Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1420/11.0T3AVR.G1
Relator: BRÁULIO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO DE PENA DE PRISÃO
DETENÇÃO ILEGAL
RECURSO
HABEAS CORPUS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL – RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. A detenção de um cidadão fora de flagrante delito pode ser ordenada para a sua apresentação a julgamento sob a forma sumária, ou para ser presente ao juiz competente para aplicação de medida de coação, ou para execução da prisão preventiva, ou ainda para assegurar a presença do detido perante autoridade judiciária em ato processual, nos termos do artigo 254.º do Código de Processo Penal. Pode ainda essa detenção ser ordenada para execução da pena de prisão, que será acompanhada dos mandados a que se refere o artigo 478.º do Código de Processo Penal.
2. O mandado previsto no artigo 478.º do Código de Processo Penal (entrada no estabelecimento prisional) não envolve, por si só, a detenção do visado – trata-se de um pressuposto de carater meramente burocrático ou administrativo imprescindível à execução da pena e a atribuição do estatuto jurídico de recluso a determinada pessoa.
3. A detenção coeva apenas se torna necessária se o condenado se não dispõe a cumprir voluntariamente a pena em que foi condenado.
4. Resulta do n.º 3 do artigo 258.º do Código de Processo Penal, que, no ato da detenção, ao detido é exibido o mandado de detenção, e entregue uma das cópias, sendo essa a forma de comunicar a decisão ao visado.
5. A reação à detenção ou prisão indevidas, por ilegais, deve ser efetuada através do procedimento do habeas corpus, e não através de recurso, sendo a falta de trânsito em julgado da decisão condenatória que se executa um caso típico de fundamento desta forma de impugnação.
6. A ordem judicial de detenção é, portanto, irrecorrível, sendo o habeas corpus o modo legalmente adequado da sua impugnação.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 1420/11.0T3AVR.G1
Juízo central Criminal de ... – J ...
Tribunal Judicial da Comarca de ...

RELATÓRIO

1 No processo n.º 1420/11...., do Juízo central Criminal de ... – J ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., foi proferido despacho com o seguinte teor:

Ref.ª Citius 2396699:
Tomei conhecimento.
Em cumprimento do doutamente ordenado pelo despacho do Venerando Senhor Desembargador Relator de 29.01.2024 (ref.ª Citius 9253350) e no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20.03.2023 (ref.ª Citius 8739173), determino o seguinte:
(i) emita mandados de detenção e condução do condenado AA ao Estabelecimento Prisional competente para o cumprimento efetivo da pena de 8 (oito) anos de prisão a que foi condenado nestes autos, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.09.2019, transitado em julgado em 13.01.2020;
(ii) proceda à liquidação das custas, multas e indemnizações devidas por este mesmo arguido e, após, notifique-o para pagamento, com a cominação de que só após a realização do mesmo serão decididos pelo Tribunal da Relação de Guimarães os três requerimentos daquele que ainda se mostram ali pendentes.
(iii) comunique a todos os recursos interpostos pelo arguido AA ainda pendentes, como sugerido no ponto 2 do douto despacho de 29.01.2024 – por ter ficado, assim, estabilizada a situação jurídico-processual deste arguido.

2
Não se conformando, o condenado interpôs recurso da decisão, concluindo pelo seguinte modo:

1- Vem o recorrente AA apresentar recurso ao despacho judicial de 02.02.2024 que determinou a emissão de mandados de detenção e de condução ao estabelecimento prisional para cumprimento de pena de prisão de 8 anos, concretizando-se nesse despacho que o trânsito em julgado ocorreu em 13.01.2020.
2- Refere o despacho recorrido no parágrafo em causa o seguinte:
(…) emita mandados de detenção e condução do condenado AA ao Estabelecimento Prisional competente para o cumprimento efetivo da pena de 8 (oito) anos de prisão a que foi condenado nestes autos, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.09.2019, transitado em julgado em 13.01.2020;

3- Sucede que, por despachos judiciais transitados em julgado proferidos em ...20 (referências ...95, ...02, ...07 [que se vão anexar] e de 11.09.2020, este último referência n.º ...09, assinados eletronicamente pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Relator Dr. Jorge Bispo, a quem o processo tinha sido legalmente distribuído no Tribunal da Relação de Guimarães (conforme se verifica pelos acórdãos de 30.09.2019 de 13.01.2020), naquele despacho, naquela data de 11.09.2020, consignou-se, para todos os devidos efeitos legais, o seguinte (transcrição parcial no que diz respeito ao arg. AA):

2. Em face do supra exposto quanto aos arguidos não recorrentes, aos arguidos que não reagiram ao acórdão proferido por esta Relação e aos arguidos que, tendo interposto recurso dele para o Supremo Tribunal de Justiça ou para o Tribunal Constitucional, viram tais recursos não serem admitidos, tendo sido julgadas improcedentes as subsequentes reclamações apresentadas contra o despacho de não admissibilidade, presentemente, apenas não se encontra definida a situação dos seguintes arguidos:
(…)
- (9) AA, uma vez que ainda estão pendentes as reclamações contra os despachos de não admissão dos recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, relativos ao acórdão desta Relação de 30-09-2029 (apenso A) e ao despacho que indeferiu o requerimento de declaração de prescrição do procedimento criminal relativamente aos crimes de falsificação de documento (apenso K), bem como está pendente o recurso interposto para o Tribunal Constitucional deste último despacho, ainda não admitido, o que será feito uma vez estabilizada a referida decisão de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. 2ª parte do despacho de 02-07-2020, com a ref.ª ...82);

4- Isto é, naquele despacho de 11.09.2020 (Assinado pelo mesmo relator Dr. Jorge Bispo dos acórdãos de 30.09.2019 e de 13.01.2020), nesse despacho de 11.09.2020 que transitou pacificamente em julgado ( o MP da Relação dele com ele concordava na promoção antecedente ao mesmo e dele não reclamou para a conferência), definiu-se que, quanto ao arguido AA a sua situação não se encontrava definida àquela data [11.09.2020], “bem como ainda está pendente um recurso interposto para o Tribunal Constitucional deste último despacho”.
5- Esse recurso para o Tribunal Constitucional foi, mais tarde, admitido com efeito suspensivo, instruído e deu origem aos autos de recurso n.º 459/2021 que, por acórdão n.º 171/2023 fixou como data do trânsito em julgado o dia 30 de Março de 2023.
6- Com a fixação da data do trânsito desse acórdão final do T.C. em 30.03.2023 é que transitou em julgado o processo 1420/11...., porém, como resulta dos autos, existem duas concretas situações a decorrer nos apensos ... e ... que são oriundas do ano de 2022 (Dezembro de 2022), motivo pelo qual, em relação àqueles Apensos, são tempestivos porque começaram a decorrer antes do dia 30.03.2023.
7- O despacho de 14.07.2021 proferido pelo Sr. Juiz Desembargador Dr. Pedro Cunha Lopes tem que se considerar inexistente e de nenhum efeito na ordem jurídica porque foi proferido sem que o processo tivesse ido à distribuição obrigatória nos termos definidos por imposição legal conforme artigo 217º n.º 1 do Código Processo Civil e porque aquele despacho, cumulativamente, contraria frontalmente o despacho de 11.09.2020 do Relator Primitivo do processo Dr. Jorge Bispo.
8- O acórdão de 20.03.2023 que mantém o despacho de 14.07.2021 é igualmente nulo e de nenhum efeito jurídico porque quem o Relatou, novamente, foi o Dr. Juiz Desembargador Pedro Cunha Lopes, que nunca foi nomeado Juiz Relator do processo porque nunca enviou, como lhe competia nos termos legais, o processo à segunda distribuição obrigatória.
9- E igualmente, não fosse o bastante, ainda produziu agora um novo despacho de 29.01.2024 onde comunica à 1ª Instância que indicando “deve, pois, aquela decisão de 20/3/23 ser executada, embora antes e por definição já fosse exequível” e ainda deixa sugestões à 1ª Instância, para que seja comunicada esta decisão agora transitada a todos os recursos “trânsito da decisão que declarou o trânsito condicional da decisão final deste tribunal da Relação”.
10- Isso não existe na ordem jurídica, o processo transita em julgado quando transitar em julgado o último recurso ao Tribunal Constitucional e esse trânsito em julgado fixou-se em 30.03.2023, o que deve ser declarado neste recurso pelo Tribunal da Relação, mais se declarando que o despacho de 14.07.2021, o acórdão de 20.03.2023 e decisão de 29.01.2024, ao terem sido proferidos pelo Juiz Desembargador Dr. Pedro Cunha Lopes, a quem o processo nunca foi legalmente distribuído, não têm efeitos jurídicos intra ou extraprocessuais por violação do artigo 217º n.º 1 do C.P.C., afrontar os despachos de 09.09.2020 e de 11.09.2020 e ainda o Ac. N.º 171/2023 do Tribunal Constitucional.
11- Ora, temos para nós, ressalvado o devido respeito por opinião diversa, que o despacho de 02.02.2024 mostra-se incompatível, face ao esgotamento do poder jurisdicional, por confronto com o despacho de 06.11.2023 porque até aos dias de hoje, se o recurso do Apenso ... não está resolvido (que não está!), o Tribunal de 1ª Instância não podia,  ao abrigo do princípio do esgotamento do poder jurisdicional no que a essa matéria diz respeito, sem que o ... esteja resolvido, decidir o inverso do que decidiu.
12- Nem mesmo com a decisão vinda do Tribunal da Relação datada de 29.01.2024.  pois que essa decisão vinda da Relação em 29.01.2024 refere-se apenas ao acórdão de 20.03.2023 e não em relação aos demais acórdãos, aos quais são deixadas sugestões.
13- Porém, aqui não é uma questão de sugestões, mas sim do artigo 625 n.ºs 1 e 2 do Código Processo Civil, “havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão [trânsito em julgado] cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.”
14- Fácil é de se concluir que, as decisões de 09.09.2020, assinadas pelo Relator sorteado no Tribunal da Relação (Dr. Jorge Bispo), esse sim Juiz natural porque nomeado como relator, declararam em 09.09.2020 que àquela data “Considerando que ainda se encontram pendentes as reclamações dos despachos de não admissão de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça (apenso A, ainda não devolvido do STJ, e K), bem como o recurso para o Tribunal Constitucional apresentados pelo ora recorrente [AA] razão pela qual em relação a ele ainda não transitou em julgado a decisão”  IMPONDO-SE A CONCLUSÃO DE QUE: todas as decisões judiciais de 14.07.2021, 20.03.2023, 29.01.2024 e o despacho recorrido de 02.02.2024 (1ª instância) são absolutamente ilegais e de nenhum efeito, porquanto, o despacho de 14.07.2021, o acórdão de 20.03.2023 e o despacho de 29.01.2024 tem como Juiz “Relator” o Dr. Pedro Cunha Lopes, nunca nomeado nem sorteado no processo em violação do princípio do juiz natural e da legal e obrigatória segunda distribuição nunca ocorrida, bem como porque essas decisões assinadas e relatadas pelo Dr. Juiz Pedro Cunha Lopes estão em contradição com as decisões de 09.09.2020 e de 11.09.2020 – que transitaram em julgado em primeiro lugar, nos termos do artigo 625º n.º 1 do C.P.C.
15- Conjugado tudo isso com o Acórdão n.º 171/2023 do T.C., que fixou a data do trânsito em julgado em 30.03.2023, e existindo recursos a correr, com efeito suspensivo, a decisões datadas de 2022 – o despacho de 02.02.2024 que ordena a prisão do arguido é ilegal, prematuro e precipitado.
16- Pelo que, corrigindo-se a data do trânsito em julgado, fixando-se 30.03.2023, consequentemente temos como tempestivos e legítimos os recursos a decorrer nos apensos ... (nulidade), BZ (aos mandados de detenção), ... (perdão papal) e A N (prescrições), admitidos e com efeito suspensivo decretado pelo Supremo Tribunal de Justiça no final do ano de 2023 – que confirmou por certidões à 1ª Instância esse efeito suspensivo.
17- Prevalece assim o despacho judicial de 06.11.2023 que decretou que os mandados continuem suspensos até estarem os recursos constantes do apenso ... – e que na presente data ainda não estão decididos.
18- Como tal, não estando decididos os recursos do Apenso  ..., o despacho de 02.02.2024 ao ter determinado a emissão de mandados de detenção, entretanto emitidos no mesmo dia 02.02.2024, tem que ser revogado e substituído por outro despacho que ordene o cancelamento dos mandados de detenção até estarem decididos os recursos do Apenso ... – conforme decretado no despacho judicial de 06.11.2023 nos presentes autos, pelo mesmo juiz de direito emissor do despacho de 02.02.2024, Dr. BB.
19- Corre um recurso, também, no Tribunal da Relação de Guimarães, Apenso BZ, sobre um recurso provido anteriormente que ordenou a subida do recurso em causa e esse recurso visa expressamente a continuidade da suspensão dos mandados de detenção até estarem decididos os recursos do Apenso ..., entretanto admitidos com efeito suspensivo também.
20- Temos para nós, ressalvado o devido respeito por opinião contrária que, o  despacho de 02.02.2024, ao determinar a emissão dos mandados “protegendo-se” na decisão vinda do Tribunal da Relação datada de 29.01.2024 (assinada pelo Sr. Juiz Desembargador Dr. Pedro Cunha Lopes), violou o despacho transitado em julgado datado de 06.11.2023 bem como sabendo-se que o Apenso BZ está a decidir a questão dos mandados de detenção – o Tribunal de 1ª Instância tem o seu poder jurisdicional esgotado porque essa matéria dos mandados de detenção está na alçada do Tribunal da Relação de Guimarães (podendo estar em causa, até, uma nulidade insanável)
21- Mas pelas razões ditas atrás, a decisão vinda da Relação de 29.01.2024, que reitera o acórdão de 20.03.2023 e esta, por sua vez, que remete para o despacho de 14.07.2021 não produzem quaisquer efeitos face ao teor do artigo 625º n.º 1 do C.P.C. , por mais que o Sr. Dr. Juiz Desembargador Pedro Cunha Lopes insista, é o que resulta da lei em vigor e a lei prevalece sobre as decisões posteriores àquelas que foram proferidas, sobre a mesma matéria,  efetuada pelo Dr. Jorge Bispo – esse sim o único Relator legalmente nomeado.
22- Ou seja, com a designação no despacho de 02.02.2024 de que o trânsito em julgado do AA é em 13.01.2020, viola-se frontalmente o artigo 625º n.º 1 do C.P.C., por referência às decisões judiciais de 09.09.2020 e de 11.09.2020, transitadas em julgado em primeiro lugar sobre o não trânsito em julgado, àquela data, até que fossem decididos os recursos do arguido AA.
23- Se é verdade que o Tribunal de 1ª Instância tem o dever de acatamento das decisões dos tribunais superiores, a verdade é que prevalece o artigo 625º n.º 1 do C.P.C., pois nenhuma decisão judicial pode valer mais do que uma norma legal, escrita e certa, na lei.  Cabe sempre ao juiz corrigir, fundamentadamente, o que verificar estar errado e que esse erro tenha consequências para o cidadão.
24- Foram violados os artigos 625º n.º 1 do Código Processo Civil e 408º n.º 3 do C.P.P. (efeito suspensivo), violou-se o despacho transitado em julgado de 06.11.2023 proferido em 1ª Instância que determinou, até que o Apenso ... estivesse resolvido, que os mandados continuariam suspensos – e ocorreu o esgotamento do poder jurisdicional do Juiz de 1ª Instância sobre os mandados de detenção até que o Tribunal da Relação decida o Apenso BZ, bem como até que o Apenso ... ... definitivamente resolvido.
25- Face a todo o exposto, deve o despacho de 02.02.2024 ser revogado e substituído por outro que, de acordo com as decisões judiciais datadas de 09.09.2020, de 11.09.2020 e do Ac. N.º 171/2023 do TC, considere que o trânsito em julgado terá ocorrido em 30.03.2023 e, em consequência disso, por força do artigo 625º n.º 1 do C.P.C. aplicável ex vi do artigo 4º do C.P.P., as decisões de 14.07.2021, de 20.03.2023 e de 29.01.2024, proferidas pelo Sr. Dr. Juiz Desembargador Pedro Cunha Lopes são nulas e de nenhum efeito jurídico; em consequência, face ao despacho de 06.11.2023 e ao recurso do Apenso BZ, bem como os recursos dos Apensos ... e ..., os mandados continuarão suspensos até decisões finais dos mesmos – tal como definido nos despachos de 06.11.2023 em 1ª Instância.
26- O Tribunal Superior, ainda assim, pode sempre revogar o despacho de 02.02.2024 com outros fundamentos diversos dos invocados no presente recurso, bem como, ao abrigo do princípio da oficiosidade e da legalidade, revogar a decisão ao abrigo de outros preceitos legais - o que se invoca.

TERMOS EM QUE, FACE ÀS MOTIVAÇÕES E CONCLUSÕES APRESENTADAS NO PRESENTE RECURSO EM QUE É RECORRENTE AA, DEVE O DESPACHO DE 02.02.2024 SER REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE, DE ACORDO COM O ARTIGO 625º N.º 1 DO C.P.C., FACE AOS DESPACHOS DE 09.09.2020 E DE 11.09.2020 ASSINADOS PELO SR. JUIZ DESEMBARGADOR RELATOR DR. JORGE BISPO (RELATOR DOS ACÓRDÃOS DE 30.09.2019 E DE 13.01.2020 (BEM COMO FACE À ADMISSÃO DO RECURSO AO T.C. QUE DEU ORIGEM AOS AUTOS DE RECURSO N.º 459/2021 DO T.C. E, POR FIM AO ACÓRDÃO N.º 171/2023 DESTES AUTOS PROCESSUAIS QUE FIXOU O TRÂNSITO EM 30.03.2023 – O TRÂNSITO EM JULGADO DO PROCESSO 1420/11.0T3AVR QUANTO AO ARGUIDO AA SERÁ SEMPRE POR REFERÊNCIA ...0.03.2023 – O QUE SE INVOCA, ATÉ PORQUE O TRÂNSITO EM JULGADO DOS CO-ARGUIDOS CC E DD, QUE NÃO TINHAM AS PRESCRIÇÕES DAS FALSIFICAÇÕES OCORREU QUANTO ÀQUELES EM 06.07.2020 – NUNCA PODENDO QUANTO AO AA TRANSITAR ANTES DAQUELES; CONSEQUENTEMENTE SÃO NULOS E DE NENHUM EFEITO JURÍDICO AS DECISÕES DE 14.07.2021, DE 20.03.2023 E DE 29.01.2024 DA AUTORIA DO SR. JUIZ DESEMBARGADOR DR. PEDRO CUNHA LOPES PORQUANTO SOBRE ESSA QUESTÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO JÁ EXISTIAM AS DECISÕES ANTERIORES DE 09.09.2020 E DE 11.09.2020 QUE PASSARAM EM JULGADO EM PRIMEIRO LUGAR “em relação a ele ainda não transitou em julgado a decisão” (N.º 1 DO ARTIGO 625º DO C.P.C) E TAMBÉM PORQUE AO SR. JUIZ DESEMBARGADOR PEDRO CUNHA LOPES NUNCA LHE FOI LEGALMENTE DISTRIBUIDO O PROCESSO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO APÓS A SAÍDA DO RELATOR PRIMITIDO DR. JORGE BISPO – TAL COMO OBRIGA O ARTIGO 217º N.º 1 DO C.P.C. – TAMBÉM POR AQUI AS DECISÕES PADECEM DE VICIO POR VIOLAÇÃO DO JUIZ NATURAL; NA SEQUENCIA DE TUDO ISTO, O DESPACHO DE 02.02.2024, ALICERÇADO NA COMUNICAÇÃO DE 29.01.2024 TEM QUE SER REVOGADO E, EM CONSEQUÊNCIA, OS MANDADOS SEREM ANULADOS, TAL COMO ESTAVAM ANTERIORMENTE, UMA VEZ QUE ESTÃO PENDENTES DOIS RECURSOS COM EFEITO SUSPENSIVO E PREVALECE O DESPACHO DE 06.11.2023 TRANSITADO EM JULGADO QUE DECIDIU, SOBRE OS MANDADOS, ESTAREM SUSPENSOS ATÉ ESTAREM DECIDIDOS OS RECURSOS NO APENSO ... , SEMP PREJUÍZO DO RECURSO QUE CORRE NO APENSO BZ, EM PARALELO, QUE DECIDE O PROLONGAMENTO DA SUSPENSÃO DOS MANDADOS POR REFERÊNCIA, TAMBÉM, AO APENSO ...
DECIDINDO-SE ASSIM FARÃO V. EXAS INTEIRA JUSTIÇA.

3
O Ministério Público respondeu ao recurso, propondo a sua improcedência, concluindo pelo seguinte modo:

1.º Pretende a recorrente a impugnação do douto Despacho proferido a 02.02.2024, sob a referência ...08 por via do qual se determinou a emissão de mandados de detenção e condução do arguido AA ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena de prisão a que foi condenado.
2.º Entende o recorrente que o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.09.2019 ainda não transitou em julgado malgrado o invocado pelo douto Despacho de 29.01.2024, do Mmo. Juiz Relator, por via do qual indicou que tal acórdão transitou em julgado em 13.01.2020.
3.º O Tribunal da Relação de Guimarães é hierarquicamente superior ao presente Tribunal, pelo que àquele este último deve estrita obediência ao por si determinado.
4.º Tendo sido indicado que o douto Acórdão transitou em julgado, por referência ao arguido ora recorrente em 13.01.2020, cumpre, pois, executar a pena de prisão imposta ao mesmo, pelo que nenhum juízo de censura merece aquele douto Despacho recorrido, pelo que deve julgar-se improcedente o recurso interposto.
5.º Porém, V. Exas. decidindo farão, pois, e como sempre, a tão acostumada JUSTIÇA

4
Recebidos os autos neste Tribunal, o Ministério Público emitiu parecer, propondo a procedência do recurso.

5
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, foi apresentada resposta.

6
Foi proferida decisão sumária que rejeitou o recurso apresentado, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.

7
Notificado da decisão, o recorrente reclamou para a conferência, nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal.

8
O Ministério Público respondeu, propondo que a decisão seja “ (…) revertida e substituída por outra que admita e determine o conhecimento do recurso apresentado por AA.”

9
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

II
FUNDAMENTAÇÃO

Factos assentes (resultantes destes autos e da consulta do processo principal e apensos referidos):

1
No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 1420/11...., do Juízo Central Cível e Criminal de ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., foi submetido a julgamento [conjuntamente com outros]:
AA, casado, instrutor, filho de EE e de FF, natural da freguesia e concelho ..., nascido a ../../1965, residente na Rua ..., ..., ... ....

2
Em 13/12/2017 foi proferida o respetivo acórdão, em cujo âmbito tal arguido foi condenado pelos crimes, nas penas e nas perdas a favor do Estado seguintes:
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de 112 crimes de corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 373º, nº 1, do Código Penal (por consequência da convolação da prática, em execução continuada, de um crime para concurso de crimes), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão por cada um deles;
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de 103 crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, nº 1, als. c) e d), por referência ao art.º 255º, al. a), ambos do Código Penal (por consequência da convolação da prática, em execução continuada, de um crime para concurso de crimes), na pena de 6 meses de prisão por cada um deles;
- Pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, n.º 1, als. c) e d), e n.º 2, por referência aos art.ºs. 2º, nº 1, als. p) e q); 3º, n.º 3 (categ. B) e n.º 5, al. e) (categ. C); e art.º 2º, nº 3, al. p), todos da Lei n.º 5/2006, na redação dada pela Lei n.º 12/2011, de 27/0, na pena de 1 ano de prisão;
- Em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão;
- Tendo sido declarada a perda do valor incongruente apurado no montante de € 272.956,63, ao abrigo do disposto nos art.ºs. 7º e ss. da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro;
- E ainda a perda dos valores, veículos e demais objetos apreendidos, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs. 109º e 111º do Código Penal.

3
Inconformado com tal condenação, dela interpôs recurso para este TRG AA (para além de outros), visando, em síntese, a revogação da decisão em causa, e a sua substituição por outra que o absolvesse da prática dos crimes pelos quais foi condenado ou, caso assim se não entendesse, que lhe fosse aplicada pena de prisão não superior a 5 anos, suspendendo-se a mesma na sua execução.

4
Pelo acórdão deste TRG de 30/09/2019, tal recurso foi julgado parcialmente procedente e, em consequência, foi AA, absolvido da prática de seis crimes que lhe eram imputados, tendo-lhe sido aplicada a pena única de 8 (oito) anos de prisão.

5
Entretanto, no âmbito do Proc. nº 1420/11.0T3AVR.G1, em 20/03/2023 este TRG proferiu acórdão, em cujo dispositivo [rectificado pelo despacho de 21/03/2023, no que à data do trânsito em julgado do acórdão final condenatório diz respeito], se consignou o seguinte: (transcrição):

“Termos em que, se decide
Decisão
a) Determinar a exequibilidade imediata do despacho de 14 de Julho de 2021 quanto ao arguido AA, equivalente ao trânsito em julgado condicional daquela decisão para execução do citado despacho, por forma a que o arguido cumpra, de imediato e independentemente de qualquer eventual novo requerimento, a pena de prisão em que foi condenado, por Acórdão final condenatório transitado em 27 de Janeiro de 2020 e também para contagem e pagamento pelo arguido das custas, multas e indemnizações devidas pelo arguido, pagamento que quando efetuado deve ser comunicado a esta instância, só então decidindo este Tribunal os três requerimentos do arguido, que ainda se mostram pendentes.
b) Determinar a extração de certidão que contenha o Acórdão final proferido, o Acórdão que desatendeu nulidades arguidas, o despacho de 14/7, este despacho e ainda os três aludidos requerimentos deste arguido, que se mantêm pendentes e que ficará neste Tribunal da Relação.
c) Determinar que se declare o trânsito em julgado condicional do despacho de 14/7, por esta decisão de exequibilidade imediata lhe ser equiparável.
d) Comunique aos Recursos que se mantêm pendentes e que resultaram de decisões proferidas em 1ª instância – enquanto o processo estava neste Tribunal da Relação.
e) Notifique e remeta de imediato à 1ª instância, para os aludidos fins.
(…)”.

6
Deste acórdão foi apresentado de recurso pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça.

7
Tal recurso não foi admitido e na sequência de reclamação para aquele Alto Tribunal, por decisão do seu Vice-Presidente, de 24/05/2023, foi indeferida tal reclamação.

8
Esta decisão deu origem à interposição pelo arguido de recurso para o Tribunal Constitucional que, conhecendo-o, proferiu o acórdão 830/2023 na sequência do qual não tomou conhecimento do mesmo.

9
Nos autos com o n.º 1420/11...., traslado ordenado nos termos do artigo 670.º do Código de Processo Civil, em 29/01/2024, foi proferido o seguinte despacho:

1 - Efetivamente, mostra-se definitivamente transitado, o Acórdão deste Tribunal de 20/3/23, que declarou o trânsito condicional do Acórdão proferido nos autos e o cumprimento pelo arguido GG da pena única de prisão, em que foi condenado.
Informe assim a 1ª instância, com urgência, com certidão integral do Apenso de Reclamação para o S.T.J. e posterior recurso para o T.C., da douta promoção que antecede e deste despacho.
Deve pois, aquela decisão de 20/3/23 ser executada, embora antes e por definição já fosse exequível.
2  – Sugere-se que, em 1ª instância, seja comunicada esta decisão agora transitada a todos os recursos ainda eventualmente pendentes – trânsito da decisão que declarou o trânsito condicional da decisão final deste Tribunal da Relação.
3 – Arquive condicionalmente, por apenso ao Traslado pendente neste Tribunal.

10
Em cumprimento desta decisão, foi proferido o despacho objeto do presente recurso, acima transcrito em 1.

11
O recurso foi admitido por decisão de 15/02/2024, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
*
*
 O direito.

Passemos à análise do caso sub judice.

Vejamos o que diz o Código de Processo Penal:

Artigo 417.º
Exame preliminar
1 - Colhido o visto do Ministério Público o processo é concluso ao relator para exame preliminar.
2 - Se, na vista a que se refere o artigo anterior, o Ministério Público não se limitar a apor o seu visto, o arguido e os demais sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso são notificados para, querendo, responder no prazo de 10 dias.

(…)

6 - Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que:
a) Alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso;
b) O recurso dever ser rejeitado;
c) Existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso; ou
d) A questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado.
(…).

Efetivamente, entende-se que o recurso deve ser rejeitado, uma vez que a decisão não é recorrível, mas antes impugnável nos termos do artigo 222.º do Código de Processo Penal.

A detenção fora de flagrante delito (que está aqui em causa) de um cidadão pode ser ordenada para a sua apresentação a julgamento sob a forma sumária, ou para ser presente ao juiz competente para aplicação de medida de coação, ou para execução da prisão preventiva, ou ainda para assegurar a presença do detido perante autoridade judiciária em ato processual, nos termos do artigo 254.º do Código de Processo Penal. Pode ainda essa detenção ser ordenada para execução da pena de prisão, que será acompanhada dos mandados a que se refere o artigo 478.º do Código de Processo Penal.

Os mandados de detenção obedecem à seguinte regulamentação:

Artigo 258.º
Mandados de detenção
1 - Os mandados de detenção são passados em triplicado e contêm, sob pena de nulidade:
a) A data da emissão e a assinatura da autoridade judiciária ou de polícia criminal competentes;
b) A identificação da pessoa a deter; e
c) A indicação do facto que motivou a detenção e das circunstâncias que legalmente a fundamentam.
2 - Em caso de urgência e de perigo na demora é admissível a requisição da detenção por qualquer meio de telecomunicação, seguindo-se-lhe imediatamente confirmação por mandado, nos termos do número anterior.
3 - Ao detido é exibido o mandado de detenção e entregue uma das cópias. No caso do número anterior, é-lhe exibida a ordem de detenção donde conste a requisição, a indicação da autoridade judiciária ou de polícia criminal que a fez e os demais requisitos referidos no n.º 1 e entregue a respectiva cópia.
*
Artigo 259.º
Dever de comunicação
Sempre que qualquer entidade policial proceder a uma detenção, comunica-a de imediato:
a) Ao juiz do qual dimanar o mandado de detenção, se esta tiver a finalidade referida na alínea b) do artigo 254.º;
b) Ao Ministério Público, nos casos restantes.
*
Artigo 260.º
Condições gerais de efectivação
É correspondentemente aplicável à detenção o disposto nos n.os 2 do artigo 192.º e 9 do artigo 194.º.
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Artigo 261.º
Libertação imediata do detido
1 - Qualquer entidade que tiver ordenado a detenção ou a quem o detido for presente, nos termos do presente capítulo, procede à sua imediata libertação logo que se tornar manifesto que a detenção foi efectuada por erro sobre a pessoa ou fora dos casos em que era legalmente admissível ou que a medida se tornou desnecessária.
2 - Tratando-se de entidade que não seja autoridade judiciária, faz relatório sumário da ocorrência e transmite-o de imediato ao Ministério Público; se for autoridade judiciária, a libertação é precedida de despacho.
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Verifica-se, com clareza, a partir da leitura do n.º 3 do artigo 258.º do Código de Processo Penal, acima transcrito, que, no ato da detenção, ao detido é exibido o mandado de detenção, e entregue uma das cópias.

Ou seja, como aliás é natural, o despacho que ordena a detenção e o mandado que, na sua sequência, é passado, não são notificados previamente ao visado, sob pena de verificação de risco de completa frustração da diligência ordenada.

A detenção fora de flagrante delito é uma medida processual grave, é certo, de último recurso, é evidente, previsto para situações muito concretas, como já se disse, mas, por isso mesmo, de operacionalização sigilosa, sob pena de se poder revelar como uma potencial inutilidade. Só após a efetivação da detenção poderá haver, ou não, reação do detido.

Repare-se que mesmo que um cidadão condenado pretenda apresentar-se voluntariamente num Estabelecimento Prisional para cumprir a pena em que foi condenado, carecerá para tal do mandado previsto no artigo 478.º do Código de Processo Penal:

Artigo 478.º
Entrada no estabelecimento prisional
Os condenados em pena de prisão dão entrada no estabelecimento prisional por mandado do juiz competente.

Efetivamente, decorre da lei ao caso aplicável que:

CEPMPL (Lei n.º 115/2009, de 12/10).
Artigo 17.º
Ingresso
O ingresso de recluso em estabelecimento prisional só pode ter lugar nos seguintes casos:
a) Mandado do tribunal que determine a execução da pena ou medida privativa da liberdade;
b) Mandado de detenção;
c) Captura, em caso de evasão ou ausência não autorizada;
d) Apresentação voluntária, que é sujeita a confirmação junto do tribunal competente;
e) Decisão da autoridade competente no âmbito da cooperação judiciária internacional em matéria penal;
f) Transferência;
g) Em trânsito entre estabelecimentos prisionais.

Ou seja, um diretor de uma prisão apenas pode permitir a entrada de uma pessoa num estabelecimento prisional com o estatuto de recluso se tiver sido emitido mandado jurisdicional para esse fim, para além das outras circunstâncias referidas na lei, que não interessam agora. A diferença no caso de apresentação voluntária é a desnecessidade do mandado de detenção; mas o mandado de entrada para cumprimento de pena e identificação desta é, como se viu, legalmente imprescindível. Percute-se, contudo, que este mandado não envolve, por si só a detenção do visado – trata-se de um pressuposto de carater meramente burocrático ou administrativo imprescindível à execução da pena e a atribuição do estatuto jurídico de recluso a determinada pessoa. A detenção coeva apenas se torna necessária se o condenado se não dispõe a cumprir voluntariamente a pena em que foi condenado.

E resulta ainda claro do regime legal que se vem referindo que caso a detenção seja ordenada para condução ao estabelecimento prisional para cumprimento de pena cuja decisão transitou em julgado, não há necessidade de audição do detido por um juiz, sendo o visado entregue diretamente aos serviços prisionais.

A reação à detenção ou prisão indevidas deve ser efetuada através do procedimento do habeas corpus, e não através de recurso.

Na verdade, prevê-se no Código de Processo Penal o seguinte:

Artigo 220.º
Habeas corpus em virtude de detenção ilegal
1 - Os detidos à ordem de qualquer autoridade podem requerer ao juiz de instrução da área onde se encontrarem que ordene a sua imediata apresentação judicial, com algum dos seguintes fundamentos:
a) Estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial;
b) Manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos;
c) Ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
d) Ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei a não permite.
2 - O requerimento pode ser subscrito pelo detido ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.
3 - É punível com a pena prevista no artigo 382.º do Código Penal qualquer autoridade que levantar obstáculo ilegítimo à apresentação do requerimento referido nos números anteriores ou à sua remessa ao juiz competente.
*
Artigo 222.º
Habeas corpus em virtude de prisão ilegal
1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.
2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

E, precisamente, tal como ensina o Conselheiro Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pag. 909, “a prisão por facto pelo qual a lei não permite abrange uma multiplicidade de situações, nomeadamente (…) a falta de trânsito em julgado da decisão condenatória (…)”.

Ou seja, tal como claramente explica este insigne magistrado, a inexistência de trânsito em julgado da decisão condenatória, questão fundamental no presente recurso, é fundamento daquele procedimento e não objeto de recurso.

E facilmente se compreende que assim seja, uma vez que a prisão ilegal é algo de tal modo grave que só o particularmente expedito procedimento de habeas corpus lhe pode responder com um mínimo de eficácia e humanidade.

Repare-se que, caso os mandados de detenção e condução já tivessem sido cumpridos, como, aliás, seria expectável, atento o efeito devolutivo fixado ao presente recurso, seria insuportável jurídica e eticamente o decurso dos prazos de recurso para avaliação da situação – assim, caso o ora recorrente tivesse razão em relação à inexistência de condições para cumprimento da pena, só o habeas corpus seria adequado a tutelar devidamente a sua pretensão.

É claro que as decisões proferidas no processo que determinam o cumprimento da prisão também poderão ser discutidas em recurso, mas isso é matéria diferente de discutir em recurso a emissão de mandados de detenção e de cumprimento de pena, quase como que num habeas corpus preventivo, cuja admissibilidade também é recusada pelo Supremo Tribunal de Justiça - cfr- Conselheiro Pereira Madeira, ob. cit., pag. 908. Estas decisões têm caráter meramente ordenador do processo e dependem e outras a que dão apenas execução. A decisão que condena em prisão é o Acórdão desta Relação de 30/09/2019, cuja data de trânsito em julgado está fixada em 27/01/2020 por decisão igualmente transitada em julgado. Assim, a ordem de detenção para condução do EP e de emissão de mandados para cumprimento da pena fixada são meras decorrências de caráter administrativo daquela decisão fundamental.

De qualquer modo, diga-se, e para além disto, que, ainda que o recurso fosse admissível, nunca neste se poderia satisfazer as pretensões do recorrente de fixar uma data de trânsito em julgado diferente da que consta do acórdão de 20/03/2023, transitado em julgado, proferido no processo principal, acima referido em 5, que determinou a exequibilidade imediata do despacho de 14 de Julho de 2021 quanto ao arguido AA, equivalente ao trânsito em julgado condicional daquela decisão para execução do citado despacho, por forma a que o arguido cumpra, de imediato e independentemente de qualquer eventual novo requerimento, a pena de prisão em que foi condenado, por Acórdão final condenatório transitado em 27 de Janeiro de 2020. Assim, qualquer decisão em sentido contrário a esta equivaleria, evidentemente, a violar o caso julgado sobre o trânsito em julgado, decidido, além do mais, por acórdão também definitivamente transitado em julgado. Refira-se, ainda, que, igualmente, nunca se poderia neste recurso apreciar as questões invocadas pelo recorrente em relação à distribuição dos autos e suas vicissitudes, uma vez que essa matéria tem de ser suscitada e resolvida no concreto processo em que surge, e não em qualquer outro apenso.

Aliás, deve recordar-se que a decisão da primeira instância de que aqui se recorre constitui o cumprimento do dever de obediência a uma decisão expressa de um tribunal superior, tal como resulta do despacho de 29/01/2024, proferido no traslado (apenso AE), acima transcrito em 9. Como poderia agora o mesmo tribunal, e um magistrado da mesma categoria hierárquica, alterar essa decisão, mandando suspender uma ordem de, pelo menos, igual valia hierárquica? Tal ordem deverá ser cumprida, naturalmente, podendo, como é igualmente óbvio, o ora recorrente a ela reagir pelos adequados meios já enunciados, mas não através do presente recurso.

É certo que o Ministério Público propõe a procedência do recurso em relação à tempestividade de emissão dos mandados de detenção, por entender que a situação jurídica do ora recorrente se não mostra totalmente esclarecida e definida, designadamente pela pendência dos apensos ... e ..., cujos recursos foram admitidos com efeito suspensivo, e por se encontrar ainda por decidir o recurso pendente nesta Relação nos autos com o n.º 1420/11.....

É ainda certo que nos autos com o n.º 1420/11.... 05/03/2024, foi concedido provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e revogado o despacho impugnado, datado de 24/03/2023, no segmento em que ordenou a emissão dos competentes mandados de detenção e condução do mesmo arguido junto do competente EP, para cumprimento da pena de prisão em que foi condenado nos autos, e foi determinado que os mesmos fiquem suspensos até que se mostrem definitivamente decididos os recursos atinentes aos identificados Apensos ... e ....

Todavia, e ainda que se entendesse que o recurso aqui em causa é admissível, é preciso atentar a que:

- em primeiro lugar, o despacho objeto do recurso do apenso n.º 1420/11.... foi proferido em de 24/03/2023, ou seja, num contexto processual diferente do que ora se aprecia, designadamente por ainda não estar definitivamente resolvido o dissídio sobre o trânsito em julgado do acórdão proferido no processo principal em 30/09/2019, sendo certo que se encontra agora definitivamente assente que esse marco processual teve lugar em 27/01/2020;
- em segundo lugar, a situação processual do ora recorrente está, agora, portanto, definida, sem prejuízo de poder vir a ser alterada, como qualquer outra, nos termos da lei processual penal (v.g., recurso de revisão, procedência de questão posteriormente suscitada, alteração legislativa, como um perdão legal); sobre a afirmação e enquadramento do trânsito em julgado condicional, ou sob condição resolutiva, veja-se o esclarecedor Acórdão do STJ de 05/06/2012, relatado pelo Exmo. Conselheiro Raúl Borges, disponível em www.dgsi.pt, a propósito do recurso para fixação de jurisprudência;
- o efeito suspensivo fixado aos recursos interpostos nos apensos ... e ... é restrito às decisões a eles respeitantes, ou seja, as decisões que têm os seus efeitos suspensos são os despachos que decidiram as questões ali invocadas (prescrição e nulidade) e que estão ali a ser debatidas, e não a decisão final proferida no processo principal em 30/09/2019, transitada em julgado em 27/01/2020, tal como está definitivamente decidido, como já se explicou, a qual até poderá ser afetada por decisões futuras, como qualquer outra, como acima se referiu, mas que é em si mesma, agora, imodificável.

Em conclusão, a questão do trânsito em julgado está decidida, as questões relativas à distribuição não podem aqui ser apreciadas, e a decisão recorrida consiste no mero cumprimento de uma ordem de um tribunal superior por parte de um tribunal de primeira instância, sendo certo que tal decisão não é recorrível, podendo a sua concreta execução ser impugnada nos termos acima expostos, designadamente através do procedimento do habeas corpus.
*

Na sua reclamação, o recorrente invoca como fundamento de reversão da decisão sumária o facto de existir nos autos decisão do Venerando Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães a considerar que a decisão é recorrível, e por haver três acórdãos deste Tribunal da Relação a afirmar o mesmo.

Ora, o artigo 405.º, n.º 4, parte final do Código de Processo Penal dispõe expressamente que a decisão em causa não vincula o tribunal de recurso, e, por outro lado, os tribunais podem decidir livremente, apenas estando vinculados à lei e à Jurisprudência obrigatória, de que podem divergir fundamentadamente, aliás, não assumindo as aludidas decisões esse caráter, não obstante o muito e merecido respeito que lhes tributamos. Repare-se que decidir de modo diferente em relação às decisões citadas na reclamação não configura qualquer invalidade, apenas inculcando divergências jurisprudenciais – isto, ao contrário do que se diz na reclamação, nada tem de estranho, sendo até muito vulgar, e, quando relevante, pode ser dirimido por recurso de fixação e jurisprudência.

Refere-se também na reclamação que a situação dos autos nada tem que ver com a detenção fora de flagrante delito, uma vez que os mandados em causa são de mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão. Ora, a detenção tem uma regulamentação unitária, tendo sido citadas as normas a esse respeito existentes, não se conhecendo normas com a nomenclatura citada na reclamação – é verdade que prática jurisprudencial usa designações expressivas ou explicativas, por assim dizer, como mandados de condução, de soltura, de ligamento/desligamento, sendo certo que essa terminologia não tem assento legal. Assim, a decisão ora reclamada trabalhou com base nas aqui pertinentes normas existentes no Código de Processo Penal a respeito de detenção e de cumprimento de pena de prisão –aliás, salvo erro de interpretação da nossa parte, que é sempre possível, o reclamante não indica normas jurídicas diferentes das citadas na decisão reclamada para fundar uma ordem jurisdicional de detenção.

Quanto ao trânsito em julgado do acórdão final proferido no processo principal, e independentemente do que o reclamante afirma a este respeito em relação à decisão recorrida, duas observações se impõem: sendo a decisão irrecorrível, como entendemos que é, não pode a decisão sequer debruçar-se sobre a matéria, não obstante poder referir hipoteticamente a solução a adotar, caso o recurso fosse admissível; além disso, como se disse, a questão do trânsito em julgado está definitivamente assente, pelo que, contrariar essa decisão, caso o presente recurso fosse admissível, constituiria, sem qualquer dúvida, contrariar uma decisão anterior transitada em julgado – precisamente a decisão colegial (acórdão) desta Relação que decidiu o litígio sobre a data em que essa fundamental vicissitude processual teve lugar.

Assim, deve recordar-se, em primeiro lugar, que a decisão recorrida foi proferida no estrito cumprimento do dever de obediência de um tribunal de primeira instância a um Tribunal da Relação, sendo certo que assim não fosse, desde logo, ocorreria infração dos deveres de respeito hierárquico entre tribunais.

Por outro lado, deve ter-se presente que, sendo a ordem de detenção sempre executada de modo sigiloso, não deve ser notificada previamente, mas apenas depois de cumprida, como acima se explicou, pelo que a sua recorribilidade não pode ficar dependente de um acidental conhecimento da sua existência por parte do visado – na verdade, se entendermos que tal ordem é recorrível, então teremos de afirmar, coerentemente, e em todos os casos, que deve ser sempre previamente notificável, uma vez que o exercício desse direito não poderá ficar dependente da sua cognoscibilidade, ainda que acidental. Por outro lado, depois de executada tal ordem, será sempre o habeas corpus, e não o recurso que melhor proverá as garantias de defesa do detido, atenta a reduzida duração dos respetivos prazos legais. Além disso, devemos ainda relembrar que outras detenções levadas a cabo nos termos do Código de Processo Penal, por entidades diferentes, também não são recorríveis – na verdade, não se recorre de uma ordem e detenção em flagrante delito, ou da detenção ordenada pelo Ministério Público nos termos do artigo 257.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Penal, mas interpõe-se, se se entender que a detenção é ilegal, de imediato, um procedimento de habeas corpus perante o juiz de instrução criminal competente, sendo a decisão proferida, essa sim, recorrível.

Estes mandados de detenção e de entrada no estabelecimento prisional (artigo 478.º do Código de Processo Penal) são, portanto, atos ordenadores do processo, que dão cumprimento a decisões existentes nos autos.
*

Sobre a rejeição do recurso, dispõe o Código de Processo Penal:

Artigo 420.º
Rejeição do recurso
1 - O recurso é rejeitado sempre que:
a) For manifesta a sua improcedência;
b) Se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º; ou
c) O recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417.º
2 - Em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão.
3 - Se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente, se não for o Ministério Público, ao pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC.
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Artigo 414.º
Admissão do recurso
1 - Interposto o recurso e junta a motivação ou expirado o prazo para o efeito, o juiz profere despacho e, em caso de admissão, fixa o seu efeito e regime de subida.
2 - O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não reunir as condições necessárias para recorrer, quando faltar a motivação ou, faltando as conclusões, quando o recorrente não as apresente em 10 dias após ser convidado a fazê-lo.
3 - A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior.
4 - Se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão.
5 - Havendo arguidos presos, deve mencionar-se tal circunstância, com indicação da data da privação da liberdade e do estabelecimento prisional onde se encontrem.
6 - Subindo o recurso em separado, o juiz deve averiguar se o mesmo se mostra instruído com todos os elementos necessários à boa decisão da causa, determinando, se for caso disso, a extracção e junção de certidão das pertinentes peças processuais.
7 - Se o recurso subir nos próprios autos e houver arguidos privados da liberdade, o tribunal, antes da remessa do processo para o tribunal superior, ordena a extracção de certidão das peças processuais necessárias ao seu reexame.
8 - Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto.

Assim, tendo em conta que o mandado de detenção fora de flagrante delito e o mandado de cumprimento de pena, não são decisões recorríveis, rejeita-se o recurso apresentado, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.

III DISPOSITIVO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em indeferir a reclamação para a conferência apresentada pelo recorrente, assim confirmando a decisão sumária de rejeitar o recurso apresentado por AA, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UCs – art.º 420.º, n.º 3, Código de Processo Penal.
Guimarães, 23 de Abril de 2024

Os Juízes Desembargadores

Bráulio Martins
Armando Azevedo
Isabel Gaio Ferreira de Castro