prévio do Réu tendo lhe sido entregue uma cópia . (cfr. artigo 2.º a 22.º do requerimento de 05.09.2022) XVIII. Alegando expressamente a Autora no artigo 8.º da dita resposta: “No entanto, salvo melhor opinião em contrário, entende a Autora que o Réu - enquanto plenamente capaz, e na sua condição de “homem médio”, antes de subscrever o referido contrato teriam lido as suas cláusulas atentamente” XIX. Tal posição aliada a falta de junção do alegado email que poderia, ou deveria, ter sido enviado ao Réu, demonstra no nosso modesto entender que não foi efectivamente enviado duplicado das condições do contrato de abertura de conta e pedidos de adesão a cartões de crédito e débito, como bem sabe a Autora. XX. Pelo que, o tribunal recorrido deveria ter dado como não provados os factos constantes em “4) Na mesma data, o réu aderiu ao cartão de crédito ..., o qual ficou adstrito à conta de depósitos à ordem supra referida, tendo ainda celebrado uma convenção de utilização de assinatura digital, onde declarou autorizar o débito na conta de depósitos à ordem para liquidação das quantias mutuadas;--- “ e“11) De acordo com o verso da ficha de abertura de conta assinada pelo réu, a disponibilização da documentação bancária ao réu foi feita via e-mail para o endereço electrónico indicado pelo réu;--- “ XXI. O Recorrente considera que foram incorretamente dados como não provados os factos constantes da sentença, referente aos pontos C, D e E da matéria de factos dados como não provados, dos quais constam: C. Que o réu não estivesse familiarizado com os termos e clausulas de contrato de abertura de conta de depósitos à ordem, contrato de crédito, pedidos de adesão a cartão de credito e/ou cartão de débito;--- D. Que não fosse intenção do réu a obtenção/ utilização de um cartão de crédito;--- E. Que aquando das operações de pagamento referidas em 15), o réu tenha ficado convicto que ainda possuía saldo bancário positivo;--- XXII. Na verdade, devemos desde logo atentar nas declarações de parte prestado pelo ora Recorrente, a instâncias do Meritíssimo juiz, pois que o mesmo começa por descrever de que forma, tempo e local se dirigiu ao balcão de ... da Autora a fim de abrir uma conta bancária à ordem. (Sessão de 11/07/2023, CD faixa 4 – início 14:58:54 e termo 15:19:17 - passagem de 01:18 a 02:19). XXIII. Especificando que foi este que fez algumas perguntas mas que não lhe foram facultadas nem enviada copia do contrato ou das condições gerais do contrato e pedidos de adesão. (Sessão de 16/06/2023, CD faixa 1 – início 14:37:17 e termo 15:13:37 - passagem de 03:19 a 04:02). XXIV. É cristalino das declarações de parte do recorrente que a sua intenção quando se dirigiu ao balcão de ... da Autora era apenas o de abrir uma conta bancária de depósito à ordem, e que tal conta eram alegadamente associados os cartões de débito e de crédito. XXV. De facto explicou que apenas lhes foi explicado que o cartão de crédito teria um plafond 250,00€ e o cartão de débito permitiria a utilização “normal” enquanto houvesse saldo na conta. XXVI. Nunca podendo esse, nem nenhum homem médio, apenas com o 6.º ano de escolaridade, sequer equacionado que a utilização de um cartão de débito pudesse levar em qualquer circunstância a entidade bancária, ora Autora a autorizar movimentos a debito quando o saldo de conta corrente era já negativo. XXVII. Aliás devemos verificar que a testemunha CC, colaborador do Banco, pese embora não tenha tido intervenção directa e pessoal na celebração do contrato entre Autora e Réu, referiu expressamente que os movimentos do cartão de débito eram lançados na conta a ordem e o descoberto não estava autorizado. (Sessão de 16/06/2023, CD faixa 1 – início 14:37:17 e termo 15:13:37 - passagem de 06:57 a 08:20). XXVIII. Também resulta claro que nenhuma explicação foi transmitida sobre a possibilidade de aceitação de cobrança na conta mesma quando a conta de depósito à ordem já apresenta um saldo negativo. XXIX. Possibilidade que aliás era claramente do desconhecimento do colaborador BB.(Sessão de 11/07/2023, CD faixa 5 – início 15:20:10 e termo 15:40:38 - passagem de 09:46 a 12:09). XXX. Por sua vez a explicação “dada” pela testemunha CC para tal suceder foi, nos próprios dizeres da douta sentença, “longe de ser irrepreensível”. XXXI. Nunca foi assim explicado ao Réu, até por claro desconhecimento do colaborador BB, como e porque motivos poderia ter surgido a aceitação pelo banco de cobranças na conta mesmo quando o saldo já se encontrava com um valor negativo. XXXII. Por fim, das declarações do Recorrente assim como da testemunha DD, resulta claro ao contrário do que consta da douta sentença que o recorrente pensava ter saldo da conta bancária positivo, tendo inclusive consultado a aplicação do banco. (Sessão de 11/07/2023, CD faixa 4 – início 14:58:54 e termo 15:19:17 - passagem de 06:59 a 08:38 e de 11:09 a 13:07). XXXIII. Ou seja o recorrente declarou expressa e claramente ir ganhando e perdendo, mas sempre acreditando que ainda tinha saldo positivo. XXXIV. Até porque segundo este, da App. do banco ainda aparecia saldo positivo. XXXV. Por sua vez a testemunha DD que o acompanhou na dita viagem ao estrangeiro confirmou que o Réu jogava “constantemente” em jogos online através do telemóvel. (Sessão de 11/07/2023, CD faixa 6 – início 15:41:28 e termo 15:49:43 - passagem de 04:22 a 04:46). XXXVI. Mas tal testemunha também referiu expressamente que quando perguntou ao Réu por tal “ocupação” este lhe respondeu que “tanto ganho como perco” e “não te preocupes que tem dinheiro”. (Sessão de 11/07/2023, CD faixa 6 – início 15:41:28 e termo 15:49:43 - passagem de 01:50 a 02:32). XXXVII. Ora tal demonstra claramente que o Reu tinha a convicção e manifestou tal convicção à testemunha DD de ainda possuir saldo positivo em sua conta bancária. XXXVIII. Não logrando a Autora fazer, no nosso entender, prova do contrário, mas quando lhe foram repetidamente solicitados os documentos dos pedidos de autorização feitos pela entidade cobradora a fim de esclarecer com exactidão o momento em que foram feitos, pois que nas ditas datas deveria ser alterado na app do banco para consulta do Réu o saldo disponível. XXXIX. Pelo que, o tribunal recorrido deveria ter dado como provados os factos constantes em C. Que o réu não estivesse familiarizado com os termos e clausulas de contrato de abertura de conta de depósitos à ordem, contrato de crédito, pedidos de adesão a cartão de credito e/ou cartão de débito;--- D. Que não fosse intenção do réu a obtenção/ utilização de um cartão de crédito;--- E. Que aquando das operações de pagamento referidas em 15), o réu tenha ficado convicto que ainda possuía saldo bancário positivo;---“ da matéria de facto dada como não provada XL. Pelo exposto, o tribunal recorrido, ao ter dado como provados os factos constantes em 4) e 11 e, ao ter dado como não provados os factos constantes em C.D e E. incorreu salvo o devido respeito, num erro de julgamento sobre os aludidos concretos pontos de facto, os quais deverão ser alterados por este Tribunal Superior, (cfr. artigo 640.º, n.º 1 als. a) e b) e 662, n.º 1 do C.P.Civil). XLI. Como é sabido, mesmo que as partes não reclamem em sede de 1.ª Instância contra decisão proferida acerca da matéria de facto, não se sana o vício da decisão, pois a Relação, em recurso, pode oficiosamente ou a requerimento da parte recorrente reapreciar, anular e alterar a decisão proferida. XLII. O recurso que venha a ser interposto da sentença abrange, obviamente, a decisão sobre a matéria de facto, (cfr. artigo 662.º do C.P.Civil), quer haja ou não reclamação, não ficando precludido esse mesmo legítimo direito. XLIII. Pelo que, o Recorrente pretende a alteração da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do C.P.Civil, ou seja, "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa". Ora, tendo havido gravação da prova, o que é o caso, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (cfr. artigo 662.º, n.º 2, a) e b) do C.P.Civil). XLIV. Pelo que, resulta do supra exposto que os concretos factos acima mencionados foram incorrectamente julgados, impondo-se assim a sua respectiva alteração nos termos indicados pelo ora Recorrente. XLV. D.1 – DA NULIDADE DO CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA E PEDIDOS DE ADESÃO A CARTÕES DE CRÉDITO E DÉBITO XLVI. Conforme resulta dos autos em sede de Contestação defendeu-se o Reu por excepção invocando a Nulidade do Contrato de Abertura de Conta e pedidos de Adesão a cartões de crédito e débito. XLVII. Tal contrato de abertura de conta de depósitos á ordem, e pedidos de adesão a cartão de crédito e cartão de débito enquadram-se nos denominados contratos de adesão por conter cláusulas elaboradas sem prévia negociação individual, o que corresponde à orientação dominante da doutrina e da jurisprudência sobre a matéria. cfr. art. 1.º do Dec.-Lei n.º 446/85 de 25.10, na redacção actualmente em vigor. XLVIII. Nos termos do art. 5.º, n.ºs 1 e 2 do citado diploma, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes, de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. XLIX. Acresce ainda o n.º 3, segundo o qual «o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais». L. Se não for cumprido este dever, ou seja, se as cláusulas não forem comunicadas nos termos do referido art. 5.º, consideram-se excluídas dos contratos singulares. LI. Como salienta a douta sentença, “ao supra designado dever de comunicação acresce ainda o dever de informação, com sede legal no art. 6.º, n.º 1, onde vem consagrado que «o contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique». LII. Isto é, as cláusulas contratuais gerais devem ser integralmente comunicadas aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, recaindo sobre o proponente o ónus da prova da efectivação dessa comunicação. LIII. A comunicação deve ser feita a todos os interessados diretos (art. 5.º, n.º 1), e que deve ser adequada e atempada, não se exigindo ao aderente mais do que a diligência comum (art. 5.º n.º 2), aferida em abstrato, mas tendo em conta as circunstâncias típicas de cada caso. LIV. Já o dever de informação (art. 6.º) visa assegurar que as cláusulas foram efetivamente entendidas pelo aderente e pressupõe iniciativas da empresa utilizadora e não apenas um papel passivo desta – cf. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2005. LV. Tal comunicação das cláusulas do contrato deverá traduzir-se em actos materiais concretos, exteriores ao preenchimento e assinatura do contrato e ao texto do mesmo, não se reduzindo á mera possibilidade da parte contraente ler a cláusula em referência, nem resultando da mera inserção da declaração impressa em formulário – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17.04.2012, processo n.º 846/17.0T8BRG.G1, in www.dgsi.pt.--- (negrito nosso) LVI. Por outras palavras, os deveres de informação e de esclarecimento designadamente os relativo ao conteúdo contratual, sua composição e seu significado, assumem particular relevância quando se esteja perante dois sujeitos cujo poder negocial se apresente desequilibrado, revestindo então essas obrigações maior amplitude para aquela das partes que detenha uma posição negocial susceptível de lhe permitir impor à contraparte cláusulas, que esta, em consequência da sua debilidade contratual, não aperceba no seu integral significado ou de que, mais simplesmente, nem sequer tome conhecimento. LVII. A falta de comunicação determina que se considere excluída do contrato a mencionada cláusula, nos termos dos artigos 8.º n.º 1 a) do referido DL n.º 446/85, de 25/10, segundo o qual consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º». Por seu turno, o art. 9.º, n.º 1 do mesmo diploma reza que «nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos». LVIII. Ora no caso em apreço, conforme acima alegado, e alterando-se a matéria de facto dada como provada (pontos 4) e 11)) e como não provada nos termos acima alegados (pontos C, D e E), verifica-se que não foi dado a conhecer ao Réu o conteúdo das clausulas inseridas no contrato de abertura de conta de depósito á ordem, e pedidos de adesão a cartões de credito e de débito, ainda menos com antecedência necessária para lhe permitir reflectir e tomar uma decisão. LIX. Aliás poderá verificar-se contradição parcial da sentença, nomeadamente entre o ponto B da matéria de facto dada como provada, e que se aceita (“Que o Autor tenha facultado ao réu duplicado do contrato”) e o ponto 11) da matéria de facto dada como provada pelo (De acordo com o verso da ficha de abertura de conta assinada pelo réu, a disponibilização da documentação bancária ao réu foi feita via e-mail para o endereço electrónico indicado pelo réu). LX. Como se verificou das declarações de parte prestadas pelo Recorrente e do depoimento da testemunha BB, não foram entregues nem lidas ao Réu qualquer cláusula do contrato celebrado.(Sessão de 16/06/2023, CD faixa 1 – início 14:37:17 e termo 15:13:37 - passagem de 03:19 a 04:39). LXI. Tendo a testemunha BB referido que teriam as mesmas sido enviadas a posteriori por email, o que não se verificou. LXII. Tendo por sua a Autora alegado que o Réu tinha conhecimento das ditas cláusulas por ter constado do contrato tal menção. LXIII. Tendo o Réu assinado, como reconheceu, o contrato que lhe foi apresentado, com as cláusulas aí preexistentes apenas com as menções que se tratava de um contrato de abertura de conta depósito a ordem e pedidos de adesão a cartões de crédito e débito, sem mais. LXIV. Entendendo-se assim efectivamente que são todas as cláusulas do contrato e pedidos de adesão a cartões de crédito e de débito que são nulas por não lhe terem sido específica e devidamente comunicadas. LXV. E no que ao caso em concreto tange, as condições de utilização, movimentação a débito em conta corrente e demais dos cartões de débito e de crédito. LXVI. Por outro lado, da matéria de facto dada como provada, nos termos do presente recurso, não se entende como concluiu o tribunal ter a Autora cumprido, ainda que em termos mínimos, o dever de comunicação e de informação que sobre si impendiam, comunicando o essencial do clausulado, “nomeadamente ao balcão onde o réu se dirigiu e onde solicitou a abertura de uma conta de depósitos à ordem, assinou a respectiva documentação, e consentiu que a disponibilização da demais documentação bancária fosse enviada por e-mail.” LXVII. Pois que, como resulta expressamente do depoimento da testemunha EE, como das declarações de parte do Reu, nenhum deles tinha sequer percepção que poderia acontecer as anomalias que se verificaram nos presentes autos, ou seja a aceitação de realização e cobranças na conta pela Autora quando o respectivo saldo já apresentava um valor negativo. LXVIII. E aqui é que está o cerne da questão. LXIX. Nunca foi comunicado nem explicado ao Réu, que a utilização do cartão de débito poderia levar a existência de saldo negativo na conta depósito à ordem. LXX. Acreditando-se inclusive que a maioria dos funcionários bancários nem saibam de tal possibilidade, uma coisa é certa a testemunha EE, que atendeu o Réu quando este celebrou o contrato de abertura de conta deposito a ordem não o sabia, e consequentemente não o comunicou nem explicou ao Réu. (Sessão de 11/07/2023, CD faixa 5 – início 15:20:10 e termo 15:40:38 - passagem de 09:46 a 12:09). LXXI. Pois que o que o homem médio, o comum dos mortais, sabe da utilização habitual e corrente de qualquer cartão de débito é que este apenas permite proceder a movimentação a débito em conta a ordem (pagamento ou levantamentos) desde que o saldo da conta em questão apresente um saldo positivo. LXXII. Sendo absolutamente inconcebível para o Réu, como homem médio, e diríamos até a quase totalidade da população, conceber e percecionar que poderiam ser efectuados através do cartão de débito movimentos na conta a ordem mesmo com saldo em valor negativo. LXXIII. Situação que mesmo nestes autos a Autora ainda não explicou devidamente, diga-se porque não quis, encobrindo um manifesto erro do sistema informático ou de processamento utilizado pela Autora. LXXIV. Por outro lado, sem se descurar que efectivamente situações existem em que em situações de descoberto em conta, o banco consente que o seu cliente saque, para além do saldo existente na conta de que é titular, até certo limite por determinado prazo, e é independente de qualquer contrato escrito ou formalidade. LXXV. Tal ocorre em montante pequenos ou proporcionais á movimentação habitual da conta, por exemplo quando se encontra domiciliado o ordenado. LXXVI. Resulta da experiencia comum e da normalidade, as inúmeras operações de pagamento com as quais fomos todos confrontados, nomeadamente consumidores que se encontram em estabelecimento e que não logram proceder ao pagamento com cartão de débito ou de crédito que são recusadas pelas entidades bancarias por falta de provisionamento da conta bancaria do cliente, ou por exceder o plafond do descoberto autorizado. LXXVII. Sendo essa a diferença essencial entre o cartão de débito e o cartão de crédito. LXXVIII. O que não foi aqui o caso, pois que as movimentações efectuadas foram-nos na sequência de utilização do cartão de débito, no qual não deveria ser possível a autorização de movimentação com o saldo da conta depósito á ordem negativa. LXXIX. Sobretudo quando tal envolve dezenas de operações, que resultaram num saldo em conta corrente de valor negativo em 24.691,79 €! LXXX. Ultrapassando toda e qualquer margem de razoabilidade que permitisse sequer ponderar que o Banco adiantou os fundos com base na relação de confiança estabelecida com o cliente. LXXXI. DEVENDO CONSEQUENTEMENTE SER JULGADA COMO PROCEDENTE A INVOCADA NULIDADE DO CONTRATO DE NULIDADE DO CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA E PEDIDOS DE ADESÃO A CARTÕES DE CRÉDITO E DÉBITO LXXXII. D - DO ABUSO DE DIREITO : VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM LXXXIII. Por outro lado,“De harmonia com o disposto no art. 334.º do CC, «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».--- LXXXIV. São pressupostos desta modalidade de abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa-fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.11.2013, processo n.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, in www.dgsi.pt.---“ LXXXV. Mas aplicado ao caso em apreço entende o tribunal não ter o Recorrente feito prova de que a Autora tenha adoptado qualquer comportamento susceptível de incutir no mesmo a convicção de que este tivesse um saldo positivo em conta tendo se limitado a autorizar as cobranças de pagamento que eram ordenadas pelo Recorrente. LXXXVI. O que não se concorda. LXXXVII. Pois, o tribunal a quo reconheceu e elencou os diversos deveres gerais, e regras respeitantes á competência técnica, relação com clientes etc. aos quais sãos adstritas as entidades bancárias, e especialmente a aqui Autora, LXXXVIII. O cartão de débito associado à conta de depósito à ordem destina-se como o seu nome indica consubstancia um meio de pagamento que permite ao seu utilizador efectuar o pagamento de bens e serviços ou levantamento de numerário a débito (alínea h) secção I Definições das condições gerais de utilização pagina 3/22 do pedido de adesão junto ao doc. n.º 1) LXXXIX. Sendo tal cartão de pagamento á débito não deveria ser possível utilizar um valor superior ao saldo disponível na conta bancaria associada. XC. Sucede que, como se verifica do extracto de conta bancaria do Recorrente, doc, n.º 2 junto á petição inicial, foi utilizado o cartão de débito para pagamento de valores superiores ao saldo disponível na conta associada. XCI. Ou seja, o sistema de utilização do cartão de débito, da responsabilidade da Autora, não recusou, quando o deveria ter feito, a utilização e pagamentos efectuados pelo Recorrente na convicção que tinha saldo bancário suficiente para o efeito. XCII. O erro do sistema, da responsabilidade da Autora, induziu culposamente o Reu em erro quando ao valor do saldo disponível para utilização. XCIII. Caso o sistema de pagamento do cartão de débito tivesse funcionado correctamente, não poderia ter o Recorrente utilizado um valor de que não dispunha na conta bancaria, não podendo apresentar um saldo devedor. XCIV. Ora o Tribunal a quo verificou, quer no decorrer da audiência de discussão e julgamento, quer em sede de sentença, que o Banco não logrou justificar devidamente as razoes pelas quais aceitou a realização de cobranças na conta pela entidade cobradora quando o respectivo saldo já apresentava um valor negativo. XCV. Por despacho proferido na sessão da audiência de julgamento do dia 16.06.23, o Tribunal, ordenou a notificação da Autora Banco 1... “para ao abrigo do dever de colaboração vir aos autos juntar, se tiver na posse dessa documentação, o histórico dos pedidos de autorização dos débitos em causa tendo por referência o contrato de abertura de conta e o extrato bancário junto aos autos”. XCVI. Pese embora as insistências do tribunal não logrou a Autora juntar tal documentação, que a testemunha CC, colaborador da Autora, manifestou convicção de estar na posse da Autora. XCVII. Bem andou o tribunal ao considerar que, pela falta de elementos em sentido contrário se deveria considerar que os pedidos de autorização foram feitos no momento em que as quantias foram debitadas da conta do réu. XCVIII. Ora tal confirma que pese embora existido saldo negativo, a Autora autorizou diversos e avultados movimentos e débito da conta do Réu. XCIX. Sendo aqui importante salientar que tais movimentos não eram associados ao cartão de credito e limite de 250€ mas ao cartão de débito que não tem plafond mas não permite a utilização de saldo que não esteja disponível, ou seja não pode levar a saldo negativo! C. Por outro lado, como resulta das declarações de parte do Recorrente este afirmou que numa determinada altura do mês de Março de 2020 deslocou-se á Alemanha na companhia da testemunha DD e que nesse período jogou através do telemóvel num site de jogos on line , tendo ele saldo positivo. CI. Ora tivesse a Autora cumprido com os seus deveres de informação e ao critério de diligência, competência técnica, dever de adopção de procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados, tal não seria sucedido. CII. Deveria a Autora ter informado o Réu de que poderia proceder a autorização de movimentos a débito associados a cartão de débito, mesmo quando o saldo da conta depósito a ordem se encontrasse negativo, o que não fez. CIII. Deveria a Autora ter recusado os pedidos de autorização feitos pela entidade credora assim que o saldo da conta depósito á ordem do Reu se encontrasse negativo. CIV. Deveria a Autora ter imediatamente reportado na conta bancária do Reu, nomeadamente em saldo disponível e saldo contabilístico os movimentos a debito autorizados pela dita entidade, a fim de não autorizar indevidamente movimentos a débito quando o saldo da conta corrente do Reu já se encontrava negativo. CV. CC, colaborador da Autora tentou justificar os acontecimentos em apreço pelo facto das autorizações de operação serem emitidas pelo banco em determinado dia mas o seu débito apenas seria feito posteriormente. CVI. Esta testemunha declarou claramente que o descoberto não estava autorizado pelo banco- Autora. CVII. Declarando que “existe um hiato de tempo entre o momento em que o pedido de autorização é feito ao banco pela entidade cobradora (momento em que o banco verifica se a conta tem saldo e “cativa” esse valor) e o momento em que o valor é efectivamente cobrado, dizendo que entre um e outro passariam 48 horas (mais à frente no depoimento usou a expressão “alguns dias”); que após o valor ficar cativo ele deixa de estar disponível para o titular; e que esse valor é “descativado” com o pedido de cobrança, o tal que ocorre alguns dias depois, e que quando as entidades cobradoras o debitam, e que nessa altura o banco já não pode recusar o valor;” CVIII. No entanto tal não confere com os factos e movimentos que se verificam do acima mencionado extracto de conta bancaria. CIX. Pois que, logo a partir do dia 6 de Março de 2020 a conta titulada pelo Recorrente começou a apresentar saldo negativo, sendo possível observar que houve cobranças mesmo após esse dia, já o saldo apresentava um valor negativo. CX. “Perante este facto, a testemunha escudou-se dizendo que o extracto titulava a data da cobrança e não a data do pedido de autorização. Tal afirmação, todavia, contendeu com o afirmado anteriormente, já que se os pedidos de cativação teriam sido todos feitos entre os dias 6 e 7 de Março de 2020, então o hiato de tempo seria bastante superior às 48 horas por si indicadas, já que temos pedidos de cobrança do dia 14 e 15 de Março, ou seja, uma semana depois.” CXI. Ou seja o Tribunal também ele verificou e concluiu que a explicação dada pela Autora não está certa. CXII. Mas não extraiu as devidas consequências de tal comportamento e falta de colaboração processual da Autora. CXIII. Apenas se podendo concluir que ocorreu uma avaria ou disfuncionamento do sistema de gestão da utilização dos cartões de crédito e débito, acto não imputável ao Réu. CXIV. Verifica-se, ao contrário do que consta da douta sentença, que foram as sucessivas decisões de autorização emitidas pela Autora mesmo quando o saldo em conta á ordem já se encontrava negativo que incutiu no Reu a convicção de que este tinha e continuava a ter um saldo positivo em conta . CXV. É que, como referiu o Réu este “tanto ganhava como perdia”, sendo certo que da consulta dos movimentos do extracto de conta bancaria perdeu efectivamente muito mais do que ganhou. CXVI. Mas o Reu, ao utilizar o cartão de débito e não o cartão de crédito estava disposto a apostar e jogar on line, enquanto tivesse saldo para o efeito. CXVII. Daí não se poder concordar com o tribunal quando entende que se tivesse o reu cumprido com as suas obrigações contratuais não teria relevância ás indevidas autorizações dadas pela Autora para os movimentos a débito. CXVIII. Pois que, se tivesse saldo positivo não se verificaria indevida autorização por parte da Autora. CXIX. O Recorrente realizou operações bancárias (movimentos a débito com cartão de débito) cujas características implicam que apenas podem ser autorizadas se houver saldo positivo em conta depósito à ordem. CXX. O comportamento imputável à Autora é precisamente esse, ter autorizado quando não o devia ter feito, e não produziu a Autora qualquer prova que permita ilidir a presunção de culpa do seu comportamento. CXXI. Decorre objectivamente de tal comportamento, e débito em conta corrente do Réu, o prejuízo do mesmo na medida em que “criou” a Autora uma divida que não poderia ter existido, sendo recusado o pedido de autorização encontrava-se cancelada a operação e não ficaria o Reu com a dívida correspondente perante a entidade credora (de jogos). CXXII. Pelo contrário, com tal autorização e pagamento à entidade credora, ficou o Réu devedor perante a Autor, com o correspondente prejuízo patrimonial. CXXIII. DEVENDO CONSEQUENTEMENTE SER JULGADA COMO PROCEDENTE O INVOCADO ABUSO DE DIREITO NA MODALIDADE DE VENIR CONTRA FATUM PROPRIUM COM AS INERENTES CONSEQUENCIAS LEGAIS CXXIV. POR TUDO ACIMA EXPOSTO, FACE À PROVA PRODUZIDA, À REAPRECIAÇÃO DA PROVA APRESENTADA E, SUBSEQUENTE ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO NOS TERMOS ACIMA ALEGADOS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE A AÇÃO IMPROCEDENTE, Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações. 2. Questões a apreciar O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139). Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida. As questões que cumpre apreciar de acordo com a sua precedência lógica, são: - a decisão de facto padece de deficiência? - a decisão de facto padece de obscuridade? - deve o tribunal conhecer da impugnação da decisão de facto? - em caso afirmativo a factualidade constante dos pontos 4) e 11) dos factos provados deve ser considerada não provada? - e a factualidade constante das alíneas C), D) e E) dos factos não provados, deve ser considerada provada? - o contrato de abertura de conta e pedidos de adesão a cartões de crédito e débito padecem de nulidade à luz da LCCG? - a A. age em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ao peticionar o pagamento da quantia objecto do pedido? 3. Fundamentação de facto 3.1. A sentença recorrida considerou: I. Factos provados Em face do objecto da acção, e considerando o princípio do dispositivo – art. 5.º, n.º 1 do CPC – resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:--- 1) O autor é uma instituição de crédito cujo objecto social é constituído pelo exercício da actividade bancária, com certidão permanente com o código de acesso n.º ...21;--- 2) No âmbito da sua actividade, o autor celebrou com o réu, a 3 de Fevereiro de 2020, um Contrato de abertura de conta de Depósitos à ordem com o n.º ...89;--- 3) O réu é, assim, titular de uma conta de depósitos à ordem junto do autor;--- 4) Na mesma data, o réu aderiu ao cartão de crédito ..., o qual ficou adstrito à conta de depósitos à ordem supra referida, tendo ainda celebrado uma convenção de utilização de assinatura digital, onde declarou autorizar o débito na conta de depósitos à ordem para liquidação das quantias mutuadas;--- 5) Conforme extracto bancário emitido pelo autor, datado de 31 de Março de 2020, o réu apresentava à data um saldo devedor na conta à ordem no valor de €24.339,15;- 6) O montante em dívida resulta de movimentos bancários realizados até ao dia 31 de Março de 2020;--- 7) O Réu não procedeu ao pagamento de nenhum montante;--- 8) Os movimentos efectuados na referida conta bancária foram feitos de acordo com as instruções do réu, com o seu conhecimento e no seu interesse, tendo este beneficiado das quantias utilizadas;--- 9) No início do ano de 2020, o réu dirigiu-se ao balcão de ... do autor manifestando o desejo de abrir conta bancária;--- 10) Na sequência de tal, e após recolha dos dados do réu, foi-lhe apresentado para assinatura o contrato de abertura de conta corrente e do pedido de cartões de pagamento;--- 11) De acordo com o verso da ficha de abertura de conta assinada pelo réu, a disponibilização da documentação bancária ao réu foi feita via e-mail para o endereço electrónico indicado pelo réu;--- 12) Posteriormente o réu recebeu os cartões de pagamento e códigos;--- 13) Em 2 de Março de 2020 a conta de deposito à ordem do réu junto da autora apresentava um saldo bancário de €17.127,45;--- 14) Entre os dias 2 e 13 de Março de 2020, o réu realizou diversas operações de pagamento de valor oscilando entre €120,00 e €2.000,00, tendo utilizado o cartão de débito associado à sua conta bancária, e tendo as operações de pagamento sido sistematicamente autorizadas sem que o réu recebesse qualquer contacto ou notificações de alerta de ter ultrapassado o saldo da conta bancária;--- 15) O limite de crédito associado ao cartão de crédito era de €250,00;--- 16) Foram autorizadas operações de pagamento de valores superiores ao saldo da conta bancária associada;--- 17) Quando o réu foi confrontado com o valor negativo do saldo de conta bancária junto do autor alertou a mesma de que tal resultou de erro do sistema e que deveria esta assumir tal situação;- II. Factos não provados Não resultaram provados os seguintes factos:--- A. Que o face à situação de incumprimento verificada, o autor interpelou o réu a 16 de Outubro de 2020, por carta registada com aviso de recepção, para proceder à regularização da totalidade dos valores em dívida, que à data ascendiam a € 24.691,79 num prazo de vinte dias;- B. Que o autor tenha facultado ao réu duplicado do contrato;--- C. Que o réu não estivesse familiarizado com os termos e cláusulas de contrato de abertura de conta de depósitos à ordem, contrato de crédito, pedidos de adesão a cartão de credito e/ou cartão de débito;--- D. Que não fosse intenção do réu a obtenção/ utilização de um cartão de crédito;--- E. Que aquando das operações de pagamento referidas em 15), o réu tenha ficado convicto que ainda possuía saldo bancário positivo;--- 3.2. Patologias da decisão de facto A decisão de facto pode apresentar as seguintes patologias: i) - conter asserções conclusivas, genéricas ou matéria de direito; ii) - revelar-se excessiva; iii) - ser deficiente, obscura ou contraditória; iv) - carecer de ampliação; v) - não estar devidamente fundamentada; vi) - haver erro de apreciação da prova, isto é, pode o tribunal a quo ter dado como provados factos que face à prova produzida deviam ter sido considerados não provados ou vice-versa. As patologias referidas nos pontos i) a v) são de conhecimento oficioso, na medida em que constituem aplicação do direito processual; a patologia referida no ponto vi) carece de ser invocada, mediante impugnação da decisão de facto, referida no art.º 640º do CPC. 3.3. Decisão de facto deficiente 3.3.1. Enquadramento jurídico O n.º 2 do art.º 662º do CPC dispõe que a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; (…)” Quanto à deficiência da decisão de facto, impõe-se distingui-la da ampliação. No Ac. do STJ de 12/05/2016, proc. 2325/12.3TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou-se que é deficiente o enunciado linguístico que expresse um sentido incompleto do respetivo juízo probatório, nos seus próprios termos, não abrangendo naquele a factualidade ali relevante ou não cobrindo, de forma positiva ou negativa, todo o facto enunciado como provado. Actualmente poderá afirmar-se que haverá deficiência quando o tribunal não se pronuncie sobre algum facto integrante dos temas da prova; será caso de ampliação da matéria de facto, quando tiver sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 357). Quer a deficiência, quer a ampliação convocam o tema da seleção dos factos a enunciar, podendo afirmar-se que a mesma tem por objecto os factos relevantes para a boa decisão da causa. Destarte, a decisão de facto será deficiente se não contemplar um juízo probatório de provado ou não provado sobre toda a realidade alegada relevante. 3.3.2. Em concreto Por relevante para a decisão da causa e por constarem dos autos os pertinentes elementos probatórios (documentos que vão assinalados e acordo), impõe-se aditar aos factos provados a seguinte factualidade: 2 A) A 03/02/2020 o R. subscreveu o instrumento junto a fls. 5 dos autos físicos, o qual constitui a “Página 33 de 33”, no qual se mostra aposto no canto superior direito o logotipo da A., denominado “Condições Gerais de Depósitos (Pessoas Singulares (…) n.º de conta ...89” no qual consta: “Tomei (tomámos) conhecimento e declaro (declaramos) aceitar e, por isso, subscrever todo o clausulado do Contrato de Conta de Depósitos à Ordem outorgado com o Banco 1..., SA, constante do Modelo com referência n.º ...8 do qual me foi entregue previamente uma cópia, contendo os seguintes capítulos e anexos: A – Condições Gerais de Contas de Depósito à Ordem B – Condições Gerais de Prestação de Serviços de Pagamento C - Condições Gerais de Contas de Registo e Depósitos de Instrumentos Financeiros e de Intermediação Financeira D – Condições Gerais de Utilização dos Meios de Comunicação à Distância E – Condições Gerais de Crédito Anexo I – Política de Transmissão de Ordens Anexo II – Informação Sobre Riscos Anexo III – Riscos e Regras de Segurança Anexo IV – Preçário” Num total de 33 páginas, incluindo esta, das quais declaro (declaramos) que me (nos) está a ser entregue uma cópia. Mais declaro (declaramos) que em momento anterior à subscrição das presentes Condições Gerais me (nos) foi prévia e tempestivamente entregue um exemplar das mesmas.” 2 B) Na mesma data o R. subscreveu o instrumento junto a fls. 5v.-6v. dos autos físicos, o qual constitui a “Página 33 de 33”, no qual se mostra aposto no canto superior direito o logotipo da A., denominado “Depósito à Ordem – Pessoa Singular (Condições Particulares/Ficha de Assinaturas). 4 A) A 03/02/2020 o R. subscreveu o instrumento junto a fls. 8v.-19 dos autos físicos, no qual se mostra aposto no canto superior direito o logotipo da A., composto de 22 páginas, sendo que: - na pág. 1 consta: “Cartões Banco 1... – Pedido de Adesão” (…) n.º Conta ...89 (…) Identificação do 1º titular – AA (…) Cartão de Crédito (…); - nas páginas 3 a 13 constam as “Condições Gerais de Utilização de Cartões Banco 1... e instrumento de pagamento para transações seguras em comércio eletrónico e serviço MB WAY”. 4 B) A 03/02/2020 o R. subscreveu o instrumento junto a fls. 19v.-29 dos autos físicos, no qual se mostra aposto no canto superior direito o logotipo da A., composto de 22 páginas, sendo que: - na pág. 1 consta: i)“Cartões Banco 1... – Pedido de Adesão” (…) n.º Conta ...89 (…) Identificação do 1º titular – AA (…) Cartão Electron Banco 1... - Débito (…) ii) e imediatamente antes da assinatura do titular, aqui R., a seguinte ”Declaração”: “Declaro(amos), com vista à atribuição e utilização do cartão (…), autorizar o Banco 1... S.A. a debitar a minha(nossa) Conta de Depósito à Ordem, relativamente às utilizações do Cartão que subscrevo(emos) (…).” - nas páginas 3 a 13 constam as “Condições Gerais de Utilização de Cartões de Débito, Crédito, Digitais, Pré-pagos e instrumento de pagamento transações seguras em comércio eletrónico e desmaterializadas baseadas cartão”. 4 D) As condições gerais porque se regem o Contrato de Conta de Depósitos à Ordem e as condições gerais das adesões aos cartões de crédito e débito são pré-elaboradas e não foram objecto de prévia negociação (factualidade considerada provada por alegada na contestação e não impugnada na resposta). 3.4. Decisão de facto contraditória 3.4.1. Enquadramento jurídico Alberto dos Reis in CPC Anotado, IV, pág. 553 referia: “…as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente. (…).“ O actual figurino da decisão de facto não contem respostas, porque hoje não existem quesitos. Mas o ensino do insigne professor é perfeitamente aplicável considerando-se que haverá contradição quando o conteúdo de um dado ponto de facto for incompatível, for a antítese, for o contrário de outro ponto de facto. 3.4.2. Em concreto O recorrente invoca na conclusão LIX que há contradição entre o que consta da alínea B) dos factos não provados e o ponto 11) dos factos provados. Vejamos Consta do ponto 11) dos factos provados: 11) De acordo com o verso da ficha de abertura de conta assinada pelo réu, a disponibilização da documentação bancária ao réu foi feita via e-mail para o endereço electrónico indicado pelo réu;--- E consta da alínea B) dos factos não provados: B. Que o autor tenha facultado ao réu duplicado do contrato;--- Compaginando as duas asserções verifica-se que o ponto 11) se limita a reflectir o que consta do verso da ficha de abertura de conta – que a disponibilização da documentação bancária ao réu foi feita via e-mail para o endereço electrónico indicado pelo réu -, ou seja, reflecte apenas o que consta escrito no contrato, enquanto a alínea B) dá como não provada uma concreta realidade - que o autor tenha facultado ao réu duplicado do contrato. Não há qualquer antítese entre as duas realidades, convivendo ambas sem qualquer desarmonia. Destarte improcede a invocada contradição da decisão de facto. 3.5. Da inutilidade da reapreciação da decisão de facto O recorrente impugna a decisão de facto quanto aos pontos 4) e 11) dos factos provados e às alíneas C), D) e E) dos factos não provados. Dispõe o art.º 130º do CPC que não é licito realizar no processo actos inúteis. Tal normativo tem aplicação à reapreciação da matéria de facto: se a modificação dos pontos de facto impugnados não tiver a virtualidade de, segundo as diversas soluções plausíveis das várias questões de direito, conduzir, de per si ou conjugados com outros factos, à alteração do julgado, não faz sentido proceder à sua reapreciação. Neste sentido o Ac. do STJ de 17/05/2017, processo 4111/13.4TBBRG.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj onde se afirma: “Definido o processo jurisdicional, do ponto de vista estrutural, como uma sequência de actos jurídicos logicamente encadeados entre si, ordenados em fases sucessivas com vista à obtenção da providência judiciária requerida pelo autor (Castro Mendes, Manual de Processo Civil, 1963, pág. 7, e A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed.,1985, pág.11), cabe ao juiz, no âmbito da sua função de direcção e controlo do processo, obviar a que nele sejam produzidos ou produzir actos inúteis. O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelascuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir. Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis. Para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito.” E o Acórdão desta Relação de 11/07/2017, processo 5527/16.0T8GMR.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em cujo sumário consta: I. Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.). Ainda que se alterasse a factualidade subjacente aos pontos 4) e 11) dos factos provados para não provados e às alíneas C), D) e E) dos factos não provados, para provados, tal alteração, como veremos melhor em sede de fundamentação de direito, não conduziria a um resultado diverso do que foi alcançado pela sentença recorrida, pois, em essência, face à factualidade constante do ponto 14) dos factos provados, que o R. não coloca em causa, os movimentos que deram origem ao saldo devedor em causa nos autos foram efectuados através de utilização de cartão de débito e não de cartão de crédito, tornando assim irrelevante a matéria dos pontos 4) e 11) e alínea D) e, face à factualidade constante do ponto 8), que o R. também não impugna, tais movimentos foram feitos de acordo com as instruções do R. e no seu interesse, tendo o mesmo beneficiado das quantias utilizadas, o que torna irrelevante a matéria das alíneas C) e E). Além disso, o R. não indicou quaisquer cláusulas que uma vez excluídas determinassem a nulidade do contrato à luz do art.º 9º, n.º 2 das LCCG – Lei das Cláusulas Contratuais Gerais. Em face do exposto e por manifesta inutilidade não se procede à reapreciação dos pontos 4) e 11) dos factos provados e às alíneas C), D) e E) dos factos não provados. 4. Fundamentação de direito 4.1. A relação jurídica bancária A abertura de conta (a que, por vezes, se chama, “depósito, como adverte Menezes Cordeiro in Direito Bancário I, 7ª edição, pág. 127, nota 209, mas com o qual não se confunde, como alerta Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, pág. 485) é o contrato que se conclui pelo preenchimento de uma ficha, com assinatura e pela aposição da assinatura num local bem demarcado (aut. e ob. cit. pág. 182 e 450), que marca o início de uma relação bancária geral, complexa e duradoura (aut. e ob cit. pág. 181 e 448), regulado por cláusulas contratuais gerais (aut. e ob cit. pág. 181), que funciona como ponto de partida, de “invólucro” dentro do qual cabem e se desenvolvem múltiplas operações bancárias que correspondem as mais das vezes, a outras tantas figuras negociais, típicas ou não. Na expressão de Menezes Cordeiro, ob. cit. pág. 448, a abertura de conta opera como um acto nuclear cujo conteúdo constitui na prática, o tronco comum dos diversos actos bancários subsequentes. No mesmo sentido Engrácia Antunes, ob. cit.pág. 483-484, referindo que “é normalmente (embora não necessariamente) através de um contrato de abertura de conta que é instituída a “relação bancária”; tal relação caracteriza-se por ser uma relação económico-social e jurídica duradoura (destinada a prolongar-se no tempo) e multifacetada (consubstancia uma pluralidade de negócios jurídicos individuais e subsequentes) que é estabelecida entre um banco e o respectivo cliente. Por outro lado, ele é o contrato bancário matriz. Mais do que simplesmente um entre os diversos negócios concluídos entre o banco e o cliente, aquele constitui a convenção bancária nuclear ou básica no sentido em que estabelece o quadro geral de regulação da maioria dos futuros negócios que venham eventualmente a ser celebrados entre as partes: será na órbita da conta bancária instituída por tal contrato – enquanto ”eixo fundamental do comércio bancário” – que gravitarão usualmente os contratos de depósito, cheque, emissão de cartões bancários, empréstimo, crédito ao consumo, e de todos e cada um dos demais contratos bancários individuais que venham porventura a existir subsequentemente.” A abertura de conta permite o acesso a um conjunto de “produtos“ oferecidos pela entidade bancária, ou seja, potencia a prestação, mais ou menos alargada, de uma série de serviços por parte da entidade bancária: o dever de aceitar depósitos, uma convenção quanto ao uso de cheques, o acesso a cartões de débito e de crédito, o dever de emitir extractos, o serviço de caixa – hoje melhor se diria, o serviço de pagamentos - a concessão de crédito mediante descobertos em conta. A abertura de conta, enquanto contrato-quadro ou relação contratual global – José Simões Patrício, in A operação bancária de depósito, pág. 46 e 47 - não dispõe de qualquer regime legal explícito. Ela assente essencialmente, nas cláusulas contratuais gerais dos bancos e nos usos bancários. Dois dos aspectos relevantes no contrato de abertura de conta é a conta corrente bancária e o giro bancário (Menezes Cordeiro, ob. cit. pág. 451). Refere Carlos Ferreira de Almeida in O contrato de conta corrente e a conta corrente bancária, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol II, pág. 37: “Meio indispensável para a execução do contrato bancário geral é a conta corrente, registo contabilístico onde o banco inscreve cronologicamente créditos e débitos originados pelas diferentes operações que venha a realizar com o cliente e que revela o saldo da posição deste. A conta corrente é, portanto, elemento necessário do contrato bancário geral.” A conta-corrente bancária é uma conta corrente no sentido do art.º 344º do CCom, celebrada entre o banqueiro e o seu cliente e incluída no contrato de abertura de conta com as seguintes especialidades (seguimos em essência Menezes Cordeiro, ob. cit. pág. 476): 1) reporta-se, apenas, a movimentos em dinheiro (a débito e a crédito); 2) inclui-se num negócio mais vasto, que é a abertura de conta; 3) postula uma emissão contínua de saldos: estes surgem sempre que alguma remessa seja levada á conta; 4) salvo convenção em contrário, o banqueiro nunca surge como credor: o saldo deve ser favorável ao cliente ou, no máximo, igual a zero; 5) o cliente pode dispor permanentemente do seu saldo; 6) pressupõe um dever do banqueiro de a organizar e apresentar; 7) dá lugar a extratos, a emitir pelo bancário e cuja aprovação pelo cliente, em regra tácita, consolida os movimentos dele constantes. A “especialidade” referida em 4) também é assinalada por Engrácia Antunes, ob. cit. pág. 492 afirmando que a conta corrente “regista apenas saldos neutros ou credores a favor do cliente (salvo convenção em contrário, v.g. descoberto em conta).” A conta corrente bancária tem subjacente a prestação do “serviço de caixa” ou “giro bancário”, ou seja, o conjunto de operações escriturais (sem circulação material de dinheiro), ordenadas ou solicitadas pelo cliente, de levantamento de fundos, realização de pagamentos, transferências (débito, desde que exista disponibilidade de fundos na conta ou desde que a instituição de crédito aceite o descoberto em conta) ou cobrança de valores (crédito). Relativamente aos pagamentos e transferências impõe-se uma breve análise do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Electrónica, anexo ao DL 91/2018, de 12 de Novembro (sobre esta matéria vd. Miguel Pestana de Vasconcelos in A Responsabilidade do Banco por Operações de Pagamento Não Autorizadas no Online Banking, Decorrente do Novo Regime de Serviços de Pagamento (RSP II), Julgar n.º 42 – 2020, pág. 191 e segs.) O referido Regime contém no art.º 2º várias definições, de entre as quais relevam as seguintes: “(…) aa) «Instrumento de pagamento» um dispositivo personalizado ou conjunto de procedimentos acordados entre o utilizador e o prestador de serviços de pagamento e a que o utilizador de serviços de pagamento recorra para emitir uma ordem de pagamento; bb) «Instrumento de pagamento baseado em cartões» um instrumento de pagamento, incluindo cartões, telemóveis, computadores ou outros dispositivos tecnológicos que contenham a aplicação de pagamento adequada, que permite ao ordenante iniciar uma operação de pagamento baseada num cartão, com exceção de transferências a crédito e de débitos diretos na aceção do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 260/2012, de 14 de março de 2012; (…) ii) «Operação de pagamento» o ato, iniciado pelo ordenante ou em seu nome, ou pelo beneficiário, de depositar, transferir ou levantar fundos, independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o ordenante e o beneficiário; jj) «Operação de pagamento baseada num cartão» um serviço baseado na infraestrutura e nas regras comerciais de um sistema de pagamento com cartões para efetuar operações de pagamento por meio de cartões, dispositivos ou programas de telecomunicações, digitais ou informáticos, que dá origem a uma operação com cartões de débito ou de crédito. As operações de pagamento baseadas em cartões excluem as operações baseadas noutros tipos de serviços de pagamento. kk) «Operação de pagamento remota» uma operação de pagamento iniciada através da Internet ou através de um dispositivo que possa ser utilizado para comunicação à distância; ll) «Ordem de pagamento» uma instrução dada por um ordenante ou por um beneficiário ao seu prestador de serviços de pagamento requerendo a execução de uma operação de pagamento; mm) «Ordenante» uma pessoa singular ou coletiva que é titular de uma conta de pagamento e que autoriza uma ordem de pagamento a partir dessa conta, ou, na ausência de conta de pagamento, uma pessoa singular ou coletiva que emite uma ordem de pagamento. (…)” De referir, como assinala Menezes Cordeiro, in ob. cit. pág. 492, a abstracção da operação de pagamento, ou seja, não releva para a mesma a relação que lhe está subjacente e, assim, a validade ou invalidade da mesma. A execução de operações de pagamento consiste na realização de depósitos, transferências e levantamentos de fundos, sendo que a execução destes atos passa por inscrições a crédito ou a débito nas contas de pagamento do ordenante ou do beneficiário: “(…) quando o ordenante deposita fundos numa conta de pagamento, esta é movimentada a crédito, no montante correspondente (…), sendo movimentada a débito em caso de levantamento (…). Nos casos de transferência de fundos, e independentemente de quem iniciou a operação, a conta do ordenante é debitada e a conta do beneficiário é creditada” (cfr. Francisco Mendes Correia in Moeda Bancária e Cumprimento: o Cumprimento das Obrigações Pecuniárias Através de Serviços de Pagamento, Almedina (Coleção Teses), 2018, pág. 702). As operações de pagamento baseadas em cartões permitem a realização de transferência de fundos, que constitui a operação de pagamento mais relevante, a qual é efetuada de forma escritural, ou seja, mediante a inscrição a débito na conta de origem dos fundos e subsequente inscrição a crédito do montante na conta de destino. O art.º 4º do citado regime indica as operações que integram os “Serviços de pagamento”, relevando aqui as seguintes: c) Execução de operações de pagamento, incluindo a transferência de fundos depositados numa conta de pagamento aberta junto do prestador de serviços de pagamento do utilizador ou de outro prestador de serviços de pagamento, tais como: i) Execução de débitos diretos, incluindo os de carácter pontual; ii) Execução de operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou de um dispositivo semelhante; iii) Execução de transferências a crédito, incluindo ordens de domiciliação; d) Execução de operações de pagamento no âmbito das quais os fundos são cobertos por uma linha de crédito concedida a um utilizador de serviços de pagamento, tais como: i) Execução de débitos diretos, incluindo os de carácter pontual; ii) Execução de operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou de um dispositivo semelhante; iii) Execução de transferências a crédito, incluindo ordens de domiciliação; O art.º 5º contem uma delimitação negativa dos referidos serviços. Não releva aqui a sua análise. Relativamente às operações de pagamento abrangidas por um contrato-quadro (que a alínea i) do art.º 2º define como: “um contrato de prestação de serviços de pagamento que rege a execução futura de operações de pagamento individuais e sucessivas e que pode enunciar as obrigações e condições para a abertura de uma conta de pagamento”), o art.º 97º dispõe que “[a]pós a execução de uma operação de pagamento individual, o prestador de serviços de pagamento do beneficiário presta ao beneficiário, (…) a seguinte informação: a) Uma referência que permita ao beneficiário identificar a operação de pagamento e o ordenante, e as informações transmitidas com a operação de pagamento; b) O montante da operação de pagamento, na moeda em que a conta de pagamento do beneficiário é creditada; c) O montante dos encargos da operação de pagamento e, se aplicável, a respetiva discriminação, ou os juros que o beneficiário deva pagar; d) Se for caso disso, a taxa de câmbio aplicada à operação de pagamento pelo prestador de serviços de pagamento do beneficiário, bem como o montante da operação de pagamento antes dessa conversão cambial; e) A data-valor do crédito. As referidas obrigações cumprem-se com a apresentação do extracto (o que, diga-se, foi cumprido no caso dos autos). O citado Regime contempla uma secção cuja epígrafe é “Autorização de operações de pagamento” que se inicia no art.º 103º em cujo n.º 1 se dispõe que “[u]ma operação de pagamento ou um conjunto de operações de pagamento só se consideram autorizados se o ordenante consentir na sua execução”, dispondo o n.º 2 que “[o] consentimento deve ser dado previamente à execução da operação, salvo se for acordado entre o ordenante e o respetivo prestador do serviço de pagamento que o mesmo seja prestado em momento posterior.”, o n.º 3 que “[o] consentimento deve ser dado na forma acordada entre o ordenante e o respetivo prestador do serviço de pagamento.”, o n.º 5 que “[n]a falta do consentimento referido nos números anteriores, considera-se que a operação de pagamento não foi autorizada.” A expressão consentimento deve ser interpretada, em consonância com a alínea ll) do art.º 2º, com o sentido de “instrução” ou “ordem”. Destarte, a realização de uma operação de pagamento depende exclusivamente do ordenante. Não está invocado nos autos que as operações a débito não foram autorizadas pelo R. (pelo contrário, como resulta do ponto dos factos provados), pelo que não cabe aprofundar a questão. Neste ponto e no que releva para os autos, importa considerar dois negócios associados à abertura de conta: a emissão de cartão de débito e a concessão de crédito por descoberto em conta. O cartão de débito está associado a uma conta de pagamento (uma conta de depósito à ordem) e permite levantar numerário, fazer pagamentos, consultas, realizar transferências bancárias e outras operações, que globalmente se traduzem numa “transferência de fundos” e que vem a ser inscrita a débito na referida conta. Quando um cartão de débito é utilizado, o saldo da conta associada é, de imediato ou quase de imediato, debitado, “subtraído”, pelo valor correspondente. E diz-se “de imediato ou quase de imediato” uma vez que o sistema que permite a transmissão de todas as informações necessárias à realização das operações poderá não estar conectado (funcionar em rede) entre o ponto – Multibanco, computador ou telemóvel - onde é dada a ordem de transferência de fundos (entendida em geral) e o ponto – computador central da entidade bancária - onde se situa a conta do ordenante, situação em que se afirma que o sistema está off-line, não permitindo a realização da operação em tempo real – de imediato –, só sendo aquela ordem de transferência de fundos apresentada ao ponto em que se situa a conta do ordenante em momento posterior (vd. Maria Raquel Guimarães, ob. cit. pág. 89). O sistema funcionará on-line sempre que a ligação em rede (entre o ponto de origem da ordem de pagamento e o computador central) permita a realização da operação em tempo real. (vd. Maria Raquel Guimarães, ob. cit. pág. 89). Os sistemas off-line, uma vez que não permitem a realização de operações em tempo real, não originam de imediato, e em sentido próprio, uma transferência electrónica de fundos, mas antes uma transferência de informações, para um terminal de computador. A ordem só é executada em momento posterior, eventualmente de forma electrónica, mas sempre numa segunda fase do procedimento, depois de as informações gravadas no terminal serem tratadas por um computador central. Diferentemente, funcionando o terminal em linha com um computador central, não existe qualquer espaço temporal relevante entre o momento em que a ordem de débito ou crédito é dada e o momento da sua execução. Neste caso, as operações de débito e de crédito, respectivamente das contas bancárias do devedor e do credor do pagamento são instantâneas e simultâneas. (cfr. Maria Raquel Guimarães, ob. cit. pág. 90). Funcionando o sistema on-line no momento em que o utente acciona um terminal electrónico, um computador central vai apurar da regularidade da operação solicitada, nomeadamente vai confrontar o montante que o titular do cartão pretende ver transferido com o saldo da sua conta (…). Feita(…) esta(…) verificaç[ão], o computador central emite de imediato uma ordem de autorização ou rejeição da operação solicitada, que irá ser cumprida pelo terminal local (cfr. Maria Raquel Guimarães, ob. cit. pág. 91). O sistema off-line potencia a possibilidade de realização de operações de pagamento através de terminais electrónicos sem que a conta bancária à qual está associada disponha de provisão suficiente, gerando assim um descoberto em conta (cfr. Maria Raquel Guimarães, ob. cit. pág. 94). Honrando o banco as operações de pagamento ordenadas pelo cliente e gerado um descoberto em conta, o titular do cartão de débito está obrigado à reposição da quantia usufruída. O Aviso do Banco de Portugal n.º 11/2001, consultável in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/cartas-circulares//11-2001a.pdf, define o «Cartão de débito» como qualquer instrumento de pagamento, para uso electrónico, que possibilite ao seu detentor (adiante designado por titular) a utilização do saldo de uma conta de depósito junto da instituição de crédito que emite o cartão (a seguir designada por emitente), nomeadamente para efeitos de levantamento de numerário, aquisição de bens ou serviços e pagamentos, quer através de máquinas automáticas quer em estabelecimentos comerciais. Como resulta dos art.ºs 3º e 4º do referido Aviso, a emissão de cartão de cartão de débito é objecto de um acordo próprio, também ele regido por cláusulas contratuais gerais. Assim consta dos mesmos: 3.º As relações entre os emitentes e os titulares de cartões devem ser reguladas por contrato escrito (a seguir designado por contrato). 4.º O contrato pode assumir a forma de contrato de adesão, podendo, neste caso, o contrato ser constituído pelas condições gerais de utilização com carácter mais estável e por um anexo donde constem as condições susceptíveis de mais frequente modificação. No entanto e nos termos do art.º 6º “Sem prejuízo de outras normas aplicáveis, nomeadamente quanto aos contratos que assumam a forma de contrato de adesão do regime jurídico aplicável às cláusulas contratuais gerais, os documentos contratuais devem estabelecer todos os direitos e obrigações das partes contratantes”, referindo depois um conjunto de aspectos que devem ser objecto do contrato, nomeadamente: “(…) 8) As taxas de juro aplicáveis para as utilizações a descoberto de cartões de débito, se permitidas, ou o método utilizado para a sua determinação; (…) 11) As formas e os prazos de pagamento dos saldos em dívida; (…)” Quanto ao descoberto em conta, na definição de Menezes Cordeiro, ob. cit. pág. 451 e 610, é a situação que se gera quando, numa conta-corrente subjacente a uma abertura de conta, o banqueiro admita um saldo a seu favor. E refere Engrácia Antunes, in ob. cit. pág. 506 que “ao tolerar ou consentir que o cliente efectue levantamentos, emita cheques ou realize outras operações passivas que o saldo disponível não permite, deixando assim, temporariamente a conta “a descoberto”, o banco está a praticar uma forma especial de concessão de crédito de curto-prazo.” E Menezes Cordeiro, in ob. cit. pág. 610, refere que o descoberto pode ser “consequência automática de outros dispositivos: por exemplo, lançamento de despesas, lançamento de movimentos automáticos concretizados com o ATM off line …” Engrácia Antunes in ob. cit. pág. 506-507 refere que a o descoberto “pode ter origem num acordo prévio e expresso – autorizando “ex contractu” a movimentação a débito da conta em saldo negativo (correntemente designado “descoberto em conta-corrente (…)” ou antes um mero acordo tácito – resultante de actos de consentimento de descobertos em conta pontuais para fazer face a necessidades momentâneas ou imprevistas, v.g., para a execução de uma dada ordem de transferência ou de pagamento domiciliado (denominado “crédito de tesouraria”, facilidade de caixa “ (…)” Na segunda situação, o banco consente na disponibilização, a favor do cliente com quem celebrou um contrato de abertura de conta, de fundos necessários à cobertura das responsabilidades apresentadas por aquele, em momentos em que a respectiva conta à ordem não está provisionada. Consiste numa situação acidental, derivada de operações anteriores de natureza mais ou menos diversa e variada e independente de qualquer contrato escrito ou formalidade, sendo, no entanto, o seu reembolso exigível, por parte do banqueiro, em toda e qualquer ocasião. Por outro lado, e da parte do titular da conta, ao dar ordens de pagamento através de um cartão de débito, que excedem o saldo disponível da conta, dá, “por uma conduta social típica, um sinal claro no sentido da aceitação do descoberto, que deve[…] reembolsar.” (Menezes Cordeiro, ob. cit. pág. 610), conduta social típica aqui que respeita à utilização do cartão de débito dentro das respectivas finalidades. Nos termos do disposto no art.º 363º do C Com as operações de banco regular-se-ão pelas disposições especiais respectivas dos contratos que representarem, ou em que a final se resolverem. Do ponto de vista substancial o descoberto em conta traduz-se numa forma de concessão de crédito, pelo que há-de ser tratado como tal. Neste sentido o Ac. do STJ de 07/10/2010, processo 283/05.0TBCHV.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj sumariado nos seguintes termos: “(…) 3. O descoberto em conta é uma operação de crédito, uma forma de concessão de crédito, que ocorre, tipicamente, quando se verifiquem dificuldades acidentais de tesouraria para cuja solução o banco consente ou tolera um saldo negativo na conta do cliente. 4. Se a conta ficar a descoberto e o banco pagar para além dos limites do seu saldo positivo, ele torna-se credor do depositante, financiando-o. Ficando-se perante um novo contrato emergente de um acto que o banco praticou, no qual – e regido que é pelas regras típicas do mútuo – se mudam os termos da relação obrigacional: quem é credor é o próprio banco que financiou o depositante. 5. Ainda que se não esteja perante um acordo bilateral expresso de vontades, no que respeita ao dito financiamento, estamos perante relações contratuais de facto, assentes em puras actuações de facto: as relações entre o banco e o cliente resultam de um comportamento típico de confiança, que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, ficando tal relação sujeita ao regime do contrato de mútuo. 6. O descoberto em conta, em si mesmo, tem relevância jurídica conferindo ao banco o direito à restituição da quantia adiantada ao cliente e a este a obrigação de a restituir. (…)” 4.2. Cláusulas contratuais gerais A banca é um dos sectores de actividade em que impera a utilização de cláusulas contratuais gerais, como corolário das exigências de normalização, rapidez e simplicidade (cfr. Menezes Cordeiro, Direito Bancário I, 7ª edição, pág.110-111 e 139). A LCCG só é aplicável quando a factualidade provada permita concluir que se está perante uma cláusula contratual geral, como dispõe o art.º 1º do diploma legal que as regula - DL n.º 446/95, de 25 de Outubro: 1. As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma. 2. O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar. (…) O citado diploma não define o que são cláusulas contratuais. Mas quer o já citado art.º 1º, quer o art.º 2º da mesma LCCG, dão contributos nesse sentido, dispondo o último: O artigo anterior abrange, salvo disposição em contrário, todas as cláusulas contratuais gerais, independentemente da forma da sua comunicação ao público, da extensão que assumam, ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as informe ou de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros. Com base nestes dois normativos é possível delimitar as características que as identificam: a) tratam-se de cláusulas pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha; b) apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários (Almeida e Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 17). Ainda no que respeita às características das cláusulas contratuais gerais, podemos considerar: - a generalidade – visam um conjunto, um colectivo de indivíduos e não apenas um individuo (o n.º 2 do art.º 1º abriu uma brecha no que a esta característica diz respeito, uma vez que prevê que as cláusulas contratuais gerais podem surgir em contratos individualizados, cujo conteúdo, previamente elaborado, o destinatário não pôde influenciar); - a indeterminação – pode ser maior ou menor, bem podendo acontecer estarem determinados os indivíduos que compõem o conjunto ou colectivo (também em relação a esta característica, o n.º 2 abriu uma brecha, ao prever que as cláusulas contratuais gerais podem surgir em contratos individualizados); - a pré-elaboração – a cláusula mostra-se elaborada antes ou independentemente de qualquer negociação com o destinatário; - a não negociação – os destinatários limitam-se a subscrevê-las ou aceitá-las, ou não, sem possibilidade de influenciar o respectivo conteúdo, ou, dito de outra forma, ao destinatário não é dada a possibilidade de participar activamente na discussão do conteúdo da cláusula e na decisão de a incorporar no contrato; o destinatário é livre de aceitar ou não; mas aceitando, é “forçado” a aceitar o clausulado tal como ele se apresenta. Não será assim se, quem invoca a existência de um contrato de adesão, interveio nas negociações com o alegado proponente e pôde discutir e contribuir para moldar o conteúdo contratual. Em face do exposto, a pré-elaboração e a não negociação / rigidez passaram a ser as características determinantes das cláusulas contratuais gerais. Nos termos do disposto no art.º 4º do DL n.º 446/95, de 25 de Outubro – diploma que, diga-se, não se aplica apenas às relações de consumo -, as cláusulas contratuais gerais inseridas em propostas de contratos singulares incluem-se nos mesmos, para todos os efeitos, pela aceitação. Ou seja, as cláusulas contratuais gerais, pese embora a sua especificidade, não deixam de ser estipulações jurídico negociais; mas a sua incorporação no contrato singular e vigência pressupõe a sua aceitação, ninguém podendo considerar-se vinculado relativamente ao que não conhece ou conhece deficientemente. Uma vez que as cláusulas contratuais gerais não são fruto da livre negociação desenvolvida entre as partes, já que estão elaboradas de antemão e são objecto de simples subscrição ou aceitação pela parte a quem são propostas, para que se verifique a efectiva inclusão no contrato singular, a lei prescreve diversas cautelas tendentes a assegurar o seu efectivo conhecimento pela parte que se limita a subscrevê-las e a defendê-la da sua irreflexão, natural em tais circunstâncias (controlo de inclusão), as quais constam dos artigos 5º e 6º do DL 446/85, de 25 de Outubro, onde se faz recair sobre o proponente o dever de comunicação do teor das cláusulas, o dever de informação sobre os aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, e o dever de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados. Assim, dispõe o art.º 5º: 1 – As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las. 2 – A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. 3 – O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais. E dispõe o art.º 6º: 1 – O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique. 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados. O dever de comunicação tem duas vertentes: - por um lado, o proponente deve comunicar na íntegra à outra parte as cláusulas contratuais gerais de que se sirva – art.º 5º n.º 1; - por outro lado, ao fazer esta comunicação, deve realizá-la de modo adequado, idóneo e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência (a necessidade de proporcionar à contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respectivo conteúdo – Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2ª edição, 2005, pág. 234 ) – art.º 5º n.º 2. Querendo-se estimular o proponente a bem cumprir esse dever, o n.º 3 desse artigo faz recair sobre ele o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva. A comunicação não só deverá ser completa, como deverá ser idónea à produção de um certo resultado: tornar possível o efectivo conhecimento das cláusulas pela contraparte (cfr. Almeno de Sá, ob. cit., pág. 60). É neste sentido que se afirma – Almeida e Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 25 – que o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável. Neste ponto refira-se o n.º 2 do art.º 5º: a idoneidade, adequação ou razoabilidade da forma de comunicação depende da importância do contrato e da extensão e complexidade das cláusulas. Ou seja, o utilizador, para além de ter de se preocupar em dar conhecimento das cláusulas, há-de preocupar-se também com o modo como dá cumprimento a essa exigência (Almeno de Sá, ob. cit. pág. 60), ou seja, deve a transmissão das cláusulas ser concretizada de tal modo e com tal antecedência que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do aderente. Não basta, neste contexto, a pura notícia da existência de cláusulas contratuais gerais, nem a sua indiferenciada transmissão (aut. e ob. cit. pág. 234). E, como refere José Manuel Araújo de Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, pág. 61, as características da comunicação referidas no n.º 2 do art.º 5º actuam em bloco, ou seja, é “da ponderação conjunta de todas elas que, em determinado caso concreto, se concluirá estar ou não cumprido o dever de comunicação adequado”, concluindo (pág. 62) que “só uma ponderação casuística, que englobe todos os aspectos supra apontados, cumpre o critério finalisticamente plasmado.“ Refere Ana Prata, in Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2ª edição, 2021, pág. 243, “O conteúdo concreto da obrigação de comunicação depende do tipo de contrato, das circunstâncias da conclusão dele, do seu objecto e conteúdo, da natureza e preparação das partes que nele intervêm. Trata-se de obrigação de extensão e intensidade variáveis, em função da condição relativa das partes, da complexidade (quer jurídica, quer técnica) do conteúdo contratual, bem como de outras circunstâncias da concreta situação em que o contrato é concluído.”. Relativamente ao contrato, como medida do concreto dever de comunicação, avultam circunstâncias como o facto de estarem em causa cláusulas que estabelecem prestações pecuniárias de valor elevado, a duração do vínculo, a extensão e complexidade, jurídica ou técnica, das cláusulas, devendo ser salientadas as cláusulas de maior gravidade para o aderente. Circunstâncias que poderão levar a considerar que o dever de comunicação pode ser colocado em grau mínimo, está o facto de as partes já terem celebrado contratos semelhantes e a contraparte ter adquirido, em momento anterior, inequívoco conhecimento do respectivo clausulado. Inversamente, quando as partes não celebraram, antes, qualquer contrato semelhante, o dever de comunicação assume um grau elevado. Como refere Almeno de Sá, in ob. cit., pág. 61, “a imposição ao utilizador deste ónus de comunicação tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adopção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível. Tal conduta afere-se por um critério abstracto da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa.” Ao proponente cabe propiciar à contraparte a possibilidade de conhecimento efectivo das cláusulas contratuais gerais, em termos tais que aquela não tenha, para o efeito, que desenvolver mais do que a comum diligência. No que respeita à disponibilização do documento em que se encontram inscritas as cláusulas contratuais gerais, importa ter em consideração que grande parte dos contratos que contêm CCG são extensos e complexos, pelo que se impõe que tal disponibilização seja feita, de tal modo e com tal antecedência, que abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento pela contraparte, isto é, que seja possível à contraparte, não usando mais do que a “comum diligência”, tomar efectivo conhecimento das cláusulas. Destarte, disponibilizado, com a necessária e adequada antecedência, face à importância do contrato e da extensão e complexidade das cláusulas, impõe-se à contraparte fazer uso da comum diligência para tomar conhecimento efectivo do seu conteúdo. Mas não constitui requisito da integração num contrato concreto o conhecimento completo e efectivo das cláusulas. Se as cláusulas forem comunicadas de modo adequado e com a antecedência necessária e o destinatário nada fizer para as conhecer, como lhe cabe, nomeadamente, mas não só, recebendo e lendo o documento que lhe é apresentado, estas integram o contrato (cfr. Jorge Morais de Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 6ª edição, pág. 127, sendo o sublinhado nosso). Daqui decorre que se as cláusulas forem comunicadas de modo adequado e com a antecedência necessária, o aderente não pode invocar a sua falta de diligência em obter o conhecimento efectivo. Neste sentido o Ac. da RP de 23/09/2010, proc. 1582/07.1TBAMT-B.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp afirma-se que “apesar de a lei impor ao contraente que impõe as cláusulas o ónus de as comunicar ao outro contraente, exige-se também que este adopte um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo dessas cláusulas.” E o Ac. da RL de 24/04/2018, proc. 4/17.4T8PDL-A.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl em cujo sumário consta: A imposição ao utilizador do ónus de comunicação das ccg tem como correlativo, do lado do aderente, a necessidade de adoção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível, a qual se afere à luz do critério abstrato da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa. A comunicação, enquanto pressuposto da incorporação, há-de logicamente ser feita na conclusão do contrato ou na fase a ela conducente e há-de ser feita ao aderente concreto. De referir que eventuais anexos, para que os contratos remetam, mas que não integrem os contratos e não estejam assinados pelos contraentes, devem considerar-se excluídos dos mesmos, à luz do art.º 8º, alínea d) da LCCG. Tem-se colocado a questão da relevância das cláusulas / menções do aderente de que tomou conhecimento de todas as cláusulas que constam do contrato, usualmente designadas de “cláusulas confirmatórias”. Segundo Almeno de Sá, ob. cit. pág. 246, trata-se de uma cláusula “através da qual se atesta que a contraparte do utilizador concorda com a inclusão no contrato de determinadas condições gerais, sem atender minimamente aos requisitos de incorporação legalmente exigidos”, cláusula que elimina “as exigências legais que recaem sobre o utilizador para que a celebração de determinado contrato implique simultaneamente a vigência das condições gerais por ele visadas.” E quanto ao seu valor refere in ob. cit. pág. 246-247 que “não basta a existência de uma declaração de concordância ou aceitação do cliente; é ainda necessário, desde logo, que o utilizador lhe tenha comunicado as condições gerais e lhe tenha proporcionado a possibilidade de um conhecimento real do respectivo conteúdo. Deste modo, [uma tal cláusula] infringe, logo por aqui, as normas imperativas contidas nos art.ºs 4º e seguintes da lei das cláusulas contratuais gerais, atinentes à incorporação das condições no contrato singular. De resto, para lá da própria contrariedade às imposições da referida lei, [uma tal cláusula] está, in nuce, destituída de qualquer relevância jurídica, não podendo aspirar a produzir efeitos práticos, pois isso só poderia suceder depois da efectiva conclusão do contrato singular com inclusão das (…) condições gerais – inclusão que pressup[õe], logicamente a observância dos preceitos contidos nos art.ºs 4º e seguintes. Por outro lado, uma cláusula deste tipo (…) não pode certamente “eliminar” a regra que faz recair sobre o [utilizador] o ónus da prova da comunicação adequada e efctiva (cfr. art.º 5º, n.º 3). (…) Não é pois, possível reconhecer-lhe eficácia constitutiva, susceptível de a fazer funcionar como substituto da condordância da contraparte com a vigência das condições gerais tidas em vista pelo utilizador ou como sucedâneo da verificação dos pressupostos legais de incorporação no contrato singular. E José Manuel Araújo Barros, ob cit., pág. 68: “Por ser de comum utilização, convém alertar para pretenso sucedâneo da obrigação de comunicação das cláusulas. Reportamo-nos à inclusão em um contrato da menção de que o aderente tomou conhecimento de todas as cláusulas dele constantes. Típica situação de gato escondido com rabo de fora. Desde logo, porque se impõe demonstrar que mesmo essa anotação foi comunicada. Depois, porque ainda que o aderente tenha tomado conhecimento desta, tal não significa que lhe tenham sido comunicadas as restantes cláusulas. […] A consciência da subscrição dessa menção, que também vale como um alerta, deverá seguramente ser valorado nos termos do n.º 2 do art.º 5, podendo constituir um princípio de prova de ter sido cumprida a obrigação de comunicação, nomeadamente contribuindo para ajuizar da diligência do aderente. Mas nada mais do que isso. […]” E mais à frente: “Outra [questão] será a questão da sua [de tal cláusula] validade, que contende com o saber se a mesma não será proibida, nos termos do art. 21-e, por atestar conhecimentos das partes relativas aos contratos […], Mesmo que se entenda que tal cláusula é nula, como parece ser […]” [volta a referir a questão em anotação art. 21-e, pág. 314] Ana Prata, in ob. cit., pág. 256 também afirma a irrelevância de uma cláusula como a referida. Jorge Morais de Carvalho, in ob. cit. pág. 128 afirma que não é “suficiente que o aderente assine um documento previamente elaborado em que ele admita terem sido cumpridas as exigências legais no que respeita à comunicação e ao esclarecimento das cláusulas…” Também a jurisprudência, ainda que de forma não unânime, vem colocando em causa o referido tipo de declaração / cláusula. Assim o Ac. da RL de 28/06/2012, proc. 2527/10.7TBPBL.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, sumariou-se a decisão quanto à questão em referência nos seguintes termos: II – A cláusula em que o aderente declara conhecer e aceitar as cláusulas contratuais gerais constantes do verso do documento que está assinar é uma cláusula de confirmação que não substitui a necessidade de comunicação de tais cláusulas, pelo que, não se provando esta, tais ccg serão excluídas também por força do art. 8/d) da LCCG. Também o Ac. da RL de 14/09/2017, proc. 9065/15.0T8LSB.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl sumariou-se a decisão quanto à questão em referência nos seguintes termos: I– As cláusulas que dizem que os aderentes tiveram conhecimento e aceitaram as CCG (cláusulas confirmatórias ou de confirmação) têm, quando muito e observada que seja uma série de exigências, um valor de princípio de prova da comunicação dessas CCG, que teria de ser corroborado por outros meios de prova. No Ac. da RE de 22/10/2020, proc. 641/08.8TBPSR-A.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre sumariou-se a decisão quanto à questão em referência nos seguintes termos: 4. A mera cláusula geral afirmando que “se tomou conhecimento” do contrato não substitui [os deveres de comunicação] e é absolutamente proibida nas relações com consumidores finais. No Ac. da RL de 27/05/2021, proc. 12753/19.7YIPRT.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl sumariou-se a decisão quanto à questão em referência nos seguintes termos: 2.–As cláusulas que dizem que os aderentes tiveram conhecimento e aceitaram as CCG (cláusulas confirmatórias ou de confirmação) têm, quando muito e observada que seja uma série de exigências, um valor de princípio de prova da comunicação dessas CCG, que teria de ser corroborado por outros meios de prova. 3.– A simples existência de uma cláusula de confirmação, aposta no rosto assinado do documento, não é sequer prova da comunicação da existência das CCG existentes no verso do documento. No Ac. do STJ de 04/05/2017, proc. 1961/13.5TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj sumariou-se a decisão quanto à questão em referência nos seguintes termos: VI. A inserção no documento de confirmação do contrato de permuta de taxa de juro, antes da respectiva assinatura, de uma cláusula de feição manifestamente pré determinada e padronizada, segundo a qual o aderente declara estar plenamente conhecedor do conteúdo e do risco da operação, confessando terem sido prestados pelo banco todas as informações e esclarecimentos solicitados para tomada consciente da decisão de contratar, nomeadamente o facto de o aderente , no caso de evolução desfavorável das condições de mercado, poder registar uma perda financeira líquida com a operação não pode ter o efeito de desvincular o Banco do ónus de demonstrar o cumprimento adequado do dever de informação, cominado imperativamente pela norma do nº 3 do art. 5º do DL446/85 – valendo apenas (nos casos em que tal cláusula não é absolutamente proscrita, por se estar no domínio das relações com consumidores) como elemento sujeito a livre apreciação das instâncias. Finalmente importa não olvidar que o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Ac. de 18/12/2014, proc. C‑449/13, consultável no sitio do TJUE, concluiu: 1) As disposições da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho, devem ser interpretadas no sentido de que: – por um lado, se opõem a uma legislação nacional segundo a qual o ónus da prova da não execução das obrigações previstas nos artigos 5.° e 8.° da Diretiva 2008/48 recai sobre o consumidor e, – por outro, se opõem a que, em razão de uma cláusula‑tipo, o julgador deva considerar que o consumidor reconheceu a plena e correta execução das obrigações pré‑contratuais que incumbem ao mutuante, uma vez que assim tal cláusula implica uma inversão do ónus da prova da execução das referidas obrigações suscetível de comprometer a efetividade dos direitos reconhecidos pela Diretiva 2008/48. Passados em revista estes contributos, podemos concluir que não deve ser atribuída qualquer relevância a uma declaração / cláusula confirmatória sinteticamente pelos seguintes fundamentos. Em primeiro estando em causa uma declaração, tratar-se-á de uma declaração de ciência, que apenas se prova a si mesma, mas não prova a realidade do conteúdo, sendo certo que em tal declaração / cláusula participa do perigo de desconhecimento que está na base da LCCG. Em segundo lugar, seja declaração ou cláusula, a sua admissibilidade tornaria completamente inútil o art.º 5º n.º 1 da LCCG - o qual, repita-se, não se aplica apenas às relações de consumo – e, dessa forma, todo o programa jurídico, económico e social subjacente à LCCG. Em terceiro lugar seja declaração ou cláusula, a sua admissibilidade determinaria uma inversão do ónus da prova e, dessa forma, anularia o art.º 5º n.º 3 da LCCG, que se tem como norma imperativa (note-se que se o art.º 344º n.º 1 do CC admite a inversão do ónus da prova mediante “convenção (…) nesse sentido”, exige que essa convenção seja “válida”, o que não se pode ter como verificado in casu por violação de norma que se tem por imperativa). De referir que o legislador, para além do enunciado genérico do art.º 5º e que, depois, tem tradução, na alínea a) do art.º 8º (Consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º), concretizou nas alíneas c) e d) do art.º 8º duas situações às quais está subjacente a violação do dever de comunicação: c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real; d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes. A remissão para documentos não assinados pelos contraentes deve ter o regime da alínea d) do art.º 8º. Quanto ao dever de informação (que complementa o dever de comunicação), já resultava do principio geral da boa fé plasmado no art.º 227º do CC que, durante a fase pré-contratual, fossem prestados os esclarecimentos necessários a um exercício idóneo da autonomia privada. Esse dever surge enfatizado no art.º 6º da LCCG, impondo que quem as utiliza deve, além de comunicar as cláusulas, informar o aderente do seu significado e implicações, sendo a intensidade e o modo de executar esse dever função do caso concreto, tendo em consideração as necessidades do homem médio, colocado na situação concreta. O dever de informação tem em vista proporcionar a compreensão da mensagem subjacente à ou às cláusulas, a sua eficaz apreensão, o conhecimento efectivo da mesma e recairá sobre os aspectos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique, tendo em conta a importância do contrato, a extensão e complexidade das cláusulas, o facto de haver ou não relações anteriores, o aderente ser uma empresa ou um consumidor final, a formação académica e experiência de contratação do aderente, a possibilidade de um destinatário com o cuidado, zelo e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste compreender por si a cláusula. Ao contrário do que sucede com o dever de comunicação, a LCCG não comete o ónus da prova do dever de informação ao predisponente das mesmas. Mas, uma vez que nos termos do art.º 8º alínea b) se consideram excluídas do contrato as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde a que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo, deve entender-se que também cabe ao predisponente aquele ónus (no sentido o exposto e com recensão de jurisprudência em sentido idêntico, José Manuel Araújo de Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, pág. 94-95). Como já referido, o art.º 8º da LCCG determina a exclusão dos contratos singulares das cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º e das cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo. Compreende-se a referida exclusão tendo em consideração o que ficou dito no início – as cláusulas contratuais gerais, pese embora a sua especificidade, não deixam de ser estipulações jurídico negociais; mas a sua incorporação no contrato singular e vigência pressupõe a sua aceitação, ninguém podendo considerar-se vinculado relativamente ao que não conhece ou conhece deficientemente. Quanto à exclusão, refere Ana Prata in ob. cit. pág. 297: “Há, pois, uma redução ope legis do contrato, uma amputação deste das cláusulas [excluídas], que não são consideradas nele integradas…” A exclusão determina uma consequência diferente da nulidade, quiçá mais grave, pois tudo se passa como se a cláusula (excluída) não existisse. Finalmente importa aqui dar nota do disposto no art.º 9º da LCCG: 1 - Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos. 2 - Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé. Decorre do n.º 1 deste normativo que excluída/s determinada/s cláusula/s, o contrato mantém-se. Relativamente aos aspectos regulados pela/s cláusula/s excluída/s, determina o n.º 1 que os mesmos passam a ser regulados pelas normas supletivas aplicáveis e, se não as houver, aplicar-se-ão as regras da integração dos negócios jurídicos, concretamente disposto no art.º 239º do CC, o qual dispõe que “[n]a falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.” Mas se não for possível suprir aspectos essenciais regulados pela/s cláusula/s excluída/s através de normas supletivas ou das regras da integração dos negócios jurídicos ou tal suprimento conduzir a um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé, determina o n.º 2 do art.º 9º que o contrato é nulo. 4.3. Abuso de Direito Dispõe o art.º 334º do CC que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Mas, como refere Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, V, 2017, reimpressão de 2021: - “o artigo 334º não comporta uma exegese comum. (…) Estamos, com efeito, perante uma disposição legal que (…) remete para o sistema e para a Ciência do Direito, confiando no intérprete-aplicador a tarefa do seu adensamento” – pág. 274; - “O abuso do direito desliga-se da ideia de “direito subjectivo”, surgindo como uma instância geral de controlo dos exercícios jurídicos” – pág. 278; - “o abuso do direito não é “abuso” nem tem a ver com “direitos” em si: (…) “ abuso do direito“ é uma expressão consagrada para traduzir, hoje, um instituto multifacetado, internamente complexo e que prossegue, in concreto, os objectivos últimos do sistema.” – pág. 279; - “O abuso do direito deve, antes de mais, ser estudado no terreno, através do conhecimento da literatura que o desenvolveu e da ponderação das decisões que o concretizam.” – pág. 280; – “Em termos metodológicos: o manuseio do abuso do direito não é compaginável com as tradicionais interpretação e aplicação. Na verdade, o art.º 334º do Código Civil nada permite pela “interpretação” – pág. 280; – o abuso do direito tem sido concretizado pela jurisprudência e pela doutrina na base de grandes grupos de situações abusivas – pág. 296; - concretiza os diversos tipos de actos abusivos: a “exceptio doli”, o “venire contra factum proprium”, a inalegabilidade de nulidades formais, a “supressio”, a “surrectio”, o “tu quoque” e o desequilíbrio no exercício jurídico (págs. 297 a 389); – “o sistema, no seu conjunto, tem exigências periféricas que se projectam no interior dos direitos subjectivos, em certas circunstâncias; é o desrespeito por essas exigências que dá azo ao abuso do direito” – pág. 406; – “o abuso do direito reside na disfuncionalidade de comportamentos jurídico-subjectivos por, embora consentâneos com normas jurídicas, não confluírem no sistema em que estas se integrem” – pág. 409. Das várias modalidades de abuso do direito para a situação dos autos releva o venire contra factum proprium (pág. 305-332) – traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente, sem que tal exercício se mostre justificado, designadamente, pelo surgimento ou pela tomada de consciência de elementos que determinem o agente a mudar de atitude (pág. 305); a ideia que lhe subjaz vem ao encontro de importantes vetores psicológicos e sociológicos que valorizam as ideias de confiança, de continuidade e de estabilidade (pág. 310); o venire postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si e diferidas no tempo: a primeira - o factum proprium – é contrariada pela segunda (pág. 311); só se considera como venire contra factum proprium a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor (pág. 312); o venire pode ser positivo – uma pessoa manifesta uma intenção, ou, pelo menos, gera uma convicção de que não irá praticar certo acto e, depois, pratica-o mesmo – ou negativo – o agente demonstra ir desenvolver certa conduta e, depois, nega-a (pág. 313); no venire positivo podem distinguir-se três possibilidades: o exercício de direitos potestativos, o exercício de direitos comuns, actuações no âmbito de liberdades gerais (pág. 313-314); o venire negativo ocorre quando alguém se prevalece de nulidades quando, conhecendo-as, em momento prévio, mostrou a intenção de agir em execução do negócio viciado ou, mais simplesmente, anunciar uma conduta que, depois, a “pretexto” da nulidade, seja negada (pág. 314); a doutrina do venire é puramente objectiva, não se requerendo culpa, por parte do titular exercente, na ocorrência da contradição (pág. 320); o venire assenta na tutela da confiança: um comportamento não pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança das pessoas; trata-se de imputar aos autores respectivos as situações de confiança que, de livre vontade, tenham suscitado (pág.323); na concretização da confiança refere: 1.º Uma situação de confiança, conforme o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias; 2.º Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocarem uma crença plausível; 3.º Um investimento de confiança consistente em ter havido um assentar efetivo de actividades jurídicas na referida crença por parte do sujeito que confiou; 4.º Uma imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao fator objectivo que a tanto conduziu (pág. 325-326); os requisitos para a protecção da confiança articulam-se entre si nos termos de um sistema móvel: a falta de algum deles pode ser compensada pela intensidade especial que assumam alguns – ou algum – dos restantes (pág. 326). Como referia Baptista Machado, in Tutela da Confiança e "Venire Contra Factum Proprium", in RLJ, Ano 118º, pág. 171, o venire contra factum proprium, exige uma situação objectiva de confiança, sendo que “a confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo: numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura (…) O ponto de partida é, pois, uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira”. (sublinhado nosso). E no mesmo lugar, pág. 11, refere que os casos excepcionais em que se justifica submeter a invocação da nulidade à proibição do venire contra factum proprium devem reunir as seguintes circunstâncias: “a) ter uma das partes confiado em que adquiriu pelo negócio uma posição jurídica; b) ter essa parte, com base em tal crença, orientado a sua vida por forma a tomar disposições que agora são irreversíveis, pelo que a declaração de nulidade provocaria danos vultuosos de vária ordem que agora se revelam irremovíveis através doutros meios jurídicos, designadamente através do recurso ao art. 227º do Código Civil; c) poder a situação criada ser imputada à contraparte, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância da forma exigida, ou então ter o contrato sido executado e ter-se a situação prolongado por largo período de tempo, sem que hajam surgido quaisquer dificuldades”. 4.5. Em concreto 4.5.1. O contrato de abertura de conta e pedidos de adesão a cartões de crédito e débito padecem de nulidade à luz da LCCG. Importa, em primeiro lugar, verificar se estamos, nos autos, perante cláusulas contratuais gerais. A A. alegou que no âmbito da sua actividade a 03 de Fevereiro de 2020 celebrou com o R. um contrato de abertura de conta de depósitos à ordem com o número que indica; na mesma data o R. aderiu ao cartão de crédito ..., o qual ficou adstrito à conta de depósitos à ordem, tendo ainda celebrado uma Convenção de Utilização de Assinatura Digital, onde declarou autorizar o débito na conta de depósitos à ordem para liquidação das quantias mutuadas. O R. alegou na contestação que o contrato de abertura de conta e os pedidos de adesão a cartões de crédito e débito se enquadram nos denominados contratos de adesão, por conterem cláusulas elaboradas sem prévia negociação. Na sua resposta a A. não colocou em causa que o contrato de abertura de conta e os pedidos de adesão a cartões de crédito se regiam por cláusulas contratuais gerais. De referir que a A. juntou aos autos a última página de um documento (o referido no ponto 2 A)) com 33 páginas, em que se refere que o “Contrato de Conta de Depósitos à Ordem outorgado com o Banco 1..., SA, constante do Modelo com referência n.º ...8” (negrito nosso) é composto de vários “capítulos”, cuja identificação, de todos eles, se inicia por “Condições Gerais”. Mas não juntou aos autos nenhum dos referidos Capítulos. Entretanto juntou com o pedido de adesão ao cartão de crédito as “Condições Gerais de Utilização de Cartões Banco 1... e instrumento de pagamento para transações seguras em comércio eletrónico e serviço MB WAY” e com o pedido de adesão ao cartão de débito as “Condições Gerais de Utilização de Cartões de Débito, Crédito, Digitais, Pré-pagos e instrumento de pagamento transações seguras em comércio eletrónico e desmaterializadas baseadas cartão”. No presente acórdão foi aditado à factualidade provada um ponto 4 C) com o seguinte teor: As condições gerais porque se regem o Contrato de Conta de Depósitos à Ordem e as adesões aos cartões de crédito e débito são pré-elaboradas e não foram objecto de prévia negociação (factualidade considerada provada por alegada na contestação e não impugnada na resposta). Destarte e por haver acordo das partes quanto a esta matéria, considera-se que o contrato de abertura de conta e os pedidos de adesão a cartão de crédito e débito se regem por cláusulas contratuais gerais. Em segundo lugar o R. alegou a nulidade do contrato de abertura de conta e pedidos de adesão a cartões de crédito e débito alegando que não lhe foi dado a conhecer o conteúdo das cláusulas inseridas no contrato e pedidos, ainda menos com a antecedência necessária para lhe permitir reflectir e tomar uma decisão; se lhe tivesse sido dado conhecimento, com a devida antecedência, o R. teria notado que se encontra previsto um pedido de adesão a cartão de crédito [cremos que no contexto dos autos haverá aqui lapso, querendo o R. referir-se ao cartão de débito] e que do referido pedido de adesão não consta, sequer, o limite de crédito aprovado, o que não correspondia de todo ao pretendido pelo R.. Como já ficou referido em sede de enquadramento jurídico, apesar da exclusão de cláusulas contratuais, o contrato mantém-se, vigorando, na parte afectada, as normas supletivas aplicáveis ou, na sua falta, a estipulação que as partes teriam acordado se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta (art.º 9º, n.º 1 da LCCG). O contrato só será nulo se: i) não for possível suprir aspectos essenciais regulados pela/s cláusula/s excluída/s através de normas supletivas ou das regras da integração dos negócios jurídicos; ii) ou o suprimento conduzir a um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé. Mas para se poder chegar a tal conclusão – nulidade – é necessário percorrer todo um caminho: i) identificação das cláusulas que não foram comunicadas ou devidamente informadas; ii) determinação da consequência desses factos – a sua exclusão do contrato; iii) suprimento dos aspectos nelas regulados nos termos referidos no n.º 1 do art.º 9º ou iv) verificação de que a) não é possível suprir aspectos essenciais regulados pela/s cláusula/s excluída/s através de normas supletivas ou das regras da integração dos negócios jurídicos b) ou de que o suprimento conduz a um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé. Se o tribunal conhece oficiosamente os aspectos referidos em ii), iii) e iv) uma vez que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, n.º 3 do CPC), o mesmo não sucede quanto ao referido em i). Ou seja: pretendendo determinada parte, no âmbito de uma acção judicial, a declaração de nulidade do negócio regulado por cláusulas contratuais gerais à luz do n.º 2 do art.º 9º da LCCG, cabe-lhe identificar concretamente as cláusulas que não foram comunicadas ou devidamente informadas e que, determinada a sua exclusão do contrato e tentado seu suprimento, se verifique a) que não é possível suprir aspectos essenciais regulados pelas mesmas através de normas supletivas ou das regras da integração dos negócios jurídicos b) ou que o seu suprimento conduz a um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé. E isto é assim quer essa parte seja o autor, porque aquela identificação constitui facto essencial integrador da causa de pedir, quer seja o réu, pois tal identificação está na base da excepção perenptória invocada – a nulidade do negócio. A exigência de que a parte que invoca a nulidade do negócio à luz do n.º 2 do art.º 9º da LCCG, identifique concretamente as cláusulas susceptíveis de conduzir a tal resultado funda-se em princípios processuais. Assim e desde logo no principio do dispositivo – não faz qualquer sentido colocar o tribunal na posição de indagar ele as cláusulas que, podendo ser excluídas, podem também conduzir à nulidade do negócio. Também se funda no principio da eficácia e economia processual - como é normal, os contratos regulam inúmeros aspectos, muitos deles absolutamente inócuos, não fazendo, portanto sentido, colocar o tribunal na posição de indagar as cláusulas ou todo um conteúdo contratual susceptíveis de determinar a referida nulidade. Finalmente no princípio do contraditório – permitir à parte predisponente das cláusulas cuja exclusão é peticionada, invocar não só o cumprimento dos deveres de comunicação e informação, mas também a norma supletiva aplicável, ou qual teria sido “a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso“, ou qual seria a estipulação adequada “de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta”. No caso dos autos constata-se que o R. não indicou as cláusulas concretas do denominado contrato de depósito à ordem e dos pedidos de adesão aos cartões de crédito e débito que, por não terem sido comunicadas ou devidamente informadas, devessem ser excluídas do contrato e, tentado o seu suprimento, se verificasse a) que não era possível suprir aspectos essenciais regulados pelas mesmas através de normas supletivas ou das regras da integração dos negócios jurídicos b) ou que o seu suprimento conduzia a um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé. É certo ter ficado provado que: 4 B) A 03/02/2020 o R. subscreveu o instrumento junto a fls. 19v.-29 dos autos físicos, no qual se mostra aposto no canto superior direito o logotipo da A., composto de 22 páginas, sendo que: - na pág. 1 consta: i)“Cartões Banco 1... – Pedido de Adesão” (…) n.º Conta ...89 (…) Identificação do 1º titular – AA (…) Cartão Electron Banco 1... - Débito (…) ii) e imediatamente antes da assinatura do titular, aqui R., a seguinte ”Declaração”: “Declaro(amos), com vista à atribuição e utilização do cartão (…), autorizar o Banco 1... S.A. a debitar a minha(nossa) Conta de Depósito à Ordem, relativamente às utilizações do Cartão que subscrevo(emos) (…).” - nas páginas 3 a 13 constam as “Condições Gerais de Utilização de Cartões de Débito, Crédito, Digitais, Pré-pagos e instrumento de pagamento transações seguras em comércio eletrónico e desmaterializadas baseadas cartão”. Porém, o referido em ii) não constitui uma cláusula contratual geral, mas uma verdadeira declaração de vontade de parte do R., que, aliás, consta imediatamente antes da assinatura. E face ao até aqui referido, torna-se mais clara uma das razões da inutilidade da apreciação da impugnação da decisão de facto quanto aos pontos 4) e 11) dos factos provados e à alínea D) dos factos não provados. Em face do exposto, este fundamento de recurso deve improceder. 4.5.2. A A. age em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ao peticionar o pagamento da quantia objecto do pedido. Recorde-se que o recorrente invocou a excepção em referência dizendo que o cartão de débito não deveria permitir utilizar um valor superior ao saldo disponível na conta bancária associada; foi utilizado o cartão de débito para pagamento de valores superiores ao saldo disponível na conta associada; o sistema de utilização do cartão de débito, da responsabilidade da A., não recusou, quando o deveria ter feito, pagamentos efectuados pelo R. na convicção de que tinha saldo bancário suficiente para o efeito; o erro do sistema, da responsabilidade da A., induziu culposamente o R. em erro quanto ao valor do saldo disponível para utilização; caso o sistema de pagamento do cartão de débito tivesse funcionado correctamente, o R. não poderia ter utilizado um valor de que não dispunha na conta bancária, não podendo apresentar saldo devedor; devido à frequência dos movimentos, não era possível ao R. seguir o montante do saldo bancário, ao mesmo tempo que procedia à utilização do cartão de pagamento, ficando o R. convencido, com a aprovação das sucessivas operações de pagamento que existia saldo bancário para o efeito, pois caso contrário teria pago de outra forma ou não teria efectuado a operação. Não tendo o recorrente sido preciso na integração jurídica da factualidade alegada, apenas podemos afirmar que se afigura que o factum proprium radica na alegação de que o sistema de utilização do cartão de débito, da responsabilidade da A., permitiu àquele dar sucessivas ordens de pagamento mediante a utilização de tal cartão e ter executado tais ordens quando o saldo da conta era negativo e, assim, não o devia ter permitido e o venire radica no facto de vir agora exigir o pagamento do saldo devedor. Como ficou visto, a essência do venire contra factum proprium traduz-se no exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente. Mas então e sendo assim, como é, consistindo o venire em a A. exigir ao R. a restituição das quantias que desembolsou para dar pagamento às sucessivas ordens de pagamento dadas pelo mesmo, para que pudesse haver aquela contradição o factum proprium haveria de consistir em a A. ter assumido ou proclamado, em momento anterior, que não exigiria ao R. tal restituição. Só assim se poderia configurar uma situação de contradição entre a conduta actual e a conduta passada. Porém, nada disso foi alegado pelo R. pelo que falha um dos polos essenciais da modalidade de abuso de direito em referência: o factum proprium. E não havendo factum proprium, não é possível afirmar que foi criada uma situação de confiança que careça de tutela. Em face do exposto, também este fundamento de recurso deve improceder. Impõe-se, no entanto, aprofundar a análise na medida em que o alegado pelo R. pode, aparentemente, reconduzir-se a uma outra modalidade de abuso de direito – o tu quoque – sendo certo que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, n.º 3 do CPC) O tu quoque (seguiremos de perto a exposição de António Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, V, 3ª edição, pág. 365 e seguintes) exprime a regra pela qual uma pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois, sem abuso, ou prevalecer-se da situação daí decorrente, ou exercer a posição violada pelo próprio ou exigir de outrem o acatamento da situação já violada (pág. 365); no tu quoque contratual, o titular exercente excede-se por recorrer às potencialidades regulativas de um contrato que ele próprio já violara (pág. 373); o tu quoque exprime a ideia de que não pode recorrer-se a posições indevidamente conseguidas, por contrária à boa fé (pág. 374); a pessoa que, mesmo fora do caso nuclearmente exemplar do sinalagma desequilibre, num momento prévio, a regulação material expressa no seu direito subjectivo, não pode, depois, pretender, como se nada tivesse ocorrido, exercer a posição que a ordem jurídica lhe conferiu – distorcido o equilíbrio de base, sofre-lhe as consequências; a nova situação criada altera a configuração da posição jurídica do exercente; no limite pode ir até á extinção; cometida a violação pelo próprio, apenas formalmente tudo parece idêntico; a materialidade subjacente, porém, é já outra (pág.375); no tu quoque já não está em jogo uma manifestação de tutela da confiança, mas de um outro principio, concretizador da boa fé – o da primazia da materialidade subjacente (pág. 375-376). Subjacente ao alegado pelo R. está o seguinte: a A. não pode exigir a restituição das quantias que desembolsou para dar pagamento às sucessivas ordens de pagamento dadas pelo R., mediante utilização do cartão de débito, sem que a conta estivesse devidamente provisionada, porque o sistema de utilização do cartão de débito, da responsabilidade da A., não recusou, quando o deveria ter feito, tais pagamentos; em função disso, aquela restituição traduzir-se-ia no exercício de uma posição indevidamente conseguida. Porém, a factualidade provada não permite tal conclusão. Em primeiro lugar e como ficou referido em sede de enquadramento jurídico, quando o sistema de pagamentos está on-line, o mesmo não permite realizar operações de pagamento através de cartão de débito quando o saldo da conta a que o mesmo está associado esteja negativo. Mas, na situação dos autos, não está provado que as ordens de pagamento que originaram o descoberto em conta tenham sido dadas quando o sistema estava on-line, não havendo qualquer fundamento para presumir que assim foi. É para tal insuficiente o facto de se ter considerado provado – ponto 14) – que entre os dias 2 e 13 de Março de 2020, o réu realizou diversas operações de pagamento de valor oscilando entre €120,00 e €2.000,00, tendo utilizado o cartão de débito associado à sua conta bancária, e tendo as operações de pagamento sido sistematicamente autorizadas sem que o réu recebesse qualquer contacto ou notificações de alerta de ter ultrapassado o saldo da conta bancária, pois estando o sistema off-line as operações também são autorizadas, de tal modo que dão origem a descobertos em conta. Não é, portanto, possível afirmar que o sistema de utilização do cartão de débito, da responsabilidade da A., não recusou, quando o deveria ter feito, tais pagamentos. Mas ainda que assim tivesse sucedido, não é possível afirmar que a A. obteve indevidamente a posição que está a exercer nos autos ou que foi a A. que criou uma dívida que não poderia ter existido, antes tendo sido o R. que deu causa à mesma em duas vertentes. Por um lado está provado que entre os dias 2 e 13 de Março de 2020, o réu realizou diversas operações de pagamento de valor oscilando entre €120,00 e €2.000,00, tendo utilizado o cartão de débito associado à sua conta bancária (ponto 14) dos factos provados), os movimentos efectuados na referida conta bancária foram feitos de acordo com as instruções do réu, com o seu conhecimento e no seu interesse, tendo este beneficiado das quantias utilizadas (ponto 8 dos factos provados), conforme extracto bancário emitido pelo autor, datado de 31 de Março de 2020, o réu apresentava à data um saldo devedor na conta à ordem no valor de €24.339,15 (ponto 5 dos factos provados) e o montante em dívida resulta de movimentos bancários realizados até ao dia 31 de Março de 2020 (ponto 6 dos factos provados). Neste sentido afirma-se na sentença recorrida: “Ao invés, e salvo melhor entendimento, o que nos parece é que o réu, à falta de melhor argumento (porque bem sabe que incumpriu) vem procurar inverter a situação, imputando responsabilidades ao autor, alegando falta de informação e levando a que a sua conta ficasse a “descoberto”, porém, essa responsabilidade é exclusivamente sua, afinal, foi o réu quem deu as ordens de pagamento e que permitiu que a conta apresentasse um saldo negativo, na ordem das dezenas de milhares de euros. (…) Assim, quem originou toda a situação foi o próprio [Réu (por lapso consta autor)], na medida em que não provisionou, como devia a sua conta com os montantes necessários à efectivação das cobranças por si ordenadas, nem realizou operações bancárias tendo como limite o saldo bancário que o mesmo conhecia (ou devia conhecer) que tinha em conta.---“ Por outro lado, qualquer cidadão, detentor de uma conta bancária e de um cartão de débito, medianamente responsável, tem sempre presente que tem um determinado saldo nessa conta, de que, conforme vai realizando operações de levantamento de numerário ou pagamento, mediante utilização de tal cartão, as respectivas quantias vão sendo debitadas na conta (ainda que de forma não imediata, havendo situações em que o saldo contabilístico seja um e o saldo efectivo seja outro) e aquele saldo vai, em conformidade, diminuindo. E em virtude disso e, quanto mais não seja para evitar a possibilidade de tentar realizar uma operação de pagamento num qualquer estabelecimento comercial e isso não lhe ser permitido por não ter saldo na conta (estando o sistema on-line), adopta deveres de cuidados elementares: vai, regularmente, consultando a conta para aferir do saldo e da possibilidade de realizar tal operação e vai assegurando, naturalmente na medida em que isso lhe seja possível, que a conta está devidamente provisionada para fazer face às ordens de pagamento que emite. No caso o R. não alegou que ao ordenar as sucessivas operações de pagamento (mais de 40, num curto espaço de tempo de 11 dias, que, como decorre da motivação da decisão de facto da sentença recorrida, tinham como relação subjacente apostas em jogos on-line), procedeu de forma regular à consulta do saldo da conta, o que o próprio confirma com a alegação de que devido à frequência dos movimentos, não lhe era possível seguir o montante do saldo bancário, ao mesmo tempo que procedia à utilização do cartão de pagamento, o que, obviamente, só a si é imputável. E, no contexto referido e face àquela falta de alegação, é irrelevante a alegação (traduzida em facto não provado constante da alínea E)) de que aquando da realização das operações de pagamento estava convicto de que ainda possuía saldo bancário positivo. Não pode, portanto, o R. pretender imputar à A. o facto de ter incorrido num descoberto em conta no valor de mais de € 24.000,00, quando, por um lado, foi o mesmo quem deu as ordens de pagamento e delas beneficiou e, por outro, não alegou ter observado o elementar dever de consulta do saldo contabilístico da conta, quando ordenou mais de 40 operações de pagamento em 11 dias, algumas delas correspondente a mais de 2 vezes a RMNG/ordenado mínimo nacional, sendo ainda certo não estar alegado qualquer facto relativo à pessoa do R., que fosse do conhecimento da A. e que demandasse para a mesma um especial dever de protecção daquele. Em face de tudo o exposto, impõe-se afirmar que aberta uma conta bancária, celebrado, em associação a tal abertura de conta, um contrato de emissão de cartão de débito, o qual permite a emissão de ordens de pagamento e estando inerente àquela abertura de conta, uma conta corrente bancária que evidencia que, mediante a utilização daquele cartão, foram ordenadas pelo seu titular e realizadas em seu benefício operações de pagamento para além do saldo nela existente, estamos perante um descoberto em conta, ou seja, perante a disponibilização por parte do banco a favor do cliente, em momentos em que a referida conta à ordem não estava provisionada, de fundos necessários à cobertura das responsabilidades apresentadas, que obriga aquele à sua restituição (art.º 1142º do CC), pois, de contrário, permitir-se-ia àquele um enriquecimento ilegítimo. Destarte, a decisão recorrida deve manter-se e, em consequência, o recurso deve ser julgado improcedente. 4.6. Custas Dispõe o art.º 527º, n.º 1 do CPC que: 1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. 2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Tendo o recorrente ficado integralmente vencido, o mesmo é também integralmente responsável pelas custas, sem prejuízo de não estar obrigado a proceder ao seu pagamento em virtude de beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo. 5. Decisão Termos em que acordam os Juízes da 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente. Custas pelo recorrente sem prejuízo de não estar obrigado a proceder ao seu pagamento em virtude de beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo. Notifique-se * Guimarães, 24/04/2025 (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator: José Carlos Pereira Duarte Adjuntos: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade [1] Dispõe o n.º 1 do art.º 639º do CPC que (sublinhado nosso) “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Este normativo impõe dois ónus: o de alegação e o de conclusão. No caso releva este último e traduz-se na necessidade de finalizar as alegações recursivas com a formulação sintética de conclusões, em que é suposto que o apelante resuma ou condense os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem modifique ou revogue a decisão proferida pelo tribunal a quo. (Ac. RP de 09/11/2020, proc. 18625/18.6T8PRT.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp). Já referia Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V volume, 1984, pág. 359, que: “As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”. No mesmo sentido Aveiro Pereira, in “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil “, pág. 31, acessível in www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf, onde refere que as conclusões são as “ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida.” Tendo em consideração as questões que cumpre decidir nos autos, apresentar 124 conclusões, para uma motivação com 37 páginas, em que 8 são transcrição dos factos e de parte da fundamentação de direito da sentença e pelo menos 13 contêm a transcrição de depoimentos, é patente e manifestamente prolixo. Mas opta-se por não proferir despacho de aperfeiçoamento (art.º 639º n.º 3 do CPC) e, assim, convidar o recorrente a sintetizá-las para não dilatar a apreciação do recurso. |