Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2202/08-2
Relator: ESTELITA MENDONÇA
Descritores: CRIME
INCÊNDIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Comete o crime de incêndio do art. 272 n.º 1 a) do C. Penal “Quem provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício ou construção, a meio de transporte, a floresta, mata, arvoredo ou seara, e criar deste modo perigo para a vida ou integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado”.
II - Estes crimes são de perigo comum, o que resulta da necessidade de defender o homem e a sociedade das actividades perigosas, uma necessidade que se torna cada vez mais urgente à medida que o progresso tecnológico desenvolve métodos e instrumentos tão eficazes quanto perigosos, sendo certo que se pune o perigo porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social (Ac. do S.T.J. de 6/01/1993, B.M.J. 423-348).
III - No actual art. 272 do C. Penal, mantém-se a tripla faceta : 1) Tipo fundamental, de acção dolosa e criação dolosa de perigo; 2) Acção Dolosa e criação negligente de perigo; 3) Acção negligente.
IV - No entanto, o Código Penal de 1995, no seu artigo 272 exclui do âmbito das condutas criminais a criação de perigo de incêndio, prevista no art. 254 do Código anterior, passando a considerar punível o facto de “provocar incêndio de relevo” (Ac. do S.T.J. de 31/10/95, tirado no Proc. 047700, disponível na Internet no site www.dgsi.pt).
V - Para efeitos de configuração do ilícito previsto e punido na alínea a) do n.º 1 do art. 272 do C. Penal, compete ao julgador a avaliação, em cada caso concreto, da relevância ou irrelevância desse incêndio (Ac. do S.T.J., de 16/10/98, tirado no Proc. n.º 98P1463, disponível na Internet, no site acima referido).
VI - O dolo previsto no art. 272 n.º 1 do C. penal apenas abrange a provocação de incêndio de relevo com a representação (elemento intelectual) de um perigo para a vida ou integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa, excluindo expressamente qualquer exigência de verificação de um fim ulterior àquele realizado com o
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Relação de Guimarães:

TRIBUNAL RECORRIDO :
Tribunal Judicial de Viana do Castelo (Comum Colectivo n.º 74/06.0GDVCT).

RECORRENTE :
… (arguido)

RECORRIDOS :
- Ministério Público
- Maria …

OBJECTO DO RECURSO :
Por acórdão de 30 de Junho de 2008 (fls. 199 a 212) foi decidido, além do mais:
1- Condenar o arguido …, como autor material de um crime de incêndio, p. e p. pelo art. 272° n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de QUATRO ANOS DE PRISAO, a qual, nos termos do artigo 50° do código penal, atenta a personalidade do arguido suas condições pessoais e demais circunstâncias apuradas, foi suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, bem como foi, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 53° n.°3 do código penal, ordenado regime de prova ao arguido de acordo com o definido pelo n.°2 do referido artigo 53 do código penal.
2. Condenar o referido arguido aqui demandado, a pagar à demandante … a quantia peticionada de € 1150,00 devida a título de indemnização por danos patrimoniais.

Inconformado veio o arguido recorrer, apresentando as seguintes Conclusões (transcrição):
1. No acórdão de fls... o Tribunal “a quo” não apreciou nem avaliou correctamente a matéria fáctica produzida em audiência de discussão e julgamento, devendo antes ter decidido pela absolvição do ora recorrente;
2. 0 Tribunal “a quo”, fez uma incorrecta valoração e apreciação da prova;
3. Assim como uma incorrecta subsunção dos factos provados ao direito aplicável.
4. Procedeu-se a gravação de prova no programa Cícero, que consta de suportes magnéticos, mais concretamente de um único CD, donde constam os depoimentos do arguido e das testemunhas de acusação e defesa.
5. As provas da fundamentação de facto da sentença, salvo o devido respeito, foram incorrectamente julgados pelo Tribunal “a quo “.
6. As provas que impõe decisão diversa, são os depoimentos também constantes das gravações efectuadas, mais concretamente as declarações do arguido, e os depoimentos das testemunhas de defesa, e a prova documental constante dos autos, nomeadamente o Relatório de Ocorrência nº 1401, elaborado pelo Bombeiros Municipais de Viana do Castelo, e a Certidão emitida pelo Instituto de Meteorologia, I.P., bem como a acta da inspecção ao local, constante de fls. 183 dos autos, bem corno o Relatório Social elaborado pela Direcção Geral de Reinserção Social de Viana do Castelo, inserto nos autos a fls. 152 e seguintes, as declarações de depoimentos das testemunhas de acusação.
7. 0 Tribunal “a quo” não tinha porque desconsiderar o depoimento do arguido, e das testemunhas de defesa, como fez e ao fazê-lo caiu em erro notório de apreciação da prova.
8. 0 tribunal “a quo “, fez uma adesão à versão apresentada pelas duas primeiras testemunhas de acusação, mais pelas suas qualificações profissionais, em detrimento das do arguido e das testemunhas por si arroladas, ultrapassou a prova produzida em sede de audiência, e caiu em erro notório na apreciação da prova
9. Dai que o referido na matéria dada como provada fosse incorrectamente julgado devendo ter sido considerado como não provado.
10. Numa leitura mais atenta, estas contradições imporiam a absolvição do arguido.
11. A este respeito, invoca também o recorrente a violação do princípio in “dúbio pro reo.”
12. Este princípio é uma imposição dirigida ao Tribunal no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
13. Ao resultar existirem versões díspares sobre os factos relevantes, o arguido ora recorrente, devia ser absolvido em obediência a tal princípio.
14. As provas que devem ser renovadas, são todas aquelas que na gravação se encontram imperceptíveis, ou parcialmente imperceptíveis, como se deixou referido na transcrição.
15. Sem prescindir do acima exposto, mesmo que assim não seja considerado, salvo o devido respeito, no caso sub iudice, não se encontra demonstrado, que o arguido tivesse vontade de deitar fogo, muito menos que este tivesse consciência da criação de um perigo.
16. Salvo o devido respeito não pode o Tribunal afirmar que o arguido ateou fogo, sem dizer com quê? De que forma e onde especificamente?
17. Também, não se apurou, face à prova produzida que o arguido tenha agido com dolo, com consciência ou intenção de incendiar bens.
18. Pelo que ao contrário do defendido pelo Tribunal “a quo”, nenhum dos elementos integrantes do crime de incêndio concorrem no caso concreto.
19. Pelo que face a estes elementos, não se mostram verificados os pressupostos ou requisitos do crime de incêndio, o arguido não agiu de forma a causar um dano - com lesão efectiva relevante - sobre bens juridicamente tutelados de natureza diversa; em bens patrimoniais em perigo que atingem “grande valor”.
20. Nem actuou o arguido, com dolo, quer quanto ao incêndio quer quanto ao perigo.
21. Ainda sem prescindir, face às circunstâncias dadas como provadas, ainda assim não devia aplicar, ao arguido uma pena superior ao mínimo legal (3 amos), fixado no Artigo 272° nº 1 n° a), por força do disposto no artigo 2°, n.º 4 do Código Penal, e suspensa na sua execução da pena, pois o regime actual é o que concretamente se mostra mais favorável permitindo a aplicação de medida de suspensão, por período superior a três anos e até cinco anos, ao que se aplicar em termos de pena efectiva, antes da sua suspensão.
22. Sem prescindir, a culpa do arguido é diminuta, e devem portanto operar, todas circunstâncias atenuantes enumeradas no artigo 71 do Código Penal que possam ser de valorar favoravelmente, como sejam o facto de o arguido não ter antecedentes da mesma natureza ou ate outros, e estar socialmente bem inserido na sociedade, desempenhando com regularidade uma actividade profissional, devendo também atender ao seu comportamento anterior e posterior aos factos, sendo urna pessoa trabalhadora, honesta, bom pai de família, educado e considerado no meio onde vive, e beneficiar da consideração que lhe é atribuída pelos que com ele sempre lidaram e convivem, pessoa de trabalho e bem inserida socialmente, tendo inclusivamente desempenhado o cargo de …, procurando sempre trabalhar em prol do bem comum, revelando preocupações no desempenho como pai de três filhos consigo residentes e como marido.
23. Pelo que a ser aplicada ao arguido uma pena, o que só por hipótese académica se admite, esta não deverá ser superior ao mínimo legal, ou seja, aos três anos de prisão suspensa na sua execução.
24. No que respeita ao pedido de indemnização civil, conforme consta do depoimento da demandante …, pouca ou nenhuma prova foi produzida a esse respeito.
25. Com o devido respeito, a prova produzida foi no sentido de atirar valores para o ar, mas sem qualquer precisão ou suporte, pois não se apurou quantas árvores de pequeno porte foram consumidas pelo fogo, nem quantas grandes, sendo que destas algumas já foram abatidas, não tendo sido feita nenhuma prova da necessidade do seu abate.
26. Questionada a demandante, se não aproveitou os pinheiros, referiu que os deixou para as pessoas necessitadas. Ou seja não as aproveitou porque não quis.
27. Nesse pressuposto, afigura-se desajustada a quantia fixada a título de danos patrimoniais.
28. Violou assim, o tribunal “a quo”, o disposto nos artigos, 272° nº 1 alínea a) do Código Penal, 274 nº 1 alínea do actual Código Penal, e art. 40°, 47 n.º 1 e 2, e 71, 72° e 129° todos do Código Penal, assim como o disposto no artigo 483° n.º 1 e 563° ambos do Código Civil
Termos em que se requer a V. Exas., dando provimento ao presente recurso, se dignem alterar a sentença conformidade com o supra exposto.
Com o que se fará, como sempre, JUSTIÇA.
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Admitido o recurso, respondeu o magistrado do M.P.º nos termos de fls. 297 a 301, pugnando pela improcedência do recurso por não se verificarem os invocados vícios.
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Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto seja julgado improcedente.
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Foi cumprido o art. 417, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
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Colhidos os vistos legais, nada obsta agora ao conhecimento da causa.
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Como é sabido, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – cfr. Art. 412, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Assim, as questões suscitadas são:
- Erro notório da apreciação da prova com violação do princípio do in dúbio pró reo
- Errada subsunção jurídica.
- Medida da pena excessiva.

Cumpre agora decidir:
Com interesse para a decisão dos autos foram os seguintes os factos dados como provados e não provados no acórdão recorrido, bem como a respectiva fundamentação:

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
No dia 07.06. 2006, no lugar de …, cerca das 15horas e 25 minutos, o arguido transitava pela estrada municipal n.º 550-1, aí existente, ao volante de um veículo automóvel.
Em determinado local dessa via, tal como evidenciado na fotografia de fls. 28 dos autos, parou e estacionou, junto á berma do lado direito atento o sentido que trazia, tendo abandonado o mesmo veículo por alguns minutos, enquanto se embrenhava por um carreiro em terra batida até chegar a um lugar de vegetação densa, de arvoredo de mato, pinheiros e carvalhos.
Durante o percurso o arguido procurou alcançar um lugar de recato e afastado de olhares curiosos.
Aí lançou fogo ao mato e arvoredo secos existentes e em condições de se propagar imediatamente, atentas as condições climatéricas que naquela hora do dia se faziam sentir, montante de calor intenso e vento forte, à vegetação de mato e pinheiros altos e outras árvores.
Logo após esse acto, o arguido afastou-se do local onde estivera, entrou no veículo que deixara estacionado e que conduzia e afastou-se pela estrada municipal.
Momentos após essa actuação, o fogo iniciado começou a notar-se no lugar dessa estrada, pelo fumo produzido intenso e detonador de rápida progressão, tendo sido logo avistado por um residente da localidade que também alertou os bombeiros, cerca das 15horas e 45 minutos, o que permitiu uma rápida intervenção, que impediu estragos maiores do que os verificados.
Ainda assim, o fogo iniciado pelo arguido de modo voluntário, propagou-se rapidamente e durante cerca de meia hora, consumiu área de pinheiro e mato de cerca de dois hectares, também de mato, pinheiro e carvalho.
A referida área, além da zona de propriedades particulares atingidas e pertencentes a…, provocando estrago não inferior a € 250,00, também abrangia casas de habitação, mormente as daqueles … e …, situadas muito perto do local onde lavrou o fogo e que poderiam vir a ser atingidas pelo mesmo, não fora a intervenção dos bombeiros que procederam a trabalho de extinção e rescaldo, por período superior a 3 horas.
Desse modo, o fogo referido, ateado pelo arguido, provocou directa e potencialmente um perigo de estrago muitíssimo elevado, atento o valor corrente e normal de uma habitação de família, sempre da ordem das várias dezenas de milhar de euros.
O arguido agiu livre e conscientemente, apercebendo-se do risco iminente de propagação rápida do incêndio a zonas circundantes do local onde se encontrava e mormente do perigo de atingir casas de habitação como as referidas e desse modo potenciar a destruição das mesmas, pelo fogo. Mesmo assim, levou a conduta avante, sabendo que tal era proibido por lei.
Quanto ao pedido de indemnização civil, resultou provado:
Todas as árvores de pequeno porte foram consumidas pelo fogo e as de grande porte já foram abatidos cerca de 20 pinheiros de valor não inferior a €1000,00; para reposição da água da piscina que serviu para o combate ao fogo, despendeu cerca de €100,00; pagou a um homem que andava com as cisternas a quantia de € 50,00.
Não resultaram apurados os seguintes factos:
Que se encontrava o arguido naquele local eventualmente para satisfazer necessidades fisiológicas
Não resultaram apurados outros factos relevantes para a decisão desta causa
Da discussão da causa resultou ainda provado:
Que o arguido em três filhos de 21, 20 e 15 anos, a sua mulher é doméstica e o casal reside a cerca de 600 metros do local que veio a arder.
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Fundamentação de facto:
Assentam os factos provados desde logo pela circunstância de a testemunha … se encontrar naquele dia a cortar sebes numa residência perto do local onde deflagrou o incêndio e que se apercebeu da chegada do arguido e do tempo aproximado que este demorou até regressar de novo ao carro e as condicionantes em que esta testemunha logo depois se vem a aperceber do fumo.
Assume relevância ainda o teor de fls. 32 a 34, elucidativas do local onde terá iniciado o fogo, face ao tipo de vestígios encontrados, a parte das árvores atingida, também esta elucidativa da direcção do fogo, e atentas ainda as informações dadas pelo senhor agente da PJ … que esclareceu de forma peremptória que o fogo apenas se podia ter iniciado no local indicado, face ao tipo de destruição deixada pelo mesmo. Instado esclareceu que o vento mais forte pode criar vários fogos secundários mas em relação ao caso concreto a zona que identificou com maior destruição permitiu-lhe entre outros indícios, concluir ter sido ali o início do fogo e que depois vai ganhando mais calor e maior velocidade e menor destruição. Esclareceu que para efeitos de ponto de início o calor e o vento são irrelevantes. Também a testemunha …, bombeiro esclareceu de onde provinha o fogo e o que ardeu.
As provas supra referidas infirmam decisivamente a versão trazida para os autos pelo arguido e pela testemunha M…, cunhada do arguido e de A…, quando apontavam outro local para o início do incêndio.
No que concerne à extensão passível de vir a ser afectada pelo fogo, este tribunal teve em atenção o teor de fls. 35, 36 e 37, que lhe permitiram aferir não só da extensão de mato circundante à zona ardida como ainda, face à sua localização, permitiria atingir casas, como é o caso das casas das testemunhas …, a escassos metros daquele local onde deflagrou o incêndio.
Em relação à extensão ardida o relatório dos bombeiros assim o confirma a fls. 27dos autos.
As testemunhas de defesa apresentadas depuseram de forma a confirmarem os factos dados como assentes no tocante à personalidade do arguido. De relevo ainda o relatório social junto aos autos.
Finalmente assumiu ainda relevância o teor do certificado de registo criminal junto aos autos.
Quanto ao pedido de indemnização civil foi relevante o depoimento da própria visada que esclareceu o que pereceu e os gastos que teve por via deste incêndio.”

Cumpre agora decidir:
Como já acima se disse, as questões suscitadas pelo arguido são as seguintes:
1. Erro notório da apreciação da prova com violação do princípio do in dúbio pró reo
2. Errada subsunção jurídica.
3. Medida da pena excessiva.

Vejamos então:

1. O Erro notório da apreciação da prova e a violação do princípio do in dúbio pró reo
Sustenta o recorrente que “0 Tribunal “a quo”, fez uma incorrecta valoração e apreciação da prova e que as provas da fundamentação de facto da sentença, salvo o devido respeito, foram incorrectamente julgados pelo Tribunal “a quo “.
Diz também que “As provas que impõe decisão diversa, são os depoimentos também constantes das gravações efectuadas, mais concretamente as declarações do arguido, e os depoimentos das testemunhas de defesa, e a prova documental constante dos autos, nomeadamente o Relatório de Ocorrência nº 1401, elaborado pelo Bombeiros Municipais de Viana do Castelo, e a Certidão emitida pelo Instituto de Meteorologia, I.P., bem como a acta da inspecção ao local, constante de fls. 183 dos autos, bem corno o Relatório Social elaborado pela Direcção Geral de Reinserção Social de Viana do Castelo, inserto nos autos a fls. 152 e seguintes, as declarações de depoimentos das testemunhas de acusação”.
Sustenta ainda que “o Tribunal “a quo” não tinha porque desconsiderar o depoimento do arguido, e das testemunhas de defesa, como fez e ao fazê-lo caiu em erro notório de apreciação da prova, pois o tribunal “a quo “, fez uma adesão à versão apresentada pelas duas primeiras testemunhas de acusação, mais pelas suas qualificações profissionais, em detrimento das do arguido e das testemunhas por si arroladas, ultrapassou a prova produzida em sede de audiência, e caiu em erro notório na apreciação da prova
Invoca também o recorrente a violação do princípio in “dúbio pro reo.”, sustentando que “ao resultar existirem versões díspares sobre os factos relevantes, o arguido ora recorrente, devia ser absolvido em obediência a tal princípio”.
Termina dizendo que “as provas que devem ser renovadas, são todas aquelas que na gravação se encontram imperceptíveis, ou parcialmente imperceptíveis, como se deixou referido na transcrição”.
Vejamos:

Nos termos do disposto no art. 412 n.º 3 do C. P. Penal, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto o recorrente deve especificar: a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devam ser renovadas”.
Para além disso, nos termos do n.º 4 do referido artigo, quando as provas tiverem sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas a) e b) do n.º anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do n.º 2 do art. 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens do mesmo em que se funda a impugnação.
Só nesse caso é que o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (n.º 6 do art. 412 do C. P. Penal).
É jurisprudência praticamente unânime que o Tribunal da Relação, quando aprecia recurso impugnatório da matéria de facto, não visa efectuar um segundo julgamento.
Efectivamente, o tribunal da Relação é um tribunal de recurso e não um tribunal que aprecia a prova em primeira instância, pelo que não lhe incumbe fazer um segundo julgamento quanto á matéria de facto.
Do modo como está estruturado o art. 412 do C. P. Penal, nomeadamente os seus n.º 3 e 4 acima citados, ao tribunal da relação, enquanto tribunal de recurso, incumbe emitir juízos de censura crítica, ou seja, indicando o recorrente quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados bem como as provas que impõem decisão diversa, averiguar criticamente se esses pontos estão ou não correctamente julgados ou se as referidas provas impunham uma decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal “a quo”.
Na verdade, e como já acima dissemos, quando as provas tiverem sido gravadas, as referências fazem-se relativamente ao consignado na acta e o recorrente tem de indicar concretamente as passagens da gravação em que se funda a impugnação e quais as provas que impõem decisão diferente.
Nos presentes autos, a prova produzida no julgamento foi gravada e o recorrente, na motivação, transcreve alguns excertos dos depoimentos, ou, melhor dizendo, algumas frases soltas de alguns depoimentos.
“O vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) n.º 2 do art. 410 do C. P. Penal existe quando, do texto do decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta evidente, por não passar despercebido ao comum dos observadores dotados de uma preparação e experiência judiciárias convenientes, uma conclusão sobre o significado da prova contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito de factos relevantes para a decisão de direito. 0 mesmo vício só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos” (acórdão do STJ de 13.10.1999, Proc. n.° 1002/98 – 3.ª Secção, Conselheiro Armando Leandro).
O erro notório na apreciação da prova é um vício que se verifica “quando da factualidade provada se extraiu uma conclusão ilógica, irracional e arbitrária ou notoriamente violando as regras da experiência comum” BMJ n.º 476, pág. 253., ou seja, sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal. Trata-se de um erro ostensivo, patente e de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, que é facilmente detectado pelo homem médio (Ac. do S.T.J. de 22/11/89 - BMJ n.º 391, pág. 433 e de 26/09/90 - BMJ n.º 399, pág. 432).
É, contudo, um erro que tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (n.º 2 do art. 410º do C.P.P.).
É através da indicação das provas que serviram para formar a convicção do julgador e do seu exame crítico, que o tribunal de recurso vai poder verificar se o tribunal “a quo” seguiu ou não um processo lógico e racional na apreciação da prova, isto é, vai revelar o raciocínio feito para se chegar a determinado convencimento.
Regressando à decisão sub judice, após cuidada leitura, ficamos cientes que o vício apontado pelo recorrente de erro notório na apreciação da prova não se verifica, pois a sentença descreve os factos dados como provados, os dados como não provados, e, na fundamentação de facto, descreve a forma como formou a sua convicção quanto aos factos provados, indicando a prova que considerou, nomeadamente dizendo expressamente que “Assentam os factos provados desde logo pela circunstância de a testemunha … se encontrar naquele dia a cortar sebes numa residência perto do local onde deflagrou o incêndio e que se apercebeu da chegada do arguido e do tempo aproximado que este demorou até regressar de novo ao carro e as condicionantes em que esta testemunha logo depois se vem a aperceber do fumo.
Assume relevância ainda o teor de fls. 32 a 34, elucidativas do local onde terá iniciado o fogo, face ao tipo de vestígios encontrados, a parte das árvores atingida, também esta elucidativa da direcção do fogo, e atentas ainda as informações dadas pelo senhor agente da PJ … que esclareceu de forma peremptória que o fogo apenas se podia ter iniciado no local indicado, face ao tipo de destruição deixada pelo mesmo. Instado esclareceu que o vento mais forte pode criar vários fogos secundários mas em relação ao caso concreto a zona que identificou com maior destruição permitiu-lhe entre outros indícios, concluir ter sido ali o início do fogo e que depois vai ganhando mais calor e maior velocidade e menor destruição. Esclareceu que para efeitos de ponto de início o calor e o vento são irrelevantes. Também a testemunha…, bombeiro esclareceu de onde provinha o fogo e o que ardeu.
As provas supra referidas infirmam decisivamente a versão trazida para os autos pelo arguido e pela testemunha .. e de…, quando apontavam outro local para o início do incêndio“ (O itálico é nosso).
O recorrente, como vimos, discorda desta apreciação.
Mas, mesmo ouvindo a gravação da audiência, chegaremos à mesma conclusão da senhora juiz a quo.
Na verdade, o recorrente …, nega ter ateado o fogo, dizendo que parou ali para urinar e depois se deslocou àquele local para ver se havia vestígios de um javali pois é caçador (Curiosamente, e como bem nota o ilustre Procurador adjunto ao interrogar o arguido na audiência, só no julgamento é que surge essa versão do javali.... Na verdade, no seu interrogatório como arguido (fls. 50 a 52) disse “…apenas andou cerca de dez metros para urinar e mal terminou esta necessidade fisiológica de imediato regressou à sua viatura afastando-se do local”).
Curiosamente também, agora, na motivação do recurso (ver fls. 282 e 283 dos autos), surge “ex novo” a explicação para a “atrapalhação” do arguido referida pela testemunha L.


quando o arguido o viu ao regressar da bouça para o carro: “… a reacção do arguido, …, é bem outra, o arguido chegou ao local a conduzir uma viatura automóvel e sabia que a testemunha L…cabo da GNR, e ficou por isso a pensar que este o podia multar porque naquela altura não tinha carta de condução…” (o itálico é nosso).
Explicação que surge só agora, e bem prosaica, convenhamos…
Só que esse depoimento é completamente contrariado pelo depoimento da testemunha L…, o qual, cabo da GNR de profissão embora a trabalhar na Póvoa de Varzim, disse que estava a cortar a sebe da casa de um amigo ausente em França, casa essa situada em frente da casa dele próprio, e viu o arguido parar o carro, sair do mesmo, passar para trás dele, e, depois, olhando em redor mas sem o ver, começou a andar por trás do quintal da casa da testemunha, desaparecendo junto da casa da Dr.ª … (a testemunha S…). O referido L…esclareceu que quando viu o arguido a dirigir-se para aquele local, que não é de passagem e só dá acesso àquela propriedade, interrogou-se sobre o que ele iria ali fazer pelo que ficou atento. Pareceu-lhe que ele não levava nada nas mãos e demorou “cerca de 6, 7, 8 , mas não 10 minutos”, e regressou em passo acelerado. Só então é que o arguido viu a testemunha L…, mas meteu-se no carro, sem nada dizer, e arrancou. Passado cerca de 1 minuto começou a ouvir estalidos, olhou e viu a arder do lado onde o arguido tinha estado, pelo que saltou á estrada, foi á sua casa, ligou para os bombeiros, pegou numa mangueira e começou a regar a vegetação junto do muro da sua casa para evitar a propagação do incêndio para ali”.
De todos os outros depoimentos, nenhum foi de forma a contrariar o depoimento desta testemunha, antes, e como bem diz a senhora juiz a quo, as provas referidas infirmam decisivamente a versão trazida para os autos pelo arguido e pela testemunha M…, cunhada do arguido e de A…, quando apontavam outro local para o início do incêndio”.
No fundo e essencialmente, o que o recorrente põe em crise é a forma como o Tribunal apreciou a prova produzida em audiência, impugnando dessa forma a convicção assim adquirida e pondo em causa a regra da livre apreciação da prova inserta no artigo 127° do Código de Processo Penal (CPP).
Diz o arguido que “0 Tribunal “a quo”, fez uma incorrecta valoração e apreciação da prova e que as provas da fundamentação de facto da sentença, salvo o devido respeito, foram incorrectamente julgados pelo Tribunal “a quo “.
Mas pensamos que não tem razão, pois, pelo contrário, o Tribunal “a quo” fez correcta valoração e apreciação da prova, e as provas referidas na fundamentação de facto da sentença foram correctamente julgados pelo Tribunal.
Em nosso abono, não resistimos aqui a transcrever parte do parecer do PGA junto deste tribunal, Dr. Ribeiro Soares, e que o
“…, porque o recurso em matéria de facto não visa a realização dum novo julgamento, mas reparar erros do efectuado na 1.ª instância, mister é apurar se os factos dados corno provados colhem consistência na prova produzida, se os factos apurados têm sustentabilidade na prova gravada e na prova eventualmente emergente dos documentos constantes do processo.
Significa isto, intrinsecamente, que há que ponderar a conciliação entre aquela prova e o resultado da mesma, para que este surja como imanência daquela.
Dito isto, convém realizar a operação citada lançando a nossa atenção sobre a fundamentação da decisão.
3.2
Seria aconselhável que a fundamentação vertida na sentença fosse mais exaustiva para melhor se aperceber do percurso lógico-dedutivo operado pelo julgador em ordem a sua concretizada convicção probatória. Mas a que foi consignada na sentença, apesar disso, é bastante para nos apercebermos desse trajecto por aquele realizado. E não fica qualquer dúvida sobre qual a prova determinante da convicção do julgador: o depoimento da testemunha L…. Esta testemunha estava presente no local onde o incêndio deflagrou. Não viu o concreto momento em que o arguido ateou o fogo, mas efectuou um relato detalhado sobre a conduta daquele em função da qual se deve concluir que foi ele o autor do incêndio florestal havido.
É de todo imprescindível, ouvir o relato da mencionada testemunha. A sua descrição confere completa sustentabilidade à afirmação concretizada na sentença da autoria dos factos. Como ela bem refere, a única pessoa no local era o arguido. Este embrenhou-se na mata seguindo pelo caminho que a marginava. A conduta do arguido chamou-o à atenção e ficou de olho nele. Pouco tempo demorou entre o entrar na mata e o afastar-se dela regressando ao carro que tinha abandonado na estrada. Decorreu pouco tempo entre o abandono do local pelo arguido e o momento em que a testemunha logo divisou fumo proveniente da mata. A ligação entre todas estas circunstâncias inculca uma certeza: o arguido entrou na mata para aí lhe pôr fogo. Este só apareceu depois do arguido ter abandonado a mata, todavia em circunstâncias muito especiais. Como se expressa a testemunha, o arguido no momento em que abandonou a mata e com ela se deparou, ficou muito surpreendido. Não apenas surpreendido, mas sim atrapalhado. E este tipo de reacção, entendido de acordo com as regras da experiência, necessariamente que denuncia uma reacção de quem foi apanhado, de quem se acha comprometido com alguma coisa. E esta, corno se veio de imediato a constatar, foi o incêndio florestal.
Claro está que não releva a explicação que o arguido pretende dar para a sua conduta de introdução pela mata. A explicação que possa dar não importa para a autoria dos factos que só a acusação tem que demonstrar. Quer isto dizer que não se pode operar um raciocínio a contrario. A falta de razoabilidade duma explicação oferecida pelo arguido não se pode transformar em prova fáctica positiva. Porque não justificou o facto, então foi ele o seu autor. É raciocínio não autorizado em direito penal aquando da valoração das provas. Aquele facto — a falta de razoabilidade - apenas pode dar consistência às demais provas. Corno, claramente, ocorre no caso. Quem, como afirma o arguido, depois de urinar junto as traseiras do carro que conduzia se introduziu na mata para ver eventuais rastos de javali, não tem o mínimo de consistência pois que quem assim se quer certificar não demora tão pouco tempo para o fazer. 0 muito pouco tempo usado para isso não consente outra conclusão que não seja a de que o arguido não foi para a mata com essa finalidade. E, acima de tudo, não a abandona com ar comprometido. Sendo igualmente insensato afirmar-se que a atrapalhação resultou do facto do arguido saber que a testemunha era agente da GNR e ele ter pensado “que este o podia multar porque naquela altura não tinha carta de condução”. É desculpa, com o devido respeito, esfarrapada. Será que não ter carta de condução está no rosto das pessoas? Como seria possível a testemunha saber, só porque o viu, que ele não tinha carta de condução? Ao invés, o arguido não ficou nada, absolutamente nada amedrontado com o facto de não ter carta de condução, pois que, apesar disso, é um facto incontroverso, naturalmente se afastou do local dirigindo o veículo automóvel que já antes tinha conduzido. Por isso, a atrapalhação foi motivada por outra realidade, a que se impôs a todos: o deflagrar do incêndio por meio não apurado.
As demais provas que o arguido aponta, de forma alguma “impõem” decisão diversa da adoptada. 0 local exacto, preciso, onde iniciou o incêndio é matéria inconclusiva e a informação do serviço de Meteorologia não afasta a hipótese da ocorrência de um incêndio corno o dos autos. Se dissesse que, nessa altura, estava tempo chuvoso com impossibilidade dum acendimento florestal, certamente que seria uma prova “impositiva”. Mas não é assim no caso concreto.
Como é sabido, “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos” - art. 341 do C. Civil e estas ou são directas ou indirectas.
Como refere Cavaleiro de Ferreira, in Curso de Processo Penal, II, Lisboa 1981, pág. 288/9:
“Se a prova incide imediatamente sobre os factos probandos, sobre o tema da prova, esta diz-se directa. Se a prova incide sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras de experiência, uma ilação quanto a este, a prova diz-se indirecta.
0 critério de distinção assenta, portanto, na coincidência ou divergência do facto probando e do facto que é directamente objecto de prova, e que fundamenta um juízo sobre o primeiro.”
Por sua vez Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, Verbo pág. 93/4, refere:
“Se se tratar de prova directa, a percepção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal: na prova indirecta a percepção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogísticarnente para outra proposição, a base de regras gerais que servem de premissa maiores do silogismo e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção. A prova directa faz-se por percepção, a indirecta por percepção e presunção.”
Em face do acabado de referir existe prova que consolida a imputação, que objectiva a autoria do facto danoso.
Pode afirmar-se com absoluta segurança que não há prova directa dos factos. Ninguém percepcionou estes. Mas existe prova indirecta, a supra indicada através da qual se pode retirar usando um raciocínio lógico e seguro que foi o arguido o autor do crime. As provas enunciadas na sentença logram, conforme se viu, tal desiderato”.
No fundo e essencialmente, o que o recorrente põe em crise é a forma como o Tribunal apreciou a prova produzida em audiência, impugnando dessa forma a convicção assim adquirida e pondo em causa a regra da livre apreciação da prova inserta no artigo 127° do Código de Processo Penal (CPP).
Na verdade, nos termos do disposto no art. 127 do C. P. Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A prova há-de ser apreciada no equilíbrio destas duas vertentes (as regras da experiência e a livre convicção do julgador). Segundo se diz no Ac. da Rel. Porto de 6/03/2002 (proc. N.º 0111381 - disponível na Internet no site www.dgsi.pt), “O princípio da «livre apreciação da prova» é válido em todas as fases processuais, mas é no julgamento que assume particular relevo. Não equivale a «prova arbitrária». O juiz não pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas. A convicção do juiz não poderá ser puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável”.
Isso decorre do n.º 2 do art. 374 do CPP que dispõe que a sentença deverá conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”.
Será através da fundamentação da sentença que há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal, num sentido e não noutro, e bem assim porque é que o tribunal teve por fiável determinado meio de prova e não outro. A sentença há-de conter “os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo num determinado sentido” – ac. STJ de 13-2-92, C. J. tomo I, pag. 36 e ac. Trib. Constitucional de 2-12-98 DR IIª Série de 5-3-99.
Atento tudo quanto fica dito, afigurasse-nos perfeitamente legítima a opção efectuada pelo julgador, ao abrigo do disposto no art. 127 do C.P.Penal, sendo certo que lendo a mesma, se não verifica tenha ocorrido o tal erro ostensivo, patente e de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores, de que acima falamos.
Assim sendo, não vemos como se podem dirigir tais críticas ao sentenciado, já que a fundamentação de facto é perfeitamente consentânea com os factos dados como provados.
Já no que tange ao princípio in dubio pro reo que se diz violado, a razão também não está do lado do recorrente.
No acórdão de 18.10.2001 do STJ, Proc. n.º 2371/01 – 5.ª Secção, sendo relator o Conselheiro Pereira Madeira, escreveu-se:
I- 0 principio do “in dubio pro reo” para além de ser uma garantia subjectiva, é também uma imposição dirigida ao juiz: no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. II- Nas suas origens, teve sobretudo o valor de reacção contra as abusos do passado e a significado jurídico negativo de não presunção de culpa. No presente, a sua afirmação, quer nos textos constitucionais, quer nos documentos internacionais, ainda que possa significar reacção aos abusos do passado mais ou menos próximo, “representa sobretudo um acto de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda a sociedade livre “. III- Por outras palavras, significa tal principio, que não obstante as provas oficiosamente reunidas no processo, não possam ser “provados” os factos sobre os quais persista dúvida razoável e ainda que, sendo esse, a final do julgamento, o estado de espírito do julgador emergente da prova coligida, a dúvida deva ser sempre valorada em favor do arguido. IV- Haverá que realçar, todavia, que o princípio do in dubio pro reo vale apenas em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito: aqui a única solução correcta residirá em escolher, não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto”.
Também no Ac. do STJ de 02-05-2002, Proc. n.° 611/02 – 3.ª Secção se diz que “Como é entendimento dominante, o principio in dubio pro reo é apenas aplicável em matéria de decisão de facto, devendo no que respeita à decisão de direito optar-se pela solução que decorrer da interpretação das disposições legais aplicáveis, segundo os adequados princípios e regras de hermenêutica. Deve considerar-se verificado o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no alínea c) do n.° 2 do art. 410 do C. P. P. decorrente de ofensa do principio in dubio pro reo, se for de concluir que o tribunal, tendo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos, decidiu em desfavor do arguido. Ou quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, ela resultar evidente do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, quando é verificável que a dúvida só não é reconhecida em virtude da verificação do mencionado vício”.
Recorrer a tal princípio não se mostra justificado pois que o Tribunal a quo, como acima vimos, em momento algum perante um estado de dúvida decidiu contra o arguido. Bem ao contrário, aquele logrou atingir uma certeza, uma certeza jurídica obtida com observância escrupulosa das regras processuais, plasmada na fundamentação de facto.
Como já acima dissemos, no fundo, do que o recorrente discorda é da apreciação e valoração da prova efectuada pela senhora juiz a quo.
No entanto, e como já acima dissemos, nos termos do disposto no art. 127 do C. P. Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Foi o que a senhora juiz a quo fez.

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2. Errada subsunção jurídica.
Diz o arguido que, “…, salvo o devido respeito, no caso sub iudice, não se encontra demonstrado, que o arguido tivesse vontade de deitar fogo, muito menos que este tivesse consciência da criação de um perigo. Salvo o devido respeito não pode o Tribunal afirmar que o arguido ateou fogo, sem dizer com quê? De que forma e onde especificamente? Também, não se apurou, face à prova produzida que o arguido tenha agido com dolo, com consciência ou intenção de incendiar bens. Pelo que ao contrário do defendido pelo Tribunal “a quo”, nenhum dos elementos integrantes do crime de incêndio concorrem no caso concreto. Pelo que face a estes elementos, não se mostram verificados os pressupostos ou requisitos do crime de incêndio, o arguido não agiu de forma a causar um dano - com lesão efectiva relevante - sobre bens juridicamente tutelados de natureza diversa; em bens patrimoniais em perigo que atingem “grande valor”. Nem actuou o arguido, com dolo, quer quanto ao incêndio quer quanto ao perigo” (o itálico é nosso).
Refere o art. 272 n.º 1 a) do C. Penal “Quem provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício ou construção, a meio de transporte, a floresta, mata, arvoredo ou seara, e criar deste modo perigo para a vida ou integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos”.
Se o perigo referido for criado por negligência o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, e se a conduta referida for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos (n.º 2 e 3 do art. 272 do C. Penal).
Estes crimes são de perigo comum, o que resulta da necessidade de defender o homem e a sociedade das actividades perigosas, uma necessidade que se torna cada vez mais urgente à medida que o progresso tecnológico desenvolve métodos e instrumentos tão eficazes quanto perigosos.
O ponto crucial destes crimes reside no facto de que condutas cujo desvalor de acção é de pequena monta se repercutem, amiúde, num desvalor de resultado de efeitos não pouca vezes catastróficos (Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 9.ª edição, 1996, pág. 852).
Pune-se o perigo porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social (Ac. do S.T.J. de 6/01/1993, B.M.J. 423-348).
São de perigo porque não existe ainda qualquer lesão efectiva para a vida, para a integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor; e de perigo comum porque é susceptível de causar um dano incontrolável sobre bens juridicamente tutelados de natureza diversa.
No actual art. 272 do C. Penal, mantém-se a tripla faceta : 1) Tipo fundamental, de acção dolosa e criação dolosa de perigo; 2) Acção Dolosa e criação negligente de perigo; 3) Acção negligente.
No entanto, o Código Penal de 1995, no seu artigo 272 exclui do âmbito das condutas criminais a criação de perigo de incêndio, prevista no art. 254 do Código anterior, passando a considerar punível o facto de “provocar incêndio de relevo” (Ac. do S.T.J. de 31/10/95, tirado no Proc. 047700, disponível na Internet no site www.dgsi.pt).
Para efeitos de configuração do ilícito previsto e punido na alínea a) do n.º 1 do art. 272 do C. Penal, compete ao julgador a avaliação, em cada caso concreto, da relevância ou irrelevância desse incêndio (Ac. do S.T.J., de 16/10/98, tirado no Proc. n.º 98P1463, disponível na Internet, no site acima referido).
Os factos acima referidos permitem concluir, a nosso ver, que o arguido praticou o crime de incêndio p. e p. no art. 272 n. 1 a) , ou seja doloso.
Com efeito, o dolo previsto no art. 272 n.º 1 do C. penal apenas abrange a provocação de incêndio de relevo com a representação (elemento intelectual) de um perigo para a vida ou integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa, excluindo expressamente qualquer exigência de verificação de um fim ulterior àquele realizado com o facto ilícito, ou seja, de qualquer dolo específico, mesmo que implicitamente concebido (Ac. do S.T.J. de 23/06/1994, B.M.J., n.º 438, pág. 261).
Ora, resultou provado que o fogo iniciado pelo arguido de modo voluntário, propagou-se rapidamente e durante cerca de meia hora, consumiu área de pinheiro e mato de cerca de dois hectares, também de mato, pinheiro e carvalho.
A referida área, além da zona de propriedades particulares atingidas e pertencentes a …, provocando estrago não inferior a € 250,00, também abrangia casas de habitação, mormente as daqueles…, situadas muito perto do local onde lavrou o fogo e que poderiam vir a ser atingidas pelo mesmo, não fora a intervenção dos bombeiros que procederam a trabalho de extinção e rescaldo, por período superior a 3 horas.
Desse modo, o fogo referido, ateado pelo arguido, provocou directa e potencialmente um perigo de estrago muitíssimo elevado, atento o valor corrente e normal de uma habitação de família, sempre da ordem das várias dezenas de milhar de euros.
O arguido agiu livre e conscientemente, apercebendo-se do risco iminente de propagação rápida do incêndio a zonas circundantes do local onde se encontrava e mormente do perigo de atingir casas de habitação como as referidas e desse modo potenciar a destruição das mesmas, pelo fogo. Mesmo assim, levou a conduta avante, sabendo que tal era proibido por lei.
O número e valor de matas e porções de terreno queimadas, bem como os prejuízos patrimoniais causados, aliado ao facto de o mesmo ter posto em perigo outros bens patrimoniais de valor muito elevado, designadamente área de pinheiro e mato de cerca de dois hectares, também de mato, pinheiro e carvalho, configura o preenchimento do requisito “incêndio de relevo”.
Assim, e atento tudo quanto fica dito, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, ante a factualidade dada como assente, a sua subsunção jurídico-penal está afastada de qualquer censura, mesmo no que concerne ao elemento subjectivo, pelo que improcede o recurso também nesta parte.
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3. Medida da pena
Sustenta o arguido que, face às circunstâncias dadas como provadas, ainda assim não devia aplicar, ao arguido uma pena superior ao mínimo legal (3 anos), fixado no Artigo 272° nº 1 n° a), por força do disposto no artigo 2°, n.º 4 do Código Penal, e suspensa na sua execução da pena, pois o regime actual é o que concretamente se mostra mais favorável permitindo a aplicação de medida de suspensão, por período superior a três anos e até cinco anos, ao que se aplicar em termos de pena efectiva, antes da sua suspensão.
Sustenta ainda que a culpa do arguido é diminuta, e devem portanto operar, todas circunstâncias atenuantes enumeradas no artigo 71 do Código Penal que possam ser de valorar favoravelmente, como sejam o facto de o arguido não ter antecedentes da mesma natureza ou ate outros, e estar socialmente bem inserido na sociedade, desempenhando com regularidade uma actividade profissional, devendo também atender ao seu comportamento anterior e posterior aos factos, sendo urna pessoa trabalhadora, honesta, bom pai de família, educado e considerado no meio onde vive, e beneficiar da consideração que lhe é atribuída pelos que com ele sempre lidaram e convivem, pessoa de trabalho e bem inserida socialmente, tendo inclusivamente desempenhado o cargo de Secretário da Assembleia de Freguesia de …, procurando sempre trabalhar em prol do bem comum, revelando preocupações no desempenho como pai de três filhos consigo residentes e como marido, pelo que a ser aplicada ao arguido uma pena, o que só por hipótese académica se admite, esta não deverá ser superior ao mínimo legal, ou seja, aos três anos de prisão suspensa na sua execução”.
Como já acima se viu, a pena prevista para o crime do art. 272 n.º 1 a) do C. Penal é a pena de prisão de 3 a 10 anos (que foi mantida com a redacção da Lei n.º 59/2007 de 4/09).
Para a determinação da medida da pena importa tomar em consideração os critérios definidos nos artigos 71 e seguintes do C. Penal, nomeadamente a culpa do agente, as exigências de prevenção do crime, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins e motivos que o determinaram, as condições pessoais e económicas do agente a sua conduta anterior e posterior ao facto, etç.
Ora todos esses elementos foram devidamente ponderados pelo tribunal a quo.
Na verdade, disse-se, nesse aspecto, no acórdão recorrido (transcrição): “As exigências de prevenção especial de socialização, que convivem mas não se sobrepõem à prevenção geral, são, no caso, pouco acentuadas, na medida em que, quando considerado o percurso pessoal do arguido, se revela ser este o único acto desfavorável à sua conduta. A culpa é, por seu lado, algo acentuada. Concorrem, por outro lado, circunstâncias do elenco do artigo 71º do Código Penal que possam ser de valorar favoravelmente, como sejam o facto de o arguido beneficiar da consideração que lhe é atribuída pelos que com ele sempre lidaram e o facto de não ter antecedentes da mesma natureza ou até outros. É pessoa de trabalho e bem inserida socialmente. Por outro lado, pese embora a gravidade e censurabilidade da conduta do arguido, crê-se que se tratou de conduta, impensada sim, mas isolada; Afigura-se, face a estes elementos, que a simples censura do facto e a ameaça da pena serão suficientes para obstar à repetição da conduta do arguido e para o afastar da criminalidade, satisfazendo também as exigências de prevenção e de reprovação do crime. Assim e pelo seu carácter pedagógico e reeducativo, entende-se adequado suspender a execução da pena de prisão a aplicar. Importa ainda referir que este tribunal irá ter em atenção, por força do disposto no artigo 2º,n.º4 da lei penal, que na aplicação de medida de suspensão da execução da pena, o regime actual é o que concretamente se mostra mais favorável pois permite a aplicação de medida de suspensão, por período superior a três anos e até cinco anos, ao que se aplicar em termos de pena efectiva, antes da sua suspensão”.
Por tudo isto, concordamos inteiramente com o que bem diz o ilustre PGA junto deste tribunal no seu parecer, e que é “A comprovada culpa do arguido não justifica o seu mínimo legal tendo em vista o disposto no art. 71 do C Penal. A fundamentação vertida na sentença mostra-se precisa e completamente acertada. Nada, por isso, justifica o propósito do arguido, neste particular”.
Improcede assim também este segmento do recurso.
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4. Pedido Cível
Diz o recorrente que “No que respeita ao pedido de indemnização civil, conforme consta do depoimento da demandante Dra…, pouca ou nenhuma prova foi produzida a esse respeito. Com o devido respeito, a prova produzida foi no sentido de atirar valores para o ar, mas sem qualquer precisão ou suporte, pois não se apurou quantas árvores de pequeno porte foram consumidas pelo fogo, nem quantas grandes, sendo que destas algumas já foram abatidas, não tendo sido feita nenhuma prova da necessidade do seu abate. Questionada a demandante, se não aproveitou os pinheiros, referiu que os deixou para as pessoas necessitadas. Ou seja não as aproveitou porque não quis. Nesse pressuposto, afigura-se desajustada a quantia fixada a título de danos patrimoniais”.
Quanto ao pedido cível disse-se no acórdão recorrido (transcrição parcial):
“…Nestes autos ficou provado que a conduta levada a cabo pelo arguido veio a ter como consequências a perda de árvores e a remuneração quer por via de trabalhos levados a cabo quer por via da reposição da situação anterior, como foi o caso do novo enchimento da piscina. Existe nexo de causalidade entre a conduta do arguido e a verificação do dano. 0 bem lesado, património da demandante, merece a tutela do direito e corno tal passível do seu ressarcimento face a conduta ilícita. Procede, deste modo, o pedido formulado de €1 150,00”.
Ora, quanto ao pedido de indemnização civil, deu-se como provado no acórdão sob censura que Todas as árvores de pequeno porte foram consumidas pelo fogo e as de grande porte já foram abatidos cerca de 20 pinheiros de valor não inferior a €1000,00; para reposição da água da piscina que serviu para o combate ao fogo, despendeu cerca de €100,00; pagou a um homem que andava com as cisternas a quantia de € 50,00.
Assim, atento o disposto nos art. 129º, do Cód. Penal, e nos art.ºs 483º, n.º 1, e 563º, ambos do Cód. Civil, atentos os factos provados nada há a alterar quanto ao montante da condenação na indemnização cível.
***
Decisão:

Termos em que, de harmonia com o exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
O recorrente pagará a taxa de justiça de 5 Ucs.
Notifique.
(Processado em computador e revisto pelo primeiro signatário art. 94°, n.º 2 do CPP).

Guimarães, 12/01/2009.