| Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | HELENA MELO | ||
| Descritores: | DIREITOS E OBRIGAÇÕES REAIS PRIVAÇÃO DE USO INDEMNIZAÇÃO | ||
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| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 05/23/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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| Sumário: | Sumário (da relatora): .A titularidade de direitos reais implica direitos, mas também deveres. Alguns destes deveres são verdadeiras relações obrigacionais ou dão origem a elas. Quando as obrigações fazem parte do estatuto do direito real, são chamadas obrigações reais ou obrigações propter rem. .As obrigações reais dizem-se ambulatórias quando se transmitem automáticamente com o direito real. .É uma obrigação real ambulatória a obrigação de demolição e construção de paredes para repor as fracções de que os AA. são proprietários, em conformidade com a área constante do título constitutivo da propriedade horizontal, recaindo essa obrigação sobre os RR. que neste momento se encontram a ocupar a fracção e que são proprietários das mesmas, independentemente de não terem sido eles que alteraram a área das fracções, em contrário do previsto no título constitutivo da propriedade horizontal. .A relação creditória propter rem não prescinde da noção da culpa quanto à existência de danos e consequente pretensão de indemnização, apenas prescindindo dessa noção quanto à prova do direito real e dos actos que o ofendem , mas em qualquer dos casos, não prescinde do pressuposto da causalidade. .Não tendo sido os RR. quem levantou as paredes em termos diversos dos resultantes do título constitutivo, mas sim a sociedade vendedora das fracções por si adquiridas e considerando que os RR. adquiriram as fracções com a área que as mesmas apresentam, acreditando que as mesmas se constituíam como então foram apresentadas, desconhecendo que podiam estar a lesar interesses alheios, a recusa de entrega das fracções e a consequente privação do uso pelos AA., não lhes pode ser imputada a título de culpa. .Há lugar a indemnização pela privação do uso, ainda que não se tenham provado danos concretos, indemnização a fixar de acordo com a equidade, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, bastando que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que a privação gerou a perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório (…) interpuseram a presente acção com processo comum contra (..) Alegaram, para o efeito, a aquisição, por contrato de compra e venda, pela primeira autora e por seu então marido, já falecido, (…) (de quem as AA. (..) são filhas), de duas fracções autónomas, destinadas uma a comércio e outra a garagem. Os RR., por sua vez, são proprietários de outras duas fracções autónomas adjacentes àquelas e ocupam parte da fracção das AA. destinada a comércio e ainda a totalidade da fracção destinada a garagem. Mais referem que tal ocupação ocorre através do prolongamento das paredes delimitativas das fracções dos RR.. Invocaram que são proprietários das referidas fracções, em toda a área das mesmas, por usucapião. Pediram que os AA. que sejam declarados proprietários dessas fracções e a condenação dos RR. a reconhecê-lo e a absterem-se de aí praticarem qualquer acto perturbador desse direito, assim como a sua condenação numa indemnização a seu favor. Mais pediram que os RR. sejam condenados a pagar-lhes a quantia necessária à demolição das paredes existentes e à reconstrução das mesmas em conformidade com as áreas constantes do título constitutivo da propriedade horizontal. E por último, reclamaram a condenação dos RR. a pagar-lhes indemnização por força da privação do uso das aludidas fracções. Contestaram os RR., alegando, a título de excepção, que são proprietários das áreas reivindicadas pelos AA., sendo que adquiriram as suas fracções no exacto estado em que as mesmas actualmente se encontram. Mais referem que vêm praticando actos de posse sobre as referidas áreas, sendo delas proprietários, em toda a área delimitada pelas respectivas paredes, por via de usucapião. Invocaram ainda a excepção de abuso de direito, dando conta que as paredes das aludidas fracções foram construídas no local onde se encontram a pedido dos AA.. Alegaram ainda a excepção de prescrição referente ao pedido indemnizatório formulado. Pugnaram, assim, pela improcedência total da acção. Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tendo sido indicado o objecto do processo e organizados os temas da prova. Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor: Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: - declaro e condeno os RR. a reconhecer que os AA. são proprietários, em comum, das fracções “(…) , descritas na Conservatória de Registo Predial de ... sob os nºs(..) , com as áreas, respectivamente, de 138 m2 e 41 m2; - condeno os RR. a absterem-se da prática de qualquer acto perturbador do direito de propriedade dos AA. sobre as referidas fracções(…) ”, na totalidade das mencionadas áreas de 138 m2 e 41 m2, respectivamente; e - condeno os RR. a destruir e a reconstruir as paredes das fracções (…) descritas na Conservatória de Registo Predial de ... sob os nºs .../... – K e .../... – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fracção “Q” e dos 48 m2 da fracção “J”, sendo que tal reconstrução situar-se-á no local a apurar em sede de incidente ulterior de liquidação. Mais absolvo os RR. do demais peticionado pelos AA..” Foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação que julgou procedente o recurso principal deduzido pelos RR. e revogou a decisão recorrida, absolvendo os RR. dos pedidos contra si formulados e julgou prejudicado o recurso subordinado interposto pelos AA.. Os AA. interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que proferiu acórdão, revogando o acórdão recorrido, com o seguinte dispositivo: Face ao exposto, acorda-se em revogar o acórdão recorrido e, em sua substituição, julga-se a ação parcialmente procedente, de modo que: a) Se reconhece aos AA. a qualidade de proprietários das frações “J” e “Q”, com os limites que resultam do título constitutivo da propriedade horizontal; b) Condenam-se os RR. a absterem-se de praticar qualquer ato perturbador desse direito de propriedade, na parte respeitante às áreas que integram as frações “J” e “Q” e a devolverem essas áreas aos AA.; c) Determina-se a remessa dos autos à Relação a fim de ser apreciada a apelação interposta pelos RR. na parte relativa ao pedido dos AA. de condenação dos RR. na demolição e reconstrução de paredes decretado pela 1ª instância; d) Será ainda apreciada pela Relação a questão que AA. suscitaram no recurso de apelação subordinado relacionada com o pedido de condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização pela privação do uso. Custas da revista a cargo dos RR., na proporção de 50%, tendo em conta o decidido nas als. a) e b). No mais, as custas ficarão a cargo da parte vencida a final.” Considerando que parte das questões suscitadas pelos RR. no recurso de apelação que interpuseram já se mostra apreciada pelo acórdão do STJ que revogou o acórdão deste Tribunal da Relação, apenas se procederá à transcrição das conclusões das alegações que tenham interesse para as questões que cumpre ainda conhecer e que ficaram prejudicadas na decisão do Tribunal da Relação pela decisão dada a outras. Assim, no que releva para o conhecimentos das questões que importa ainda decidir, os RR. concluíram as suas alegações do seguinte modo: QUANTO À OBRIGAÇÃO REAL 11.ª Caso se entenda que as paredes que dividem as fracções contíguas “J” e “K”, bem como a parede que deve dividir toda a área que está integrando a fracção “R” por forma a fazer a fracção “S” (1), devem ser erguidas em conformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal, e que isso constitui obrigação real, a impender sobre o proprietário ao tempo da realização da obra, então e por se tratar, no que respeita a erguer as paredes novas, de fazer paredes divisórias, deve essa obra ser feita “a meias” entre autores e réus, porque a parede deve ficar, em metade, em cima da fracção dos autores e, noutra metade, em cima da fracção dos réus. 12.ª Pelos mesmos motivos e no que respeita à demolição da parede que hoje divide as fracções “J” e “K”, por ela estar, de acordo com a sentença recorrida, dentro da área da fracção “J”, dos autores, devem ser estes a fazer esse trabalho, se se considerar que essa é uma obrigação real. POR FIM, 13.ª A decisão recorrida violou ou não fez a melhor interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2.º e 7.º, do Código do Registo Predial, artigo 1422.º-A, n.º 1, do artigo 1259.º, artigo 1264.º e n.º 1 do artigo 1268.º, alínea a), do artigo 1294.º, artigo 1251.º, n.º 1, do artigo 1259.º, n.os 1 e 2, do artigo 1260.º, n.º 1, do artigo 1261.º e artigo 1262.º, todos do Código Civil. Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve ser revogada a decisão recorrida, que deve ser substituída por deliberação que: .1. Julgue improcedente a ação; e, subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, o que não se concebe nem concede; .2. Julgue procedente a exceção invocada pelos recorrentes, reconhecendo e declarando que a mesma impede o direito dos autores: 2.1.no que respeita à área da fracção autónoma “Q” por usucapião ou destinação objectiva ab initio à fracção autónoma “R”; .2.2. no que respeita à área de 48 m2 que possa, em face do título constitutivo da propriedade horizontal integrar a fracção autónoma “J” por usucapião ou destinação objectiva ab initio à fracção autónoma “K”. subsidiariamente, para o caso de assim se não entender, o que não se concebe nem concede, se 3. Condene autores e réus a erguer a divisão das fracções autónomas “J” e “K”, por um lado, e “Q” e “R”, por outro lado, em partes iguais. Os AA. contra-alegaram, tendo apresentado as seguintes conclusões (a propósito da demolição e construção das paredes): 36) Esteve também muito bem o Tribunal de 1ª Instância, em condenar os RR. a desocupar e a restituir-lhes a totalidade da fracção “Q” e os mencionados 48m2 da fracção “J”. 37) Esteve também muito bem o Tribunal de 1ª Instância, em condenar os RR. A pagar aos AA. as despesas necessárias à demolição das paredes divisórias actualmente existentes e à reconstrução das mesmas em observância das áreas constantes do registo e do título constitutivo da propriedade horizontal, a liquidar em incidente ulterior. 38) Resultou provado que as paredes da fracção “K” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontram incluídos 48 m2 da área atribuída à fracção “J”. Assim, a área ocupada pela fracção “J” é de 97 m2 e a ocupada pela fracção “K” é de 192 m2. 39) Resultou provado que as paredes da fracção “R” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontra abrangida a totalidade dos 41 m2 atribuídos à fracção “Q”. 40) A área ocupada pela fracção “R” é de 82 m2 e a ocupada pela fracção “Q” é de 0 m2. 41) Impõe-se fazer coincidir a situação material das fracções em causa com o estatuto real que lhes molda o objecto. 42) Cumpre colocar as paredes das fracções nos locais devidos, de forma a que as áreas das fracções respeitantes às lojas e às garagens, pertencentes a AA. e RR., coincidam com as aludidas no título constitutivo da propriedade horizontal. 43) Tal operação emerge, tão-somente, da obrigação de fazer coincidir a situação material da coisa com o estatuto do direito real que lhe molda o objecto. 44) Esta obrigação consubstancia uma obrigação real (também denominada “ab rem” ou “propter rem”). 45) O direito real de propriedade não é apenas fonte de direitos ou poderes, como se diz no art. 1305º do CC, mas também de deveres. 46) Por força de lei, em especial do direito público, o proprietário está obrigado a actuar, a agir, a um “facere”. 47) Em caso de transmissão do direito real de cujo estatuto a obrigação emerge, esta passa a vincular o sub-adquirente, o que significa que, juntamente com o “jus in re”, se operou igualmente a transmissão da dívida. 48) Recai sobre os RR., enquanto titulares actuais do direito real de propriedade das fracções “K” e “R”, a obrigação de praticarem os actos necessários a repor a situação em conformidade com o conteúdo do seu direito, de harmonia com o fixado na lei. 49) Não obstante não terem sido eles a levar a cabo a construção das paredes, serão eles os sujeitos passivos dessa obrigação, pois são os titulares actuais do direito real, “in casu”, do domínio, e por ele e à custa dele deve ser satisfeita. 50) Como vimos, o credor da obrigação “propter rem” (no caso, os AA.) pode exigir o cumprimento ao subadquirente (ou seja, aos RR.), porque a obrigação acompanha a coisa, vinculando quem se encontre, a cada momento, na titularidade do respectivo estatuto. 51) Face ao exposto, incumbe aos RR. cumprir a obrigação de destruir e reconstruir as paredes das suas fracções de forma a que se respeitem as áreas vertidas em sede de título constitutivo da propriedade horizontal, 52) Esteve também muito bem o Tribunal de 1ª Instância, em condenar os RR. a realizar as obras de construção das paredes divisórias das suas fracções de forma a que se respeite a área constante do titulo constitutivo da propriedade horizontal (sem prejuízo de os AA., em caso de incumprimento da obrigação pelos RR., poderem vir a pedir, em sede executiva, a prestação desse facto por outrem, nos termos dos arts. 868º, nº 1, e 870º do CPC). 53) Esta condenação dos RR. a levarem a cabo tais obras ainda se insere no pedido formulado pelos AA. de desocupação e de restituição das referidas áreas das fracções “J” e “Q”. 54) Não estamos, assim, perante uma condenação em objecto diverso do peticionado (a qual sempre seria vedada pelo disposto no art. 615º, nº 1, al. e), do CPC). (…) 60) Improcedem assim, todas as Alegações e Conclusões n.ºs 1, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13, formuladas pelos Réus/Recorrentes com o seu Recurso de Apelação o qual deverá improceder na sua totalidade. Termos em que: a. Devem improceder todas as alegações e todas as conclusões n.ºs 1, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 formuladas pelos réus/recorrentes com o seu douto recurso de apelação; b. Deverá o douto recurso de apelação apresentado pelos réus/recorrentes ser julgado totalmente improcedente por não provado; c. Deve a douta sentença recorrida - com exceção da questão do pedido de indemnização a título de privação de uso das frações “J” e “Q” e que será objeto de recurso subordinado a interpor pelos ora autores - ser mantida na sua totalidade. Os AA. interpuseram recurso subordinado, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões: 1) Os Autores/Recorrentes, não concordam com a absolvição e a não condenação dos Réus, em pagarem solidariamente aos Autores uma indemnização a titulo de indemnização pela privação de uso das suas frações “J” e “Q”, desde o dia 20-6-2003 (dia da aquisição das frações “J” e “Q” por parte dos Autores) e até à data em que a Réus destruírem e reconstruir as paredes das frações “K” e “R”, descritas na Conservatória de Registo Predial de ... sob os nºs .../... – K e .../... – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fração “Q” e dos 48 m2 da fração “J”: 2) A questão da ressarcibilidade da «privação do uso» não pode ser apreciada e decidida, em abstrato, aferida pela mera impossibilidade objetiva de utilização da coisa, porquanto a mera privação do uso do bem, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil. 3) Montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil). 4) Os Réus deverão ser condenados a pagar ao Autores uma quantia a título de privação de uso das suas frações, desde o dia 20-6-2003 (dia da aquisição das fracções “J” e “Q” por parte dos Autores) e até à data em que a Réus destruírem e reconstruir as paredes das frações “K” e “R”, descritas na Conservatória de Registo Predial de ... sob os nºs .../... – K e .../... – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fração “Q” e dos 48 m2 da fração “J”, montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil). 5) Tal conclusão, deriva da matéria de facto dada como provada, mais concretamente nos pontos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 23, 26, 27 e 33 da matéria de facto dada como provada na Douta Sentença. 6) Encontra-se registada a favor dos AA. M. S., M. C., casada com J. C., e M. T., “em comum e sem determinação de parte ou direito”, desde 12-6-2015, “por dissolução da comunhão conjugal e sucessão”, a aquisição da fracção “J”, descrita na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº .../... – J, sita no rés-do-chão, lado direito, entrada poente, destinada a comércio, com a área de 138 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar ..., ..., ..., afecta ao regime da propriedade horizontal. 7) Encontra-se registada a favor dos AA. M. S., M. C., casada com J. C., e M. T., “em comum e sem determinação de parte ou direito”, desde 12-6-2015, a aquisição da fracção “Q”, descrita na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº .../... – Q, sita na cave, destinada a garagem, com o nº 17, com a área de 41 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar ..., ..., ..., afecta ao regime da propriedade horizontal. 8) Por escritura pública constante fls. 16 e segs., celebrado em 20-6-2003, a A. M. S., no estado de casada com H. T., declarou comprar e a sociedade “Construtora ..., Lda.” declarou vender-lhe as referidas frações “J” e “Q”. 9) Em 23-6-2003, foi registada a aquisição das referidas frações a favor de M. S., casada com H. T.. 10) H. T. faleceu em ..-..-2013, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros a cônjuge M. S. e as filhas M. C., casada com J. C., e M. T.. 11) Consta do documento complementar anexo à escritura pública de constituição da propriedade horizontal do referido prédio, designadamente, o seguinte: a) FRACÇÃO “J” - Rés-do-chão, lado direito, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos a que corresponde o valor relativo de noventa milavos; b) FRACÇÃO “K” - Rés-do-chão, lado esquerdo, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos a que corresponde o valor relativo de noventa milavos; c) FRACÇÃO “Q” - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 41m2, designada pelo número dezassete, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos a que corresponde o valor relativo de seis milavos; d) FRACÇÃO “R” - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 37,50m2, identificada pelo número dezasseis, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos a que corresponde o valor relativo de seis milavos. 12) Em 21-3-1996 foi registada a constituição da propriedade horizontal do referido edifício. 13) Desde a data da aquisição das frações “J” e “Q”, a A. M. S. e seu falecido marido H. T. e, subsequentemente, após a morte deste, também os AA. M. C. e M. T., vêm pagando as contribuições do condomínio e os impostos referentes às aludidas fracções. 14) As paredes da fração “K” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontram incluídos 48 m2 da área atribuída à fração “J”. 15) Sendo que a área efetivamente ocupada pela fração “J” é de 97 m2 e a efetivamente ocupada pela fração “K” é de 192 m2. 16) As paredes da fração “R” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontra abrangida a totalidade dos 41 m2 atribuídos à fração “Q”. 17) Sendo que a área efetivamente ocupada pela fração “R” é de 82 m2 e a ocupada pela fração “Q” é de 0 m2. 18) Em data não concretamente apurada, mas situada cerca de 1 ano depois de o R. J. R. ter adquirido as frações “K” e “R”, a A. M. S. transmitiu-lhe que o mesmo se havia apoderado da totalidade da área referente à fração “Q” e de parte da área referente à fração “J”. 19) O valor locativo mensal da fração “J” ascende a 2 € por metro quadrado. 20) O valor locativo mensal da fração “Q” ascende a 1 € por metro quadrado. 21) Desde a data da aquisição da fração “K”, os RR. vêm utilizando a mesma, com a na totalidade da área e com a configuração que a mesma apresenta, arrendando-o e auferindo a respetiva remuneração. 22) O valor locativo mensal, por metro quadrado, da fração autónoma designada pela letra “J” propriedade dos autores é de €82,00,valor esse calculado da seguinte forma: €2,00 (€2,00 x 41 m2 (138 m2 – 97 m2 = 41 m2) = €82,00 valor locativo mensal. 23) O valor locativo mensal, por metro quadrado, da fração autónoma designada pela letra “Q” propriedade dos autores é de €42,00 valor esse calculado da seguinte forma: €1,00 (€1,00 x 41 m2) = €42,00 valor locativo mensal. 24) Os Réus deverão ser solidariamente condenados a pagar aos Autores uma quantia a título de privação de uso das suas frações, desde o dia 20-6-2003 (dia da aquisição das frações “J” e “Q” por parte dos Autores) e até à data em que a Réus destruírem e reconstruir as paredes das frações “K” e “R”, descritas na Conservatória de Registo Predial de ... sob os nºs .../... – K e .../... – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fração “Q” e dos 48 m2 da fração “J”. 25) Montante esse, o qual à presente data ascende ao valor de 20.832,00€ (vinte mil oitocentos e trinta e dois euros) calculado da seguinte forma: a) Fração J: de 20/06/2003 a 20/06/2017 = 168 meses X 82,00€ valor locativo mensal = 13.776,00€; b) Fração Q : de 20/06/2003 a 20/06/2017 = 168 meses X 42,00€ valor locativo mensal = 7.056,00€= c) TOTAL= 20.832,00€ (13.776,00€ + 7.056,00€) 26) Indemnização essa, que os Autores/Recorrentes desde já reclamam dos Réus à razão da quantia mensal de 82,00€ relativamente à fração J e da quantia mensal de 42,00€ relativamente à fração Q até à data em que a Réus destruírem e reconstruir as paredes das frações “K” e “R”, descritas na Conservatória de Registo Predial de ... sob os nºs .../... – K e .../... – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fração “Q” e dos 48 m2 da fração “J”. 27) A Douta Sentença Recorrida violou as seguintes disposições legais: a) os artigos 483.º, n.º1, 564.º, n.º 2, 566.º, n.º 3, 1305.º do código civil e b) os artigos 564.º, al. a), 581.º, n.ºs 3 e 4, 2.ª parte, 606.º, nº 1, 609.º, n.ºs 1 e 2, 615.º, n.ºs 1, d), e e), 666.º, n.º 1. do código de processo civil. Os RR. contra-alegaram, tendo formulado as seguintes conclusões: 1.ª Tendo a improcedência do pedido de indemnização por privação do uso de um bem ficado a dever-se à circunstância de o tribunal recorrido ter considerado que os autores não demonstraram qualquer facto culposo dos réus assim como demonstraram qualquer nexo causal entre qualquer facto dos réus e os danos alegados e, mas apenas subsidiariamente, na circunstância de não se ter provado a verificação de qualquer dano, não pode apreciar-se a apelação em que não se coloque em causa a verificação daqueles pressupostos da culpa e do nexo causal e apenas se coloque em causa a verificação do dano. SEM PRESCINDIR 2.ª No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, não pode prescindir-se da detecção de um facto voluntário do alegado responsável, nem da ilicitude, nem culpa, nem do nexo causal entre os alegados facto e dano, nem da verificação do dano, pois que “cada um desses pressupostos desempenha um papel especial na complexa disciplina das situações geradoras do dever de reparação do dano” – Professor Antunes Varela, in Das obrigações em geral, 9.ª edição, 1996, Almedina, Coimbra, página 543. 3.ª Constando da matéria de facto provada que o facto voluntário que causou danos não foi praticado pelos réus, mas por terceiro, pois que foi um terceiro que ergueu as paredes divisórias das fracções de um edifício no momento da construção do próprio edifício, tendo-o assim vendido, não podem aqueles ser condenados no pagamento de qualquer indemnização; 4.ª Não constando da matéria qualquer nexo causal entre qualquer comportamento dos réus (que só compraram, ao incontestado dono, duas fracções autónomas tal como estavam separadas das outras fracções por paredes erguidas pelo construtor) e os danos invocados pelos autores (a privação do uso de uma determinada área), não podem aqueles ser condenados no pagamento de qualquer indemnização; 5.ª Não constando da matéria qualquer facto de que resulte que os réus actuaram com culpa, o que é dizer que actuaram de uma forma quando deviam actuar de outra (e os réus, mais uma vez só compraram, ao incontestado dono, duas fracções autónomas tal como estavam separadas das outras fracções por paredes erguidas pelo construtor), não podem aqueles ser condenados no pagamento de qualquer indemnização pela privação de uma qualquer área por terceiros; SEM PRESCINDIR, 6.ª Ainda que se entenda que se verificam todos os pressupostos da obrigação de os réus indemnizarem os autores pela privação do uso de uma determinada área (porque, entre o mais, se considera que houve culpa dos réus, porque se entenda que deviam ter verificado se as fracções que o empreiteiro lhes mostrou e que decidiram comprar, estavam em conformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal, porque assim actuaria o homem médio, necessariamente sabendo que as áreas das fracções autónomas constam do respectivo título constitutivo), sempre a indemnização deve ser afastada por concorrer culpa muitíssimo maior do lesado (uma vez que, pelo mesmo padrão, também o lesado não devia ter comprado, para mais em momento posterior, sem confirmar a coerência entre o título constitutivo da propriedade horizontal e as fracções autónomas efectivamente construídas, sem sequer ver o que estava à vista do homem médio), tudo nos termos do disposto no artigo 570.º, do Código Civil. 7.ª Ou, na pior das hipóteses, deve a indemnização ser reduzida para menos de metade, pois que a culpa do alegado lesado se apresenta bem maior do que a que possa ver-se no alegado lesante. SEM PRESCINDIR, 8.ª A indemnização que, na inesperada procedência do recurso subordinado, possa reconhecer-se aos autores só pode ser atribuída depois de um prazo razoável para a execução das obras necessárias à demolição de paredes e construção de novas paredes em conformidade com o título constitutivo (pelo respectivo responsável, questão que está colocada no recurso principal), uma vez que só então se pode dizer que os réus, se condenados a destruir as paredes que lá estão e a construir novas, estão a praticar a omissão voluntária, essa sim causadora de novos danos. SEM PRESCINDIR, 9.ª Caso se entenda que os réus devem indemnizar os autores por ocuparem ilicitamente o que lhes pertença, sempre tendo em conta que possuíram de boa fé, a indemnização só pode ter lugar relativamente a danos verificados depois da citação, pois que só a citação os coloca de má-fé, praticando, a partir de então, com a ocupação do mesmo, um facto ilícito e culposo, como, de resto, ficou decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no único acórdão citado pelos recorrentes, embora com matéria de facto assaz diferente da nossa ao nível dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. SEM PRESCINDIR, 10.ª Caso se entenda que os réus devem indemnizar os autores por ocuparem ilicitamente o que lhes pertença, desde a data da escritura da aquisição a favor dos autores, por ser desde então que estão privados do uso da área alegadamente em falta, o que não se concebe nem concede, e tendo em conta que as autoras pedem dos réus uma indemnização por danos alegadamente sofridos, que calculam multiplicando uma renda mensal pelo número de meses desde 1 de Maio de 2004 a 1 de Outubro de 2015, por referência à data da apresentação da petição inicial, como fazem constar do artigo 39.º da petição inicial, tratando-se, pois, de uma indemnização por danos que, alegadamente, se vão verificando mensalmente, sempre estão prescritos todos os danos verificados mais de três anos antes da citação (estão prescritos todos os danos verificados até 22 de Outubro de 2012, já que a citação ocorreu a 22 de Outubro de 2015, como também se alegou), por ser esse o prazo de prescrição (cf artigo 498.º, do Código Civil) e porque a prescrição foi invocada na contestação (artigo 303.º, do Código Civil). Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, não deve o recurso subordinado ser apreciado como concluímos em primeiro lugar; e, se se entender apreciá-lo, deve ser-lhe negado provimento como concluímos entre segundo e quinto lugar; e, caso se entenda que algum provimento merece, sempre a indemnização deve ser excluída ou consideravelmente diminuída por força da concorrência de culpa como concluímos em sexto e sétimo lugar; e, para o mesmo caso de se entender que algum provimento merece, sempre a mesma indemnização deve ser restringida no tempo como concluímos em oitavo a décimo lugar. II – Objeto do recurso De acordo com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, devem ser apreciadas as seguintes questões: Do recurso interposto pelos RR.: . decidir se os custos da demolição da parede que se situa dentro da fracção K deve ser suportada pelos AA. e se a construção de novas paredes, de modo a colocar as fracções dos AA. e dos RR. com a área em conformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal, devem ser suportados por ambas as partes, em partes iguais; Do recurso subsidiário interposto pelos AA.: . decidir se há lugar a indemnização pelos RR. aos AA. por privação do uso da fracção Q e de parte da fracção J . III – Fundamentação Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos: 2.1 – Factos Provados: 1 – Encontra-se registada a favor dos AA. M. S., M. C., casada com J. C., e M. T., “em comum e sem determinação de parte ou direito”, desde 12-6-2015, “por dissolução da comunhão conjugal e sucessão”, a aquisição da fracção “J”, descrita na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº .../... – J, sita no rés-do-chão, lado direito, entrada poente, destinada a comércio, com a área de 138 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar ..., ..., ..., afecta ao regime da propriedade horizontal. 2 – Encontra-se registada a favor dos AA. M. S., M. C., casada com J. C., e M. T., “em comum e sem determinação de parte ou direito”, desde 12-6- 2015, a aquisição da fracção “Q”, descrita na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº .../... – Q, sita na cave, destinada a garagem, com o nº 17, com a área de 41 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar ..., ..., ..., afecta ao regime da propriedade horizontal. 3 – Por escritura pública constante fls. 16 e segs., celebrado em 20-6-2003, a A. M. S., no estado de casada com H. T., declarou comprar e a sociedade “Construtora ..., Lda.” declarou vender-lhe as referidas fracções “J” e “Q”. 4 – Em 23-6-2003, foi registada a aquisição das referidas fracções a favor de M. S., casada com H. T.. 5 – H. T. faleceu em ..-..-2013, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros a cônjuge M. S. e as filhas M. C., casada com J. C., e M. T.. 6 - Os RR. J. R. e T. R. são casados entre si. 7 - No regime da comunhão de adquiridos. 8 – Encontra-se registada a favor dos RR. J. R. e T. R., desde 9-1-2003, a aquisição da fracção “K”, descrita na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº .../... – K, sita no rés-do-chão, lado esquerdo, entrada poente, destinada a comércio, com a área de 138 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar ..., ..., ..., afecta ao regime da propriedade horizontal. 9 – Encontra-se registada a favor dos RR. J. R. e T. R., desde 9-1-2003, a aquisição da fracção “R”, descrita na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº .../... – R, sita na cave, destinada a garagem, com o nº 16, com a área de 37,50 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar ..., ..., ..., afecto ao regime da propriedade horizontal. 10 – Por escritura pública constante fls. 34 e segs., celebrado em 8-1-2003, o referido R. J. R., casado com a R. T. R., declarou comprar e a sociedade “Construtora ..., Lda.” declarou vender-lhe as referidas fracções “K” e “R”. 11 – O prédio onde se situam as referidas fracções, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº .../... – ..., foi adquirido, em 9-3-1995, por “Construtora ..., Lda.” a M. S. e a H. T.. 12 – A “Construtora ..., Lda.” sujeitou o referido prédio ao regime da propriedade horizontal por escritura celebrada em 7-2-1996, constante de fls. 36 e segs.. 13 – Consta do documento complementar anexo à escritura pública de constituição da propriedade horizontal do referido prédio, designadamente, o seguinte: “a) FRACÇÃO “J” - Rés-do-chão, lado direito, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos a que corresponde o valor relativo de noventa milavos; b) FRACÇÃO “K” - Rés-do-chão, lado esquerdo, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos a que corresponde o valor relativo de noventa milavos; c) FRACÇÃO “Q” - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 41m2, designada pelo número dezassete, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos a que corresponde o valor relativo de seis milavos; d) FRACÇÃO “R” - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 37,50m2, identificada pelo número dezasseis, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos a que corresponde o valor relativo de seis milavos. 14 – Em 21-3-1996 foi registada a constituição da propriedade horizontal do referido edifício. 15 – Desde a data da aquisição das fracções “J” e “Q”, a A. M. S. e seu falecido marido H. T. e, subsequentemente, após a morte deste, também os AA. M. C. e M. T., vêm pagando as contribuições do condomínio e os impostos referentes às aludidas fracções. 16 - Desde a data da aquisição da fracção “J”, destinada a comércio, a A. M. S. e seu falecido marido H. T. e, subsequentemente, após a morte deste, também os AA. M. C. e M. T., vêm ocupando e utilizando a mesma, dentro dos limites fixados pelas paredes que a dividem das restantes fracções e partes comuns do edifício. 17 – Fazem-no à vista de toda a gente, de forma continuada, na convicção de não serem lesados direitos de outrem e na convicção de serem proprietários das referidas fracções “J” e “Q”. 18 – As paredes da fracção “K” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontram incluídos 48 m2 da área atribuída à fracção “J”. 19 – Sendo que a área efectivamente ocupada pela fracção “J” é de 97 m2 e a efectivamente ocupada pela fracção “K” é de 192 m2. 20 - As paredes da fracção “R” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontra abrangida a totalidade dos 41 m2 atribuídos à fracção “Q”. 21 – Sendo que a área efectivamente ocupada pela fracção “R” é de 82 m2 e a ocupada pela fracção “Q” é de 0 m2. 22 – As paredes que dividem as fracções “K” e “J”, bem como as paredes que dividem a fracção “R” das restantes fracções e áreas comuns, foram construídas pela “Construções ..., Lda.”, na data em que o prédio foi construído, não tendo sofrido alteração até à presente data. 23 – Em data não concretamente apurada, mas situada cerca de 1 ano depois de o R. J. R. ter adquirido as fracções “K” e “R”, a A. M. S. transmitiu-lhe que o mesmo se havia apoderado da totalidade da área referente à fracção “Q” e de parte da área referente à fracção “J”. 24 – Nessa altura, o R. J. R. procedeu à mediação da área das fracções “K” e “R”, tendo então constatado que as mesmas apresentavam uma área superior à constante das certidões de registo predial e da escritura de constituição da propriedade horizontal. 25 – O R. J. R. recusou entregar ou desocupar qualquer área das referidas fracções “K” e “R”. 26 – O valor locativo mensal da fracção “J” ascende a 2 € por metro quadrado. 27 – O valor locativo mensal da fracção “Q” ascende a 1 € por metro quadrado. 28 – Antes de os RR. adquirirem as fracções “K” e “R”, as mesmas foram-lhes mostradas pelo legal representante de “Construtora ..., Lda.” 29 – Nessa ocasião, as fracções “K” e “R” apresentavam a configuração que ainda hoje apresentam, mantendo-se as respectivas paredes no mesmo local. 30 – Tais fracções apresentavam as áreas que têm hoje. 31 – Os RR. não alteraram as paredes divisórias das fracções “K” e “R”. 32 – Os RR. adquiriram as referidas fracções acreditando que as mesmas se constituíam pelo que então lhes foi apresentado, desconhecendo que podiam estar a lesar interesses alheios. 33 – Desde a data da aquisição da fracção “K”, os RR. vêm utilizando a mesma, com a na totalidade da área e com a configuração que a mesma apresenta, arrendando-o e auferindo a respectiva remuneração. 34 – E fechando-a quando não está a ser utilizada. 35 – Desde a data da aquisição da fracção “R”, os RR. vêm utilizando a mesma, com a na totalidade da área e com a configuração que a mesma apresenta, aí estacionando os seus veículos automóveis. 36 – Os RR. vêm utilizando as referidas fracções, nos moldes acima descritos, desde a data da aquisição das mesmas, de forma contínua, à vista de todos e ignorando lesar direitos de outrem, na convicção de que as mesmas lhes pertencem e de exercerem sobre elas o direito de propriedade. 2.2 – Factos Não provados: 1 - Desde a data da aquisição da fracção “Q”, destinada a garagem, a A. M. S. e seu falecido marido H. T. e, subsequentemente, após a morte deste, também os AA. M. C. e M. T., vêm ocupando e utilizando a mesma. 2 – As paredes das fracções “K” e “R” foram construídas pelos RR.. 3 – Os antepossuidores dos RR. usaram as referidas fracções “K” e “R” para arrendamento e estacionamento de veículos. 4 – Quando o edifício se encontrava em construção, a A. M. S. e seu marido H. T. pediram ao legal representante de “Construções ..., Lda.” que a parede que divide as lojas que hoje constituem as fracções “J” e “K” fosse colocada como está hoje. 5 – Bem como que as garagens que hoje constituem as fracções “R” e “Q” fossem juntas numa só, com uma única porta de acesso, constituindo a fracção que hoje é a fracção “R”. 6 – Assim foi porque, por troca pelo terreno cedido para a construção do edifício, a A. M. S. e H. T. acordaram com “Construções..., Lda.” que receberiam duas lojas e duas garagens. 1ª questão – Recurso dos apelantes RR. Na sentença da 1ª instância os RR. foram condenados a destruir e a reconstruir as paredes das fracções “K” e “R”, descritas na Conservatória de Registo Predial de ... sob os nºs .../... – K e .../... – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fracção “Q” e os 48 m2 da fracção “J”, sendo que tal reconstrução situar-se-á no local a apurar em sede de incidente ulterior de liquidação. No recurso que interpuseram, os apelantes RR. vieram defender que, caso se entenda que as paredes que dividem as fracções contíguas “J” e “K”, bem como a parede que deve dividir toda a área que está integrando a fracção “R” por forma a autonomizar a fracção “Q”, devem ser erguidas em conformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal, no que respeita a erguer as paredes novas, deve essa obra ser feita “a meias” entre autores e réus, porque a parede deve ficar, em metade, em cima da fracção dos autores e, noutra metade, em cima da fracção dos réus. E no que respeita à demolição da parede que hoje divide as fracções “J” e “K”, por ela estar, de acordo com a sentença recorrida, dentro da área da fracção “J”, dos autores, devem ser estes a fazer esse trabalho e não os RR. Assim quanto à demolição da parede, os apelantes entendem que devem ser os AA. a efectuar a demolição e a custear a mesma e quanto à construção das novas paredes, como serão paredes meeiras, deverá o seu custo ser suportado por ambos os proprietários, AA. e RR.. As obrigações reais têm sido objeto de controvérsia na doutrina, não só relativamente à sua natureza jurídica como também, quanto à característica de ambulatoriedade. Nas obrigações propter rem o devedor, na relação estabelecida, é determinado não pessoalmente (em função da pessoa), mas pela titularidade do direito real sobre a coisa. A titularidade de direitos reais implica direitos, mas também deveres. Alguns destes deveres são verdadeiras relações obrigacionais ou dão origem a elas. Quando as obrigações fazem parte do estatuto do direito real, são chamadas obrigações reais ou obrigações propter rem. As obrigações reais não são direitos reais, mas sim relações obrigacionais. As obrigações reais dizem-se ambulatórias quando se transmitem automáticamente com o direito real ( cfr. Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 3ª edição revista e aumentada, Principia, p.22 e 23). Saber se as obrigações reais são ou não ambulatórias constitui o nó górdio do problema. A lei não fornece um critério geral sobre esta questão. M. Henriques Mesquita (Obrigações Reais, pg. 299 e ss, apud Rui Pinto Duarte, obra citada, p.24) no intuito de procurar uma solução para o problema propôs o seguinte: “. serem consideradas ambulatórias as obrigações reais de facere que imponham ao devedor a prática de atos materiais na coisa objecto do direito real (v.g. o dever de realização de obras de reparação ordinária pelo usufrutuário imposto pelo artº 1472º); . serem consideradas não ambulatórias todas as demais, nomeadamente a generalidade das obrigações pecuniárias (a exceção é constituída pelas obrigações “cujos pressupostos materiais se encontram objectivados na coisa sobre que o direito real incide”. Assim, as obrigações propter rem quando obrigações de dare devem considerar-se não ambulatórias considerando que a alienação do direito real não impossibilita o alienante de realizar a prestação, de que são exemplo as despesas respeitante a obra de reparação que foi efectuada nas partes comuns de um prédio em propriedade horizontal antes da alienação da fração autónoma (cfr. se defende no Ac. do STJ de 08.06.2017, cuja obrigação do pagamento se mantém no alienante, não obstante ter deixado de ser titular do direito real sobre a fracção). Na falta de consagração legal para o problema, tem-se defendido a posição de Henriques Mesquita. De acordo com Rui Pinto Duarte, “são tendencialmente ambulatórias as obrigações cujo cumprimento implique a titularidade do direito real, como é o caso, por exemplo, da obrigação de um condómino de destruir obras ilícitas; são tendencialmente não ambulatórias aquelas cujo cumprimento não implique essa titularidade, como é o caso da obrigação dos condóminos de contribuírem para as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum” (obra citada, p. 25). Enquanto se mantiverem os correspondentes pressupostos, a obrigação mantém-se, salvo se constituir, por usucapião, um direito com ela incompatível (cfr. defende Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª edição (reimpressão), Quid Juris, p. 189). No caso, a ocupação da área da garagem propriedade dos AA. (fracção Q) e de parte da fracção J, colide com o direito de propriedade dos AA. que estão assim impedidos de usar e fruir a fracção Q e a fracção J na sua totalidade, pelo que importa, necessariamente, a demolição destas paredes e a construção de novas que respeitem o direito de propriedade dos AA., obrigação que recai sobre os RR. que neste momento se encontram a ocupá-las, independentemente de não terem sido eles que alteraram a área das fracções, em contrário do previsto no título constitutivo da propriedade horizontal, por se tratar de uma obrigação de natureza ambulatória, de facere. No mesmo sentido o Ac. do TRP de 29.05.2008, proc. 0832748 e o Ac. do STJ de 08.07.2003, proc.03A531, este último também citado na decisão recorrida. As novas paredes a construir embora sejam meeiras não têm de ser custeadas pelas AA. que são completamente alheios às alterações introduzidas às fracções, levadas a cabo pelos anteriores proprietários. E o facto de para a demolição de uma das paredes ser necessário a entrada na fracção das AA. não impede a concretização da obra, tendo os RR. que acordar com os AA. quando é que a obrigação pode ser cumprida, sob pena dos AA., se não facultarem o acesso, incorrerem em mora (artº 813º do CC). Não se encontra, assim, fundamento legal nem doutrinário para o pretendido pelos apelantes RR. Recurso subordinado interposto pelos AA. Entendem os AA. que face aos factos dados como provados nos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 23, 26, 27 e 33 da matéria de facto dada como provada, os RR. deveriam ter sido condenados a pagar-lhes uma indemnização pela privação do uso da fracção Q (41 m2) e de parte da fracção J (48 m2), desde o dia 20.06.2003 (data da aquisição pelos AA. das fracções Q e J, até à data em que os RR. destruírem e reconstruirem as paredes das fracções K e R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fracção Q e os 48 m2 em falta da fracção J, relegando-se o exacto quantum para posterior incidente de liquidação. Os factos em causa são os seguintes: 1 – Encontra-se registada a favor dos AA. M. S., M. C., casada com J. C., e M. T., “em comum e sem determinação de parte ou direito”, desde 12-6-2015, “por dissolução da comunhão conjugal e sucessão”, a aquisição da fracção “J”, descrita na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº .../... – J, sita no rés-do-chão, lado direito, entrada poente, destinada a comércio, com a área de 138 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar ..., ..., ..., afecta ao regime da propriedade horizontal. 2 – Encontra-se registada a favor dos AA. M. S., M. C., casada com J. C., e M. T., “em comum e sem determinação de parte ou direito”, desde 12-6- 2015, a aquisição da fracção “Q”, descrita na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº .../... – Q, sita na cave, destinada a garagem, com o nº 17, com a área de 41 m2, do “Bloco B” do edifício sito no lugar ..., ..., ..., afecta ao regime da propriedade horizontal. 3 – Por escritura pública constante fls. 16 e segs., celebrado em 20-6-2003, a A. M. S., no estado de casada com H. T., declarou comprar e a sociedade “Construtora ..., Lda.” declarou vender-lhe as referidas fracções “J” e “Q”. 4 – Em 23-6-2003, foi registada a aquisição das referidas fracções a favor de M. S., casada com H. T.. 5 – H. T. faleceu em ..-..-2013, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros a cônjuge M. S. e as filhas M. C., casada com J. C., e M. T.. 13 – Consta do documento complementar anexo à escritura pública de constituição da propriedade horizontal do referido prédio, designadamente, o seguinte: “a) FRACÇÃO “J” - Rés-do-chão, lado direito, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos a que corresponde o valor relativo de noventa milavos; b) FRACÇÃO “K” - Rés-do-chão, lado esquerdo, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos a que corresponde o valor relativo de noventa milavos; c) FRACÇÃO “Q” - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 41m2, designada pelo número dezassete, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos a que corresponde o valor relativo de seis milavos; d) FRACÇÃO “R” - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 37,50m2, identificada pelo número dezasseis, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos a que corresponde o valor relativo de seis milavos. 14 – Em 21-3-1996 foi registada a constituição da propriedade horizontal do referido edifício. 15 – Desde a data da aquisição das fracções “J” e “Q”, a A. M. S. e seu falecido marido H. T. e, subsequentemente, após a morte deste, também os AA. M. C. e M. T., vêm pagando as contribuições do condomínio e os impostos referentes às aludidas fracções. 18 – As paredes da fracção “K” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontram incluídos 48 m2 da área atribuída à fracção “J”. 19 – Sendo que a área efectivamente ocupada pela fracção “J” é de 97 m2 e a efectivamente ocupada pela fracção “K” é de 192 m2. 20 - As paredes da fracção “R” encontram-se construídas de forma a que no seu interior se encontra abrangida a totalidade dos 41 m2 atribuídos à fracção “Q”. 21 – Sendo que a área efectivamente ocupada pela fracção “R” é de 82 m2 e a ocupada pela fracção “Q” é de 0 m2. 23 – Em data não concretamente apurada, mas situada cerca de 1 ano depois de o R. J. R. ter adquirido as fracções “K” e “R”, a A. M. S. transmitiu-lhe que o mesmo se havia apoderado da totalidade da área referente à fracção “Q” e de parte da área referente à fracção “J”. 26 – O valor locativo mensal da fracção “J” ascende a 2 € por metro quadrado. 27 – O valor locativo mensal da fracção “Q” ascende a 1 € por metro quadrado. 33 – Desde a data da aquisição da fracção “K”, os RR. vêm utilizando a mesma, com a na totalidade da área e com a configuração que a mesma apresenta, arrendando-o e auferindo a respectiva remuneração. Na 1ª instância considerou-se não ser devida indemnização por privação do uso por não se poder imputar aos AA. qualquer conduta a título de culpa pois quem levou a cabo a construção das paredes nos termos em que se encontram foi a Construtora ..., Lda. e não os RR. Por outro lado, no entender da sentença recorrida, os AA. também não lograram provar quaisquer danos concretos, pelo que sempre o pedido de indemnização por privação do uso deveria improceder. Os AA. fundamentaram a sua pretensão com base no instituto de responsabilidade civil por factos ilícitos. Constituem pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto voluntário do lesante, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artº 483º do CC). Se não se verificarem todos os pressupostos não se constitui a obrigação de indemnizar. Agir com culpa significa agir em termos de a conduta do agente merecer a censura ou a reprovação do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol.I, 4ª ed., Almedina, Coimbra, p. 480). Só pode ser susceptível de um juízo de censura quem for imputável. “A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstanciais especiais do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo (a que os autores e as leis dão algumas vezes o nome de má fé) e a negligência ou mera culpa (culpa em sentido estrito)” (Antunes Varela, obra citada, p. 485). A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artº 487º do CC). A relação creditória propter rem não prescinde da noção da culpa quanto à existência de danos e consequente pretensão de indemnização, apenas prescindindo dessa noção quanto à prova do direito real e dos actos que o ofendem, mas em qualquer dos casos, não prescinde do pressuposto da causalidade (cfr. se defende no Ac. do TRP de 09.05.2007, proc. nº 0721349, citado na sentença recorrida). No caso, quem levantou as paredes em termos diversos dos resultantes do título constitutivo foi a Construções ...s e não os RR.. Poder-se-à, no entanto questionar, se a conduta dos RR. não será censurável, a partir do momento em que a 1ª A. comunica aos RR. que se tinham apoderado da totalidade da área relativa à fracção Q e parte da fracção J, e o R, procedeu à medição das suas fracções e constatou que as mesmas apresentavam uma área superior à constante das certidões de registo predial e da escritura de constituição da propriedade horizontal. No entanto, considerando que os RR. adquiriram as fracções com a área que as mesmas apresentam, acreditando que as mesmas se constituíam como então foram apresentadas, desconhecendo que podiam estar a lesar interesses alheios (pontos 30 e 32), entendemos que a recusa de entrega e a consequente privação do uso pelos AA., não lhes pode ser imputada a título de culpa. O bom pai de família a que se reporta o artº 487º CC não é um técnico de direito. Ainda que assim não se entendesse, afigura-se-nos que os factos apurados não seriam suficientes para a procedência do pedido dos AA.. A questão da indemnização a atribuir pela privação do uso, envolve alguma complexidade. É conhecida a dualidade de entendimentos: de um lado temos a representada, por exemplo, por Abrantes Geraldes (Indemnização do Dano da Privação do Uso, pág. 39 e 41, posição esta defendida no Acórdão da Relação de Lisboa, de 11 de Março de 2003, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVIII, Tomo II, pág. 70 e ss., de que foi relator), Menezes Leitão ((Direito das Obrigações, Volume I, 4.ª Edição, pág. 317). No confronto de um proprietário que não está privado do uso com um proprietário que o está, o segundo sai prejudicado, ainda que não utilizasse regularmente o bem. Para estes autores, a opção pelo não uso ainda constitui uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectada pela privação do uso, pelo que apenas excepcionalmente, perante um quadro factual mais complexo, será possível afirmar que a paralisação não foi causa adequada de danos significativos merecedores de ajustada indemnização, integrando o direito de propriedade o poder de exclusiva fruição que envolve o direito de não usar. A privação do uso do bem durante um determinado período origina a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se tal perda não pode ser reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente. Para outros a privação do uso apenas será indemnizável desde que se provem os danos concretos que derivam daquela privação, cfr. se defende v.g. no. aresto do STJ de 16/09/2008, no processo 08A2094 e no Ac. do STJ de 30/10/2008, no processo 08B2662, onde se escreveu que “(…) a privação duma utilidade do património pode ou não constituir um dano, conforme acabe por diminuir ou não o acervo patrimonial. Isto, é claro, em termos de danos patrimoniais. E compete ao lesado fazer a demonstração de que ocorreu tal diminuição”. Assim para os defensores deste entendimento apenas haverá lugar a indemnização pela privação do uso se o lesado provar que passou a ter de fazer outras despesas por estar privado do bem ou deixou de as auferir. Também nós entendemos que há lugar a indemnização, ainda que não se tenham provado danos concretos, indemnização a fixar de acordo com a equidade, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos (artº 566º, nº 3 do CC), bastando que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que a privação gerou a perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava [como se defende no Ac. do STJ de 9/07/2015, proferido no processo 13804/12, e onde são citados também no mesmo sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 (proc. nº 07B1849), de 12 de Janeiro de 2010 (proc. nº 314/06.6TBCSC.S1), de 16 de Março de 2011 (proc. 3922/07.2TBVCT.G1.S1) e de 10 de Janeiro de 2012 (proc. nº 189/04.0TBMAI.P1.S1)]. No caso concreto do Ac. do STJ de 09.07.2015, considerou-se suficiente a alegação pelo lesado e prova que utilizava todos os dias, a viatura danificada, para tratar de assuntos de cariz pessoal e familiar. Ora, no caso concreto, os AA. limitaram-se a alegar que estavam impedidos de usar e fruir as fracções que adquiriram plenamente e a pedir uma indemnização com base no valor locatício dos metros de que se encontravam desapossados. Nada mais alegaram, nomeadamente que se a garagem estivesse disponível a utilizariam ou a arrendariam. Também nada alegaram relativamente ao não uso de parte da fracção destinada ao comércio: está arrendada e obteriam uma renda mais elevada? Afectariam a mesma por ter uma área maior a outro ramo do comércio? Assim, por falta da alegação das utilidades que poderiam obter e das quais estavam privados, o pedido dos AA. também teria de improceder. A sentença recorrida não merece consequentemente censura. IV – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente o recuso dos apelantes e igualmente improcedente o recurso subordinado dos AA., confirmando a decisão recorrida. Custas da apelação pelos RR. Custas do recurso subordinado pelos AA.. Guimarães, 23 de maio de 2019 Helena Maria carvalho Gomes Melo Pedro Alexandre Damião e Cunha Maria João Marques Pinto Matos Este acórdão tem o voto de conformidade da Exmª 2ª Adjunta que só não assina por não estar presente (artº 153º, nº1 do CPC). 1 - Pretendeu-se, certamente, referir a fracção Q. |