Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ESTELITA MENDONÇA | ||
Descritores: | CRIME INCÊNDIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/12/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - Comete o crime de incêndio do art. 272 n.º 1 a) do C. Penal “Quem provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício ou construção, a meio de transporte, a floresta, mata, arvoredo ou seara, e criar deste modo perigo para a vida ou integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado”. II - Estes crimes são de perigo comum, o que resulta da necessidade de defender o homem e a sociedade das actividades perigosas, uma necessidade que se torna cada vez mais urgente à medida que o progresso tecnológico desenvolve métodos e instrumentos tão eficazes quanto perigosos, sendo certo que se pune o perigo porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social (Ac. do S.T.J. de 6/01/1993, B.M.J. 423-348). III - No actual art. 272 do C. Penal, mantém-se a tripla faceta : 1) Tipo fundamental, de acção dolosa e criação dolosa de perigo; 2) Acção Dolosa e criação negligente de perigo; 3) Acção negligente. IV - No entanto, o Código Penal de 1995, no seu artigo 272 exclui do âmbito das condutas criminais a criação de perigo de incêndio, prevista no art. 254 do Código anterior, passando a considerar punível o facto de “provocar incêndio de relevo” (Ac. do S.T.J. de 31/10/95, tirado no Proc. 047700, disponível na Internet no site www.dgsi.pt). V - Para efeitos de configuração do ilícito previsto e punido na alínea a) do n.º 1 do art. 272 do C. Penal, compete ao julgador a avaliação, em cada caso concreto, da relevância ou irrelevância desse incêndio (Ac. do S.T.J., de 16/10/98, tirado no Proc. n.º 98P1463, disponível na Internet, no site acima referido). VI - O dolo previsto no art. 272 n.º 1 do C. penal apenas abrange a provocação de incêndio de relevo com a representação (elemento intelectual) de um perigo para a vida ou integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa, excluindo expressamente qualquer exigência de verificação de um fim ulterior àquele realizado com o | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO : Tribunal Judicial de Viana do Castelo (Comum Colectivo n.º 74/06.0GDVCT). RECORRENTE : … (arguido) RECORRIDOS : - Ministério Público - Maria … OBJECTO DO RECURSO : Por acórdão de 30 de Junho de 2008 (fls. 199 a 212) foi decidido, além do mais: 1- Condenar o arguido …, como autor material de um crime de incêndio, p. e p. pelo art. 272° n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de QUATRO ANOS DE PRISAO, a qual, nos termos do artigo 50° do código penal, atenta a personalidade do arguido suas condições pessoais e demais circunstâncias apuradas, foi suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, bem como foi, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 53° n.°3 do código penal, ordenado regime de prova ao arguido de acordo com o definido pelo n.°2 do referido artigo 53 do código penal. 2. Condenar o referido arguido aqui demandado, a pagar à demandante … a quantia peticionada de € 1150,00 devida a título de indemnização por danos patrimoniais. Inconformado veio o arguido recorrer, apresentando as seguintes Conclusões (transcrição): 1. No acórdão de fls... o Tribunal “a quo” não apreciou nem avaliou correctamente a matéria fáctica produzida em audiência de discussão e julgamento, devendo antes ter decidido pela absolvição do ora recorrente; 2. 0 Tribunal “a quo”, fez uma incorrecta valoração e apreciação da prova; 3. Assim como uma incorrecta subsunção dos factos provados ao direito aplicável. 4. Procedeu-se a gravação de prova no programa Cícero, que consta de suportes magnéticos, mais concretamente de um único CD, donde constam os depoimentos do arguido e das testemunhas de acusação e defesa. 5. As provas da fundamentação de facto da sentença, salvo o devido respeito, foram incorrectamente julgados pelo Tribunal “a quo “. 6. As provas que impõe decisão diversa, são os depoimentos também constantes das gravações efectuadas, mais concretamente as declarações do arguido, e os depoimentos das testemunhas de defesa, e a prova documental constante dos autos, nomeadamente o Relatório de Ocorrência nº 1401, elaborado pelo Bombeiros Municipais de Viana do Castelo, e a Certidão emitida pelo Instituto de Meteorologia, I.P., bem como a acta da inspecção ao local, constante de fls. 183 dos autos, bem corno o Relatório Social elaborado pela Direcção Geral de Reinserção Social de Viana do Castelo, inserto nos autos a fls. 152 e seguintes, as declarações de depoimentos das testemunhas de acusação. 7. 0 Tribunal “a quo” não tinha porque desconsiderar o depoimento do arguido, e das testemunhas de defesa, como fez e ao fazê-lo caiu em erro notório de apreciação da prova. 8. 0 tribunal “a quo “, fez uma adesão à versão apresentada pelas duas primeiras testemunhas de acusação, mais pelas suas qualificações profissionais, em detrimento das do arguido e das testemunhas por si arroladas, ultrapassou a prova produzida em sede de audiência, e caiu em erro notório na apreciação da prova 9. Dai que o referido na matéria dada como provada fosse incorrectamente julgado devendo ter sido considerado como não provado. 10. Numa leitura mais atenta, estas contradições imporiam a absolvição do arguido. 11. A este respeito, invoca também o recorrente a violação do princípio in “dúbio pro reo.” 12. Este princípio é uma imposição dirigida ao Tribunal no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. 13. Ao resultar existirem versões díspares sobre os factos relevantes, o arguido ora recorrente, devia ser absolvido em obediência a tal princípio. 14. As provas que devem ser renovadas, são todas aquelas que na gravação se encontram imperceptíveis, ou parcialmente imperceptíveis, como se deixou referido na transcrição. 15. Sem prescindir do acima exposto, mesmo que assim não seja considerado, salvo o devido respeito, no caso sub iudice, não se encontra demonstrado, que o arguido tivesse vontade de deitar fogo, muito menos que este tivesse consciência da criação de um perigo. 16. Salvo o devido respeito não pode o Tribunal afirmar que o arguido ateou fogo, sem dizer com quê? De que forma e onde especificamente? 17. Também, não se apurou, face à prova produzida que o arguido tenha agido com dolo, com consciência ou intenção de incendiar bens. 18. Pelo que ao contrário do defendido pelo Tribunal “a quo”, nenhum dos elementos integrantes do crime de incêndio concorrem no caso concreto. 19. Pelo que face a estes elementos, não se mostram verificados os pressupostos ou requisitos do crime de incêndio, o arguido não agiu de forma a causar um dano - com lesão efectiva relevante - sobre bens juridicamente tutelados de natureza diversa; em bens patrimoniais em perigo que atingem “grande valor”. 20. Nem actuou o arguido, com dolo, quer quanto ao incêndio quer quanto ao perigo. 21. Ainda sem prescindir, face às circunstâncias dadas como provadas, ainda assim não devia aplicar, ao arguido uma pena superior ao mínimo legal (3 amos), fixado no Artigo 272° nº 1 n° a), por força do disposto no artigo 2°, n.º 4 do Código Penal, e suspensa na sua execução da pena, pois o regime actual é o que concretamente se mostra mais favorável permitindo a aplicação de medida de suspensão, por período superior a três anos e até cinco anos, ao que se aplicar em termos de pena efectiva, antes da sua suspensão. 22. Sem prescindir, a culpa do arguido é diminuta, e devem portanto operar, todas circunstâncias atenuantes enumeradas no artigo 71 do Código Penal que possam ser de valorar favoravelmente, como sejam o facto de o arguido não ter antecedentes da mesma natureza ou ate outros, e estar socialmente bem inserido na sociedade, desempenhando com regularidade uma actividade profissional, devendo também atender ao seu comportamento anterior e posterior aos factos, sendo urna pessoa trabalhadora, honesta, bom pai de família, educado e considerado no meio onde vive, e beneficiar da consideração que lhe é atribuída pelos que com ele sempre lidaram e convivem, pessoa de trabalho e bem inserida socialmente, tendo inclusivamente desempenhado o cargo de …, procurando sempre trabalhar em prol do bem comum, revelando preocupações no desempenho como pai de três filhos consigo residentes e como marido. 23. Pelo que a ser aplicada ao arguido uma pena, o que só por hipótese académica se admite, esta não deverá ser superior ao mínimo legal, ou seja, aos três anos de prisão suspensa na sua execução. 24. No que respeita ao pedido de indemnização civil, conforme consta do depoimento da demandante …, pouca ou nenhuma prova foi produzida a esse respeito. 25. Com o devido respeito, a prova produzida foi no sentido de atirar valores para o ar, mas sem qualquer precisão ou suporte, pois não se apurou quantas árvores de pequeno porte foram consumidas pelo fogo, nem quantas grandes, sendo que destas algumas já foram abatidas, não tendo sido feita nenhuma prova da necessidade do seu abate. 26. Questionada a demandante, se não aproveitou os pinheiros, referiu que os deixou para as pessoas necessitadas. Ou seja não as aproveitou porque não quis. 27. Nesse pressuposto, afigura-se desajustada a quantia fixada a título de danos patrimoniais. 28. Violou assim, o tribunal “a quo”, o disposto nos artigos, 272° nº 1 alínea a) do Código Penal, 274 nº 1 alínea do actual Código Penal, e art. 40°, 47 n.º 1 e 2, e 71, 72° e 129° todos do Código Penal, assim como o disposto no artigo 483° n.º 1 e 563° ambos do Código Civil Termos em que se requer a V. Exas., dando provimento ao presente recurso, se dignem alterar a sentença conformidade com o supra exposto. Com o que se fará, como sempre, JUSTIÇA. *** Admitido o recurso, respondeu o magistrado do M.P.º nos termos de fls. 297 a 301, pugnando pela improcedência do recurso por não se verificarem os invocados vícios.*** Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto seja julgado improcedente.*** Foi cumprido o art. 417, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta. *** Colhidos os vistos legais, nada obsta agora ao conhecimento da causa.*** Como é sabido, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – cfr. Art. 412, n.º 1 do Código de Processo Penal.Assim, as questões suscitadas são: - Erro notório da apreciação da prova com violação do princípio do in dúbio pró reo - Errada subsunção jurídica. - Medida da pena excessiva. Cumpre agora decidir: Com interesse para a decisão dos autos foram os seguintes os factos dados como provados e não provados no acórdão recorrido, bem como a respectiva fundamentação: “Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: No dia 07.06. 2006, no lugar de …, cerca das 15horas e 25 minutos, o arguido transitava pela estrada municipal n.º 550-1, aí existente, ao volante de um veículo automóvel. Em determinado local dessa via, tal como evidenciado na fotografia de fls. 28 dos autos, parou e estacionou, junto á berma do lado direito atento o sentido que trazia, tendo abandonado o mesmo veículo por alguns minutos, enquanto se embrenhava por um carreiro em terra batida até chegar a um lugar de vegetação densa, de arvoredo de mato, pinheiros e carvalhos. Durante o percurso o arguido procurou alcançar um lugar de recato e afastado de olhares curiosos. Aí lançou fogo ao mato e arvoredo secos existentes e em condições de se propagar imediatamente, atentas as condições climatéricas que naquela hora do dia se faziam sentir, montante de calor intenso e vento forte, à vegetação de mato e pinheiros altos e outras árvores. Logo após esse acto, o arguido afastou-se do local onde estivera, entrou no veículo que deixara estacionado e que conduzia e afastou-se pela estrada municipal. Momentos após essa actuação, o fogo iniciado começou a notar-se no lugar dessa estrada, pelo fumo produzido intenso e detonador de rápida progressão, tendo sido logo avistado por um residente da localidade que também alertou os bombeiros, cerca das 15horas e 45 minutos, o que permitiu uma rápida intervenção, que impediu estragos maiores do que os verificados. Ainda assim, o fogo iniciado pelo arguido de modo voluntário, propagou-se rapidamente e durante cerca de meia hora, consumiu área de pinheiro e mato de cerca de dois hectares, também de mato, pinheiro e carvalho. A referida área, além da zona de propriedades particulares atingidas e pertencentes a…, provocando estrago não inferior a € 250,00, também abrangia casas de habitação, mormente as daqueles … e …, situadas muito perto do local onde lavrou o fogo e que poderiam vir a ser atingidas pelo mesmo, não fora a intervenção dos bombeiros que procederam a trabalho de extinção e rescaldo, por período superior a 3 horas. Desse modo, o fogo referido, ateado pelo arguido, provocou directa e potencialmente um perigo de estrago muitíssimo elevado, atento o valor corrente e normal de uma habitação de família, sempre da ordem das várias dezenas de milhar de euros. O arguido agiu livre e conscientemente, apercebendo-se do risco iminente de propagação rápida do incêndio a zonas circundantes do local onde se encontrava e mormente do perigo de atingir casas de habitação como as referidas e desse modo potenciar a destruição das mesmas, pelo fogo. Mesmo assim, levou a conduta avante, sabendo que tal era proibido por lei. Quanto ao pedido de indemnização civil, resultou provado: Todas as árvores de pequeno porte foram consumidas pelo fogo e as de grande porte já foram abatidos cerca de 20 pinheiros de valor não inferior a €1000,00; para reposição da água da piscina que serviu para o combate ao fogo, despendeu cerca de €100,00; pagou a um homem que andava com as cisternas a quantia de € 50,00. Não resultaram apurados os seguintes factos: Que se encontrava o arguido naquele local eventualmente para satisfazer necessidades fisiológicas Não resultaram apurados outros factos relevantes para a decisão desta causa Da discussão da causa resultou ainda provado: Que o arguido em três filhos de 21, 20 e 15 anos, a sua mulher é doméstica e o casal reside a cerca de 600 metros do local que veio a arder. *** Fundamentação de facto:Assentam os factos provados desde logo pela circunstância de a testemunha … se encontrar naquele dia a cortar sebes numa residência perto do local onde deflagrou o incêndio e que se apercebeu da chegada do arguido e do tempo aproximado que este demorou até regressar de novo ao carro e as condicionantes em que esta testemunha logo depois se vem a aperceber do fumo. Assume relevância ainda o teor de fls. 32 a 34, elucidativas do local onde terá iniciado o fogo, face ao tipo de vestígios encontrados, a parte das árvores atingida, também esta elucidativa da direcção do fogo, e atentas ainda as informações dadas pelo senhor agente da PJ … que esclareceu de forma peremptória que o fogo apenas se podia ter iniciado no local indicado, face ao tipo de destruição deixada pelo mesmo. Instado esclareceu que o vento mais forte pode criar vários fogos secundários mas em relação ao caso concreto a zona que identificou com maior destruição permitiu-lhe entre outros indícios, concluir ter sido ali o início do fogo e que depois vai ganhando mais calor e maior velocidade e menor destruição. Esclareceu que para efeitos de ponto de início o calor e o vento são irrelevantes. Também a testemunha …, bombeiro esclareceu de onde provinha o fogo e o que ardeu. As provas supra referidas infirmam decisivamente a versão trazida para os autos pelo arguido e pela testemunha M…, cunhada do arguido e de A…, quando apontavam outro local para o início do incêndio. No que concerne à extensão passível de vir a ser afectada pelo fogo, este tribunal teve em atenção o teor de fls. 35, 36 e 37, que lhe permitiram aferir não só da extensão de mato circundante à zona ardida como ainda, face à sua localização, permitiria atingir casas, como é o caso das casas das testemunhas …, a escassos metros daquele local onde deflagrou o incêndio. Em relação à extensão ardida o relatório dos bombeiros assim o confirma a fls. 27dos autos. As testemunhas de defesa apresentadas depuseram de forma a confirmarem os factos dados como assentes no tocante à personalidade do arguido. De relevo ainda o relatório social junto aos autos. Finalmente assumiu ainda relevância o teor do certificado de registo criminal junto aos autos. Quanto ao pedido de indemnização civil foi relevante o depoimento da própria visada que esclareceu o que pereceu e os gastos que teve por via deste incêndio.” Cumpre agora decidir: Como já acima se disse, as questões suscitadas pelo arguido são as seguintes: 1. Erro notório da apreciação da prova com violação do princípio do in dúbio pró reo 2. Errada subsunção jurídica. 3. Medida da pena excessiva. Vejamos então: 1. O Erro notório da apreciação da prova e a violação do princípio do in dúbio pró reo Sustenta o recorrente que “0 Tribunal “a quo”, fez uma incorrecta valoração e apreciação da prova e que as provas da fundamentação de facto da sentença, salvo o devido respeito, foram incorrectamente julgados pelo Tribunal “a quo “. Diz também que “As provas que impõe decisão diversa, são os depoimentos também constantes das gravações efectuadas, mais concretamente as declarações do arguido, e os depoimentos das testemunhas de defesa, e a prova documental constante dos autos, nomeadamente o Relatório de Ocorrência nº 1401, elaborado pelo Bombeiros Municipais de Viana do Castelo, e a Certidão emitida pelo Instituto de Meteorologia, I.P., bem como a acta da inspecção ao local, constante de fls. 183 dos autos, bem corno o Relatório Social elaborado pela Direcção Geral de Reinserção Social de Viana do Castelo, inserto nos autos a fls. 152 e seguintes, as declarações de depoimentos das testemunhas de acusação”. Sustenta ainda que “o Tribunal “a quo” não tinha porque desconsiderar o depoimento do arguido, e das testemunhas de defesa, como fez e ao fazê-lo caiu em erro notório de apreciação da prova, pois o tribunal “a quo “, fez uma adesão à versão apresentada pelas duas primeiras testemunhas de acusação, mais pelas suas qualificações profissionais, em detrimento das do arguido e das testemunhas por si arroladas, ultrapassou a prova produzida em sede de audiência, e caiu em erro notório na apreciação da prova Invoca também o recorrente a violação do princípio in “dúbio pro reo.”, sustentando que “ao resultar existirem versões díspares sobre os factos relevantes, o arguido ora recorrente, devia ser absolvido em obediência a tal princípio”. Termina dizendo que “as provas que devem ser renovadas, são todas aquelas que na gravação se encontram imperceptíveis, ou parcialmente imperceptíveis, como se deixou referido na transcrição”. Vejamos: Nos termos do disposto no art. 412 n.º 3 do C. P. Penal, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto o recorrente deve especificar: a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devam ser renovadas”. *** 2. Errada subsunção jurídica. Diz o arguido que, “…, salvo o devido respeito, no caso sub iudice, não se encontra demonstrado, que o arguido tivesse vontade de deitar fogo, muito menos que este tivesse consciência da criação de um perigo. Salvo o devido respeito não pode o Tribunal afirmar que o arguido ateou fogo, sem dizer com quê? De que forma e onde especificamente? Também, não se apurou, face à prova produzida que o arguido tenha agido com dolo, com consciência ou intenção de incendiar bens. Pelo que ao contrário do defendido pelo Tribunal “a quo”, nenhum dos elementos integrantes do crime de incêndio concorrem no caso concreto. Pelo que face a estes elementos, não se mostram verificados os pressupostos ou requisitos do crime de incêndio, o arguido não agiu de forma a causar um dano - com lesão efectiva relevante - sobre bens juridicamente tutelados de natureza diversa; em bens patrimoniais em perigo que atingem “grande valor”. Nem actuou o arguido, com dolo, quer quanto ao incêndio quer quanto ao perigo” (o itálico é nosso). Refere o art. 272 n.º 1 a) do C. Penal “Quem provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício ou construção, a meio de transporte, a floresta, mata, arvoredo ou seara, e criar deste modo perigo para a vida ou integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos”. Se o perigo referido for criado por negligência o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, e se a conduta referida for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos (n.º 2 e 3 do art. 272 do C. Penal). Estes crimes são de perigo comum, o que resulta da necessidade de defender o homem e a sociedade das actividades perigosas, uma necessidade que se torna cada vez mais urgente à medida que o progresso tecnológico desenvolve métodos e instrumentos tão eficazes quanto perigosos. O ponto crucial destes crimes reside no facto de que condutas cujo desvalor de acção é de pequena monta se repercutem, amiúde, num desvalor de resultado de efeitos não pouca vezes catastróficos (Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 9.ª edição, 1996, pág. 852). Pune-se o perigo porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social (Ac. do S.T.J. de 6/01/1993, B.M.J. 423-348). São de perigo porque não existe ainda qualquer lesão efectiva para a vida, para a integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor; e de perigo comum porque é susceptível de causar um dano incontrolável sobre bens juridicamente tutelados de natureza diversa. No actual art. 272 do C. Penal, mantém-se a tripla faceta : 1) Tipo fundamental, de acção dolosa e criação dolosa de perigo; 2) Acção Dolosa e criação negligente de perigo; 3) Acção negligente. No entanto, o Código Penal de 1995, no seu artigo 272 exclui do âmbito das condutas criminais a criação de perigo de incêndio, prevista no art. 254 do Código anterior, passando a considerar punível o facto de “provocar incêndio de relevo” (Ac. do S.T.J. de 31/10/95, tirado no Proc. 047700, disponível na Internet no site www.dgsi.pt). Para efeitos de configuração do ilícito previsto e punido na alínea a) do n.º 1 do art. 272 do C. Penal, compete ao julgador a avaliação, em cada caso concreto, da relevância ou irrelevância desse incêndio (Ac. do S.T.J., de 16/10/98, tirado no Proc. n.º 98P1463, disponível na Internet, no site acima referido). Os factos acima referidos permitem concluir, a nosso ver, que o arguido praticou o crime de incêndio p. e p. no art. 272 n. 1 a) , ou seja doloso. Com efeito, o dolo previsto no art. 272 n.º 1 do C. penal apenas abrange a provocação de incêndio de relevo com a representação (elemento intelectual) de um perigo para a vida ou integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa, excluindo expressamente qualquer exigência de verificação de um fim ulterior àquele realizado com o facto ilícito, ou seja, de qualquer dolo específico, mesmo que implicitamente concebido (Ac. do S.T.J. de 23/06/1994, B.M.J., n.º 438, pág. 261). Ora, resultou provado que o fogo iniciado pelo arguido de modo voluntário, propagou-se rapidamente e durante cerca de meia hora, consumiu área de pinheiro e mato de cerca de dois hectares, também de mato, pinheiro e carvalho. A referida área, além da zona de propriedades particulares atingidas e pertencentes a …, provocando estrago não inferior a € 250,00, também abrangia casas de habitação, mormente as daqueles…, situadas muito perto do local onde lavrou o fogo e que poderiam vir a ser atingidas pelo mesmo, não fora a intervenção dos bombeiros que procederam a trabalho de extinção e rescaldo, por período superior a 3 horas. Desse modo, o fogo referido, ateado pelo arguido, provocou directa e potencialmente um perigo de estrago muitíssimo elevado, atento o valor corrente e normal de uma habitação de família, sempre da ordem das várias dezenas de milhar de euros. O arguido agiu livre e conscientemente, apercebendo-se do risco iminente de propagação rápida do incêndio a zonas circundantes do local onde se encontrava e mormente do perigo de atingir casas de habitação como as referidas e desse modo potenciar a destruição das mesmas, pelo fogo. Mesmo assim, levou a conduta avante, sabendo que tal era proibido por lei. O número e valor de matas e porções de terreno queimadas, bem como os prejuízos patrimoniais causados, aliado ao facto de o mesmo ter posto em perigo outros bens patrimoniais de valor muito elevado, designadamente área de pinheiro e mato de cerca de dois hectares, também de mato, pinheiro e carvalho, configura o preenchimento do requisito “incêndio de relevo”. Assim, e atento tudo quanto fica dito, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, ante a factualidade dada como assente, a sua subsunção jurídico-penal está afastada de qualquer censura, mesmo no que concerne ao elemento subjectivo, pelo que improcede o recurso também nesta parte. *** 3. Medida da pena Sustenta o arguido que, face às circunstâncias dadas como provadas, ainda assim não devia aplicar, ao arguido uma pena superior ao mínimo legal (3 anos), fixado no Artigo 272° nº 1 n° a), por força do disposto no artigo 2°, n.º 4 do Código Penal, e suspensa na sua execução da pena, pois o regime actual é o que concretamente se mostra mais favorável permitindo a aplicação de medida de suspensão, por período superior a três anos e até cinco anos, ao que se aplicar em termos de pena efectiva, antes da sua suspensão. Sustenta ainda que a culpa do arguido é diminuta, e devem portanto operar, todas circunstâncias atenuantes enumeradas no artigo 71 do Código Penal que possam ser de valorar favoravelmente, como sejam o facto de o arguido não ter antecedentes da mesma natureza ou ate outros, e estar socialmente bem inserido na sociedade, desempenhando com regularidade uma actividade profissional, devendo também atender ao seu comportamento anterior e posterior aos factos, sendo urna pessoa trabalhadora, honesta, bom pai de família, educado e considerado no meio onde vive, e beneficiar da consideração que lhe é atribuída pelos que com ele sempre lidaram e convivem, pessoa de trabalho e bem inserida socialmente, tendo inclusivamente desempenhado o cargo de Secretário da Assembleia de Freguesia de …, procurando sempre trabalhar em prol do bem comum, revelando preocupações no desempenho como pai de três filhos consigo residentes e como marido, pelo que a ser aplicada ao arguido uma pena, o que só por hipótese académica se admite, esta não deverá ser superior ao mínimo legal, ou seja, aos três anos de prisão suspensa na sua execução”. Como já acima se viu, a pena prevista para o crime do art. 272 n.º 1 a) do C. Penal é a pena de prisão de 3 a 10 anos (que foi mantida com a redacção da Lei n.º 59/2007 de 4/09). Para a determinação da medida da pena importa tomar em consideração os critérios definidos nos artigos 71 e seguintes do C. Penal, nomeadamente a culpa do agente, as exigências de prevenção do crime, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins e motivos que o determinaram, as condições pessoais e económicas do agente a sua conduta anterior e posterior ao facto, etç. Ora todos esses elementos foram devidamente ponderados pelo tribunal a quo. Na verdade, disse-se, nesse aspecto, no acórdão recorrido (transcrição): “As exigências de prevenção especial de socialização, que convivem mas não se sobrepõem à prevenção geral, são, no caso, pouco acentuadas, na medida em que, quando considerado o percurso pessoal do arguido, se revela ser este o único acto desfavorável à sua conduta. A culpa é, por seu lado, algo acentuada. Concorrem, por outro lado, circunstâncias do elenco do artigo 71º do Código Penal que possam ser de valorar favoravelmente, como sejam o facto de o arguido beneficiar da consideração que lhe é atribuída pelos que com ele sempre lidaram e o facto de não ter antecedentes da mesma natureza ou até outros. É pessoa de trabalho e bem inserida socialmente. Por outro lado, pese embora a gravidade e censurabilidade da conduta do arguido, crê-se que se tratou de conduta, impensada sim, mas isolada; Afigura-se, face a estes elementos, que a simples censura do facto e a ameaça da pena serão suficientes para obstar à repetição da conduta do arguido e para o afastar da criminalidade, satisfazendo também as exigências de prevenção e de reprovação do crime. Assim e pelo seu carácter pedagógico e reeducativo, entende-se adequado suspender a execução da pena de prisão a aplicar. Importa ainda referir que este tribunal irá ter em atenção, por força do disposto no artigo 2º,n.º4 da lei penal, que na aplicação de medida de suspensão da execução da pena, o regime actual é o que concretamente se mostra mais favorável pois permite a aplicação de medida de suspensão, por período superior a três anos e até cinco anos, ao que se aplicar em termos de pena efectiva, antes da sua suspensão”. Por tudo isto, concordamos inteiramente com o que bem diz o ilustre PGA junto deste tribunal no seu parecer, e que é “A comprovada culpa do arguido não justifica o seu mínimo legal tendo em vista o disposto no art. 71 do C Penal. A fundamentação vertida na sentença mostra-se precisa e completamente acertada. Nada, por isso, justifica o propósito do arguido, neste particular”. Improcede assim também este segmento do recurso. *** 4. Pedido CívelDiz o recorrente que “No que respeita ao pedido de indemnização civil, conforme consta do depoimento da demandante Dra…, pouca ou nenhuma prova foi produzida a esse respeito. Com o devido respeito, a prova produzida foi no sentido de atirar valores para o ar, mas sem qualquer precisão ou suporte, pois não se apurou quantas árvores de pequeno porte foram consumidas pelo fogo, nem quantas grandes, sendo que destas algumas já foram abatidas, não tendo sido feita nenhuma prova da necessidade do seu abate. Questionada a demandante, se não aproveitou os pinheiros, referiu que os deixou para as pessoas necessitadas. Ou seja não as aproveitou porque não quis. Nesse pressuposto, afigura-se desajustada a quantia fixada a título de danos patrimoniais”. Quanto ao pedido cível disse-se no acórdão recorrido (transcrição parcial): “…Nestes autos ficou provado que a conduta levada a cabo pelo arguido veio a ter como consequências a perda de árvores e a remuneração quer por via de trabalhos levados a cabo quer por via da reposição da situação anterior, como foi o caso do novo enchimento da piscina. Existe nexo de causalidade entre a conduta do arguido e a verificação do dano. 0 bem lesado, património da demandante, merece a tutela do direito e corno tal passível do seu ressarcimento face a conduta ilícita. Procede, deste modo, o pedido formulado de €1 150,00”. Ora, quanto ao pedido de indemnização civil, deu-se como provado no acórdão sob censura que Todas as árvores de pequeno porte foram consumidas pelo fogo e as de grande porte já foram abatidos cerca de 20 pinheiros de valor não inferior a €1000,00; para reposição da água da piscina que serviu para o combate ao fogo, despendeu cerca de €100,00; pagou a um homem que andava com as cisternas a quantia de € 50,00. Assim, atento o disposto nos art. 129º, do Cód. Penal, e nos art.ºs 483º, n.º 1, e 563º, ambos do Cód. Civil, atentos os factos provados nada há a alterar quanto ao montante da condenação na indemnização cível. *** Decisão:Termos em que, de harmonia com o exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida. O recorrente pagará a taxa de justiça de 5 Ucs. Notifique. (Processado em computador e revisto pelo primeiro signatário art. 94°, n.º 2 do CPP). Guimarães, 12/01/2009. |