Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | FÁTIMA SANCHES | ||
| Descritores: | NULIDADE INSANÁVEL DO ARTIGO 119 ALÍNEA B) DO CPP FALTA DE PROMOÇÃO DO PROCESSO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 03/20/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
| Sumário: | I – A nulidade prevista no artigo 119º nº1 alínea b) do CPP, relativa à falta de promoção por parte do MP quando estão em causa crimes públicos ou semipúblicos deve aferir-se em face dos contornos do caso concreto. II – Tendo o MP deduzido acusação relativamente a um bloco de factos e não se tendo pronunciado (acusando ou arquivando) em relação a outro conjunto de factos que foram participados autonomamente e que são suscetíveis de integrar a prática de crime público, ocorre, nessa parte, a nulidade prevista no artigo 119º nº1 alínea b) do CPP. III - Não se trata de sindicar a atuação do Ministério Público quanto ao acerto da investigação, da qualificação jurídica dos factos, ou sequer da decisão de acusar ou arquivar (tal não compete, efetivamente, ao Juiz de julgamento), trata-se de reconhecer uma omissão de promoção do Ministério Público que, relativamente a um episódio muito concreto, participado autonomamente pela autoridade policial, não tomou qualquer posição e devia tê-lo feito, por só a si estar atribuída essa competência. IV – Porém, tal nulidade, nos termos do disposto no artigo 122º nº3 do CPP, não afeta a acusação deduzida pelo MP, devendo, na sequência da declaração de nulidade, ser ordenada a extração de certidão de todo o processado e a remessa aos Serviços do MP para sanação da mesma relativamente aos factos sobre os quais não houve promoção por parte do MP. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1. No processo comum singular com o NUIPC º1466/21...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., no Juízo Local Criminal ..., foi proferido despacho [referên...], em 28-09-2022, com o seguinte teor (transcrição): «O Tribunal é competente. O MP deduziu acusação contra AA, imputando-lhe a prática de um crime de ameaça agravado p. e p. pelos arts 153º nº1 e 155º nº1 al. c), com referência ao artº 132º nº2 al. l) do CP por factos respeitantes ao dia 25 de Novembro de 2021. Contudo, a fls 6 (Aditamento nº1), são participados novos factos agora respeitantes ao dia 26 de Novembro de 2021 que configuram a prática de outro crime de ameaça agravado p. e p. pelos arts 153º nº1 e 155º nº1 al. c), com referência ao artº 132º nº2 al. l) do CP. Ora, relativamente a tais factos o MP não tomou posição, isto é, não deduziu acusação nem proferiu despacho de arquivamento. E é precisamente essa omissão que vem a estar na origem da atitude da assistente BB, que, além do mais, deduz acusação por factos respeitantes ao dia 26 de Novembro de 2021, imputando à arguida AA um crime de coacção agravado p. e p. pelos arts 154º e 155º nº1 al. c) do CP e um crime de injúria agravado p. e p. pelos arts 181º nº1 e 184º do CP, crimes relativamente aos quais a assistente não tem legitimidade para deduzir acusação sem que o MP o tenha feito, pois são, respectivamente, um crime público e um crime semipúblico. O problema, porém, como já se evidenciou, situa-se a montante: o MP nada disse sobre o crime de ameaça agravado p. e p. pelos arts 153º nº1 e 155º nº1 al. c), com referência ao artº 132º nº2 al. l) do CP respeitante ao dia 26 de Novembro de 2021. Tratando-se de um crime público, uma de duas posições deveria ter sido assumida pelo MP relativamente a tal crime, a saber: ou a dedução de acusação ou, não estando reunidos os pressupostos, a prolação de um despacho de arquivamento. Não obstante, o processo foi remetido à distribuição sem que qualquer dessas posições tivesse sido assumida no que concerne ao referido crime. Cumpre decidir. Salvo o devido respeito, entende o tribunal que se verifica uma nulidade insanável, na medida em que a deficiência apontada reconduz-se a uma falta de promoção do processo pelo MP (cfr. artigo 119º, al. b), do CPP). Face ao exposto, declaro verificada a nulidade exposta, a qual afecta a remessa dos autos à distribuição, nos termos do artigo 119º, al. b), e artigo 122º, n.º 1, do CPP. Sem custas, por delas estar isento o MP. Notifique. Oportunamente, dando a competente baixa, remeta os autos aos Serviços do MP para sanação da nulidade declarada, através da promoção em falta (cfr. artigo 122º, n.º 2, do CPP).» 2. Inconformado com a decisão, interpôs recurso o Ministério Público. Na sequência das respetivas alegações termina apresentando as seguintes conclusões e petitório (transcrição): «Conclusões 1. Nos presentes autos foi deduzida acusação pública contra a arguida AA pela prática, no dia 25 de Novembro de 2021, como autora material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea c), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal, na pessoa da ofendida BB, que se encontrava no exercício das suas funções de médica na Unidade de Saúde ... ..., em AA. 2. Sucede que, por despacho proferido no dia 28 de Setembro de 2022, o Tribunal a quo entendeu que no aditamento policial junto a fls. 6 foram participados novos factos atinentes ao dia 26 de Novembro de 2021 e que os mesmos configuram a prática de outro crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea c), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), do Código Penal, e relativamente aos quais o Ministério Público não tomou posição. 3. Nessa senda, declarou verificada a nulidade insanável por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 119º, alínea b), do Código de Processo Penal, e determinou a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público para sanação da nulidade declarada. 4. Integra a nulidade apontada a omissão de pronúncia por parte do titular da acção penal em sede de despacho final de encerramento do inquérito sobre a totalidade do seu objecto, ou seja, sobre um procedimento por crime de natureza pública ou semi-pública ou de acusação particular nos casos de crime de natureza particular. 5. Para que possamos falar da prática de um crime torna-se necessário que estejamos em face de uma acção típica, ilícita, culposa e punível, nos termos do disposto no artigo 1º do Código Penal. 6. Tal normativo consagra os princípios da legalidade e da tipicidade legal. 7. Analisado o teor do sobredito aditamento policial não se vislumbra que, relativamente ao dia 26 de Novembro de 2021, tenham sido participados quaisquer factos com relevância criminal e sobre os quais importasse tomar posição expressa. 8. Ainda que factualidade descrita no dito aditamento de fls. 6 passasse a constar integralmente do libelo acusatório nenhuma consequência jurídica se poderia extrair. 9. E nenhum tipo legal de crime poderia ser imputado à arguida. 10. Pois os factos que integram o pedaço de vida retratado e que diz respeito ao dia 26 de Novembro de 2021 são, do ponto de vista jurídico-penal, inócuos. 11. Conclui-se, portanto, que inexistiu qualquer omissão de pronúncia relativamente a factos que integrem a prática de crime, pelo que não ocorreu a nulidade apontada e prevista no artigo 119º, alínea b), do Código de Processo Penal, não tendo o Ministério Público obrigação legal de se pronunciar expressamente sobre factos instrumentais, acessórios, laterais e irrelevantes. 12. Assim, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 48º e 119º, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, do Código de Processo Penal. Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e, concludentemente, ser substituído por outro que declare não verificada qualquer nulidade e determine o prosseguimento dos autos, nos termos do disposto no artigo 311º, nº 2 ou 311º-A, ambos do Código de Processo Penal.» 3. Ao recurso interposto pelo arguido, respondeu a Assistente BB, concluindo pela seguinte forma (transcrição): «CONCLUSÕES: 1 – Da conjugação dos artigos 219.º da CRP, 4.º, n.º1, alíneas d) e e) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, e 48.º, 53.º e 262.º e 263.º do Código de Processo Penal, resulta que o Ministério Público é o titular do exercício da acção penal, competindo-lhe promover o processo penal, com as limitações dos artigos 49.º, a 52.º. 2 - No caso concreto, o Ministério Público, com os órgãos de polícia criminal, não investigou a factualidade verificada no dia 26 de novembro 2021 – cfr. Aditamento nº 1, (de fls. 6), pois “não foi evidente a falta de tipicidade dos factos denunciados”. 3 - Mas antes, o Ministério Público, considerou logo, (“…inócuos..) os factos verificados no dia 26 de novembro de 2021. 4 - O Ministério Público devia deduzir acusação ou despacho de arquivamento relativamente ao Aditamento nº1 - de fls. 6, onde foram participados factos novos que configuram a prática de outro crime de ameaça agravado p. e p. artigos 153ºnº 1 e 155º nº 1 al. c), com referência ao art. 132º nº 2 al. l) do CP. 5 - Nada dizendo a propósito do crime – e relativamente ao qual tinha obrigação de tomar posição, cfr. arts. 48º, 262º e 276º, n.º 1, todos do C.P.P. – incorreu o Ministério Público em omissão de pronúncia, a qual configura sim “nulidade insanável, de conhecimento oficioso, prevista na alínea b) do artigo 119.º do CPP, 6 - Que determina a invalidade do despacho de encerramento do inquérito e dos termos subsequentes” 7 - Pelo exposto, a douta decisão recorrida não violou qualquer normativo legal, designadamente, o disposto nos artigos 48º e 119º, alínea b), ambos do Código de Processo Penal. 8 - Pelo que não deve ser concedido provimento ao recurso devendo os autos ser remetidos aos Serviços do Ministério Público para sanação da nulidade declarada, através da sanação em falta (cfr. art.122, nº2, do CPP).» 4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso. 5. Não foi apresentada resposta a esse parecer. 6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal. II - FUNDAMENTAÇÃO 1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Segundo jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como seja a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto resultantes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal[1], e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza os fundamentos de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (artigo 412º, n.º 1, do referido diploma), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do conhecimento do mesmo pelo tribunal superior. Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir é a de saber se ocorre a nulidade insanável prevista no artigo 119º alínea b) do Código de Processo Penal, tendo em conta o teor do despacho proferido pelo Ministério Público que declarou encerrado o inquérito. 2. APRECIAÇÃO DO RECURSO. Importa ter presente, por pertinente, o seguinte processado constante dos autos: - Em 29-11-2021, foi remetido ao Ministério Público [referência ...16] auto de notícia em que, após deslocação ao local (um Centro de Saúde) por parte da entidade autuante, esta comunica e descreve factos ocorridos no dia 25-11-2021 de que ali, lhe foi dado conhecimento. Consta desse auto, em síntese, que quando se deslocaram ao local encontraram uma senhora, que identificam, a qual, a determinado momento e visando uma das médicas ali a exercer funções, disse “vou-te dar com a cadeira na cabeça, vou-te esperar lá fora para ajustar contas contigo e em seguida deito-te as mãos ao pescoço”. - Em 30-11-2021, foi remetido ao Ministério Público [referência ...22] um aditamento àquele auto de notícia em que, após nova deslocação ao local por parte da entidade autuante, esta comunica e descreve factos ocorridos no dia 26-11-2021 de que, ali lhe foi dado conhecimento. Consta desse auto, em síntese, que quando se deslocaram ao local, foi-lhes relatado que, momentos antes tinha ali estado a mesma senhora que tinha motivado a chamada ao local das autoridades no dia 25-11-2021, a qual, dirigindo-se à mesma médica disse que ia apanhá-la no exterior para ajustar umas contas com ela e que, a visada comunicou que este episódio e o do dia anterior lhe causaram receio de que algo possa acontecer, estando apreensiva em relação aos factos, pois ocorreram no seu local de trabalho. - Por despacho com a referência ...39, o Ministério Público delegou a competência para realizar as diligências de inquérito no OPC, o qual, por ofício com a referência ...03, remeteu ao Ministério Público o respetivo inquérito, considerando ter procedido a todas as diligências que considerou pertinentes. - O Ministério Público proferiu despacho de encerramento do inquérito [referência ...78] deduzindo acusação contra a, entretanto, constituída arguida, AA, imputando-lhe factos ocorridos no dia 25-11-2021, que qualifica como crime de ameaça agravada [artigos 153º nº1 e 155º nº 1 alínea c), com referência ao artigo 132º nº2 alínea l), todos do Código Penal], nada dizendo quanto aos factos participados e relativos ao dia 26-11-2021. - A ofendida foi notificada [referência ...87] para, para além do mais, querendo, requerer a sua constituição como assistente e deduzir acusação particular. - Nessa sequência, a ofendida, requereu a sua constituição como assistente e dirigiu aos autos requerimento [referência ...32] onde declara aderir integralmente à acusação deduzida, deduz acusação por outros factos que não importam a sua alteração substancial – nº 1 e alínea a) do nº2 do artigo 284º do Código de Processo Penal - e deduz acusação particular. - O Ministério Público, proferiu, então, despacho [referência ...38], ordenando a remessa dos autos à distribuição. Remetidos os autos à distribuição, o Mmº Juiz proferiu o despacho objeto do presente recurso. Conhecendo, em primeiro lugar, do recurso, delimitado, como assinalámos, pelas respetivas conclusões. O Recorrente considera que o despacho viola o disposto nos artigos 48º e 119º alínea b) do Código de Processo Penal, uma vez que não está verificada a nulidade insanável por falta de promoção do Ministério Público, já que, no seu entender, não tinha qualquer obrigação legal de se pronunciar expressamente sobre “factos instrumentais, acessórios, laterais, irrelevantes” – Conclusão 11. Na sua perspetiva [conclusões 7. a 10.], os factos constantes do aditamento policial relativo ao dia 26 de novembro não têm relevância criminal, uma vez que os mesmos não são suscetíveis de integrar a prática, por parte da arguida de qualquer ilícito típico. Desde já avançamos que não assiste razão ao recorrente. Com efeito, conforme se descreveu supra, o aditamento em causa reporta-se a factos suscetíveis de integrar a prática de crime de ameaça agravada (a arguida teria, dirigindo-se à ofendida, que é médica, enquanto se encontrava no exercício das suas funções num Centro de Saúde, dito que ia apanhá-la no exterior para ajustar umas contas com ela), ainda mais quando tais factos teriam ocorrido na sequência do episódio do dia anterior e que constitui a matéria vertida na acusação pública. Mais, nesse aditamento é mencionado que a ofendida comunicou que este episódio e o do dia anterior lhe causaram receio de que algo possa acontecer, estando apreensiva em relação aos factos, pois ocorreram no seu local de trabalho. Parece-nos evidente que tal factualidade não pode reputar-se de criminalmente inócua. O Ministério Público, após a investigação poderia concluir não haver indícios da prática de qualquer ilícito, mas a ser assim, deveria ter-se pronunciado expressamente, arquivando os autos nessa parte, conforme o disposto no artigo 277º nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal. Assim, com os fundamentos aduzidos pelo Recorrente, improcede o recuso. Não obstante, estando em causa a declaração de nulidade insanável, cabe a este Tribunal da Relação conhecer da questão, conforme impõe o artigo 410º nº3 do Código de Processo Penal. Está em causa a nulidade prevista no artigo 119º nº1 alínea b) do Código Penal, o qual é do seguinte teor: “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: (…) b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência;” É chamada à colação a primeira parte do preceito, isto é, a falta de promoção por parte do Ministério Público quando estão em causa crimes de natureza pública ou semipública, quer deduzindo acusação, quer arquivando, incluindo os casos em que a acusação pelos mesmos crimes é deduzida pelo assistente[2]. Entendemos que, atentos os contornos do caso concreto, existiu, efetivamente, falta de promoção do processo por parte do Ministério Público, no que concerne aos factos participados e relativos ao dia 26 de novembro. Note-se que os mesmos foram objeto de participação autónoma por parte da autoridade policial na sequência de deslocação ao local onde terão ocorrido, a pedido dos responsáveis pela segurança do centro de Saúde em causa. Não se trata de factos constantes de uma única participação, mas de uma participação autónoma, factos que, numa primeira leitura são suscetíveis de integrar a prática de crime público. Apenas o Ministério Público tem legitimidade para promover a ação penal neste caso, pelo que, não tendo tomado qualquer posição em relação a esses factos, entendemos que se mostra verificada a nulidade prevista no artigo 119º nº1 alínea b) do Código de Processo Penal. Ademais, a não se entender assim, ficaria a Assistente totalmente impedida de adotar qualquer procedimento quanto a esses factos, uma vez que, não tem legitimidade para deduzir acusação, sem dedução de acusação por parte do Ministério Público, conforme resulta da jurisprudência obrigatória fixada pelo Acórdão do STJ nº1/200 já citado e, por outro lado, não existindo pronúncia do Ministério Público no sentido do arquivamento, não poderia lançar mão do disposto nos artigos 278º e 287º nº1 alínea b), ambos do Código de Processo Penal. Não se ignoram as posições da Doutrina e Jurisprudência no sentido de restringir a verificação da nulidade insanável em causa, aos casos em que inexiste acusação do Ministério Público e, mesmo assim, o processo prossegue, pois que, a não se entender assim, estaria posto em causa o princípio constitucional do acusatório que pressupõe a separação de poderes entre quem exerce a ação penal e quem julga. Assim entende João Conde Correia[3] em anotação ao artigo 119º do Código de Processo Penal, afirmando que: “O âmbito de aplicação desta norma esgota-se nesta hipótese paradigmática – prossecução processual sem prévia acusação do MP [ac. RP, 30.06.1993 (Pereira Madeira), CJ, 1993, 3, 260] ou, sendo o caso disso, do assistente – não incluindo, como preconiza alguma jurisprudência [entre outros: ac. RP, 8.03.2017 (Manuel Soares)], os casos em que o MP erradamente não deduz acusação, proferindo um arquivamento expresso (arquiva em vez de acusar) ou implícito (acusa mas omite outros crimes: José Damião da Cunha 2009, p.571). Nestes casos, de errada leitura dos indícios recolhidos ou da sua integral qualificação jurídica, o controlo judicial, deverá ser suscitado pelo assistente (artigo 287º/1/b), sob pena de, não o fazendo, se operar - nessa parte – a consunção da ação penal (João Conde Correia, 2007, p.114): apesar de tudo, o MP acabou por exercer a ação penal. Aliás, o que está em causa não é, sequer, um erro no rito processual suscetível de gerar invalidade, mas um erro de apreciação dos indícios ou da sua qualificação jurídica. Ele pode/deve ser impugnado, mas não é causa de invalidade.” Neste sentido, para além dos autores e arestos mencionados, vejam-se, também, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-05-2010[4]; do Tribunal da Relação de Évora de 16-05-2017[5] e do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-09-2021[6]. Não obstante, acolhemos como mais consentâneo com aquilo que dispõe a lei, o entendimento que vai no sentido de considerar verificada a nulidade em causa, também nos casos em que, estando em causa crimes de natureza pública ou semipública, o Ministério Público não promove a investigação quanto a esses factos ou não profere qualquer despacho, seja de acusação, seja de arquivamento, sob pena de, a não ser assim, ficar esvaziado de sentido o disposto no artigo 119º nº1 alínea b) do Código de Processo Penal. Neste sentido, entre outros, tenham-se em consideração os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-07-2016[7] e do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-09-2020[8], permitindo-nos transcrever parte do sumário do primeiro: “I) Decorre do artº 48º do CPP que a legitimidade para promover o processo penal cabe ao Mº Pº, com as restrições dos artºs 49º a 52º, do mesmo diploma. O Mº Pº, titular da acção penal, promove-a, oficiosamente, (nos crimes públicos) mediante queixa (nos crimes semipúblicos) e constituição de assistente e dedução de acusação particular (nos crimes particulares). II) Havendo notícia e queixa por um crime de natureza semipública, o Mº Pº tem o poder-dever de determinar e dirigir o conjunto de diligências que visam investigar a existência desse crime e determinar os seus agentes. III) Terminado o inquérito, ao Mº Pº cabe, em exclusivo, a legitimidade exclusiva para tomar uma das posições previstas no artº 276º, nº 1 do CPP: o arquivamento (nas modalidades previstas no artº 277º, do CPP) ou de acusação. IV) In casu, é inequívoco que ao longo do inquérito e no despacho de encerramento de inquérito a que se reportam os presentes autos, houve absoluta omissão de pronúncia do magistrado do Mº Pº sobre um crime semipúblico que lhe tinha sido denunciado pelo ofendido.” Não se trata de sindicar a atuação do Ministério Público quanto ao acerto da investigação, da qualificação jurídica dos factos, ou sequer da decisão de acusar ou arquivar (tal não compete, efetivamente, ao Juiz de julgamento), trata-se de reconhecer uma omissão de promoção do Ministério Público que, relativamente a um episódio muito concreto, participado autonomamente pela autoridade policial, não tomou qualquer posição e devia tê-lo feito, por só a si estar atribuída essa competência. Atento tudo o exposto e considerando os contornos específicos do caso dos autos, verifica-se a nulidade insanável a que alude o artigo 119º nº1 alínea b) do Código de Processo Penal, confirmando-se o despacho em crise nessa parte. Já quanto às consequências a retirar dessa declaração de nulidade, não podemos concordar com o decidido pelo Mmº Juiz a quo. No despacho em recurso, decidiu-se: “Face ao exposto, declaro verificada a nulidade exposta, a qual afecta a remessa dos autos à distribuição, nos termos do artigo 119º, al. b), e artigo 122º, n.º 1, do CPP. Sem custas, por delas estar isento o MP. Notifique. Oportunamente, dando a competente baixa, remeta os autos aos Serviços do MP para sanação da nulidade declarada, através da promoção em falta (cfr. artigo 122º, n.º 2, do CPP).” Ora, na nossa perspetiva e dando cumprimento ao disposto no artigo 122º nº3 do Código de Processo Penal que estabelece que “Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela”, não deveria o Mmº Juiz a quo ter declarado que a nulidade afeta a remessa dos autos à distribuição, ordenando a remessa dos autos aos Serviços do MP para sanação da nulidade declarada, através da promoção em falta. Com efeito, quer a acusação deduzida pelo Ministério Público, quer a deduzida pela Assistente relativas ao episódio ocorrido no dia 25-11-2021, não são afetadas pela nulidade em causa, devendo, por isso, ser salvas do efeito da mesma. Nessa conformidade, entendemos dever revogar o despacho em recurso nessa parte, o qual deve ser substituído por outro que se pronuncie, ao abrigo do disposto nos artigos 311º e 311º-A do Código de Processo Penal, quer sobre a acusação deduzida pelo Ministério Público, quer sobre a deduzida pela Assistente relativas ao episódio ocorrido no dia 25-11-2021 e que ordene a extração de certidão de todo o processado e a sua remessa aos Serviços do Ministério Público para sanação da nulidade relativamente aos factos participados e que terão ocorrido no dia 26-11-2021. III. DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido na parte em que declara verificada a nulidade insanável a que alude o artigo 119º nº1 alínea b) do Código de Processo Penal, revogando-o na parte em que declara que tal nulidade afeta a remessa dos autos à distribuição e ordena a remessa dos autos aos Serviços do MP, devendo, nesta parte, ser substituído por outro que se pronuncie, ao abrigo do disposto nos artigos 311º e 311º-A do Código de Processo Penal, quer sobre a acusação deduzida pelo Ministério Público, quer sobre a deduzida pela Assistente relativas ao episódio ocorrido no dia 25-11-2021 e que ordene a extração de certidão de todo o processado e a sua remessa aos Serviços do Ministério Público para sanação da nulidade relativamente aos factos participados e que terão ocorrido no dia 26-11-2021. Sem custas. (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP) Guimarães, 20-03-2023 Os Juízes Desembargadores Fátima Sanches (relatora) Anabela Varizo Martins (1º Adjunto) Paulo Almeida Cunha (2º Adjunto) (data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas) [1] Neste sentido, vd. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95, proferido pelo Plenário das Secções Criminais do STJ em 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de dezembro de 1995, que fixou jurisprudência no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”. [2] Cfr. AUJ do STJ nº1/2000, in DR, I série A de 06-01-2000 que fixa a seguinte jurisprudência “Integra a nulidade insanável da alínea b) do artigo 119º do CPP a adesão posterior do Ministério Público à acusação deduzida pelo assistente relativa a crimes de natureza particular ou semipública e fora do caso previsto no artigo 284º nº1 do mesmo diploma legal”. [3] In Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo I, Almedina, dezembro de 2019, página 1233. [4] Acórdão prolatado no âmbito do processo nº 145/09.1GEVCT.G1; relatora Teresa Baltazar, disponível para consulta em www.dgsi.pt [5] Acórdão prolatado no âmbito do processo nº 14/16.9GTEVR.E1; Relator: Gilberto Cunha, disponível para consulta em www.dgsi.pt [6] Acórdão prolatado no âmbito do processo nº 6549/13.8TDLSB-3; Relatora: Maria Perquilhas, disponível para consulta em www.dgsi.pt [7] Prolatado no âmbito do processo nº 679/14.6GCBRG-B.G1; Relator: João Lee Ferreira, disponível em www.dgsi.pt [8] Prolatado no âmbito do processo nº 45/18.4SYLSB.L1-3; Relatora: Graça Santos Silva, disponível em www.dgsi.pt |