Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
645/19.5T8FAF-A.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: SEGURO FACULTATIVO
DEMANDA DIRECTA DA SEGURADORA
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
CONVOLAÇÃO DO INCIDENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Num contrato de seguro facultativo que não prevê a possibilidade do lesado demandar directamente a seguradora e não tendo ficado demonstrado que o segurado tenha informado o lesado do referido seguro e que este e a seguradora tenham iniciado negociações directas, não pode o autor demandar directamente a seguradora, nem é admissível a intervenção desta a título principal, mas apenas acessório.
II- Tendo sido requerida a intervenção principal numa situação em que a figura aplicável é a da intervenção acessória é admissível ao tribunal entender que ocorre um erro de qualificação do meio processual e oficiosamente convolar o incidente de intervenção principal num de intervenção acessória desde que se encontrem observados os requisitos exigidos neste incidente e o requerente os invoque, ainda que indirectamente.
III- Ocorre em manifesto lapso a ré que, na contestação, alude à existência de contrato de seguro junto de determinada seguradora, mas requer a intervenção de uma mediadora, pelo que não se pode considerar intempestivo o novo requerimento da ré a requerer a intervenção da primeira num momento posterior ao da contestação, mas ainda na fase dos articulados.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

R. M. – Confecção, Lda., com sede na Rua …, Guimarães, instaurou acção declarativa de condenação sob a forma comum contra X - Transportes, Lda., com sede na Rua … e Transportes M. F., Lda., com sede Rua …, Freixo de Cima, pedindo:

- a condenação solidária das rés no pagamento à autora das facturas respeitantes às mercadorias furtadas, no valor de € 13.093,55;
- no pagamento da quantia de € 2.724,66, referentes a juros de mora vencidos em 23/06/2016 até 17/06/2019, bem como no pagamento de juros vincendos até efectivo e integral pagamento;
Subsidiariamente pede a condenação apenas da 1ª ré nos mesmos termos;
Subsidiariamente pede ainda a condenação da 2ª ré nos mesmos termos.
Para tanto alegou ter celebrado com a 1ª ré um contrato de transporte rodoviário de mercadorias de molde a que esta transportasse para uma cliente sua com sede em Espanha peças de vestuário por si confeccionados no valor global de € 13.093,55. A 1ª ré subcontratou a 2ª ré sem dar conhecimento à autora.
A mercadoria foi carregada em 23/06/2016. Na madrugada de 27/06/2017, no período de descanso dos condutores, já em Espanha, a mercadoria foi furtada do interior do camião.
A 1ª ré accionou a sua seguradora, Companhia de Seguros Y, S.A..
A 2ª ré assumiu a responsabilidade ao declarar, na denúncia junto da Guardia Civil, que a sua Seguradora, ...SEG T, S.A., cobria os danos, mas posteriormente esta ré retirou a assunção da responsabilidade.
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A 1ª ré contestou deduzindo excepção de ilegitimidade passiva e requereu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Y, S.A.. Mais deduziu excepção de prescrição.
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A 2ª ré contestou deduzindo excepção de ilegitimidade passiva e requereu a intervenção principal provocada da ...SEG.T, Corretores de Seguros S.A.. Mais deduziu excepção de prescrição.
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A autora nada opôs.
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Foi proferido despacho a convidar a ré a esclarecer se o contrato de seguro em causa prevê a demanda da Seguradora directamente pelo lesado juntando para o efeito a documentação pertinente.
As rés juntaram as apólices.
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Foi proferido despacho em 05/12/2019 que deferiu a intervenção da Companhia de Seguros Y Portugal, S.A. e de ...SEG – Corretores de Seguros, S.A., mas a título acessório.
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...SEG – Corretores de Seguros, S.A. apresentou contestação deduzindo a sua ilegitimidade dizendo que a 2ª ré celebrou contrato de seguro com W GROUP LIMITED, sendo que a contestante foi uma mera intermediária. Deduziu a excepção de prescrição. No mais, defendeu-se por impugnação.
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Companhia de Seguros Y Portugal, S.A. apresentou contestação deduzindo excepção de ilegitimidade da autora e da contestante. Deduziu a excepção de prescrição. No mais, defendeu-se por impugnação.
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Em 31/01/2020 a 2ª ré veio requerer a intervenção principal provocada de W GROUP LIMITED.
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A autora não se pronunciou.
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Em 29/06/2020 foi proferido o seguinte despacho:
Refª 9714224: Em requerimento posterior à contestação, veio a Ré “M. F. Lda.” requerer a intervenção principal, do lado passivo, da “W Group Limited”, alegando, em suma, a celebração com a referida companhia de contrato de seguro de responsabilidade civil que garante a indemnização que eventualmente seja devida à Autora na sequência do furto descrito nos autos.
Junta que havia sido a apólice do referido contrato de seguro, não se vislumbra que ali se preveja a demanda direta da seguradora pelo lesado, pelo que, tratando-se de seguro facultativo, vimos entendendo ser admissível a intervenção da seguradora, sim, mas como parte acessória, e não principal, na causa.
Da análise dos arts. 311º, 316º e 319º do CPC resulta que o incidente de intervenção principal é de admitir quanto a quem tenha um interesse igual ao do réu relativamente ao objeto da causa nos termos dos arts. 32º e 33º ou quanto a quem pudesse coligar-se com o autor nos termos do art. 36º, do CPC.
Nos presentes autos a Autora pretende a condenação das Rés no pagamento de indemnização com fundamento em incumprimento (lato sensu) de contrato de transporte que celebrou com a primeira que, por sua vez, subcontratou com a segunda, em virtude do furto da sua mercadoria transportada.
Ora, do confronto da causa de pedir com os fundamentos do chamamento em apreciação resulta que estes não integram os pressupostos previstos pelos preceitos supra referidos, já que a sociedade chamada, tendo interesses opostos aos da Autora, também não tem interesse igual ao da Rés.
A relação contratual erigida como causa de pedir contra as Rés só respeita à Autora e às Rés e não se confunde com os contratos de seguro que cada uma das Rés tenha celebrado com as chamadas, aos quais a Autora é, por sua vez, alheia.
Atentos os termos em que vem configurada a ação pela Autora, não estando em causa um qualquer seguro de responsabilidade civil obrigatório do qual derive uma previsão/imposição legal ao nível da legitimidade processual (exclusiva ou em litisconsórcio), a eventual discussão entre as Rés e as seguradoras por contratadas é questão à qual a Autora é alheia e que em nada contende com o direito de crédito de que se arroga.
Nessa sequência, as referidas seguradoras podem intervir nos autos apenas ao abrigo da intervenção acessória, prevista pelos arts. 321º e ss. do CPC. Nos termos do citado art. 321º, nº1, “O réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal”. A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento (nº2 do art. 321º).
Sucede que, nos termos do art. 322º, nº 1, CPC, “o chamamento é deduzido pelo réu na contestação ou, não pretendendo contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito”.
De igual prazo disporia, aliás, a Ré, para chamar a interveniente a título principal, de acordo com o disposto no art. 318º, nº1, c), CPC.
Nessa sequência, por extemporâneo, não admito o incidente de intervenção de “W Group Limited”.
Notifique.
Custas do incidente pela Ré/Requerente.”
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Não se conformando com esta decisão veio Transportes M. F., Lda., dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“A – Foi proferido um Despacho Judicial, em que se conclui da seguinte forma: “Nessa sequência, por extemporâneo, não admito o incidente de intervenção de “W Group Limited”. ”
B – É desta decisão, que ora se recorre, por se entender ter havido errada interpretação, das normas legais aplicáveis à situação concreta;
C – Relativamente à alegada extemporaneidade, entendemos e com o devido respeito, que também houve errada interpretação dos normativos legais;
D – Em 28.01.2020 foi a apelante notificada da apresentação da contestação e documentos, pela ...SEG – CORRETOR DE SEGUROS, S.A., com a Refª do Tribunal de Fafe nº 166949682.
E - A apelante requereu a intervenção principal provocada da W Group Limited, durante a fase dos articulados, em 31.01.2020, Refª CITIUS nº 34719650;
F - Dispõe o artigo 318º do CPC, que “ O chamamento só pode ser requerido, nas situações previstas no nº 2 do artº 321, até ao termo da fase dos articulados”.
G - Quando a intervenção principal foi requerida ainda estava em curso o prazo de resposta ao supra citado articulado – contestação-.
H - O requerimento a requerer a intervenção principal provocada, ocorreu antes de terminar a fase dos articulados, estando em tempo, pelo que, não podia ter sido rejeitado, e/ou não admitido, com tal fundamento.

Sem Prescindir,
I – Foi deduzido o incidente de intervenção principal provocada da Seguradora W GROUP LIMITED, em 31.01.2020, com a Refª Citius 34719650.
J – Alegando-se a celebração de um contrato de transporte de mercadorias, tendo em conta que a Apelante exerce a actividade de transporte rodoviário de mercadorias.
L – Actividade que a Apelante exerce na Europa.
M – Devido ao facto de a Apelante efectuar transporte de mercadorias na Europa, tem de possuir um seguro de responsabilidade civil por danos causados aos objectos transportados, nos termos da Convenção Colectiva ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, vulgo CMR.
N – Dada a natureza do seguro, in casu, facultativo, a Seguradora não pode ser chamada para ocupar na lide, a posição de parte principal.
O – Quanto a esta matéria, nada a dizer ao proferido no Despacho Judicial, de que ora se recorre.
No entanto,
P – Como é referido no referido Despacho, a intervenção da W GROUP LIMITED, seria sempre ao abrigo da intervenção acessória.
Q – Não restam dúvidas do interesse da Seguradora W, de se associar à ora agravante na defesa da acção que contra esta foi instaurada.
R – Pelo que, deveria ter sido convolado o incidente de intervenção provocada no de intervenção acessória, o que o Tribunal pode fazer oficiosamente, convolando tal requerimento, assim, corrigindo um erro na qualificação do meio processual – artº 193 nº 2 do CPC.
S – A Apelante alegou os requisitos exigidos, para que possa haver convolação, designadamente o direito de regresso.
T – Foi alegada, a relação jurídica entre a Apelante e a Chamada, que legitima a intervenção do terceiro, perante a qual a Apelante possui, na hipótese de procedência da acção, um direito de regresso.
U – Existe uma relação de conexão entre o objecto da acção pendente e o da hipotética acção de regresso.
V – Com a convolação do incidente, a Apelante obtém o auxílio do chamado, como também a vinculação deste à decisão, de caracter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso.
X – Recorrendo-se aos princípios da economia e celeridade processual e da adequação formal.
Z – Foram violados o disposto nos artº 6º, 7º e 547º todos do CPC.
Pugna pela admissão de intervenção acessória de W Group Limited.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., a questão a decidir é saber se é de admitir a intervenção acessória de W Group Limited, designadamente se a mesma é tempestiva.
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II – Fundamentação

Os factos que relevam para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede
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O art. 260º do C.P.C., diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem indicação de origem, consagra o princípio da estabilidade da instância. Nos termos deste preceito Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas.
A razão de ser deste princípio prende-se com a necessidade de balizar os termos do conflito de molde a que as partes possam actuar com segurança, sem equívocos e que o processo adquira a necessária estabilidade para permitir uma decisão correcta do litígio.
No que concerne à modificação das partes no processo o art. 261º permite o chamamento de terceiro para assegurar a legitimidade de alguma das partes nos termos do art. 316º e ss. do mesmo Código; o art. 262º a) prevê tal modificação em consequência da substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio, quer por sucessão, quer por acto entre vivos; e o art. 262º b) em virtude dos incidentes de intervenção de terceiros.
Relativamente à intervenção de terceiros a lei distingue a intervenção principal da intervenção acessória e prevê ainda o incidente de oposição.
Na intervenção principal o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição da parte principal (art. 311º) fazendo valer um direito próprio (art. 312º), podendo apresentar articulados próprios (art. 314º) e a final é condenado ou absolvido do pedido formando a sentença caso julgado quanto a ele (art. 320º).
No caso da intervenção provocada, do art. 316º, bem como do art. 311º, resulta que o seu campo de aplicação, com excepção da situação prevista no art. 317º do C.P.C., são as situações de litisconsórcio, necessário e voluntário. Com efeito, apenas pode intervir na acção assumindo a posição de parte principal um terceiro que seja, juntamente com a parte principal, titular da mesma e única relação material controvertida.
No que concerne à oportunidade do chamamento dispõe o art. 318º do C.P.C. que, no caso da preterição do litisconsórcio necessário (sem prejuízo do disposto no art. 261º) e no caso de litisconsórcio voluntário o chamamento só pode ser requerido até ao termo da fase dos articulados (a) e b)), e nos casos previstos no art. 316º nº 3 e 317º, na contestação ou em requerimento apresentado no mesmo prazo (c)).
Na intervenção acessória o terceiro é chamado a intervir com o estatuto de assistente (art. 323º nº 1), a sua intervenção circunscreve-se à discussão de questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento (art. 321º nº 2) e a sentença final, que não aprecia a acção de regresso, constitui caso julgado quanto ao chamado relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor de chamamento com as limitações previstas no art. 332º (art. 323º nº 4).
Quanto à intervenção acessória provocada dispõe o art. 322º nº 1 que o chamamento é deduzido pelo réu na contestação ou em requerimento apresentado no mesmo prazo justificando o interesse que legitima o incidente.

Nos termos do art. 322º nº 2 são quatro os requisitos de que depende esta intervenção:
- a relevância do interesse que está na base do chamamento (que decorre dos dois seguintes requisitos ou o prejuízo que lhe causará a perda da causa e da imputação desse prejuízo a terceiro);
- a viabilidade da acção de regresso;
- a efectiva dependência das questões a decidir na causa principal; e
- a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo (não perturbe de forma grave, considerável ou desproporcional).

Feitos estes considerandos vejamos o caso em apreço.
Nos presentes autos está em causa a alegada responsabilidade civil das rés com fundamento no facto de se terem comprometido a fazer o transporte terreste de mercadorias da autora para uma cliente desta em Espanha sendo que, no decurso desse transporte, ocorreu o furto da mercadoria.
Desta relação material controvertida são titulares a lesada e os lesantes. A seguradora W Group Limited não é lesante tendo apenas celebrado com a 2ª ré um contrato de seguro facultativo através do qual a responsabilidade civil desta se transferiu para si.
O Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Dec.-Lei nº 72/2008 de 16/04 e alterado pela Lei nº 147/2015, de 09 de Setembro, pretendeu pôr fim às divergências existentes na doutrina e jurisprudência no que concerne à demanda directa da seguradora pelo lesado e à correspondente responsabilização daquela perante este.
Assim, nos termos do art. 146º nº 1, no seguro obrigatório, é admissível a acção directa contra a seguradora e no caso do seguro facultativo consagrou-se a impossibilidade de demandar directamente a seguradora, excepto nos casos previstos no art. 140º nº 2 e 3 deste diploma, a saber, quando o contrato prevê o “direito do lesado demandar directamente a segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado”, e “quando o segurado tenha informado o lesado da existência do contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre lesado e segurador”.
Assim sendo, bem andou o tribunal recorrido em considerar que não era possível a intervenção desta seguradora a título principal, mas apenas a título acessório. Com efeito, a autora não poderia ter demandado directamente esta seguradora uma vez que o contrato de seguro em causa é facultativo, não prevê essa possibilidade e não ficou demonstrado que a segurada tenha informado a lesada dos referidos seguros e que consequentemente se tenham iniciado negociações entre ambas. Acresce que a ré e a seguradora não estão numa relação de litisconsórcio, nem voluntário, nem necessário, pois não são titulares da mesma e única relação jurídica material controvertida.
Neste sentido vide, entre outros, acórdãos desta Relação de 25/09/2012 (António Figueiredo de Almeida), de 01/10/2015 (Maria Amália Santos), de 17/12/2019 (Fernando Fernandes Freitas), in www.dgsi.pt, endereço a que pertencerão acórdãos a citar sem menção de origem.
Tendo sido requerida a intervenção principal numa situação em que a figura aplicável é a da intervenção acessória a maioria da jurisprudência e doutrina defende ser admissível ao tribunal entender que ocorre um erro de qualificação do meio processual e oficiosamente convolar o incidente de intervenção principal para o de intervenção acessória desde que se encontrem observados os elementos exigidos neste incidente e o requerente os invoque, ainda que indirectamente. Baseia-se no facto de, com a reforma do processo civil, terem sido adoptadas soluções que privilegiam os aspectos de ordem substancial em detrimento das questões de natureza meramente formal e também nos princípios da cooperação e adequação formal previstos nos art. 7º e 547º do C.P.C. respectivamente. Neste sentido vide, entre outros, na jurisprudência, na Ac. da R.C. de 21/05/2019 (António Domingos Pires Robalo) e Ac. da R.L. de 24/10/2019 (Maria Laurinda Gemas) e, na doutrina, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol 1º, 4º ed., Almedina, p. 644, Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., Coimbra Ed., p. 278.
No caso em apreço, no requerimento da 2ª ré de 31/01/2020, esta refere: “(…) por lapso nosso, de que nos penitenciamos, chamamos a intervir a ...SEG, Lda., quando deveria ter sido a W GROUP LIMTED (…)” e “Atento o interesse atendível da 2ª R., consequente da transmissão da responsabilidade civil de transportador de mercadoria (CMR) para a Seguradora”. Não obstante neste requerimento se requerer a intervenção principal ao se basear na alegada legitimidade desta seguradora para a acção e na eventual responsabilidade desta a final pelo pagamento de indemnização à autora, afigura-se-nos que, ainda assim, se pode retirar do mesmo um interesse atendível desta ré em ter na acção tal seguradora, responsável última pelo pagamento de tal indemnização, subentendendo-se um direito de regresso. Assim, nada impede a convolação deste incidente num de intervenção acessória como, aliás, foi admitido pelo tribunal recorrido.
Quer como requerimento de intervenção provocada, quer como de intervenção acessória, o chamamento devia ter sido deduzido na contestação (art. 318º nº 1 c) e 322º nº 1), o que se verificou.
Na contestação apresentada pela 2ª ré lê-se “Acontece que, no âmbito dessa actividade a R. contratou um seguro com a W GROUP LIMITED, representada em Portugal pela ...SEG.T, Corretores de Seguros S.A. (…)” (sublinhado nosso), mas foi requerida a intervenção desta última. Esta ré juntou a apólice em causa da qual consta que a seguradora é W Group Limited sendo ...SEG T, Corretores de Seguros S.A. a mediadora, a representante da seguradora em Portugal, a gestora dos sinistros. Assim sendo, é manifesto o lapso desta ré, do qual o tribunal recorrido não se apercebeu.
Pelo exposto, contrariamente ao tribunal recorrido, entendemos que o requerimento de 31/01/2020 se limita a rectificar um lapso manifesto da contestação pelo que deve ser considerado tempestivo tanto mais que se verificam os requisitos de que depende a intervenção acessória, inclusive não ocorre perturbação grave do normal andamento do processo uma vez que os autos ainda se encontram na fase dos articulados.
Procede, assim, a apelação.
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As custas da apelação são a suportar pela apelante uma vez que esta, com seu lapso na contestação, deu causa às mesmas custas (art. 527º, nº 1 do C.P.C.).
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - Num contrato de seguro facultativo que não prevê a possibilidade do lesado demandar directamente a seguradora e não tendo ficado demonstrado que o segurado tenha informado o lesado do referido seguro e que este e a seguradora tenham iniciado negociações directas, não pode o autor demandar directamente a seguradora, nem é admissível a intervenção desta a título principal, mas apenas acessório.
II - Tendo sido requerida a intervenção principal numa situação em que a figura aplicável é a da intervenção acessória é admissível ao tribunal entender que ocorre um erro de qualificação do meio processual e oficiosamente convolar o incidente de intervenção principal num de intervenção acessória desde que se encontrem observados os requisitos exigidos neste incidente e o requerente os invoque, ainda que indirectamente.
III – Ocorre em manifesto lapso a ré que, na contestação, alude à existência de contrato de seguro junto de determinada seguradora, mas requer a intervenção de uma mediadora, pelo que não se pode considerar intempestivo o novo requerimento da ré a requerer a intervenção da primeira num momento posterior ao da contestação, mas ainda na fase dos articulados.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e consequentemente revogam a decisão recorrida, admitem a intervenção acessória de W Group Limited e ordenam a citação desta nos termos do art. 323º nº 1 do C.P.C..
Sem custas.
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Guimarães, 26/11/2020

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade