Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2118/23.2T8VCT.G2
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: COMPLEMENTO DE REFORMA
FUNDO DE PENSÕES
EXTINÇÃO DO FUNDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A criação a favor dos trabalhadores dos EMP01... de um plano de pensões resultou de acto unilateral da empresa, mediante titulo constitutivo de um “Fundo de Pensões”.
Nos termos do regime de constituição e funcionamento dos fundos de pensões (Dec. Lei 12/2006, de 20/01 com posteriores alterações): o Fundo de Pensões é um património autónomo distinto do património da empresa; é obrigatoriamente gerido por uma entidade externa; os títulos representativos dos valores mobiliários que lhe pertencem são objecto de depósito separado em instituição de crédito; o funcionamento do fundo e as suas vicissitudes são objecto de regulação e sujeitas a escrutínio e supervisão de várias entidades, bem como a publicação. Há, assim, toda uma clara preocupação legal de separar o património do Fundo do da empresa que o cria e financia.
Segundo o respectivo regime, em caso de insuficiência financeira grave do Fundo de Pensões, este é extinto e o património liquidado, obedecendo a distribuição do produto a uma ordem legal de preferência e de rateio, dando-se maior protecção aos beneficiários com pensões em pagamento relativamente aos trabalhadores com direitos “em formação”.
As responsabilidades advindas do Fundo de Pensões são unicamente garantidas através do património adstrito ao Fundo de Pensões.
No caso, o Fundo de Pensões EMP01... foi extinto por lei especial (Dec. Lei 62/20015, de 23/04), a qual apenas assegurou os direitos dos beneficiários com pensões em pagamento (ou seus herdeiros, no caso das pensões de sobrevivência), entrevendo-se no diploma que o património sobrante não era capaz de provisionar sequer todas estas responsabilidades - 8º, 3, b). O autor não foi abrangido porque à data era apenas detentor de um direito “em formação”, por não ter ocorrido um dos requisitos de que dependia a atribuição de pensão (passagem à reforma).
Nos termos referidos, o património da antiga empregadora, EMP01... (nem correlativamente o Estado, que a substitui) não responde directamente perante o trabalhador pelo direito a um complemento de reforma, inexistindo vínculo directo de “complementação” entre o trabalhador e a empresa.
O património da empregadora só responderá directamente perante o trabalhador pelo pagamento de complementos de reforma num quadro destacável de frustração do princípio da confiança e de comportamentos de má fé, que no caso não se equaciona.
Decisão Texto Integral:
I - RELATÓRIO

AA intentou a presente acção declarativa com processo comum contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe: a quantia já vencida desde 14-11-2019 até 30-06-2023, incluindo uma 13ª prestação vencida em cada ano, no montante global de 11.837,80€, acrescida de juros legais desde a citação; as pensões complementares futuras, em montante a liquidar em execução de sentença, até à morte do  autor (e juros vincendos a partir de 1 de Julho de 2024) e, após, uma pensão de sobrevivência em beneficio dos seus sucessores elegíveis.
Causa de pedir -  alega que: foi trabalhador da empresa EMP01... S.A., doravante EMP01..., durante mais de 37 anos, tendo, em 2014, sido algo de despedimento colectivo (que contestou, em acção ainda pendente), à data com 37 anos de serviço, categoria de electricista, e remuneração base de €1.257,01; os EMP01... haviam celebraram, em 10/12/1987, com a Companhia de Seguros EMP02... (...) actualmente EMP03..., um contrato constitutivo de um fundo designado por “Fundo de Pensões EMP01...” a favor dos trabalhadores; o fundo suportava os encargos inerentes ao pagamento do complemento de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhadores; em caso de cessação do contrato de trabalho, os trabalhadores que se encontrassem no activo e que tivessem sido admitidos nos quadros permanentes dos EMP01... antes de 1 de Novembro de 2008, com um mínimo de 15 anos de serviço, e cujo contrato cesse  por causa involuntária por parte do trabalhador, como foi o caso do autor, adquiriam o direito a usufruir de um beneficio calculado nos termos alegados no art. 34º da p.i.; o A. reformou-se por invalidez declarada pela segurança social em 15/11/2019, pelo que é credor de uma pensão complementar da reforma por invalidez, além de uma outra de sobrevivência a partir da sua morte, em beneficio dos sucessores; os EMP01... tinham por único acionista o Estado e, entretanto, a empresa EMP01... foi liquidada e extinta; as relações jurídicas de que os EMP01... era detentora à data do encerramento e da sua liquidação não se extinguiram, antes se transmitiram para o Estado, único acionista, sobre quem impende a obrigação de garantir o pagamento do benefício - 162º, 163º e 164º, CSC; o Fundo de Pensões dos EMP01... que foi gerido pelo Banco 1... foi declarado extinto pelo DL 62/2015 de 23/04 (em vigor a partir de 1-05-2015), operando-se a transferência para a Caixa Geral de Aposentações, I.P. da totalidade das responsabilidades então a cargo do Fundo de Pensões gerido pelo Banco 1...; contudo, de acordo com a definição do seu âmbito subjectivo,  para a CGA não foram transferidas as responsabilidades relativas a eventuais direitos de participantes que, em 31 de Dezembro de 2014, não reuniam as condições de que dependia o direito a um complemento de pensão (reforma); o Estado até à data não garantiu ao autor o referido benefício.
Contestação- o réu defendeu-se por excepção e impugnação.
Excecionou a prescrição do direito reclamado, excepção declarada procedente na primeira instância, mas revogada por este tribunal da Relação após apelação (com fundamento de que o crédito não se encontra prescrito, por não ter natureza laboral, mas sim previdencial, apenas estando em condições de ser exercido quando se verificassem os seus pressupostos - reforma), o que determinou o prosseguimento dos autos.
Impugnou com os seguintes argumentos: à data da cessação do contrato de trabalho por despedimento colectivo o autor não preenchia os requisitos essenciais para aceder ao complemento de reforma mensal, pois não se encontrava reformado nem tinha condições para aceder à pensão de reforma atribuída pela Segurança Social; por outro lado, o direito do autor ao beneficio alternativo a que alude o nº 2 do Plano de Pensões anexo ao Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões EMP01..., a ser formalizado após a cessação do contrato de trabalho com efeito útil apenas na idade normal da reforma, extinguiu-se porque “quando o A. atingiu a idade da reforma no ano de 2019, o Fundo de Pensões EMP01... já tinha sido extinto.” (26º da contestação) e “consequentemente, também se extinguiu o direito ao referido benefício face à extinção dos EMP01... antes da verificação cumulável das condições de que dependia a sua atribuição, também se extinguiu. “ (27 da contestação). Impugna ainda o valor arbitrado pelo A., pois o valor a fixar para tal benefício teria de ser calculado pela outrora entidade gestora do Fundo de Pensões dos EMP01....

DECISÃO RECORRIDA - foi proferido despacho saneador sentença, ora  objecto de apelação, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo o Réu do pedido.

FOI INTERPOSTO RECURSO PELO AUTOR –CONCLUSÕES:
(…)
NESTES TERMOS
e mais de direito aplicáveis que V. Exas. Melhor e doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) deve ser revogada a douta sentença proferida em 1ª instância e substituída por outra que julgue o Estado Português, na qualidade de único acionista dos EMP01..., parte processual e substancialmente legítima e, por conseguinte, que condene o Réu Estado Português no pagamento das quantias peticionadas nas alíneas a) a e) do petitório da petição inicial.

CONTRA-ALEGAÇÕES - sustenta-se a improcedência da apelação.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR [1]: saber se o réu Estado, na vez da extinta empresa EMP01..., Sa, está obrigado a garantir ao autor, seu antigo trabalhador, um benefício de complemento de reforma, a partir do momento em que obteve do sistema público a reforma por invalidez .
II - FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS
1. O Autor foi admitido, em 4 de Abril de 1977, ao serviço da empresa designada por EMP01... S.A. (EMP01...), entretanto dissolvida e liquidada, NIPC ...27, com sede na Avenida ..., ... ..., para exercer por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de electricista.
2. Esta sociedade, uma sociedade anónima, cujo único accionista era o Estado Português, foi constituída em 03/06/1944 e a sua dissolução verificou-se em 5 de Maio de 2015, por decisão do respectivo Conselho de Administração, e o encerramento da sua liquidação verificou-se em 27/04/2018.
3. O seu escopo era a actividade de construção e reparação de navios, bem como o exercício de todas as actividades comerciais e industriais com ela conexas.
4. Por carta enviada, em 23 de Abril de 2014, recebida pelo A. no dia 30 seguinte, a empresa EMP01..., sua entidade patronal, comunicou-lhe o seu despedimento, no âmbito de um despedimento colectivo que se estendeu a mais onze (11) trabalhadores.
5. À data do despedimento, o A. tinha a categoria profissional de electricista, chefe de equipa, e auferia uma remuneração base mensal de €1.257,01.
6. À data em que lhe foi comunicado o despedimento, o A. tinha 52 anos de idade, pois que nasceu em ../../1961.
7. À data do despedimento, ao A. e à sua entidade patronal EMP01..., aplicava-se o C.C.T. para a indústria metalúrgica e metalomecânica, celebrado entre a AIMMAP, o SINDEL (Sindicato Nacional da Industria e Energia), FETESE (Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços), o SITESC (Sindicato de Quatros, Técnicos Administrativos, Serviços e Novas Tecnologias) e o Sindicato dos Técnicos de Vendas do Sul e Ilhas, publicado no B.T.E. nº 10 de 15 de Março de 2010.
8. Em 16 de Outubro de 2014, o A., conjuntamente com mais 9 colegas envolvidos naquele despedimento colectivo promovido pelos EMP01..., intentou no Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo uma acção comum, convolada para Processo especial de Impugnação de Despedimento Colectivo, que corre termos sob o nº 544/14...., com vista à declaração da ilicitude do despedimento, mas ainda sem decisão transitada em julgado.
9. Nesta acção, os réus EMP01..., EMP04..., S.A. e Banco 1... Pensões, por decisão transitada em julgado em 09/06/2023, foram absolvidos da instância em relação ao pedido de pagamento de uma pensão complementar.
10. O Réu é o único acionista dos EMP01..., S.A..
11. Os EMP01..., S.A., celebraram em 10/12/1987 com a Companhia de Seguros EMP02... (...) actualmente EMP03... um contrato constitutivo de um fundo designado por “Fundo de Pensões EMP01...” destinado a suportar os encargos inerentes ao pagamento do complemento de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhados admitidos nos EMP01... até ../../2008 e do complemento de sobrevivência por óbito dos trabalhadores da referida empresa que se tenham reformado após ../../1993 - docs. nºs 21 e 22 juntos com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12. O A. era trabalhador efectivo dos EMP01... em ../../2008, data em que se encontrava ao serviço desta empresa ininterruptamente desde a data do contrato de trabalho referido em 1. até ../../2014.
13. À data do despedimento (a 14 de Julho de 2014), nem os EMP01..., nem o Fundo de Pensões e nem o Banco 1... Pensões - Sociedade Gestora de Fundos de Pensões S.A., puseram à disposição do A. e dos demais trabalhadores a apólice de renda vitalícia, as unidades de participação do Fundo de Pensões PPR ou seguro de vida PPR, que lhe garanta na reforma por idade ou invalidez, uma pensão complementar de harmonia com o Anexo I nº 1 alíneas a) e b) da alteração ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões.
14. O A. reformou-se por invalidez declarada pela Segurança Social em 15/11/2019.
15. O Fundo de Pensões dos EMP01..., que foi gerido pelo Banco 1... VIDA E PENSÕES, foi declarado extinto pelo D.L. nº 62/2015 de 23/04, com entrada em vigor em 01/05/2015.
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B) ENQUADRAMENTO JURÍDICO:

Está em causa saber se o autor tem direito ao benefício de complemento de reforma instituído pela antiga empregadora EMP01... a favor de trabalhadores admitidos na empresa até ../../2008 com, pelo menos, 15 anos de antiguidade[2], quando obtivessem a reforma do sistema público, ainda que na altura deste evento já não estivesse ao seu serviço, conquanto a cessação do contrato de trabalho não lhes fosse imputável.
Não sofre dúvidas que o autor tinha mais de 15 anos de serviço, que tinha sido admitido muito antes de 2008 e que a cessação do vínculo contratual com os EMP01... não lhe foi imputável por decorrer de despedimento colectivo.
Dando o mote, as dúvidas prendem-se, antes, com as consequências da extinção do Fundo de Pensões EMP01..., instrumento que financiava o plano de pensões instituído pela empregadora em 1987. Importa saber se a antiga empresa empregadora EMP01..., Sa (e consequentemente o réu, que a substitui, em razão da sua extinção[3]), na inexistência do “Fundo de Pensões”, pode ser diretamente responsabilizada pelo pagamento do direito à pensão  que o autor reclama ter adquirido em 15-11-2019, data da sua reforma pelo sistema público em razão da “contingência” invalidez.
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O tribunal a quo julgou a acção improcedente, não porque o autor não tivesse direito ao benefício que reclama (como defende o réu em contra-alegações), mas porque o terá reclamado da pessoa errada que é Estado, em representação dos EMP01..., quando o deveria ter feito perante a Caixa Geral de Aposentações (CGA), para quem teriam sido transmitidas as obrigações de pagamento de complementos relacionados com o Fundo de Pensões ao abrigo do Dec. Lei 62/2015, de 23/04. O Estado, enquanto único acionista de sociedade extinta e liquidada EMP01... Sa, não seria assim o sujeito passivo da obrigação de garantir o pagamento dos benefícios do Fundo de Pensões criado pela empresa em 1987, mas sim a CGA.
O autor recorrente sustenta que foi feita uma errada interpretação do direito. Defende que o Dec. Lei 62/2015, de 23/04, que regulou a transferência da responsabilidade pelo pagamento dos complementos de pensão do Fundo de Pensões EMP01... para a CGA, IP. apenas transmitiu para esta entidade os complementos de pensão de reforma que em ../../2014 já estivesse a ser pagos pelo referido Fundo de Pensões, bem como dos complementos de pensões de sobrevivência de familiares de trabalhadores que, àquela data, já auferissem do benefício. Esse não era o caso do autor que, à data, não se encontra reformado e, por isso, não era um beneficiário da pensão, mas apenas detentor de uma mera expectativa jurídica (questão aliás aprofundada em anterior acórdão da RG, a propósito da improcedência da exceção de prescrição, dado que o direito do autor, de natureza previdencial e não laboral, só se adquire com a verificação de condição legal de passagem à reforma). Mais sustenta que a ” extinção do Fundo de Pensões EMP01..., decretada pelo Decreto-Lei n.º 62/2015, de 23/04, não extinguiu as obrigações e a responsabilidade dos EMP01... quanto aos trabalhadores que reunissem as condições de que depende o direito a um complemento de reforma após ../../2014, como é o caso do Autor, aqui Recorrente.”
O réu recorrido sustenta que: os complementos de reforma integram-se na disciplina do direito previdencial privado, com autonomia face ao direito laboral; o regime dos fundos de pensão sofreu profundas alterações face à extinção dos EMP01... e muito antes da verificação cumulável das condições de que dependia a atribuição ao A. da referida renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma; quando o A. atingiu a idade da reforma no ano de 2019, o Fundo de Pensões dos EMP01... já tinha sido extinto; consequentemente, extinguiu-se o direito aos referidos benefícios, em conformidade com o regime jurídico do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões dos EMP01...; subsidiariamente, para a eventualidade de improceder tal interpretação, dever-se-á sufragar a decisão em crise, quanto à ilegitimidade substancial ou substantiva do Réu.
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Analisando:
O autor reclama do réu o reconhecimento e pagamento de um complemento de pensão privado decorrente da sua passagem à reforma pelo sistema público em razão de invalidez. Quanto à fonte deste direito refere que esse benefício foi instituído, em 1987, pela empregadora EMP01..., Sa através da criação de um Fundo de Pensões destinado a suportar os encargos inerentes ao pagamento do complemento de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhadores (e de sobrevivência dos herdeiros dos trabalhadores) que reunissem certos requisitos.
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A questão demanda pequena introdução sobre a natureza e regime dos complementos de pensão (privados) e, mais amplamente, sobre o que se denomina de “segurança social”.
A protecção dos cidadãos perante debilidades inevitáveis como a velhice, invalidez, morte de familiares e diminuição de meios de subsistência (citando-se apenas alguns eventos danosos) constitui actualmente um encargo do Estado[4], a concretizar através do denominado sistema de “Segurança Social” (ou “previdência”), incumbindo àquele a respectiva organização, coordenação e subsidiação.
Veja-se art. 63º CRT “Segurança Social e Solidariedade “2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.”)
É um direito do cidadão com protecção de dignidade constitucional (63º, 1 CRP “1. Todos têm direito à segurança social.) e 2º Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro (lei de bases gerais da segurança social).
Sem prejuízo desse encargo fundamental, o Estado apoia, regula e fiscaliza regimes alternativos assegurados por outras entidades com vista à prossecução de objectivos de solidariedade social - 63º, 5, CRP.
Desenvolveram-se diversos sistemas de segurança social privada, alguns a título principal, outros complementares, em face da ineficiência e incapacidade económica (cálculos atuariais desajustados) de prover todos os encargos, bem como de outras alterações mais gerais, como a mudança de esperança de vida, maiores encargos, contribuição dependentes da flutuação do mercado de desemprego/emprego, etc. Em certas actividade profissionais, como o sector bancário ou advocacia, alcançaram expressão principal, embora na maioria das profissões tenham sido instituídos como complementares do sistema público, como aconteceu no caso dos autos.
As bases em que se alicerça a segurança social e as iniciativas particulares “de fins análogos” encontram-se em diploma ordinário, a Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, doravante LBGSSS, 1º. Com maior interesse para o caso, dela se destacam os princípios da universalidade, do primado da responsabilidade pública, da complementaridade, da participação, da tutela dos direitos adquiridos e dos direitos em formação - 5º LBGSSS.
Em particular: o principio da universalidade consagra o acesso de todas as pessoas à proteção social assegurada pelo sistema. O princípio da responsabilidade pública consagra como dever do Estado a criação de condições necessárias à efetivação do direito à segurança social, a organização, coordenação e subsidiação do sistema de segurança social. O princípio da complementaridade consagra a articulação entre as várias formas de proteção social mormente públicas, sociais, mutualistas e privadas com o objetivo de melhorar a cobertura das situações e de fomentar partilha- 6º, 14º, 15º LGBSSS
Importa ainda atentar no princípio da contributividade do sistema previdencial (autofinanciamento) - 50º e ss LGBSSS. O qual significa que a inscrição e a obrigação contributiva dos trabalhadores e, quando for caso disso, das respetivas entidades empregadoras são condições de acesso ao sistema previdencial de prestações substitutivas de rendimentos de trabalho, mormente em casos de velhice, invalidez ou morte.
Destacamos ainda que, além de competir ao Estado administrar a componente pública da segurança social, a ele incumbe igualmente “uma adequada e eficaz regulação, supervisão prudencial e fiscalização” dos regimes complementares de natureza não pública- 24º LBGSS.
A LGBSSS dedica ainda uma secção específica aos “Regimes complementares de iniciativa coletiva e individual” - 83º a 86º.
Dela colhe-se que: os regimes complementares de iniciativa coletiva são regimes de instituição facultativa a favor de um grupo determinado de pessoas, onde se integram os regimes profissionais complementares, que abrangem, entre outros,  trabalhadores por conta de outrem - 83º, 1, 2, 3, LGBSS; ao contrário do sistema público de segurança social,  os regimes profissionais complementares privados são financiados pelas entidades empregadoras, sem prejuízo de eventual pagamento de quotizações por parte dos trabalhadores por conta de outrem- 83º, 4, LGBSS; aspecto importante respeita à administração dos regimes profissionais complementares em que esteja  em causa a atribuição de prestações nas eventualidades de invalidez, velhice e morte, referindo-se que  a “ respectiva gestão tem de ser concedida a entidade jurídica distinta da entidade que o instituiu”, cremos nós, para efeitos  de maior objectividade, isenção e garantia - 85º, 1, LBGSSS
Finalmente, lendo as demais normas desta secção constatamos que os sistemas de segurança social privada são objecto de controlo do Estado, mormente no que respeita à sua criação e modificação, impondo-se ao Estado a tarefa de os regulamentar, mormente quanto a aspectos essenciais como o seu âmbito, condições de atribuição, direitos garantidos, mecanismos de garantia, supervisão e fiscalização. Para este efeito a LGBSSS remete para lei própria (utilizando expressões como “A lei prevê.”, “...são definidas por lei”, “...é exercida nos termos da lei”) - 86º, LBGSSS.
Do exposto decorre que, nada obstando à existência de regimes privados de segurança social, mormente complementares do sistema público, pelo contrário, estimulando-se a sua existência, o respectivo regime é objecto de tutela do Estado, quer ao nível da regulamentação, quer da fiscalização, por revestir nítido interesse público. O que se repercute em qualquer análise que se faça do caso concreto.
***
Os regimes privados de pensões de reforma, em regra complementares do público, têm sido usualmente constituídos pelas empresas (“associados”, na expressão legal) com recurso a instrumento jurídico denominado “fundo de pensões”, que apresenta um regime algo complexo. Daí que, como refere Pedro Romano Martinez “a intervenção do Estado no controlo dos sistemas privados de segurança social tenha tido particular incidência quanto aos fundos de pensões”, teoricamente para protecção de direitos e expectativas - pág. 2073, RIDB ano 2 (2003) nº 3.
É precisamente o caso dos autos, como decorre da própria alegação do autor: o direito que se arroga nasce da instituição pelos EMP01... de um Fundo de Pensões.
Importa assim prosseguir com breve apreciação do seu regime, bem como do acto ou negócio jurídico que está a montante da constituição do fundo de pensões.
Quanto a este último aspeto, o autor nada mais alegou, com excepção de que os benefícios complementares de reforma que ora reclama têm por causa o acto unilateral dos EMP01... de constituição de um fundo de pensões.
A instituição de fundos de pensões, por regra unicamente alimentados pelas empresas (como é o caso dos autos) e afectos ao cumprimento de planos de pensões complementares, normalmente têm origem, ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (acordo de empresa), ou em acto unilateral do empregador instituindo vulgo uma “regalia”. Neste último caso, a empresa, por si, decide constituir o fundo, ainda que precedido de eventuais contactos e compromissos informais - sendo pouco comum acordos bilaterais ao nível do contrato de trabalho (vislumbrando-se como mais normal que este possa referenciar um regime que pré-exista com outra causa), realidade que não está em causa nos autos.
No caso, como aludimos, os factos apontam para constituição de fundo de pensões por acto unilateral do empregador, sem precedência de qualquer vinculação directa entre a empresa e os trabalhadores, ou sequer de compromissos prévios ainda que informais. O autor, a este propósito, refere apenas o contrato constitutivo do “Fundo de Pensões EMP01...”.
Limitando-nos ao âmbito que ora nos interessa[5], e entrando na terminologia que contende com o caso, a lei permite que os fundos de pensões fechados (no caso respeitam apenas a um associado, os EMP01...) possam, precisamente, ser constituídos por iniciativa de uma empresa no âmbito sócio-profissional, ou por acordo entre associações patronais e sindicais - 13º, 2, do Regime Jurídico de Constituição e Financiamento dos Fundos de Pensões e Entidades Gestoras de Fundos, doravante RJFP, Dec. Lei 12/2006, de 20 de janeiro[6], aplicável aos autos considerando a data (15-11-2019)  em que  ocorreu o evento (reforma por invalidez) que alegadamente confere ao autor o direito reclamado. O regime é aplicável aos fundos de pensão já constituídos, conforme art.  100º, 2, RJFP-  embora se anote que os conceitos-chave abaixo elencados são similares nos regimes antecedentes, mormente Dec. Lei n.º 396/86, de 25 de novembro[7], bem como nos posteriores.
O “fundo de pensões” é definido como o património autónomo exclusivamente afecto à realização de planos de pensões - 2º, c), do RJFP.
Um “plano de pensões”, por sua vez, é definido como o programa onde se definem as condições em que se acede ao direito ao recebimento de uma pensão de reforma por invalidez, por velhice ou sobrevivência.
O “associado”, na terminologia do diploma, é a entidade colectiva que financia o fundo de pensões afecto ao cumprimento do plano de pensões.
O” participante” é a pessoa singular em função de cujas circunstâncias pessoais e profissionais se definem os direitos consignados no plano de pensões, independentemente de contribuir ou não para o seu financiamento.
O “Beneficiário» é a pessoa singular com direito aos benefícios estabelecidos no plano de pensões ou no plano de benefícios de saúde, tenha ou não sido participante- 2º, a), d), e), RJFP.
Os “planos de pensões não contributivos”” são os exclusivamente financiados pelo associado (e não pelos participantes) - 7º, 2, RJFP. O plano de pensões financiado pelo Fundo dos EMP01... era não contributivo.
Detendo-nos agora em “conceitos-chave”, veja-se que a noção de “beneficiário” é diferente da de “participante”.
O “beneficiário” é detentor do direito à pensão, por já se terem verificado todos os requisitos dos quais depende a sua concessão. Naturalmente, terá uma protecção muito mais forte do que aquele que ainda não atingiu os requisitos de atribuição do direito (nem se sabe se os atingirá).
Ao invés, o “participante”, desde o momento da constituição do fundo até atingir (eventualmente) a condição (reforma pelo sistema público), é detentor de uma expectativa jurídica.  Isto porque, a aquisição do direito de crédito (complemento pensão) está dependente da ocorrência de uma condição, que é um “acontecimento futuro e incerto”, do qual depende a produção dos efeitos do negócio jurídico - 270ºCC.
 No caso, o direito à pensão depende da condição de o trabalhador atingir a reforma por velhice, invalidez, ou morte em caso de pensão de sobrevivência dos herdeiros (6º, 1, RJFP “....as contingências que podem conferir direito ao recebimento de uma pensão são a pré-reforma, a reforma antecipada, a reforma por velhice, a reforma por invalidez e a sobrevivência, entendendo-se estes conceitos nos termos em que eles se encontrem definidos no respectivo plano de pensões.. 2. - Quando complementares e acessórios das prestações referidas no número anterior, os planos de pensões podem prever ainda a atribuição de subsídios por morte.”).

Trata-se, assim, de um direito eventual cuja aquisição, deferida no tempo, é incerta, desconhecendo sequer se se vem a verificar. Ou seja, os trabalhadores no activo, futuros reformados, têm um direito ainda “em formação” e só adquirem o direito às prestações quando ocorre o facto que leva à sua constituição.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em diversos arestos afirmou esta distinção fundamental entre direitos às prestações e expectativas jurídicas, negando que o trabalhador tenha direitos adquiridos antes de se verificar a ocorrência da condição que atribuiu o direito de crédito.
Veja-se, ac. STJ, 29-01-2014, proc.  354/11.3TTVCT.S1, em cujo sumário consta:
 “2 – A aquisição do direito aos benefícios mencionados no número anterior decorre da verificação das ocorrências previstas no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, não sendo os participantes no fundo de pensões em causa, titulares de qualquer direito adquirido àqueles benefícios antes da verificação daqueles factos;”.
Invariavelmente no mesmo sentido podem consultar-se os ac. do STJ:  de 14-09-2011, p. 791/08.0TTVCT.P1.S1 (“III - A aquisição do direito ao complemento de pensão de reforma apenas acontece quando, além do mais, o trabalhador passe à situação de invalidez pela Segurança Social, sendo o complemento atribuível apenas a partir dessa data”)
E de 21-01-214, p. 847/10.0TTVCP.P1.S1:
 “II - A aquisição do direito ao complemento de pensão de reforma apenas acontece quando o trabalhador passe à situação de reforma atribuída pela Segurança Social, sendo o complemento atribuível apenas a partir dessa data, pelo que os participantes dum fundo de pensões criado para assumir o seu pagamento não são titulares de qualquer direito adquirido daquele benefício antes da verificação daquele facto.

Nesse entretanto, o trabalhador, futuro pensionista, está mais exposto a vicissitudes negativas, mormente decorrentes da alteração das condições do plano de pensões e do título constitutivo do fundo de pensões, ou do não aprovisionamento,  liquidação ou extinção do fundo, extinção da empresa associada, etc...
A atribuição aos trabalhadores de um regime complementar de previdência significa a assunção de uma responsabilidade pesada para a empresa pela sua abrangência (por vezes, centenas de trabalhadores), pelo facto de se tratarem de encargos deferidos no tempo, muitas vezes vencidos apenas vinte ou trinta anos depois da sua assunção, pela dificuldade em antever a conjuntura que se segue, as condições mais ou menos favoráveis de mercado, etc. O que se pode repercutir na capacidade de a empresa continuar a contribuir e a manter o fundo de pensões. A saúde da empresa não interessa apenas ao empresário que com ela lucra, mas afeta também os demais trabalhadores no activo. A pujança das empresas é também importante factor de emprego e de prosperidade geral. Mas, do outro lado, há também que pesar e equilibrar as expectativas dos trabalhadores no activo, futuros reformados, que poderão ter optado por permanecer na empresa contado com a regalia proporcionada pelo plano de pensões.
Também por isso, a lei se ocupou em regulamentar os fundos de pensões, procurando “separar águas” entre o património da empresa e o património afecto à garantia do cumprimento dos planos de pensões.
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A constituição do fundo de pensões e a sua modificação obedece a regras.
A começar, a constituição do fundo de pensões observa a forma escrita e tem de ser objecto de publicação. Os sujeitos contratantes são os associados fundadores (no caso EMP01...) e uma sociedade gestora, já que, nos termos acima aflorados na LGBSSS, o fundo de pensões tem de ser gerido por entidade diferente da financiadora para maior objectividade e isenção. O contrato constitutivo deve conter determinadas menções consideradas essenciais, mormente identificação de várias entidades como contratantes, associados, participantes, plano de pensões a financiar, definição dos direitos dos beneficiários e participantes em caso de certas vicissitudes, causas de extinção do fundo, etc. - 3º, 21º, RJFP.
Para além do contrato constitutivo inicial, tem de ser celebrado um contrato de gestão entre o associado e a sociedade gestora, também com observância de menções obrigatórias, mormente a denominação do fundo de pensões, condições em que são concedidas as pensões, se directamente pelo fundo ou através de contratos de seguro, obrigações e funções das entidades gestoras, etc- 22º RJFP.
Acresce um terceiro contrato, de depósito, a celebrar entre a sociedade gestora e a instituição de crédito destinado a cobrir o depósito obrigatório dos títulos e documentos dos valores mobiliários que integrem o fundo de pensões - 48º RJFP.
O regime contém, ainda, normas destinadas a garantir solidez económica ao fundo de pensões para que se possa cumprir o respectivo plano de pagamento instituído pela empresa, referindo-se que “O património, as contribuições e os planos de pensões devem estar em cada momento equilibrados de acordo com sistemas actuariais de capitalização que permitam estabelecer uma equivalência entre, por um lado, o património e as receitas previstas para o fundo de pensões e, por outro, as pensões futuras devidas aos beneficiários e as remunerações de gestão e depósito futuras.”- 12º RJFP.

Ao nível da dinâmica de funcionamento do “fundo de pensões”, além das referidas regras de equilíbrio financeiros e “prudencial”” , assiste-se à intervenção do Instituto de Seguros de Portugal (actualmente ASF) na supervisão de diversos aspectos de funcionamentos dos fundos, bem como de uma comissão de acompanhamento do cumprimento do plano e da gestão do fundo de pensões, constituída por representantes dos “associados”, “participantes” e “beneficiários” com funções diversas, mormente verificação da boa observância das disposições legais, pronúncia sobre alteração aos contratos constitutivos e de extinção de fundos, além da instituição de regras de transparência, publicidade e informação, com o objectivo de atribuir ao regime maior solidez e garantia - vg. 53º, 60º, 61º, 62º, 64º RJFP
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Agora um apontamento particular que respeita à possibilidade de modificação do contrato constitutivo do fundo de pensões e extinção do fundo de pensões. Tendo sido unilateralmente instituído, nada obsta à sua modificação para futuro, desde que observados os trâmites “processuais” do RJFP (vg autorização do ISP, agora ASF). Este diploma aflora por várias vezes a possibilidade de alteração, bem como de extinção do fundo de pensões por decisão do associado/entidade gestora, ou em consequência de extinção do próprio associado, ou em caso de insuficiência de financiamento do plano de pensões- 21º, 2, o), 24º, 1, 30º, 2, 61º, 3, 78º, RJFP
A título de curiosidade, na redacção do RJFP em vigor[8] à data em que o Fundo de Pensões EMP01... foi extinto ( por força do DL 62/2015, de 23 de abril) vedava-se que as alterações do contrato constitutivo atingissem as pensões em pagamento e os direitos adquiridos- 24º, 2,  Assim, a contrario, não eram abrangidos os acima designados de “direitos em formação” dos trabalhadores no activo relativamente aos quais não se verificasse a condição de que dependia a atribuição do direito a pensão complementar.
Na posterior redacção do RJFP[9],  passou-se a abranger os direitos “em formação” no que se respeita a alterações ao plano, no que não nos vamos deter, sobretudo porque a extinção do “Fundo de Pensões EMP01... decorreu de acto legislativo anterior (Dec. Lei 62/2015, de 23 de abril, lei especial, com entrada em vigor em 1-05-2015), não decorrendo de decisão do associado e entidade gestora que tivesse se ser submetida ao regime jurídico dos fundos de pensões.
Recordamos, ainda, para melhor compreensão da solução a dar ao caso, que no âmbito do RJFP, a extinção dos fundos de pensões é obrigatória: (i) ocorrendo insuficiência grave de financiamento do plano de pensões por parte do associado, acto que compete à entidade gestora do Fundo de Pensões; (ii) caso ocorra a extinção do associado e não se proceda à substituição deste - 30º e 78º RJFP. Donde, a extinção do fundo de pensões, se ocorrer no âmbito do respectivo regime jurídico, pode resultar de negócio jurídico escrito entre a empresa associada e a entidade gestora, ou de resolução unilateral pela entidade gestora mormente por insuficiência de financiamento por parte do associado - 30º, RJFP
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Para fechar: segundo o regime legal de fundos de pensões quem responde pelo pagamento das obrigações decorrentes do plano de pensões é o “Fundo de Pensões” enquanto património autónomo. O fundo é alimentado pela empresa. A obrigação da empresa associada é “apenas” de financiamento do fundo, sendo a entidade gestora quem lhe pode exigir a regularização - 33º, d,78º, 4, RJFP. Paralelamente, há uma separação quer do património do fundo, quer da sua gestão/administração que é, nos termos supra ditos, entregue a entidade externa à empresa.
O cumprimento do plano de pensões é, pois, assegurado pelo património do “Fundo de pensões” e não pelo património da empresa, salvo situações excecionais dolosas que possam ter outra causa indemnizatória.
O que decorre em especial do seguinte conjunto de normas do RJFP, algumas delas já mencionadas:

Artigo 2º, c)
“Fundo de pensões» o património autónomo exclusivamente afecto à realização de um ou mais planos de pensões

 Artigo 3º  Gestão e depósito dos fundos de pensões
“ Os fundos de pensões são geridos por uma ou várias entidades gestoras, e os valores a eles adstritos são depositados em um ou mais depositários, de acordo com as disposições do presente decreto-lei.”

Artigo 11º Autonomia patrimonial
“1.... o património dos fundos de pensões está exclusivamente afecto ao cumprimento dos planos de pensões, ao pagamento das remunerações de gestão e de depósito que envolva...
2-  Pela realização dos planos de pensões constantes do respectivo contrato constitutivo, regulamento de gestão ou contrato de adesão responde única e exclusivamente o património do fundo ou a respectiva quota-parte, cujo valor constitui o montante máximo disponível, sem prejuízo da responsabilidade dos associados, participantes e contribuintes pelo pagamento das contribuições e da entidade gestora pelo rendimento mínimo eventualmente garantido.”

Artigo 31º Liquidação
“1 - A entidade gestora deve proceder à liquidação do património de um fundo de pensões ou de uma quota-parte deste nos termos fixados no negócio jurídico de extinção ou na resolução unilateral....
2 - Na liquidação do património de um fundo de pensões ou de uma quota-parte deste, o respectivo património responde, até ao limite da sua capacidade financeira, por:....”

Artigo 66º Património
Constituem receitas de um fundo de pensões:
“a) As contribuições em dinheiro, valores mobiliários ou património imobiliário efectuadas pelos associados e pelos contribuintes;
b) Os rendimentos das aplicações que integram o património do fundo;
c) O produto da alienação e reembolso de aplicações do património do fundo;
d) A participação nos resultados dos contratos de seguro emitidos em nome do fundo;
e) As indemnizações resultantes de seguros contratados pelo fundo ...;
f) Outras receitas decorrentes da gestão do fundo de pensões.”
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Caso haja extinção do fundo de pensões o seu património é liquidado pela entidade gestora. Sendo unicamente aquele a responder pelo devido “até ao limite da sua capacidade financeira”, incluindo pensões contributivas, pensões não contributivas já em pagamento, responsabilidades com direitos adquiridos ou direitos em formação. Em caso de insuficiência de património para pagar a todos, a lei elenca “preferentes” e rateio - 31º RJFP.
O que aponta, mais uma vez, para a conclusão de que a instituição de um Fundo de Pensões origina um património autónomo, que responderá, só ele, pelo cumprimento do plano de pensões e, em caso de extinção do fundo, os “credores” (beneficiários, participantes) verão os seus direitos satisfeitos até ao limite do valor que restar do produto da liquidação.
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Aqui chegados importa frisar um aspecto subentendido no que vimos expondo.
A pensão complementar privada não tem origem no contrato individual de trabalho, nem goza da protecção laboral de irredutibilidade/imutabilidade inerente à retribuição. A sua origem é previdencial e goza sim dos direitos conferidos pelos diplomas dos fundos de pensões, mormente da criação de um fundo patrimonial autónomo, gerido por entidade externa e sujeito a parâmetros de actuação supervisionados por entes diversos.
Demonstra a realidade que, ainda assim, não se consegue uma tutela absoluta. Mas seguramente está instituído um regime menos exposto ao risco do que para os trabalhadores resultaria caso o garante fosse apenas a própria empresa e não um Fundo.
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Estamos em condições de enfrentar a questão concreta.
No caso dos autos, quando em 15/11/2019 ao autor foi reconhecida, na terminologia legal, a “contingência “invalidez, já o “Fundo de Pensões EMP01...” tinha sido extinto.
Dá-se o caso de a extinção do Fundo de Pensões EMP01... ter resultado, não das acima referidas” típicas” formas legais, mas em decorrência da publicação e entrada em vigor, em 1-05-2015, de diploma especial, a saber o Dec. Lei 62/2015, de 23 de abril.
O referido diploma procede à transferência para a CGA, IP. das responsabilidades pelos complementos de pensões em pagamento dos antigos trabalhadores dos EMP01..., S. A., considerando que esta empresa se encontrava a concluir um processo que conduziria à sua liquidação e extinção. E determina a extinção automática do Fundo de Pensões EMP01..., sem necessidade do cumprimento de quaisquer outras formalidades, de natureza legal ou regulamentar, após a integral transferência do seu património para a CGA, I. P - art. 9º do referido diploma.
Atribuiu-se, mesmo, imperatividade ao regime instituído (artigo 10º do mesmo diploma “O disposto no presente decreto-lei tem natureza imperativa, não podendo ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e prevalecendo sobre todas as normas legais ou convencionais em contrário.”
De acordo com  seu artigo 8º, 3, a), a totalidade do património do Fundo de Pensões EMP01... foi transferido para a CGA, IP para assegurar as pensões em pagamento[10]  e as despesas de comissão de gestão. Dali consta quanto às pensões em pagamento (ou as de sobrevivências dos herdeiros) que o valor que se visse a verificar não provisionado pelo Fundo de Pensões dos EMP01... seria assegurado por outras entidades, incluindo o Estado. Entrevendo-se, pois, insuficiência do fundo logo em pagar aos “preferentes” beneficiários de direitos consolidados- 8º, 3, b).
Do que se conclui que, além do Fundo de Pensões EMP01... ser extinto em 2015, a liquidação e distribuição do seu património obedeceu a regras especiais, parcialmente diferentes das contidas no regime jurídico de fundo de pensões. O Fundo de Pensões EMP01... foi unicamente afecto ao cumprimento das pensões em pagamento (ademais, prevendo-se a incapacidade do património do fundo para as assegurar, outras entidades garantiram o seu pagamento).
Nos termos que vimos expondo, o autor, à data (2015), era mero detentor de uma expectativa jurídica e não de um direito a pensão, cuja condição só se verificou depois da extinção do Fundo EMP01....
Assim sendo, por um lado, carece de fundamento o vertido na sentença recorrida quanto à legitimidade substantiva da CGA IP, dado que para a mesma não foram transferidas responsabilidades com o pagamento de meros “participantes”, os quais ainda não estavam a receber pensões complementares por não ter ocorrido a respectiva condição (reforma pelo sistema público) - 4º e 5º do diploma especial, Dec. Lei 62/2015, de 23 de abril.

Por outro lado, a verdade é que o autor não tem direito ao beneficio reclamado por outras razões, que assim sumariamos:
(i) Sobreveio lei especial que extinguiu o Fundo de Pensões EMP01... e que determinou a liquidação do seu património afectando-o apenas ao cumprimento das pensões em pagamento (e das de sobrevivência dos herdeiros de beneficiários);
(ii) À data o autor não era beneficiário de pensão em pagamento, mas mero detentor de uma expectativa jurídica, por não ter ainda ocorrido o evento (reforma) da qual dependia a sua atribuição, pelo que não foi abrangido pela referida lei especial;
(iii) O autor não tem direito à pensão complementar que ora reclama directamente do Estado, em substituição da empregadora EMP01..., porque pelo seu pagamento apenas poderia responder o património autónomo do Fundo de Pensões EMP01..., entidade extinta e liquidada em data anterior. Convoca-se, aqui, tudo o acima dito quanto à separação do património do fundo de pensões e da empregadora.
Por hipótese de raciocínio, ainda que a lei especial, o Dec. Lei 62/2015, de 23-04, não excluísse de protecção os trabalhadores sem pensões em pagamento (meros detentores de direitos “em formação”) e nada mais regulasse,  a verdade é que, extinguindo-se o Fundo EMP01..., na lógica acima relatada, sempre o autor somente poderia exigir pagamento do Fundo e através do que restasse do seu património liquidado e quando chegasse a sua vez, tendo de ser respeitada a ordem e rateio legais previsto no regime de funcionamentos dos fundos. Veja-se que, em situações de insuficiência financeira com extinção e liquidação do fundo, o próprio regime dos fundos de pensões privilegia, compreensivelmente, os beneficiários das pensões em pagamento.
(iv) Inexiste vínculo negocial directo entre o autor trabalhador e os EMP01... antiga empregadora susceptível de tutelar um direito individual à pensão que possa ser garantido pelo património da própria empresa (ou do que dela reste). O empregador não assume a veste de garante e a sua obrigação é a de “alimentar” o Fundo. A tutela dos direitos de pensão privada está na existência do fundo. A expectativa do autor tem por base um acto unilateral do empregador que institui um fundo que é um patrimonial autónomo, sendo o autor terceiro em tal negócio.  Rege o disposto no regime de fundos de pensões (quanto à natureza do fundo) e na referida lei especial (que extingue o Fundo EMP01...), os quais não conferem ao autor o direito reclamado.
(v) O autor deixou de ter assegurado o futuro direito à pensão por extinção do fundo e, fora deste quadro, só poderá haver lugar a indemnização pelo interesse negativo em situações em que se destaque forte violação do principio da confiança, mormente num contexto de comprometimento/vínculo prévio com os trabalhadores subjacente à constituição do fundo, seguido de frustração de expectativas decorrente de comportamento culposo da empresa.

Como refere BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, Estudos em Homenagem ao Professor Sérvulo Correia, Vol. IV, FDUL, 2010, pág. 224/5:
“O plano de pensões é garantido pelo fundo como património autónomo, a título principal, sendo o fundo a entidade única (e exclusivamente) responsável pelo pensionamento e pelos direitos em formação. Não pode existir nenhuma obrigação directa de complementação a cargo do empregador. É possível a alteração do plano de pensões e correlativamente do fundo, para além da plena aplicação do princípio da alteração das circunstâncias. Também é possível a extinção e liquidação do Fundo, pela recusa do associado em financiar, tendo os pensionistas trabalhadores e beneficiários participantes direito à respectiva quota de liquidação....
“A vinculação só existe com a criação do fundo, ainda que criação de expectativas e de confiança e a actuação de má fé do empregador (principalmente pela não constituição, dotação ou não alimentação do fundo) possam dar lugar a indemnizações (mormente pelo interesse negativo).”
Não é esse o quadro dos autos, nem tal é sequer invocado.
É de manter a decisão final, conquanto por diferente fundamentação.

III– DECISÃO

Acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se, embora com diferente fundamentação, a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Notifique.
6-02-2025

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Francisco Sousa Pereira


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.
[2] Relevam apenas as últimas alterações ao plano de pensões.
[3] Decorre dos factos que a empresa EMP01..., Sa (EMP01...) foi dissolvida (2015) e liquidada. O Estado foi demandado na acção, enquanto único acionista desta sociedade.
[4] Desenvolveu-se na segunda metade do sec. XX como encargo estatal, com consagração na CRP de 1976.
[5] A análise subsequente restringe-se aos aspectos referentes apenas a estas contingências “pensões por velhice, invalidez ou morte”.
[6] Com as alterações ocorridas até ao Dec. Lei 127/2017, de 9 de outubro.
[7] Actualmnete está em vigor os fundos de pensões são regidos pela Lei 27/2020, de 13 de julho, não aplicável ao caso pelas razões referidas- o evento que conferirá o direito reclamado ocorreu na vigência do anterior RJFP.
[8] Ou seja, antes da alteração introduzida ao artigo 24º do RJFP, pela Lei 147/2015, de 9 de setembro.
[9] Dada pela Lei 147/2015, de 9 de setembro.
[10] E as de sobrevivência de herdeiros do já beneficiários que vissem a ser atribuídas.