Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
791/20.2T8CHV-B.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: PROCURAÇÃO FORENSE
SOCIEDADE
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Nas procurações forenses outorgadas, em 2013, pela então administradora e gerente em nome das duas sociedades que a esse título representava, os respetivos mandantes são estas sociedades. Por isso, não assumindo aquela administradora e gerente a qualidade de mandante, a sua morte em 2021 não fez caducar as procurações.
Nessa medida, na ausência de qualquer facto que, de algum modo, coloque em crise a vontade das sociedades expressa aquando da outorga das procurações, a sua validade mantém-se quando, em 2023, elas foram juntas a estes autos.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I
Na presente oposição à execução e à penhora, que as executadas EMP01... L.da, EMP02... L.da e EMP03... S.A. deduziram contra a exequente EMP04..., S.A., foram, a 13-11-2023, 7-12-2023 e 10-1-2024, proferidos, respetivamente, os seguintes despachos:
- «No requerimento que deu início aos presentes embargos de executado introduzidos em juízo em 25/11/2021 foi apresentada oposição à execução e à penhora (da qual vieram posteriormente a desistir) três sociedades executadas nos autos principais de execução, a saber, a EMP01... Lda (... ...41), A EMP02... Lda (... ...72) e a EMP03... S.A. (... ...26).
Nesse articulado, o ilustre subscritor protestou juntar aos autos as três procurações.
Em 10/03/2022 foi por nós proferido um despacho que, para além do mais, decidiu: “(…) Notifique o ilustre subscritor do articulado que deu início ao presente apenso para, em 10 dias, juntar aos autos as procurações protestadas juntar”.
Em 24/03/2022 o ilustre subscritor da petição inicial de embargos juntou aos autos um requerimento e, mais uma vez, não juntou as procurações forenses protestadas juntar.
Assim, notifique as executadas/embargantes para, em 10 dias, juntarem aos autos a respetiva procuração forense e, se necessário, com ratificação do processado, sem prejuízo do disposto no art. 48.º do CPC, ou seja, de que fica sem efeito tudo o que o(a) ilustre causídico(a) praticou em nome das executadas.»
- "Salvo melhor opinião, as procurações juntas aos autos na ref.ª ...73 não satisfazem o determinado no nosso anterior despacho, proferido em 13/11/2023, porque estão subscrita por AA em representação de cada uma das sociedades executadas/embargantes, pessoa que, como é do nosso conhecimento oficioso de outros processos, já faleceu no ano de 2021."
- "(…) Até à presente nada mais foi requerido ou junto aos autos, ou seja, as procurações forenses ainda não se encontram juntas aos autos, sendo certo que o despacho a ordenar a junção das ditas procurações protestadas juntar foi proferido em 24/03/2022.
Pelo exposto, nos termos do artigo 48.º, do Código de Processo Civil, determina-se que ficam sem efeito todos os atos praticados pelo ilustre causídico, Sr. Dr. BB, condenando-se o mesmo nas custas do processo (com taxa de justiça fixada nos mínimos legais)."
A 27-11-2023, na sequência do despacho de 13-11-2023, foram juntas as procurações mencionadas no despacho de 7-12-2023, datadas de 9-1-2013 e de 10-6-2013, nas quais AA, em representação das executadas EMP02... L.da e EMP03... S.A., confere ao Dr. CC "poderes forenses gerais".
Nessa mesma ocasião foram ainda juntos dois substabelecimentos, com reserva, do Dr. CC em favor do Dr. BB, ambos datados de 31-10-2021, de todos os poderes conferidos pelas executadas nas citadas procurações.
Inconformadas com a decisão de 7-12-2023, dela as executadas EMP02... L.da e EMP03... S.A. interpuseram recurso, invocando o disposto no artigo 644.º n.º 2 h) do Código de Processo Civil, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:
PRIMEIRA CONCLUSÃO
No dia 13 de novembro de 2023, foi proferido nos autos douto despacho que determinou a notificação das recorrentes, para em 10 dias, juntarem aos autos a respetiva procuração forense, e se necessário, com ratificação do processado.
SEGUNDA CONCLUSÃO
Tal douto despacho foi notificado às recorrentes, apenas nas próprias pessoas delas, e não já, na do advogado subscritor desta peça processual.
TERCEIRA CONCLUSÃO
No entanto, e apesar disso, as recorrentes juntaram aos autos, em ../../2023, duas procurações, por cada uma delas passadas, a da EMP03... S.A., no dia 10 de junho de 2013, e a da EMP02... LDA., no dia 09 de janeiro de 2013, ao Doutor CC, duas procurações essas que foram ambas subscritas, pela Exma. Senhora Doutora AA, que, nessas datas, era, respetivamente, administradora e gerente, das duas sociedades em causa.
QUARTA CONCLUSÃO
No dia 07 de dezembro de 2023, foi proferido um novo despacho, que, mais uma vez, foi notificado às recorrentes, via postal, unicamente nas pessoas delas, e não já, ao advogado subscritor deste recurso, apesar de ter sido tal advogado, como foi, aquele que subscreveu e enviou para os autos, através de transmissão eletrónica de dados, via sistema Citius, o requerimento, sobre o qual recaiu esse despacho, que é o agora sob recurso.
QUINTA CONCLUSÃO
Despacho esse no qual a Distinta Senhora Juíza a quo, entendeu que as duas procurações em causa, e, consequentemente os respetivos substabelecimentos, não eram, digamos assim, válidas, nem eficazes, em virtude de estarem, como efetivamente, estavam subscritas por AA, a qual, já tinha falecido no ano de 2021.
SEXTA CONCLUSÃO
Mas mal, padecendo o despacho em causa, muito embora com a devida vénia, num erro de julgamento que é um erro de direito.
SÉTIMA CONCLUSÃO
Isto porque uma procuração, passada por uma sociedade comercial (no caso, a EMP03... S.A. e a EMP02... LDA.) por intermédio do então administrador ou gerente dela (aqui, AA), a um advogado (que foi o Doutor CC), conferindo-lhe poderes forenses gerais, mantém-se, plenamente válida e eficaz, ainda que o gerente ou administrador em causa, que subscreveu tal procuração, deixe de o ser, por qualquer motivo, nomeadamente por morte (que foi, no caso em análise, o que sucedeu), renúncia ao cargo, destituição ou outro.
OITAVA CONCLUSÃO
Pelo que, as procurações e os substabelecimentos em causa, eram, quando eles foram emitidos, respetivamente, nos dias 10 de junho de 2013, 09 de janeiro de 2013 e ../../2021, plenamente válidos e eficazes, validade e eficácia essa que se mantinham quando os mesmos foram juntos aos autos, em ../../2023 e se continuam a manter atualmente.
NONA CONCLUSÃO
Pelo que, o advogado BB, tem, desde ../../2021, que é a data dos dois substabelecimentos que têm vindo a ser referidos suficientes poderes forenses gerais para representar a EMP03... S.A. e a EMP02... LDA., em qualquer processo judicial, designadamente no presente.
DÉCIMA CONCLUSÃO
O que, desde ../../2023, está comprovado nos autos.
DÉCIMA PRIMEIRA CONCLUSÃO
Devendo, por isso, ou seja, por erros, quanto ao julgamento da matéria de direito, traduzidos, nomeadamente, na violação, designadamente, dos atrás referidos artigos 265.º, do CC, 20.º-2, da CRP e 66.º-3, do EOA, violação que constitui o fundamento específico de recorribilidade do despacho em causa (artigo 637.º-2, do CPC), e muito embora sem que isso possa constituir, nem constitua, qualquer demérito, por pequeno, ou mínimo até, que seja, para com a Brilhante Magistrada Judicial que o proferiu, até porque, e como é por demais sabido, aliquando dormitat bonus Homerus, Homerus qui Homerus erat, ou, numa linguagem mais popular e coloquial, no melhor pano cai a nódoa, ou errar é próprio do homem, e também, naturalmente, da mulher, ser o despacho em causa, apesar dele ser, como, ninguém disso pode duvidar, é, muitíssimo douto, anulado (artigo 639.º-1, in fine, do CPC), com todas as consequências legais de tal anulação advenientes.
DÉCIMA SEGUNDA CONCLUSÃO
Prolatando-se, para tal, não menos douto acórdão, que considere que o despacho recorrido incorreu em erros no julgamento da matéria de direito, violando, designadamente, as normas legais, e mesmo constitucionais, que atrás ficaram mencionadas, e que, utilizando a vertente cassatória, do nosso sistema de recursos, anule tal despacho (artigo 639.º-1, in fine, do CPC), e, lançando mão da vertente de substituição, do mesmo sistema recursório, vertente essa prevista, aliás, nomeadamente, no artigo 665.º, do mesmo CPC, determine que as procurações e os substabelecimentos em causa são plenamente válidos e eficazes, tendo, pois, o advogado BB, suficientes poderes forenses gerais para representar a EMP03... S.A. e a EMP02... LDA., no âmbito da execução em questão e respetivos apensos, entre os quais se inclui este Apenso-B.
Após a prolação do despacho de 10-1-2024 as executadas EMP02... L.da e EMP03... S.A. dele interpuseram recurso, interpondo ainda recurso do despacho de 13-11-2023 por terem "dúvidas, sobre se ele seria autonomamente recorrível, face ao comandado no artigo 644.º-2-d), do CPC".

Formularam então as seguintes conclusões:
PRIMEIRA CONCLUSÃO
No dia 13 de novembro de 2023, foi proferido nos autos 1 douto despacho que determinou a notificação das recorrentes, para em 10 dias, juntarem aos autos a respetiva procuração forense, e se necessário, com ratificação do processado.
SEGUNDA CONCLUSÃO
Tal douto despacho foi notificado às recorrentes, apenas nas próprias pessoas delas, e não já, na do advogado subscritor desta peça processual.
TERCEIRA CONCLUSÃO
No entanto, e apesar disso, as recorrentes juntaram aos autos, em ../../2023, duas procurações, passadas, a da EMP03... S.A., no dia 10 de junho de 2013, e a da EMP02... LDA., no dia 09 de janeiro de 2013, ao Doutor CC, duas procurações essas que foram ambas subscritas, pela Exma. Senhora Doutora AA, que, nessas datas, era, respetivamente, administradora e gerente de cada uma, das duas sociedades em causa.
QUARTA CONCLUSÃO
No dia 07 de dezembro de 2023, foi proferido um novo despacho, que, mais uma vez, foi notificado às recorrentes, via postal, unicamente nas pessoas delas, e não já, ao advogado subscritor deste recurso, apesar de ter sido tal advogado, como foi, aquele que subscreveu e enviou para os autos, através de transmissão eletrónica de dados, via sistema Citius, o requerimento, sobre o qual recaiu esse despacho, que é um dos dois que agora está sob recurso.
QUINTA CONCLUSÃO
Despacho esse no qual a Distinta Senhora Juíza a quo, entendeu que as duas procurações em causa, e, consequentemente, os respetivos substabelecimentos, não eram, digamos assim, válidas, nem eficazes, em virtude de estarem, como efetivamente estavam, subscritas por AA, a qual, na verdade, já tinha falecido no ano de 2021.
SEXTA CONCLUSÃO
O que foi reiterado por aquela Distinta Juíza, no despacho de 10 de janeiro de 2024, o qual, em consequência, determinou que, ao abrigo do artigo 48.º, do CPC, ficavam sem efeito todos os atos praticados, pelo advogado BB, nos embargos de executado em causa.
SÉTIMA CONCLUSÃO
Mas mal, padecendo os despachos em causa, muito embora com a devida vénia, de um erro de julgamento que é um erro de direito.
OITAVA CONCLUSÃO
Isto porque uma procuração, passada por uma sociedade comercial (no caso, a EMP03... S.A. e a EMP02... LDA.) por intermédio do então administrador ou gerente dela (aqui, AA), a um advogado (que foi o Doutor CC), conferindo-lhe poderes forenses gerais, mantém-se, plenamente válida e eficaz, ainda que o gerente ou administrador em causa, que subscreveu tal procuração, deixe de o ser, por qualquer motivo, nomeadamente por morte (que foi, no caso em análise, o que sucedeu), renúncia ao cargo, destituição ou outro.
NONA CONCLUSÃO
Pelo que, as procurações e os substabelecimentos em causa, eram, quando eles foram emitidos, respetivamente, nos dias 10 de junho de 2013 e 09 de janeiro de 2013, no que toca às procurações, e ../../2021, relativamente aos substabelecimentos, plenamente válidos e eficazes, validade e eficácia essa que se mantinham quando os mesmos foram juntos aos autos, em ../../2023 e se continuam a manter atualmente.
DÉCIMA CONCLUSÃO
Pelo que, o advogado BB, tem, desde ../../2021, que é a data dos dois substabelecimentos que têm vindo a ser referidos, suficientes poderes forenses gerais para representar a EMP03... S.A. e a EMP02... LDA., em qualquer processo judicial, designadamente no presente.
DÉCIMA – PRIMEIRA CONCLUSÃO
O que, desde ../../2023, está comprovado nos autos.
DÉCIMA – SEGUNDA CONCLUSÃO
Devendo, por isso, ou seja, por erros, quanto ao julgamento da matéria de direito, traduzidos, nomeadamente, na violação, designadamente, dos atrás referidos artigos 265.º, do CC, 48.º, do CPC, 20.º-2, da CRP e 66.º-3, do EOA, violação essa que constitui o fundamento específico de recorribilidade do 1 despacho em causa (artigo 637.º-2, do CPC), e muito embora sem que isso possa constituir, nem constitua, qualquer demérito, por pequeno, ou mínimo até, que seja, para com a Brilhante Magistrada Judicial que os proferiu, até porque, e como é por demais sabido, aliquando dormitat bonus Homerus, Homerus qui Homerus erat, ou, numa linguagem mais popular e coloquial, no melhor pano cai a nódoa, ou errar é próprio do homem, e também, naturalmente, da mulher, serem os despachos em causa, apesar deles serem, como, ninguém disso pode duvidar, são, muitíssimo doutos, anulados (artigo 639.º-1, in fine, do CPC), com todas as consequências legais de tal anulação advenientes.
DÉCIMA – TERCEIRA CONCLUSÃO
Prolatando-se, para tal, não menos douto acórdão, que considere que o despacho recorrido incorreu em erros no julgamento da matéria de direito, violando, designadamente, as normas legais, e mesmo constitucionais, que atrás ficaram mencionadas, e que, utilizando a vertente cassatória, do nosso sistema de recursos, anule tais despachos (artigo 639.º-1, in fine, do CPC), e, lançando mão da vertente de substituição, do mesmo sistema recursório, vertente essa prevista, aliás, nomeadamente, no artigo 665.º, do mesmo CPC, determine que as procurações e os substabelecimentos em causa são plenamente válidos e eficazes, tendo, pois, o advogado BB, suficientes poderes forenses gerais para representar a EMP03... S.A. e a EMP02... LDA., no âmbito da execução em questão e respetivos apensos, entre os quais se inclui este Apenso-B, o qual, deverá, pois, prosseguir a normal tramitação dele, para que, no mesmo seja proferida um decisão de mérito.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Meritíssima Juiz admitiu "os recursos interpostos nos autos que são de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (art. 645.º, n.º 1, alínea a) e 647.º, n.º 3, alínea c) do CPC)".
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir nos dois recursos consiste em saber se as procurações emitidas por AA se mantêm "plenamente válida[s] e eficaz[es], ainda que o gerente ou administrador em causa, que subscreveu tal procuração, deixe de o ser, por qualquer motivo, nomeadamente por morte (que foi, no caso em análise, o que sucedeu)" e, sendo assim, se se mantinha a "validade e eficácia" das "procurações e os substabelecimentos em causa (…) quando os mesmos foram juntos aos autos, em ../../2023 e se continuam a manter atualmente".

II
1.º
É oportuno começar por sublinhar que no segundo recurso, em que, receando que o primeiro não fosse recebido, também se atacou o despacho de 7-12-2023, as conclusões formuladas quanto a esta decisão são exatamente as mesmas que tinham sido formuladas anteriormente. Ou seja, no que toca ao despacho de 7-12-2023, nas conclusões do segundo recurso não se introduz qualquer questão que não figurasse já no primeiro recurso.
Assim, tendo o primeiro recurso sido recebido não há que excluir das conclusões do segundo recuso qualquer questão (nova) relativa ao despacho de 7-12-2023.
2.º
Para a decisão a proferir importa considerar o processado acima descrito.
Assim, temos que a ../../2023 foram juntas duas procurações, datadas de 2013, outorgadas por AA em representação das executadas EMP02... L.da e EMP03... S.A., nas quais aquela conferiu ao Dr. CC "poderes forenses gerais". Nessa ocasião também foram juntos dois substabelecimentos, com reserva, do Dr. CC em favor do Dr. BB, ambos de 31-10-2021.
Contudo, naquela data (27-10-2023) AA já não era viva, pois falecera em 2021.
Vejamos.
À luz do disposto no artigo 262.º do Código Civil, "a procuração é um negócio jurídico unilateral realizado por um sujeito que atribui por ele a outra pessoa poderes para a representar na prática de um ato ou na celebração de um negócio, o mais das vezes um contrato. Ela tanto pode ser realizada autonomamente como estar contida no contrato de que é instrumento."[2] E "é um ato essencialmente distinto do mandato. Enquanto o mandato, integrado na categoria dos contratos (art. 1157.º) é um negócio jurídico bilateral, a procuração constitui um ato unilateral"[3]. Não obstante esta diferença, não deixa de ser verdade que a "procuração aproxima-se (…) muito do mandato (…). E de tal modo que as diferenças entre si são ténues. Adriano Vaz Serra explicou assim a fronteira entre elas: «Efetivamente, o mandato não se identifica com a procuração, como claramente se verifica confrontando os arts. 262º e segs. e 1157º e segs. do CC (…). A procuração é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação, isto é, para, em nome dela, concluir um ou mais negócios jurídicos (art. 262º, nº 1; o mandato, diversamente, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra (art. 1157º)"[4].
Para além disso, "a procuração (…) não se justifica por si própria ou em si própria. Ao invés, ela alicerça-se numa relação subjacente - tipicamente o mandato - que a motiva e lhe dá origem e fundamento"[5].
Por sua vez, o mandato forense é "o contrato pelo qual um advogado (ou um advogado estagiário, ou um solicitador) se obriga a fazer a gestão jurídica dos interesses cuja defesa lhe é confiada, através da prática, em nome e por conta do mandante, de atos jurídicos próprios da sua profissão"[6]. E este mandato é, conforme dispõe o artigo 43.º, conferido através de procuração forense.
Voltando ao nosso caso, em nenhum dos dois despachos recorridos a Meritíssima Juiz explica por que razão, em virtude da morte de AA, "as procurações juntas aos autos (…) não satisfazem o determinado no (…) despacho, proferido em 13/11/2023". Parece ter por evidente a conclusão que extrai e dispensa-se de fundamentar de direito o efeito que considera que essa morte produziu na validade das procurações.
Ora, sabemos que em 2013 AA, na qualidade de administradora da executada EMP03... S.A. e de gerente da executada EMP02... L.da, outorgou as duas procurações em causa, através das quais, em nome das suas representadas, conferiu ao (mandatário) Dr. CC "poderes forenses gerais".
Estamos, assim, na presença de duas procurações forenses que têm como negócio base ou relação subjacente um mandato forense.
E nestas procurações o mandante não é AA; os mandantes são, sim, as duas sociedades, aqui executadas, que nessas datas (9-1-2013 e 10-6-2013) aquela representava.
Apesar de, como já se deu nota, não ser claro o raciocínio seguido pela Meritíssima Juiz, afigura-se como mais provável que tenha entendido que, por causa de tal morte, se deu a caducidade das procurações[7].
É certo que, em princípio[8], a morte do mandante origina a caducidade da procuração, pois o artigo 265.º do Código Civil "não esgota as causas extintivas da procuração. Do seu carácter intuitu personae resulta, entre outras causas, a extinção (por caducidade) pela morte do outorgante"[9].
Mas, uma vez que AA não tinha a qualidade de mandante, da sua morte em 2021 não pode resultar a caducidade das procurações.
Tendo as procurações sido outorgadas por quem nesse momento legitimamente representava as executadas EMP03... S.A. e EMP02... L.da, as mesmas não veem a sua validade afetada por a administradora e gerente à época ter falecido posteriormente. A cessação do exercício dessas funções, nomeadamente por morte, em nada se repercute na validade dos atos anteriormente praticados por AA com tais vestes.
Note-se que nos autos não há notícia de qualquer facto que, de algum modo, coloque em crise a vontade das executadas EMP03... S.A. e EMP02... L.da expressa aquando da outorga das procurações. E não esqueçamos que quem sucedeu a AA na representação destas duas sociedades tem a possibilidade de revogar as procurações em apreciação[10].
Portanto, não ocorrendo a caducidade das procurações não há, nesse plano, qualquer efeito nos dois substabelecimentos, com reserva, do Dr. CC em favor do Dr. BB.
Com estes substabelecimentos com reserva o mandatário primitivo (Dr. CC) partilhou com o mandatário subestabelecido (Dr. BB) os poderes que recebeu das mandantes EMP03... S.A. e EMP02... L.da, as quais, por esta via, passam a estar representadas em juízo por estes dois advogados.
Aqui chegados, conclui-se que se mantém a validade das procurações de 9-1-2013 e de 10-6-2013, pelo que, tanto o Dr. CC, como o Dr. BB, têm poderes para representar as executadas EMP02... L.da e EMP03... S.A..
Significa isso que não se pode manter os despachos recorridos.

III
Com fundamento no atrás exposto julga-se procedente os dois recursos e, consequentemente, revoga-se as decisões recorridas de 7-12-2023 e de 10-1-2024.

Sem custas.
Notifique.

António Beça Pereira
Eva Almeida
Joaquim Boavida


[1] São deste código todos os artigos adiante mencionados sem qualquer outra referência.
[2] Ana Prata et al., Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 318.
[3] Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 244.
[4] Ac. STJ de 13-5-2021 no Proc. 1021/16.7T8CSC.L2.S1, www.dgsi.pt.
[5] José Alberto González, Código Civil Anotado, Vol. I, 2011, pág. 341.
[6] João Lopes Reis, Representação Forense e Arbitragem, pág. 43.
[7] Muito francamente, não se vê uma alternativa razoável.
[8] A "procuração caracterizada pela irrevogabilidade natural ou convencional" tem quanto a aspeto um enquadramento jurídico diferente, cfr. Ac. STJ de 14-7-2016 no Proc. 111/13.2TBVNC.G1.S1, www.dgsi.pt.
[9] Ana Prata et al., Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 322. Neste sentido veja-se Ac. STJ de 14-7-2016 no Proc. 111/13.2TBVNC.G1.S1 e Ac. Rel. Porto de 7-12-2018 no Proc. 11099/17.0T8PRT.P1, ambos em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. artigo 265.º n.º 2 do Código Civil.