Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | FERNANDO BARROSO CABANELAS | ||
| Descritores: | ARRESTO JUSTIFICADO RECEIO DE PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 02/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1. Em sede de pedido de arresto, o preenchimento do requisito do justificado receio de perda da garantia patrimonial não depende das motivações subjetivas do requerente, carecendo, ao invés, de ser concretizado num substrato factual mínimo de onde aquele receio se possa objetivamente inferir. 2. O convite ao aperfeiçoamento da petição inicial destina-se a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos, não se destinando à apresentação ex novo de um quadro fáctico até então inexistente ou de todo impercetível. 3. Decorre do princípio do dispositivo que incumbe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas – artº 5º do CPC – sofrendo as consequências processuais da sua omissão. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: AA, NIF ...80..., residente na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., concelho ..., Intentou o presente procedimento cautelar de arresto contra: BB, residente na Rua ..., ..., ..., concelho ..., Pedindo que seja decretado o arresto de todos os saldos das contas bancárias, à ordem ou a prazo, das quais a Requerida seja titular, designadamente, da conta da instituição bancária Banco 1..., com o seguinte IBAN: ...75. Alegando para tanto e em suma, ser titular de um direito de crédito sobre a requerida, fruto da utilização indevida pela requerida do imóvel propriedade do requerente. Mais alega, por outro lado, que a requerida não é proprietária de bens móveis, nem imóveis, mas recebeu “uma quantia” a título de tornas no âmbito do processo de inventário n. 775/20...., Juízo de Competência Genérica de Esposende – Juiz ..., Tribunal Judicial da Comarca de Braga, valor esse que foi transferido para uma conta da qual a Requerida é titular, junto da instituição bancária Banco 1..., com o seguinte IBAN: ...75. Mais alega que a Requerida sempre irá omitir a existência de qualquer bem, ou dissipar a existência de qualquer valor que permita pagar o que é devido ao Requerente, e, bem assim, que as naturais delongas desta ação judicial fazem o Requerente temer pela perda da garantia patrimonial do seu crédito. Em 10 de janeiro de 2025 foi prolatado despacho de indeferimento liminar da providência cautelar, com fundamento da falta de alegação de factualidade relativa ao justo receio de perda da garantia patrimonial. Inconformado com a decisão, o requerente apelou, formulando as seguintes conclusões: 1. O Autor interpõe recurso da Douta sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de ..., Juízo de Competência Genérica de Esposende, Juiz ..., no âmbito do Proc. nº 750/24.... que decidiu indeferir liminarmente a presente providência cautelar de Arresto, porque não pode concordar com o decidido e respeitando sempre quem entenda de forma contrária, entende que a decisão proferida é manifestamente injusta e desproporcional. 2. O presente Recurso tem por objeto sindicar a sentença de indeferimento liminar proferida, já que o indeferimento liminar deverá ser reservado, salvo respeito por opinião contrária, para casos em que seja por demais evidente não colher de forma alguma a pretensão do Autor e por se entender que não foram enquadrados devidamente os factos que o Autor alegou na petição inicial, quer quanto à existência do seu crédito, quer quanto ao fundado receio da perda da garantia patrimonial. 3. Ora, o indeferimento liminar só será de decretar em situações em que a petição apresenta vícios substanciais ou formais de tal modo graves que permitem antever, logo nesta fase, a improcedência inequívoca da pretensão do Autor ou a verificação de exceções dilatórias insupríveis, incluindo a ineptidão da petição - “quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente”, nos termos do nº 1 do artigo 590º do Código de Processo Civil; 4. Quando se mostre manifesto que a ação nunca poderá proceder qualquer que seja a interpretação que se faça das disposições legais aplicáveis à situação factual apresentada pelo Autor e que seja desperdício manifesto de atividade judicial porque a improcedência da ação é por demais evidente. 5. Não sendo o caso nos presentes autos, nos termos do artigo 391º, nº. 1 do Código de Processo Civil, o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, sendo requisitos gerais do arresto: a probabilidade da existência do crédito e existência de receio justificado de perda da garantia patrimonial. 6. Assim, quanto à provável existência do crédito, não se exige uma certeza e juízo absoluto da mesma, sendo bastante a grande probabilidade da sua verificação, 7. Encontra-se assim preenchido o primeiro requisito, alegado já num procedimento cautelar comum, julgado procedente - Juízo de Competência Genérica de Esposende, Juiz ..., sob o n. 599/24.... - e sindicado agora na subsequente ação de processo comum a correr termos nesse mesmo juízo. 8. O crédito alegado pelo Autor é proveniente do facto da Ré ocupar sem legitimidade e sem título de qualquer ordem o prédio do Autor, sem lograr pelo pagamento da ocupação indevida, ainda que um pagamento parcial. 9. No entanto, teme o Recorrente que embora obtenha uma sentença procedente na ação comum que se encontra a decorrer, pelo normal decurso processual, como seja, a prolação da sentença, eventual recurso e trânsito em julgado, não consiga obter a satisfação do seu crédito; 10. Teme verdadeiramente alcançar uma decisão justa que não fará justiça. 11. Sendo que, como refere, e bem, a sentença ora recorrida, “Foi considerando as normais delongas associadas ao decurso normal dos processos judiciais que o legislador instituiu as providências cautelares, procurando diminuir os prejuízos decorrentes dessa delonga”, 12. Assim, utilizou o aqui Recorrente dos meios legais ao seu dispor, no caso, o procedimento cautelar de arresto para combater o “periculum in mora”, isto é, o prejuízo decorrente das delongas normais do processo judicial; 13. E decorre também da sentença que decidiu por este indeferimento liminar que, o fundado receio da perda patrimonial tem uma formulação bastante ampla que pretende abarcar todas as situações relativas ao receio de subtração de bens ou ao risco de perda das garantias do crédito. 14. No entanto, não basta qualquer receio, é necessário que seja justo ou justificado, alicerçado numa motivação objetiva e convincente a justificar a pretensão do Autor, 15. Salvo o devido respeito por opinião diversa, que é muito, entende-se que o receio do Autor é justificado e foi demonstrado, assim não se poderá concordar que o Autor nada alega quanto ao justo receio de perda da garantia patrimonial. 16. A jurisprudência e a doutrina têm entendido que para a alegação e comprovação do justo receio da perda de garantia patrimonial, não basta um receio subjetivo e especulativo do credor, 17. Ou seja, esse receio terá que assentar em factos concretos e que resulte que o mesmo é justificado com base numa apreciação sensata. 18. Ora, o Autor alega factos concretos: além da Ré não possuir qualquer bem imóvel ou móvel sujeito a registo, a Ré adota ainda comportamentos que originaram já dois procedimentos criminais, que resultaram nos Inq. n. 820/24.... e n. 558/24....; 19. Sendo por demais evidente, atendendo ao percurso comportamental e postura da Ré face ao presente contexto que a Ré sempre irá omitir a existência de qualquer bem, ou dissipar a existência de qualquer valor que permita pagar o que é devido ao Autor na ação principal e aqui Recorrente. 20. Tendo o Recorrente conhecimento do valor recebido pela Ré a título de tornas, no âmbito do processo de inventário n. 775/20...., Juízo de Competência Genérica de Esposende, Juiz ..., Tribunal Judicial da Comarca de Braga - único bem e/ou valor conhecido que possa satisfazer o crédito do ali Autor, decide o Autor pela propositura do presente procedimento cautelar de arresto. 21. Requerendo que, nos termos do art. 393º, n.1 do Código de Processo Civil, o mesmo seja decretado sem audição prévia da parte contrária, porque a audição da Ré sempre colocará em risco sério o fim e a eficácia do procedimento cautelar que ora se requer, 22. Assim, requer que sejam arrestados os saldos das contas bancárias tituladas pela Ré, designadamente, da conta titulada junto da instituição bancária Banco 1..., com o seguinte IBAN: ...75, conta para a qual foi depositado o valor das tornas. 23. Claramente objetivo na demonstração do seu justificado receio, refere a postura adotada pela Ré e refere ainda o Autor que teme que aquela não só dificulte, como dissipe e/ou oculte qualquer valor que permita satisfazer o seu crédito. 24. Na verdade, quando o devedor pretende eximir-se ao pagamento de qualquer indemnização, como foi alegado relativamente ao caso presente na petição inicial, é consabido que o dinheiro é facilmente desviado e ocultado, 25. Na demonstração do supra referenciado e em conformidade, vide V. Exas, nomeadamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/01/2005, proc. n. 3722/04 em www.dgsi.pt, “Para o preenchimento da cláusula geral do justificado receio de perda de garantia patrimonial relevam a forma da atividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes”; 26. O Autor não se limita a formular convicções, mas sim factos objetivos, como seja, a situação financeira da Ré, e os comportamentos adotados face à presente realidade apresentada á Ré e que resultaram em dois procedimentos criminais; 27. Os factos objetivos são assim apresentados pelo Autor para justificar o receio para o decretamento da providência, sendo que o indeferimento liminar do procedimento cautelar com fundamento na não verificação desse pressuposto é precipitado, em conformidade, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/05/2023, proc. n. 5101/22.1T8LRA.C1, em www.dgsi.pt 28. Mas mais, apesar do Tribunal recorrido citar na fundamentação da decisão o disposto nos artigos 391º n.1 e 392º, n.1 do Código de Processo Civil, não enquadrou nos mesmos dispositivos legais, os factos que o Autor alegou na sua petição inicial, 29. Assim, terá que ser censurada a sentença ora recorrida quando refere que “No caso concreto, invoca o requerente o facto de a requerente ocupar o imóvel, sem título, na versão do autor, e não pagando qualquer valor pela ocupação. Todavia, salvo o devido respeito, daí não advém que haja justo receio de perda da garantia patrimonial”, 30. Porque nunca da mera leitura da petição inicial apresentada nos autos podia o Digníssimo Tribunal Recorrido fazer essa conclusão ou fazer uma correlação que o Autor não faz, 31. É óbvio que não é pelo facto de a Ré ocupar o imóvel, sem título e não pagar qualquer valor pela ocupação, que daí advém que haja justo receio de perda da garantia patrimonial, no entanto, isso não consta da petição inicial. 32. O fundado receio advém da conduta, comportamento e dizeres da Ré, melhor explanado supra, sempre com a elevada certeza que esse fundado receio da perda da garantia patrimonial será provado, se o processo seguir os seus trâmites normais. 33. Porém, este indeferimento liminar impossibilita-o. 34. Diferente seria se o Autor não tivesse indicado quaisquer factos sobre os quais pudesse vir a recair prova, quanto à situação económico-financeira da Ré e do perigo de esta vir a dissipar qualquer garantia que possibilite satisfazer o crédito, nesse caso sim, ficaria desde logo, inviabilizado qualquer juízo, ainda que indiciário, sobre o perigo de esta última subtrair o seu património ao credor, para efeitos de decretamento de um arresto. 35. De qualquer forma, uma deficiente alegação dos factos tendentes a comprovarem o justo receio de perda de garantia patrimonial não justifica o indeferimento liminar da providência, antes reclama o convite ao aperfeiçoamento da petição, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/05/2021, proc. n. 82020/19.9YIPRT. L1-7, em www.dgsi.pt 36. Sem prescindir, em caso de dúvida quanto à suficiência dos factos invocados para a sustentação da pretensão, ou melhor clarificação da matéria, o juiz deve convidar o Autor a aperfeiçoar, completar ou concretizar o alegado. 37. Foram, assim, violadas as normas legais, designadamente, artigos 391º, 392º e 590º do Código Processo Civil. 38. Devendo, por isso, a Douta Decisão ser revista e substituída em conformidade por outra que, pelos motivos invocados decrete a providência cautelar de arresto, sem audição da Ré pelos motivos invocados. 39. Sem prescindir, e caso assim não se entenda, que se dignem revogar o presente despacho de indeferimento, substituindo-o por uma decisão que ordene o normal andamento processual, máxime, que convidem o Autor a uma melhor concretização e explanação da sua pretensão. Nestes Termos, e nos mais de direito aplicáveis deve, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, ser concedido provimento ao presente recurso e, assim, ser revogada a decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que decrete a providência cautelar de arresto. Mais, sem prescindir, deve a Douta Decisão proferida ser revogada e substituída por uma decisão que ordene o ulterior processual, designadamente que convide o Autor a uma concretização do alegado. Apreciando, Desembargadores, decidirão fazendo JUSTIÇA! Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos. ********** II – Questões a decidir:Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso. A questão a decidir traduz-se em apreciar se foram alegados os pressupostos de decretamento do arresto, mormente o requisito do justificado receio de perda da garantia patrimonial, e se o requerente não deveria ter sido convidado a aperfeiçoar a sua petição inicial. ********* III – Fundamentação:A. Fundamentos de facto: A matéria de facto com relevância para a decisão do presente recurso é a constante do relatório antecedente. ********** B. Fundamentos de direito. Dispõe o artº 391º do CPC que “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.” A concessão de uma providência cautelar depende da formulação de um juízo de probabilidade acerca da verificação do direito invocado pelo requerente e da existência de uma situação de perigo que exija uma tutela provisória e imediata. Por outro lado, só é admissível quando se verifique o preenchimento dos seguintes requisitos processuais: fumus boni juris, periculum in mora, interesse processual e proporcionalidade da providência – in Providências Cautelares, Marco Carvalho Gonçalves, 2015, pág. 170. Como já se decidiu anteriormente (cfr. AcRG de 30 de junho de 2022, processo nº 4854/18.6T8BRG-D.G1, relatado pelo aqui relator), o decretamento de uma providência cautelar alicerça-se em factos relativamente aos quais não existe, na sua maioria, um qualquer grau de certeza, mas tão só juízos de probabilidade acerca da verificação dos mesmos. Esta fragilidade probatória impõe especiais cuidados, necessariamente acrescidos quando a providência é decretada sem a audição da parte contrária. Não obstante a verificação objetiva dos requisitos dos quais depende o decretamento de uma providência cautelar, no caso o arresto, as efetivas medidas a tomar têm de observar um princípio de proporcionalidade, imposto pelo artº 368º, nº2, do CPC, que preserve o equilíbrio diáfano entre o interesse do alegado credor, a montante (traduzido na salvaguarda da garantia patrimonial), e o sacrifício imposto ao alegado devedor/arrestado, a jusante (consistente nas consequências decorrentes de tal decretamento). E na ausência de contraditório, ainda que se considere tal facto como impeditivo do direito do requerente, tal ponderação tem de ser feita pelo julgador. Analisando o caso concreto, verifica-se que o requerente alegou que a requerida não tem bens móveis nem imóveis e que recebeu tornas, cujo valor depositou. Todavia, não podemos deixar de concordar com o tribunal quando assinalou a falta de alegação de factualidade atinente ao justificado receio de perda da garantia patrimonial. Com efeito, o preenchimento do citado requisito não depende das motivações subjetivas do requerente. Ao invés, carece de ser concretizado num substrato factual mínimo de onde aquele receio se possa inferir. Alegou o requerente que o comportamento da requerida, que deu origem a duas queixas crime, leva-o a supor que a requerida irá omitir a existência de qualquer bem ou dissipar qualquer valor que lhe permita pagar o que lhe é devido. Desde logo, a circunstância de terem sido apresentadas queixa crime (referentes a quê, que supostos crimes estavam em causa?) não equivale a considerar indiciados quaisquer factos que sugiram uma tentativa de dissipação de bens. Depois, se a intenção da requerida era subtrair quaisquer valores, então que sentido faz tê-los depositado no banco? Não resultou, assim, alegado, qualquer facto que, em termos de critérios de normalidade prática, permita indiciar objetivamente um justificado receio de perda da garantia patrimonial. Jurisprudencialmente é abundante o citado entendimento: 1. O justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o requerido adote, ou tenha o propósito de adotar, conduta (indiciada por factos concretos) relativamente ao seu património que coloque, objetivamente, o titular do crédito com receio de ver frustrado o respetivo pagamento ou quando a situação económica do responsável pelo cumprimento se está a depauperar de tal forma que o Requerente vê diminuir o património que garantia o seu crédito. 2. Assim, não basta a existência de um crédito que o Requerido não satisfaça para se decretar o arresto: é necessário que resulte das circunstâncias que sem o arresto o credor corre o risco de ver diminuída ou perder a possibilidade de satisfazer o seu crédito. – CFR. AcRG de 23/01/2025, processo nº 6952/24.8T8BRG-A.G1; II. O carácter «justificado» do receio de perda da garantia patrimonial do crédito do requerente de arresto não se satisfaz com um mero juízo de probabilidade, correspondente a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, de simples ou meras dúvidas, de desconfianças subjectivas e precipitadas (sendo, por isso, um receio porventura conjecturado ou exagerado); exige, sim, um receio assente em factos objectivos (concretos e positivos) e avaliados num juízo distanciado (de prudente apreciação), tornando-se por isso convincente. – cfr. AcRG de 16/05/2024, processo nº 2111/24.8T8BRG.G1; II- O justo receio de perda da garantia patrimonial ocorre sempre que o devedor tenha o propósito de adotar ou adote uma conduta, indiciada por factos concretos, relativamente ao seu património suscetível de fazer temer pela sua solvabilidade para satisfazer o direito do credor. III - Para os efeitos do artigo 392º, nº 1, do Código de Processo Civil, não basta qualquer receio: é necessário que seja objetivo e justo, o que significa que a requerente há de alegar por forma clara factos positivos que, apreciados no seu verdadeiro valor, façam admitir como razoável a ameaça real de dissipação do seu património, não bastando invocar o simples receio. – cfr. AcRG de 28/09/2023, processo nº 3970/23.7T8GMR.G1; III - O justificado receio de perda da garantia patrimonial para efeitos de arresto tem de assentar em factos concretos que, objectivamente, revelem ou indiciem uma situação de perigo de insatisfação do crédito do requerente. – cfr. AcRG de 16/05/2019, processo nº 118/18.3T8VLN-B.G1; I - O “justo receio”, requisito necessário ao deferimento da providência de arresto, há de resultar de facto concretos, alegados pelo requerente. II - Se assim não for, isto é, não tendo o requerente alegado esses factos, mas apenas conclusões e considerações sobre a situação financeira das requeridas, a produção de prova, mesmo que apenas documental, sempre traduzia um ato processual inútil. III - Justifica-se, em tal caso, o indeferimento liminar do procedimento cautelar, porquanto se mostra manifestamente improcedente. – cfr. AcRP de 8/04/2024, processo nº 23424/23.0YPRT-A.P1; II- Para comprovação do justo receio de perda da garantia patrimonial há que alegar factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, devendo assim atender-se à forma da actividade do devedor, à sua situação económica, à sua solvabilidade, à natureza do seu património, à dissipação ou extravio, ou ocultação que faça dos seus bens, à ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir a obrigação, ao montante do crédito em causa e à própria relação negocial estabelecida entre as partes, de forma que objectivamente se justifique a pretensão drástica do requerente de subtrair bens à livre disposição do seu titular.- cfr. AcRG de 23/01/2025, processo nº 6952/24.8T8BRG-A.G1 A questão que então se coloca, e o recorrente fê-lo na conclusão 35º, é a de saber se o tribunal recorrido, ao invés de indeferir liminarmente a petição inicial, não deveria ter convidado o requerente a aperfeiçoar a petição inicial. O indeferimento liminar só se justifica em casos muito específicos: “Os casos de indeferimento liminar correspondem a situações em que a petição apresenta vícios substanciais ou formais de tal modo graves que permitem antever, logo nesta fase, a improcedência inequívoca da pretensão apresentada pelo autor ou a verificação evidente de exceções dilatórias insupríveis, incluindo a ineptidão da petição. Assim acontece quando seja manifesto que a ação nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação que se faça dos preceitos legais aplicáveis à situação factual configurada pelo autor, ou quando seja inequívoca a caducidade reportada a direitos indisponíveis. Outrossim perante a constatação de alguma exceção dilatória de conhecimento oficioso que não possa ser suprida nem por convite ou iniciativa do juiz, nem por atuação do autor” – cfr. Código de Processo Civil Anotado, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, Vol. I, pág. 674. Como refere Lebre de Freitas, “o despacho de aperfeiçoamento e o subsequente articulado da parte deverão conter-se no âmbito da causa de pedir ou exceção invocadas. – É inadmissível a sua utilização para induzir a parte a suscitar uma nova ou distinta causa de pedir ou uma nova ou diferente exceção (o réu deve confinar-se aos limites da defesa); isto é, não pode, por esta via, suprir-se uma ineptidão da petição, ainda que só a omissão do cerne ou núcleo essencial da “causa petendi” não seja suprível pela via do despacho de aperfeiçoamento. De salientar que as alterações à matéria de facto alegada previstas no nº4 do artº 590º devem cingir-se aos limites estabelecidos pelos artigos 5º e 265º (se introduzidos pelo autor) e pelos artigos 573º e 574º (se introduzidos pelo réu) – cfr. o nº 6 do artº 590º.” Também Paulo Pimenta, refere que “Face ao teor do nº 4 do artº 590º, o convite expresso neste despacho é, então, para completar insuficiências ou corrigir imprecisões fácticas. Os articulados imperfeitos sê-lo-ão a dois títulos, isto é, por facticamente insuficientes ou por facticamente imprecisos. São articulados facticamente insuficientes (incompletos) aqueles em que a exposição fáctica, permitindo embora determinar ou descortinar a causa de pedir ou a exceção invocada, não se revela suficiente ou bastante para o preenchimento da figura em causa, isto é, não contém todos os factos necessários para que possa operar-se a subsunção na previsão da norma jurídica (ou normas jurídicas) de que a parte quer prevalecer-se. Nessa situação, o juiz profere o despacho de convite ao aperfeiçoamento, por entender que, na sua alegação, a parte omitiu factos (factos essenciais, note-se) que era suposto ter articulado, face à estratégia processual por si assumida. Teremos articulados facticamente imprecisos (inexatos) quando a narração dos pontos de facto aí vertidos suscita dúvidas, seja porque não é clara ou não é precisa, seja porque é vaga ou é obscura, seja porque é ambígua ou incoerente. O mesmo se dirá das peças cujo teor é conclusivo, quer porque se omitiram os concretos factos que sustentam as conclusões, quer porque a parte reproduziu a fórmula legal invocada. Neste âmbito, importa atentar que o convite ao aperfeiçoamento dos articulados supõe, digamos, um limite fáctico mínimo, aquém do qual não é possível diligenciar no sentido desse aperfeiçoamento. Com efeito, e quanto ao autor, é imprescindível que o seu articulado revele (individualize) a causa de pedir em que se baseia a sua pretensão. Se faltar a causa de pedir, a petição será inepta, o mesmo sucedendo se tal causa de pedir for ininteligível (artº 186º, 2ª), gerando até uma exceção dilatória e a consequente absolvição do réu da instância (artº 186º, 1, 577º, b), e 278º, 1, b). Num e noutro caso não será possível colmatar o vício por via do convite. É que este convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir está lá (na petição) e é percetível (inteligível) (sublinhado nosso). Apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos. Coisa diversa, e afastada do âmbito do nº 4 do artº 590º, seria permitir à parte, na sequência desse despacho, apresentar “ex novo” um quadro fáctico até então inexistente ou de todo impercetível (o que equivale aqui ao mesmo) (…).” Como tem decidido o STJ, designadamente no acórdão de 21/11/06, Proc. nº 06A3687, “Acautelando, em absoluto, a equidistância e imparcialidade do julgador, o convite, não vinculado, a que se refere o nº 3 do artigo 508º, do CPC, deve destinar-se a corrigir as deficiências puramente processuais do articulado (“insuficiências ou imprecisões na exposição”, que têm a ver com a exposição em si mesma, com o mero raciocínio discursivo; ou “concretização da matéria de facto alegada”, a prender-se com um elencar de factos equívocos, difusos ou imprecisos) em termos de permitir ao juiz uma rigorosa e unívoca seleção ulterior da matéria relevante para a decisão. Não pode ser utilizada para a parte suprir aspetos substantivos ou materiais (vg ónus de alegação e prova de elementos constitutivos do seu direito) tal como – e agora por tal ser causa de ineptidão – para indicar o pedido ou concretizar a “causa petendi”.” Aqui chegados, e face às lacunas de alegação que assinalámos, face à inexistência de alegação de um quadro factual mínimo, entendemos que a petição inicial era verdadeiramente inepta e que não podia ter sido prolatado despacho de aperfeiçoamento. Decorre do princípio do dispositivo que incumbe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas – artº 5º do CPC – sofrendo as consequências processuais da sua omissão. Tudo ponderado, nada há a censurar à decisão recorrida, que se mantém integralmente. ********** V – Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente – artº 527º, nº 1 e 2 do CPC. Notifique. Guimarães, 20 de fevereiro de 2025. Relator: Fernando Barroso Cabanelas. 1º Adjunto: Gonçalo Oliveira Magalhães. 2º Adjunto: José Alberto Martins Moreira Dias. |