Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
73/20.0T8MTR.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: INVENTÁRIO
DESPACHO DETERMINATIVO DA FORMA DA PARTILHA
RECURSO AUTÓNOMO DE APELAÇÃO
MAPA DE PARTILHA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Cabe apelação autónoma das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha (art. 1123º, nº2, al. b), do CPC).
II – Tais decisões revestem importância crucial para a subsequente fase do processo de inventário, devendo ser sujeitas a imediata reapreciação pela Relação, como forma de conferir utilidade e eficácia à ulterior tramitação processual.
III - O mapa de partilha constitui um documento que concretiza o que tiver sido decidido ou acordado relativamente aos direitos de cada interessado.
IV - Encerra uma operação de natureza essencialmente material, na medida em que corporiza, através de verbas ou de lotes, os bens que a cada um serão atribuídos, de acordo com as avaliações e licitações efetuadas, das dívidas e encargos a considerar e da proporção das quotas de cada interessado.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

Procede-se a inventário por óbito de AA, falecido em ../../2013, no estado de casado, no regime da comunhão geral de bens, com BB.
Após a apresentação da relação de bens, o tribunal procedeu ao saneamento do processo, nos termos do disposto no artigo 1110.º do Código Processo Civil, e resolveu as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, o que fez, por despacho de 9 de Novembro de 2022, nos seguintes termos:
«Concorrem à partilha do acervo hereditário, nos termos do artigo 2133.º, n.º 1, alínea a), do CC, os seguintes parentes do inventariado:
- BB, cônjuge sobreviva;
- CC, filha do inventariado, viúva;
- DD, filha do inventariado, casada segundo o regime da comunhão geral de bens com EE;
- FF, filho do inventariado, casado segundo o regime da comunhão geral de bens com GG;
- HH, filha do inventariado, casada segundo o regime da comunhão geral de bens com II;
- JJ, filha do inventariado, casada segundo o regime da comunhão geral de bens com KK;
- LL, filha do inventariado, casada segundo o regime da comunhão de adquiridos com MM.
O inventariado deixou testamento, pelo qual deixou legados, por conta da quota disponível, a favor da filha JJ (cfr. fls. 12 e 13).
O inventariado deixou ainda testamento, pelo qual deixou legados a favor das filhas CC, HH, LL, JJ e DD (cfr. fls. 14 e 16).
O inventariado fez uma doação em vida, em 20.11.1984, doando ao filho FF, por conta da sua legítima, o imóvel relacionado sob a verba n.º 6.
Inexiste passivo.
Para efeitos do disposto no artigo 1110.º, n.º 2, alínea a), do CPC, determina-se que a partilha será organizada nos termos seguintes:
Calcula-se o montante da herança do inventariado, somando os valores dos bens relacionados não doados, e divide-se tal valor em duas partes iguais, sendo uma delas a meação da cônjuge sobreviva, que como tal se lhe adjudica, e outra do inventariado.
Ao valor da outra metade, que constitui a meação do inventariado, soma-se o valor da meia conferência do bem doado, e divide-se o total em três partes iguais, constituindo duas delas o valor da quota indisponível e a restante o valor da quota disponível do inventariado (cfr. artigo 2159.º, n.º 1, do CC).
Na quota disponível do inventariado, começa por imputar-se o valor dos bens legados por testamento, que se adjudicarão às interessadas respectivas (e, se exceder o valor dessa quota, será o excesso imputado nas quotas legitimárias destas). Se tais legados não esgotarem a quota disponível, o remanescente desta quota atribui-se, em comum e partes iguais, aos herdeiros.
O valor da quota indisponível é dividido em quatro partes iguais, sendo 1/4 adjudicado à cônjuge sobreviva, como sua legítima subjectiva (cfr. artigos 2131.º, 2133.º, n.º 1, alínea a), 2139.º e 2157.º, todos do CC).
Os restantes ¾ são adjudicados aos seis filhos, operando-se a divisão por cabeça e em partes iguais (cfr. artigos 2131.º, 2133.º, n.º 1, alínea a), 2139.º, n.º 1, e 2157.º, todos do CC).
O valor da meia conferência da doação outorgada em 20.11.1984 começa por imputar-se na legítima subjectiva do interessado FF (arts. 2104.º, 2105.º, 2106.º, 2108.º, 2110.º e 2117.º do Código Civil). Se exceder essa legítima subjectiva, o excesso será imputado na quota disponível do inventariado.
O preenchimento dos respectivos quinhões será efectuado em conformidade com o que resultar da fase processual da conferência de interessados, para cuja realização se designa, nos termos do artigo 1110.º, n.º 2, alínea b), do CPC, o próximo dia 29 de Novembro, pelas 15:00 horas.
(…)»
Realizou-se a conferência de interessados, tendo ficado consignado na respetiva ata que «Por acordo, os bens legados são para respeitar e ficam adjudicados às Interessadas respetivas acordando em não invocar qualquer eventual redução».  
A cabeça de casal apresentou proposta de mapa de partilha.
Foi determinado que a secretaria procedesse à elaboração do mapa de partilha em conformidade com o despacho determinativo da partilha proferido a 9 de Novembro de 2022 e os elementos resultantes da conferência de interessados.
Elaborado o mapa de partilha, para o que agora interessa, o interessado FF veio do mesmo reclamar, por entender que não foi contabilizado o valor do bem que lhe foi doado e o mapa não estava elaborado em consonância com o resultado da conferência de interessados.
Sobre a reclamação incidiu o seguinte despacho:
«Veio o interessado FF apresentar reclamação do mapa de partilha elaborado nos presentes autos, nomeadamente, porque no aludido mapa não foi contabilizado o valor do bem que lhe foi doado no valor global atribuído aos bens legados/doados, o qual devida totalizar 17.095.00 € e não 12.817,00 €. Mais refere que quanto ao bem que lhe foi doado, assim como, os legados não há lugar à conferência dos mesmos. Por fim, requer a rectificação do mapa de partilha nos termos referidos.
Ora, quanto à primeira questão, da análise do mapa de partilha, constata-se que o valor do bem que foi doado ao interessado, ora reclamante, foi, de facto, tido em consideração para cálculo do valor dos bens a partilhar. Um bem doado não se confunde com um bem legado, motivo pelo qual estão identificados no mapa de partilha sob pontos diferentes, por serem de espécies diferentes (art.º 1120.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). A doação de bens, salvo casos especialmente previsto na lei, são feitas em vida do doador, enquanto os bens legados são deixados por disposição testamentária, existindo previsões legais diferentes para cada tipo.
No que concerne à segunda questão, temos que, para o cálculo da legítima, atende-se ao valor dos bens existentes no património do inventariado da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança (art.º 2162.º, n.º 2 do Código Civil). No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 28.06.2012, processo n.º 5182/15.4T8VNF.G1, relator Eugénia Cunha, “[n]ão obstante as coisas doadas não integrem o acervo hereditário devem, no processo de inventário, havendo herdeiros legitimários, ser objeto de relacionação, com o objetivo de lhes ser fixado o valor, para efeitos de cálculo das legítimas e com vista à sua integralidade, com eventual redução por inoficiosidade, ou à mera igualação da partilha;”, disponível em www.dgsi.pt. Daqui resulta que o bem doado ao interessado/reclamante tem de ser considerado no cálculo do valor total dos bens a partilhar, pois só assim é possível apurar o valor da legítima do inventariado.
Termos em que não assiste razão ao interessado reclamante, pelo que julgo improcedente a presente reclamação
Seguidamente, foi proferida sentença que homologou o mapa de partilha.
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O interessado FF, interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

A. Não encontra a decisão homologatória da partilha acolhimento nos preceitos normativos que regulam as sucessões, designadamente no que respeita ao despacho determinativo da forma à partilha e mapa de partilha, pelo que devem estes ser alterados observando o conteúdo que resulta da Lei e da vontade do de cujos;
B. O despacho determinativo da forma à partilha, – que deveria determinar com rigor a distribuição dos bens da herança pelos interessados e resolver todas as questões que possam influir na divisão –, só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha, conforme dita expressamente o nº3 do artigo 1373º do CPC.
C. Quanto aos despachos que se seguem ao despacho determinativo da partilha, se estão diretamente relacionados com ele e são dele consequência necessária, o recurso interposto da sentença homologatória da partilha, a todos compreenderá.
D. O inventariado fez uma doação em vida, em 20.11.1984, doando ao filho FF, por conta da sua quota disponível, o imóvel relacionado sob a verba n.º 6 da relação de bens.
E. Como decorre do disposto no art. 2156º do C. Civil, legítima é a porção de bens que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos seus herdeiros legitimários. Por outro lado, o autor da sucessão tem uma quota de que pode dispor e que no caso é de 1/3 na herança para qualquer dos de cujos (v. art. 2159º do C. Civil a contrario).
F. No caso sub judice, o doador manifestou a sua vontade no sentido de que a liberalidade se inscrevesse para além do quinhão hereditário do descendente beneficiário, beneficiando, assim, o mesmo face aos demais descendentes;
G. Ora, no caso da doação feita ao ora Requerente foi expressamente referido na escritura de doação que esta era feita “por conta da quota disponível” dos doadores, pelo que deve ser imputada nesta e não na quota subjetiva do donatário, ora Recorrente, como erradamente ocorreu nos autos ora recorridos;
H. As doações dispensadas de colação por vontade do de cujos ou por força de lei vão integrar a quota disponível do autor da sucessão (artigo 2114º, nº1, CC).
I. A doação do direito de propriedade ao herdeiro legitimário FF, aqui Recorrente, será assim de imputar na quota disponível do de cujos.
J. Com efeito, sob pena de subverter por completo a vontade do inventariado, o respetivo valor terá necessariamente de ser imputado na quota disponível do inventariado. As operações de partilha tal como se mostram efetuadas no mapa de partilha elaborado nos autos, em conformidade com o mapa determinativo da partilha, ignoram por completo o facto de o bem relacionado sob a verba número 6, respeitar verba doada pelo inventariado AA com dispensa de colação: somam o respetivo valor da doação à massa hereditária, dividindo o total assim obtido pelos seus herdeiros, procedendo à igualação da partilha, como se tal doação estivesse sujeita a colação, e não está.
K. Não se encontrando o interessado FF obrigado a conferir o objeto de doação para efeitos de igualação na partilha (2113º, nº1) – e não excedendo a doação o valor de que o inventariado poderia dispor – não havendo lugar a redução por inoficiosidade –, o respetivo valor será de imputar na quota disponível.
L. Como tal, relativamente à herança por óbito do inventariado AA, apenas o restante valor da herança (deduzido do valor da doação), será de dividir nos termos da lei, resultando ¼ para a viúva e o restante deve dividir-se em partes iguais por cada um dos filhos.
M. Deve assim ser ordenada a correção do despacho determinativo da partilha e mapa de partilha, por não observarem o disposto na legislação aplicável;
N. Deve ser corrigido o despacho determinativo da partilha, devendo passar a constar do mesmo que deve ser dado pagamento à doação pela quota disponível do de cujos.
O. Em face de tudo quanto foi exposto, cabe concluir pela manifesta, completa e absoluta existência de fundamento para o presente recurso que, assim, deve ser julgado totalmente procedente.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

São as seguintes as questões decidendas:
- admissibilidade do recurso do despacho determinativo da partilha a final;
- verificar se ocorre erro na elaboração do mapa de partilha.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

3.1. DE FACTO
Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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3.2. DE DIREITO

3.2.1. Recurso do despacho determinativo da partilha – apelação autónoma
A questão a apreciar insere-se no âmbito da tramitação do processo de inventário e dentro desta no regime de recursos especificamente previstos para o inventário.
Em jeito de questão prévia, o recorrente declara expressamente pretender reagir ao despacho determinativo da forma à partilha, afirmando que este despacho só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha, baseando-se no nº3 do artigo 1373º do CPC.
Incorre em erro.
Aos presentes autos de inventário é aplicável o regime legal previsto nos artigos 1082.º a 1135.º do Código de Processo Civil, na redação introduzida pela Lei 117/2019 de 13/09, como decorre do artigo 11º, das disposições finais e transitórias, sobre aplicação da lei no tempo.
Este diploma veio revogar o regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março.
Assim, a disposição legal aplicável aos recursos é o artigo 1123º, do CPC na redação dada pela Lei 117/2019 e não o anterior artigo 1373º do CPC.
Isto posto.
A Lei 117/2019 de 13/09 procurou instituir um novo paradigma do processo de inventário, evitando o carácter arrastado, sinuoso e labiríntico da anterior tramitação que – note-se – sempre produziu resultados insatisfatórios, quer na excessivamente morosa tramitação perante o tribunal judicial, até 2013, quer posteriormente (agravando-se ainda o problema) perante os cartórios notariais[1].
A nova regulamentação do processo de inventário, com o objetivo de assegurar uma maior eficácia e celeridade processuais, introduziu um principio de concentração associado a um principio de preclusão.
Este novo modelo procedimental parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, assentando num princípio de concentração, em que determinado tipo de questões deve ser necessariamente suscitado em certa fase processual (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte.
Afirma, a propósito, Lopes do Rego que “esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, anteriormente inexistentes, levando naturalmente – em reforço de um princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo – a que (como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil) as objecções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição”.[2]
Estes princípios estendem-se ao regime de recursos que a nova lei veio introduzir.
Detenhamo-nos, então, sobre o regime de recursos no processo de inventário.

Dispõe o artigo 1123.º que:
1 - Aplicam-se ao processo de inventário as disposições gerais do processo de declaração sobre a admissibilidade, os efeitos, a tramitação e o julgamento dos recursos.
2 - Cabe ainda apelação autónoma:
a) Da decisão sobre a competência, a nomeação ou a remoção do cabeça de casal;
b) Das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha;
c) Da sentença homologatória da partilha.
3 - O juiz pode atribuir efeito suspensivo do processo ao recurso interposto nos termos da alínea b) do número anterior, se a questão a ser apreciada puder afetar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas na conferência de interessados.
4 - São interpostos conjuntamente com a apelação referida na alínea b) do n.º 2 os recursos em que se pretendam impugnar decisões proferidas até esse momento, subindo todas elas em conjunto ao tribunal superior, em separado dos autos principais.
5 - São interpostos conjuntamente com a apelação referida na alínea c) do n.º 2 os recursos em que se impugnem despachos posteriores à decisão de saneamento do processo.
Como decorre da norma legal, no processo de inventário, a recorribilidade autónoma é reportada genericamente às decisões de saneamento do processo, independentemente do seu conteúdo ou do resultado, previsão que deve ser associada ao disposto no art. 1110.º, cuja amplitude abarca todas as decisões sobre questões suscetíveis de influir na partilha ou na determinação dos bens a partilhar.[3]
E compreende-se que assim seja.
Foi assumidamente um dos propósitos da nova lei expurgar do processo, antes da conferência de interessados, todas as questões que pudessem influenciar a partilha ou a definição do património a partilhar.
Por isso mesmo a generalidade das questões de natureza material ou de ordem adjetiva devem estar resolvidas na ocasião em que se procede à conferência de interessados. Afinal, umas e outras influem decisivamente na partilha, não sendo viável passar para a subsequente fase da conferência de interessados sem que estejam resolvidas[4]. Nos dizeres de Lopes do Rego, em regra, todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar – tal como a definição do modo como deve ser organizada, no plano jurídico, a partilha, fixando as quotas ideais de cada um dos interessados – devem mostrar-se solucionadas na fase de saneamento do processo e não no decurso da própria conferência de interessados, como decorria dos termos do art. 1373.º do anterior CPC.[5]
Daí a solução que emerge do art. 1123º, nº2, al. b), ao consagrar a apelação autónoma das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha. Reconheceu-se que tais decisões revestiam importância crucial para a subsequente fase do processo de inventário, devendo ser sujeitas a imediata reapreciação pela Relação, como forma de conferir utilidade e eficácia à ulterior tramitação processual.[6]
Aqui chegados, partindo da conformação dada à pretensão recursória, impõe-se considerar que do despacho determinativo da forma à partilha cabia apelação autónoma, nos termos do art.1123º, nº2, al. b), do CPC. 
A omissão da sua interposição atempada, teve como efeito tornar a decisão definitiva.
A decisão judicial transita em julgado quando já não é suscetível de reclamação nem de recurso ordinário, nomeadamente quando nenhuma impugnação tenha tido lugar nos prazos legais (art. 628.º do CPC).
Como ensina Lebre de Freitas “dentro do processo, a definitividade da decisão impede que nele ela seja contraditada ou repetida.”[7]
Assim, quando uma decisão judicial que deveria ter sido objeto de recurso autónomo não o foi, tendo consequentemente transitado em julgado, não pode o tribunal superior, em sede de recurso da decisão final, contrariar a decisão anteriormente proferida e transitada, sob pena de violação do caso julgado formal.”[8]
Consequentemente, a decisão determinativa sobre a forma à partilha, não tendo sido impugnada atempadamente, transitou em julgado, tendo-se tornado definitiva e consolidada na ordem jurídica.
Logo, a impugnação daquela decisão no presente recurso é inadmissível, dela não podendo este Tribunal conhecer, o que se decide.
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3.2.2. Elaboração do mapa de partilha
O mapa de partilha constitui um documento que concretiza o que tiver sido decidido ou acordado relativamente aos direitos de cada interessado.
Encerra uma operação de natureza essencialmente material, na medida em que corporiza, através de verbas ou de lotes, os bens que a cada um serão atribuídos, de acordo com as avaliações e licitações efetuadas, das dívidas e encargos a considerar e da proporção das quotas de cada interessado.
Trata-se de um documento-síntese que se desdobra em três elementos: enunciação do ativo e do passivo; indicação da quota de cada interessado, tendo por base a forma a partilha anteriormente fixada; preenchimento dos quinhões de cada interessado com bens ou lotes de bens.
É assim que estabelece o artigo 1120.º, do CPC ao dizer que do mapa de partilha deve constar os direitos de cada interessado e o preenchimento dos seus quinhões, de acordo com o despacho determinativo da partilha e os elementos resultantes da conferência de interessados (nº1).
Acrescenta o normativo que para a formação do mapa determina-se, em primeiro lugar, a importância total do ativo, somando-se os valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efetuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos, após o que se determina o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens, e por fim faz-se o preenchimento de cada quota com referência às verbas ou lotes dos bens relacionados (nº3).
Como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, na elaboração do mapa de partilha é essencial a metodologia imposta pelo número 3 do artigo 1120.º, do CPC, sendo ponderados os seguintes aspetos essenciais:
a) apuramento do ativo, mediante o somatório do valor de todos os bens em resultado das licitações ou, na ausência destas, da avaliação dos bens e, supletivamente, do valor que a eles tenha sido atribuído pelo cabeça de casal na relação de bens;
b) dedução do ativo apurado das dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos. As dívidas a deduzir são aquelas que foram aprovadas pelos interessados ou que foram judicialmente reconhecidas;
c) determinação do montante de cada quota e sua correspondência com cada espécie de bens; e,
d) composição de cada quota com referência às verbas ou lotes de bens, atendendo-se ao que foi deliberado na conferência de interessados e, na medida do possível, às licitações, pedidos de adjudicação de bens e composição de quinhões. (…) – In Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pag. 605.
No caso, analisando o mapa elaborado pela secretaria verifica-se que foram respeitados o despacho determinativo da partilha e o resultado da conferência de interessados.
Na conferência de interessados consignou-se o seguinte: “Por acordo, os bens legados são para respeitar e ficam adjudicados às Interessadas respetivas acordando em não invocar qualquer eventual redução”.
Ora, o acordo firmado entre os interessados na respetiva conferência reporta-se apenas aos bens legados, nele não estando incluindo o bem doado.
Não vem invocado erro ou lapso, o qual também não resulta do próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita (art. 249.º, do CC).
Donde, o mapa de partilha mostra-se elaborado de acordo com a forma à partilha dos autos e em função do resultado obtido na conferência de interessados, conforme impõe o n.º 1 do artigo 1120.º do CPC, mostrando-se conformemente bem homologado, por sentença.
Impõe-se, assim, julgar improcedente o recurso.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)
I – Cabe apelação autónoma das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha (art. 1123º, nº2, al. b), do CPC).
II – Tais decisões revestem importância crucial para a subsequente fase do processo de inventário, devendo ser sujeitas a imediata reapreciação pela Relação, como forma de conferir utilidade e eficácia à ulterior tramitação processual.
III - O mapa de partilha constitui um documento que concretiza o que tiver sido decidido ou acordado relativamente aos direitos de cada interessado.
IV - Encerra uma operação de natureza essencialmente material, na medida em que corporiza, através de verbas ou de lotes, os bens que a cada um serão atribuídos, de acordo com as avaliações e licitações efetuadas, das dívidas e encargos a considerar e da proporção das quotas de cada interessado.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
As custas são a cargo do Recorrente (artigo 527º, nº1, do CPC).
Guimarães, 31 de Outubro de 2024

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Maria Amália Santos
2º - Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes



[1] Neste sentido, Carlos Lopes do Rego, A recapitulação do inventário, Julgar Online, dezembro de 2019, pag. 9.
[2] Ob. cit. pag. 11.
[3] Neste sentido, Abrantes Geraldes, Pulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, pag. 613.
[4] Ob. cit. pag. 584.
[5] A recapitulação do inventário, Julgar Online, dezembro de 2019, pag. 14.
[6] Abrantes Geraldes, Pulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado pag. 613.
[7] In “Um Polvo Chamado Autoridade do Caso Julgado”, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, pág. 691.
[8] Acórdão do STJ de 09.11.2015, disponível www.dgsi.pt.