Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | JOSÉ AMARAL | ||
| Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE RENDIMENTO DISPONÍVEL INSOLVÊNCIA DE UM CASAL | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 03/07/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário (do relator) 1. A decisão que, no incidente de exoneração do pedido restante formulado pelos dois membros de um casal de insolventes, em que a cônjuge mulher não aufere qualquer rendimento, ao fixar o chamado rendimento indisponível menciona que, “quanto ao montante relativo às exclusões” previstas no artº 239º, nº 3, alínea b), do CIRE, ele “deve fixar-se num salário mínimo nacional para cada um dos insolventes” e acrescenta que considera um salário para cada cônjuge como o valor “limite” que “assegura a subsistência com o mínimo de dignidade, relativamente a cada um dos insolventes”, tem um sentido duvidoso: apenas pode reter o marido, do seu próprio rendimento, um salário mínimo, para si, ou para ambos? Ou pode e deve reter dele os dois salários mínimos, julgados necessários para o casal? 2. Por isso, pode e deve ser interpretada. 3. Em vista do caso concreto e atentos os critérios preconizados na Jurisprudência para tal, deve prevalecer e fixar-se o sentido de que o valor do rendimento a excluir da cessão é o correspondente a dois salários mínimos pelo casal, imputando-o no rendimento global de ambos os insolventes, e não um salário mínimo por cada um deles a reter do respectivo rendimento individual. 4. A não se entender duvidosa mas errada a decisão, sempre a solução correcta imporia que, apresentando-se os dois cônjuges aos credores e sendo ambos declarados insolventes, na fixação do valor a excluir pelo marido que aufere rendimentos não pode ignorar-se a situação da esposa que nenhuns recebe mas em relação à qual deve também prover-se quanto ao seu sustento minimamente digno, seja pelos rendimentos comuns quando não os tiver próprios, seja pelos do outro, no quadro da regra especial do artº 239º, nº 3, do CIRE, ou no das que regulam as relações familiares, de que são exemplo as dos artºs 1672º, 1675º, 1676º e 1874º a 1880º, do CC. 5. Por isso, no caso, o cônjuge marido poderia e deveria excluir o que foi julgado necessário para si (um salário mínimo nacional) e também o que foi julgado necessário para a esposa (um salário mínimo nacional), isto é, dois salários, não só porque sejam comuns tais rendimentos mas também, mesmo sendo próprios, enquanto membro do seu agregado familiar pelo qual é responsável (desde logo, em razão da relação conjugal). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Em processo especial instaurado no dia 28-02-2018, no Tribunal de Comércio de Guimarães, Alberto (…) e seu cônjuge Elvira (…) pediram que fossem declarados insolventes, bem como a concessão a ambos do benefício da exoneração do passivo restante, com os devidos efeitos. Alegaram factos pessoais e materiais relativos a tal situação, nomeadamente ao casamento, composição do agregado familiar, dívidas, rendimentos, património, situação laboral, aposentação e pensão, necessidades, ajudas, despesas. Oferecerem, como meios de prova, uma testemunha que arrolaram e documentos que juntaram. Foi declarada a insolvência do casal por sentença de 08-03-2018. Realizou-se a assembleia de apreciação do relatório apresentado pelo administrador e o Mº Pº teve vista dos autos. Ordenaram-se diligências instrutórias em resultado das quais foram juntos diversos documentos e informações relativas às alegadas condições dos insolventes. Por sentença de 07-09-2018, foi concedida a “exoneração do passivo restante apresentado pelos devedores”, determinando-se a cessão ao Fiduciário, durante o período de cinco anos, do “rendimento disponível” [1] “com exclusão do elencado no nº 3 do artº 239º”, quanto a isto se tendo feito constar: “Das exclusões a que alude o artigo 239.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas A exclusão, do rendimento disponível do insolvente, que, na exoneração do passivo restante, se considera cedida ao fiduciário, é delimitada no seu limite mínimo, pelo que for razoavelmente necessário ao sustento minimamente condigno do devedor e do seu agregado, e, no seu limite máximo, não absoluto, pelo valor equivalente a três retribuições mínimas garantidas; o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado é um simples princípio regulativo ou critério essencial de decisão, cujo preenchimento exige uma valoração casuística, em que relevam, entre outros critérios, a situação económica do devedor, a dimensão e composição do seu agregado familiar e o seu nível de rendimento e de despesa. Assim, para efeitos de determinação do montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, foram demonstrados rendimentos e despesas que decorrem dos seus requerimentos cujas refs. São 7502316 e 7298891. Considerando tais factos, entendemos que o montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, deve fixar-se num salário mínimo nacional para cada um dos insolventes, que se considera ser o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade, relativamente a cada um dos insolventes. Excluem-se da exoneração os créditos previstos no artigo 245.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. “ Na sequência de recurso interposto por ambos os insolventes versando o rendimento indisponível, foi por este Tribunal declarada nula a citada decisão recorrida por falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto. Tendo os autos voltado à 1ª Instância, aí foi proferido, com data de 11-12-2018, novo despacho – que é o ora recorrido – com o seguinte teor: “Como decorre do processado a parte do despacho que foi objecto de recurso e sobre a qual recai a decisão do TRG respeita àquela que fixou o rendimento disponível dos insolventes. Assim atenta-se para o disposto no artigo 239.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas A exclusão, do rendimento disponível do insolvente, que, na exoneração do passivo restante, se considera cedida ao fiduciário, é delimitada no seu limite mínimo, pelo que for razoavelmente necessário ao sustento minimamente condigno do devedor e do seu agregado, e, no seu limite máximo, não absoluto, pelo valor equivalente a três retribuições mínimas garantidas; o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado é um simples princípio regulativo ou critério essencial de decisão, cujo preenchimento exige uma valoração casuística, em que relevam, entre outros critérios, a situação económica do devedor, a dimensão e composição do seu agregado familiar e o seu nível de rendimento e de despesa. Assim, para efeitos de determinação do montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, foram demonstrados rendimentos e despesas que decorrem dos seus requerimentos cujas refs. são 7502316 e 7298891. Deste modo é atendível a seguinte factualidade: - Segundo declaração da Segurança Social o insolvente marido encontra-se a receber o valor mensal de €700,09 relativo à pensão de velhice, desde 01/11/2017; - Segundo declaração da Segurança Social a insolvente mulher encontra-se de baixa médica, não recebendo o subsídio de doença no período de 05/10/2017 até à data. A insolvente encontra-se a aguardar junta médica a fim de requerer a reforma por invalidez. Do lado das despesas verifica-se (com base nos documentos juntos sob ref. 7298891): - Despesas com medicação: em média os insolventes gastam €40,00/mês. - Despesas com energia: em média, 112,00/mês. - Despesas com comunicações: em média, €70,00/mês. - Despesas médicas: em média, €40,00 mês. - Despesas com transportes: em média, €100,00/mês. - Os insolventes residem em casa de uma filha, contribuindo com €200,00 mensais para a habitação, alimentação e água. Considerando tais factos, entendemos que o montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, deve fixar-se num salário mínimo nacional para cada um dos insolventes, que se considera ser o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade, relativamente a cada um dos insolventes. Excluem-se da exoneração os créditos previstos no artigo 245.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Notifique.” De novo recorreram ambos os insolventes, alegando e concluindo: “1. Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença, na parte em que fixa num salário mínimo nacional para cada um dos insolventes relativamente a cada um dos insolventes. 2. Afigura-se que tal decisão não fez a melhor ponderação das circunstâncias e particularidades da situação do casal insolvente. 3. Entendem os Recorrentes que a douta sentença naquela parte, não atendeu ao princípio constitucional do respeito pela dignidade humana, para assegurar as necessidades básicas dos insolventes. 4. O casal insolvente, reside com uma das filhas, na casa desta e do respectivo marido, tendo como despesas comuns, entre outras: despesas médicas e medicamentosas, em média, €80,00/mês; com deslocações, em média €100,00/mês; €312,00 para as despesas em casa da filha e genro (alojamento, alimentação, água e luz). 5. Os recorrentes dispõem de um rendimento mensal de €700,09, relativo à pensão de velhice, desde 01/11/2017, auferido pelo insolvente marido, Alberto .... 6. A insolvente mulher, Elvira …, não aufere qualquer rendimento. 7. Entende-se estar justificada a exclusão dos dois salários mínimos nacionais para os insolventes, conforme consagrado no art.º 239° nº 3, al. b) do CIRE, pois tal afigura-se absolutamente necessário para assegurar o sustento minimamente digno dos devedores. 8. Contudo, face à circunstância do rendimento do casal provir presentemente apenas da pensão de velhice auferida pelo insolvente marido (no valor de €700,09) não podemos concordar com a fixação de um salário mínimo nacional para cada um dos insolventes, relativamente a cada um dos insolventes. 9. A cumprir-se a sentença recorrida e face ao facto da insolvente mulher não se encontrar actualmente a auferir qualquer rendimento, o casal ficaria apenas com o valor mensal de um SMN, o que não assegura o sustento minimamente condigno dos recorrentes e contraria o sentido da própria sentença, no seu todo. 10. Atendendo ao espírito da lei e a que os dois devedores foram declarados insolventes conjuntamente, por requerimento que ambos formalizaram nos autos e que as despesas por eles apresentadas são comuns, a sentença recorrida deverá ser entendida, na sua parte decisória, como se referindo ao valor de 2 SMN considerando o rendimento global dos insolventes e não o rendimento parcelar de cada um, conforme nela se lê. 11. No caso de insolvência de um casal, o rendimento a ceder para efeitos de exoneração do passivo restante não deverá ser fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e porque a exoneração também será comum. 12. Dado o exposto, pelas razões aduzidas, deve a decisão fixar em 1 SMN por cada devedor, correspondente a 2 SMN fixados para o casal (sublinhado nosso), o montante a excluir do rendimento disponível, nos termos do artº. 239º, nº. 3, al. b) – i) do CIRE, e que constitui o indispensável para que os recorrentes possam prover ao seu sustento com o mínimo de dignidade. 13. Decidindo em contrário, a douta sentença recorrida não interpretou, nem aplicou correctamente os preceitos legais atinentes, nomeadamente os artigo 239º do CIRE e o artigo 1º da CRP. Nestes termos e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao recurso no sentido das conclusões e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, na parte em que fixou num SMN para cada um dos insolventes, relativamente a cada um dos insolventes e substituída por outra que fixe em 1 SMN por cada devedor, correspondente a 2 SMN fixados para o casal, o montante a excluir do rendimento disponível, com o que se fará JUSTIÇA!” O Ministério Público apresentou contra-alegações e estas conclusões: “1.º A douta decisão recorrida não merece censura por ter procedido a uma aplicação adequada das normas legais atinentes à fixação da parte do rendimento que deverá ficar a salvo dos credores, no âmbito da exoneração do passivo restante e inerente cessão do rendimento disponível. 2.º O CIRE encontra-se imbuído de um espírito de prevalência dos interesses dos credores sobre o do devedor, ao qual apenas subsidiariamente confere proteção, o que sucede quer no processo de insolvência, quer no processo especial de revitalização. 3.º O instituto da exoneração do passivo restante é o mais importante desvio à regra antecedente e resulta da inalienável condição humana do devedor pessoa singular, merecedor de proteção que assegure a sua sobrevivência para lá da declaração de insolvência. 4.º Como contraponto do efeito positivo para o insolvente da extinção – por fonte legal e não pelo cumprimento, como é a norma do direito obrigacional – dos créditos que subsistam para lá do prazo legal de cinco anos, fica o insolvente sujeito a disponibilizar aos credores o que exceda a quantia necessária a assegurar o sustento minimamente digno próprio e do seu agregado familiar. 5.º A determinação dessa quantia pressupõe a divisão dos rendimentos auferidos em duas porções, incumbindo ao juiz fixar aquela que será intangível, por isso reservada ao devedor e seu agregado, com base nos critérios alinhavados no artigo 239.º, n.º 3, alínea b), I), do CIRE. 6.º A fixação do rendimento indisponível pressuporá uma típica redução do nível de vida desse agregado por comparação com o período antecedente à declaração de insolvência, porquanto terá sido a antecedente inadequação dos gastos incorridos face aos rendimentos disponíveis a provocar a situação de insolvência. 7.º Para efeitos da fixação do rendimento indisponível o juiz dispõe de apoio na generalidade das normas do ordenamento jurídico que apontam para a salvaguarda do montante relativo a um salário mínimo, tal como dispõe o artigo 738.º do CPC para a execução singular, bem como do teto máximo de três salários mínimos constante do artigo 239.º, n.º 3, alínea b), I), do CIRE. 8.º A definição de um concreto valor dentro desse intervalo ou acima do mesmo, em casos excecionais, atentará na imperiosa necessidade de assegurar o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, aferida à luz de critérios de razoabilidade. 9.º A circunstância de a lei empregar as expressões “razoavelmente necessário” e “minimamente digno” induz à uniformização do rendimento indisponível a fixar à generalidade dos devedores e permite desconsiderar as despesas que se invoquem como anteriormente suportadas, na medida em que, num patamar mínimo de subsistência, todos os devedores terão de ser tratados em conformidade com o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP). 10.º Relevará da necessidade razoável considerar que todo o devedor tem direito a aceder a água, eletricidade, alimentação, vestuário, saúde e, sendo caso disso, alojamento, pelo que terá de lhe ser reservado rendimento minimamente compatível com o custear de tais despesas, o que nos autos foi tido em conta pela afirmação de que os devedores , suportam as despesas médicas , medicação, transportes e energia, residindo em cada de uma filha, contribuindo com a quantia de €200,00, para a habitação, alimentação e água”. 11.º Perante o que poderia redundar num rendimento indisponível padronizado e universal, o reverso da abordagem igualitária permite ao juiz alargá-lo pela consideração, no caso concreto, das circunstâncias verdadeiramente atendíveis para diferenciar os agregados: a sua dimensão, em contraponto com as reconhecidas “economias de escala”, eventual patologia ou afetação que ponha em risco a sobrevivência do devedor ou da sua família e demais condicionalismo factual, a alegar e demonstrar pelo interessado e que não se circunscreva à simples pretensão de aceder a uma vida mais confortável, antes se atenha a critérios de efetiva necessidade fundamentada. 12.º O rendimento indisponível equivalente a um salário mínimo nacional para cada um dos insolventes, presentemente € 600 é razoável, adequado e permite sustento minimamente digno do devedor quando este, para lá do patamar das despesas correntes e habituais, Termos em que se conclui que o recurso não merece provimento, por ser destituído de fundamento, pugnando-se pela manutenção da decisão recorrida, no sentido da preservação como rendimento indisponível para cada um dos insolventes a uma retribuição mínima garantida, como é de JUSTIÇA.” Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo. Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. É necessário, para o efeito, clarificar, antes de mais, os termos do caso, na perspectiva do recurso. É normal, com efeito, discutir-se, neste domínio, uma vez deferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e estando em causa pessoa insolvente singular, qual o valor do seu rendimento que deve ser excluído da respectiva cessão ao Fiduciário, nos termos do nº 3, alínea a), ponto i), do CIRE, por considerado “razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”. Não é isso que aqui se passa. Os insolventes (por dívidas, umas próprias e outras comuns) são, neste caso, duas pessoas, ambos formam um casal e só eles um único agregado familiar autónomo. Além dos individuais, pode haver rendimentos e despesas ou necessidades comuns. A decisão recorrida [2] refere, nos termos transcritos, que, “quanto ao montante relativo às exclusões” previstas na indicada norma, ele “deve fixar-se num salário mínimo nacional para cada um dos insolventes”. Acrescenta que considera um salário para cada cônjuge como o valor “limite” que “assegura a subsistência com o mínimo de dignidade, relativamente a cada um dos insolventes”. Infere-se, portanto, da decisão, que deve ser excluído o montante correspondente a dois salários como “necessário para o sustento” de ambos os membros do casal, visto que cada um deles, “considerando tais factos”, precisa de um salário para si. Ora, analisadas as alegações e conclusões [3] dos apelantes, verifica-se que estes consideram ajustada, para efeitos de exclusão, a medida preconizada em razão de cada indivíduo (um salário mínimo). Consequentemente, partindo desse factor, conformam-se com o resultado no conjunto (dois salários mínimos). Não discutem se, em face das necessidades concretas dadas por assentes ou das que em geral devem ser tidas em conta à luz da referida norma, o valor de um salário mínimo nacional por pessoa [4] é insuficiente. Pelo contrário, aceitam-no como necessário mas bastante. [5] Não se trata, pois, aqui de apurar e decidir se tal valor deve ser individualmente aumentado. Isto mesmo se colhe das conclusões 7ª e 12ª. Por seu turno, o Ministério Público, na sua resposta, defendendo a não censurabilidade e confirmação da decisão recorrida, conclui expressamente que o valor de um salário mínimo para cada um dos insolventes é legal e justo. Nisso, são consensuais as posições dos recorrentes e do recorrido. Com efeito, o alvo das alegações do Mº Pº fixou-se no pressuposto [6] de que os recorrentes teriam defendido que o valor de um salário mínimo para cada um “não é suficiente” e pretenderiam o aumento do valor a excluir – o que não corresponde à realidade emergente deste processo. Por isso, defendeu a manutenção do fixado como adequado. A verdadeira discordância dos apelantes decorre, porém, da peculiar circunstância de um deles não auferir qualquer rendimento susceptível de ser excluído da cedência e, por isso, sobre o modo de garantir o seu próprio sustento minimamente digno. No caso, a esposa. Com efeito, o que eles começaram por alegar foi que a “decisão não fez a melhor ponderação das circunstâncias e particularidades da situação do casal insolvente”, ou seja, não atentou nos rendimentos dos dois membros do casal em contraponto com as necessidades de cada um. Reconhecendo que se justifica a exclusão de dois salários mínimos (um para cada) mas referindo-se à comunhão de vida, salientaram que só o marido aufere uma pensão de velhice no valor de 700,09€ por mês e que, portanto, a entender-se a exclusão de um SMN como individualizada, só o daquele unicamente ficaria, afinal, para garantir o sustento de ambos. Do casal, pois. Assim, por um lado, defendem que “Atendendo ao espírito da lei e a que os dois devedores foram declarados insolventes conjuntamente, por requerimento que ambos formalizaram nos autos e que as despesas por eles apresentadas são comuns, a sentença recorrida deverá ser entendida, na sua parte decisória, como se referindo ao valor de 2 SMN considerando o rendimento global dos insolventes e não o rendimento parcelar de cada um, conforme nela se lê.” (conclusão 10ª) Por outro, entendem e pretendem que, em tal situação, “o rendimento a ceder não deverá ser fixado individualmente, mas sim e sempre em comum, por forma a assegurar com o mínimo de dignidade a subsistência de cada um”, pois “face ao facto da insolvente mulher não se encontrar actualmente a auferir qualquer rendimento, o casal ficaria apenas com o valor mensal de um SMN, o que não assegura o sustento minimamente condigno dos recorrentes” (conclusões 8ª e 9ª). De facto, nada recebendo a mulher, nada ela excluiria e reteria para seu sustento. Apenas auferindo o marido e retendo ele, da sua pensão, o valor de um SMN julgado necessário para si próprio, quer este entre na comunhão quer não, sempre o proclamado objectivo de garantir o sustento minimamente digno de cada um (e, portanto, dos dois membros do casal) em conformidade com os parâmetros, mormente de facto, considerados na sentença, pode ser posto em causa: na primeira hipótese, cada membro do casal apenas usufruiria de ½ SMN, apesar de se ter julgado que carecia de um; na segunda, a mulher nada reteria nem comungaria. Por isso e em suma, na perspectiva dos recorrentes, “deve a decisão fixar em 1 SMN por cada devedor, correspondente a 2 SMN fixados para o casal, o montante a excluir do rendimento disponível” (conclusão 12ª e epílogo). Pressupondo que os referidos termos da sentença não sejam claros e inequívocos quanto a este problema concreto e nada se contrapondo ao mesmo na resposta às alegações dos apelantes, do exposto se retira que a questão que nos compete apreciar e decidir consiste em saber se, no caso: a) O sentido da decisão é duvidoso e esta carece de interpretação. b) A fazer-se a mesma, se deve prevalecer o de que o valor a excluir deve ser o de 2 SMN´s referidos ao rendimento global de ambos os insolventes (casal) e não o parcelar de cada um deles. c) Se deve fixar-se, como valor do rendimento a excluir da cessão, dois salários mínimos pelo casal e considerando os rendimentos de ambos os insolventes, nos termos do artº 239º, nº3, alínea b), ponto i), do CIRE, e não um salário mínimo por cada um deles. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Consideram-se, por não objecto de qualquer impugnação, os factos elencados na decisão recorrida supra transcrita. Consideram-se também, oficiosamente, como provados, ao abrigo do artº 662º, nºs 1 e 2, CPC, com base nos documentos juntos, mormente as certidões de nascimento e de casamento e o relatório do administrador judicial, não impugnados, mais os seguintes: -O insolvente Alberto (…) nasceu em …. -A insolvente Elvira (…) nasceu em …. -Casaram um com o outro, sem convenção antenupcial, em …. -Ele foi sócio-gerente da “(..)”. -Ela foi sócia-gerente da “Império das (…)”. -Estas duas sociedades comerciais tinham por escopo social a construção civil. -Foram ambas declaradas insolventes. -O casal insolvente tem um passivo global de 65.642,15€. -Tal dívida tem origem em avales e fianças prestados pelos insolventes e numa reversão de dívida à Segurança Social da sociedade gerida pela mulher. -O casal insolvente não tem quaisquer bens, nada lhe foi apreendido nem existe para liquidar na insolvência e o único rendimento é a referida pensão. IV. APRECIAÇÃO a) Dúvida sobre o sentido da decisão Ao referir que “a sentença deve ser entendida, na sua parte decisória, como referindo ao valor de 2 SMN considerando o rendimento global dos insolventes e não o rendimento parcelar de cada um”, parecem pressupor os recorrentes que o sentido dela é duvidoso e que o mesmo deve ser interpretado. O segmento em causa refere: “[…] o montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, deve fixar-se num salário mínimo nacional para cada um dos insolventes, que se considera ser o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade, relativamente a cada um dos insolventes.” Como ainda recentemente decidimos em Acórdão desta Relação de 17-12-2018 [7]: “A sentença, como acto jurídico, quando controverso o sentido da decisão nela cominada, pode e deve ser interpretada, mediante recurso às regras da interpretação da lei e do negócio jurídico, ponderando-se as circunstâncias que rodearam a origem e desenvolvimento do litígio, a fundamentação nela expendida e a decisão proferida em ordem a descobrir a injunção comportamental por ela imposta em conformidade com a lei. Tal não implica violação do caso julgado, embora o resultado interpretativo não possa servir nem conduzir à correcção de eventual erro de julgamento nem extravasar o objecto do processo respectivo.” Aí seguimos a jurisprudência pacífica e predominante exemplificada no ali citado Acórdão desta Relação de Guimarães, de 18-12-2017 [8]: “I. Sendo a sentença um acto jurídico, formal e receptício, subtraído à liberdade negocial, na sua interpretação não se procura a reconstituição de uma declaração pessoal de vontade do julgador (entendida na base da determinação de um propósito subjectivo), mas sim o correcto entendimento do resultado final e objectivo de um percurso pré-ordenado à obtenção da dita decisão. II. A interpretação da sentença deve, então, fazer-se de acordo com sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário - a parte ou outro tribunal - possa deduzir do seu contexto, ponderando quer o dispositivo final, quer a antecedente fundamentação, quer inclusivamente a globalidade dos actos que precederam a dita decisão, bem como quaisquer circunstâncias relevantes posteriores à sua prolação (art. 236º, nº 1 do C.C., aplicável ex vi do art. 295º do mesmo diploma).” Salientando-se e encarecendo-se as regras e princípios (constitucionais e legais) relativos à elaboração das decisões judiciais, designadamente no que tange às exigências de fundamentação, de clareza e de certeza, considerou-se que é nula a decisão se ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível – artº 615º, nº 1, alínea c), CPC. A par com o dever de fundamentar cabalmente qualquer despacho ou sentença (artº 154º), de facto e de direito (artº 607º, nºs 3 e 4), enfileiram os de o fazer com simplicidade e de maneira a evitar dúvidas e falta de clareza (artº 131º, nºs 1 e 3). [9] Rodrigues Bastos definiu obscuridade como a imperfeição da sentença que se traduz em ininteligibilidade e que a ambiguidade se verifica quando à decisão, em certo passo, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos. [10] Como já se disse, temos por claro que, na decisão, o tribunal a quo entendeu e decidiu ser indispensável (“limite”), um salário mínimo nacional para cada um dos insolventes com vista a, nos termos legais, assegurar a subsistência com o mínimo de dignidade de cada um deles. As partes conformam-se com tal determinação. Uma vez que o almejado desiderato respeita a pessoas singulares e a sua humana concretização normativa não se basta com a mera edição de fórmulas tabelares desenraizadas das concretas circunstâncias apuradas da vida delas, é preciso ter em conta que, na situação aqui em apreço, tratando-se de um casal de insolventes, um deles não aufere qualquer rendimento. [11] Admitido o pedido de exoneração do passivo, consistindo o problema subsequente a resolver, de acordo com a lei, na fixação do valor a excluir dos rendimentos a ceder como correspondente ao que “for razoavelmente necessário ao sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”, uma vez alcançada a solução dele mediante a determinação desse quantum, não oferecerá dificuldades de maior efectivar a exclusão deste e, assim, satisfazer aquela finalidade, quando aquele (o devedor singular) aufere rendimentos próprios bastantes para o efeito. Ele complica-se, porém, quando, como neste caso acontece, o agregado familiar de cada um dos dois insolventes é composto por si próprio e pelo outro (e vice-versa) mas um deles nenhum rendimento pessoal aufere que possa reter de modo a com ele fazer face ao seu próprio sustento minimamente digno. Considerando-se na decisão e não sendo discutível que, para tal, cada um precisa de um salário mínimo, nada, porém, na sentença, perante aquela particular circunstância, consta, em termos precisos e isentos de dúvidas, sobre com que rendimentos e de que modo, então, se há-de satisfazer tal necessidade individual daquele que nada aufere. Por um lado, a decisão refere-se, distinguindo rendimentos de cada cônjuge, mas englobando todas as despesas do casal, ao “montante relativo às exclusões”. Sendo dois insolventes a beneficiar da exoneração, formando eles um casal e estando ambos sujeitos à cedência, embora ficando com direito de excluir dela, e por isso não dispor, do rendimento na medida necessária à sobrevivência minimamente digna de cada um (1 SMN), admite-se que tal possa significar que, na decisão recorrida, para o efeito, se considerou o valor global, ou seja, o correspondente à soma das duas “exclusões” (dois SMN´s), independentemente de qual dos insolventes o aufere. Mas, por outro lado, não perdendo cada um a sua qualidade de devedor e de insolvente e especificando-se, como necessário à subsistência com o mínimo de dignidade de cada um, um salário mínimo individual, também se pode ter querido com isso significar, naquela, que cada um tem apenas direito a excluir, parcelar e individualmente, o valor correspondente mas do rendimento individual por si auferido, se o auferir. Os apelantes, pelo menos, admitem como possível este sentido, com o qual não se conformam. Por isso mesmo, pretendem o seu afastamento e defendem que deve ser “entendido” aquele outro e, portanto, de que “no caso de insolvência de um casal, o rendimento a ceder não deverá ser fixado individualmente, mas sim e sempre em comum”. Não curando, apesar de ela defluir dos factos provados, de, em termos certos e inequívocos, exprimir como apreciou tal realidade nem de expor as respectivas consequências jurídicas porventura tidas em vista, ainda se pode por em dúvida se efectivamente o tribunal a quo perspectivou, ponderou e decidiu tal problema. Por isso, tem fundamento a conclusão inevitável de que a decisão é obscura ou, pelo menos, ambígua e, por isso, nula – artº 615º, nº 1, alínea c), parte final, CPC. Tal vício não foi invocado expressamente. Tratando-se, porém, da qualificação de certa vicissitude relativa à elaboração da decisão, facticamente invocada e verificada, parece que nada obsta a que juridicamente e nos termos do artº 5º, nº 3, do CPC, consideremos e julguemos procedente o dito vício, com as devidas consequências. Nesta perspectiva, devendo proceder a primeira questão recursiva, ao abrigo do artº 665º, CPC, conhecer-se-á do objecto do recurso e decidir-se-á se o sentido correcto em que deve ser interpretada a decisão é aquele com que os recorrentes defendem dever ela “ser entendida” ou, não o sendo, se ela deve ser corrigida, por errada. b) Interpretação do sentido da decisão Como se sabe, o CIRE, no capítulo I do título XII, trata, com particular atenção, o regime da insolvência de pessoas singulares, não olvidando que, aliada à condição de devedor enquanto agente económico, está uma pessoa humana e, dele dependente, quase sempre, um agregado familiar de várias. Assim, nos artºs 235º a 248º, prevê-se especificamente a possibilidade de o devedor se ver livre dos seus débitos (créditos sobre a insolvência) que não forem integralmente pagos no respectivo processo ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, e regulam-se os termos em que tal lhe pode ser concedido. É a chamada exoneração do passivo restante: “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa-fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da «exoneração do passivo restante». O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo a insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado por período de cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.”(12) Neste contexto, assume particular importância o artº 239º: “1. Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes a esta ou ao decurso dos prazos previstos no nº 4 do artº 236º. 2- O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte. 3- Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a) Dos créditos a que se refere o artigo 115º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) Do que seja razoavelmente necessário para: i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional; iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.” Atenta a indeterminação dos conceitos normativos utilizados, uma vez admitida liminarmente a exoneração e, como condição dela, estabelecida a obrigação de entrega dos rendimentos de que venha a dispor auferidos ao longo do respectivo período, gera-se normalmente a controvérsia em torno do problema de saber, em cada caso concreto, o que “seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar” e, portanto, qual a quantia autorizado a reter para tal fim. Por vias diversas e recorrendo a diferentes critérios, se tem tentado encontrar, sobretudo na jurisprudência, a orientação mais segura e capaz de preencher a vaguidade da norma e de possibilitar a sua aplicação ajustada e equilibrada em função de cada caso. Nessa tarefa, desde logo e com frequência, tem-se entendido que o “sustento minimamente digno” convoca a ideia de “dignidade da pessoa humana” consagrada, entre outros afloramentos, nos artºs 1º, 2º, 13º, 59º, nº 1, e 67º, nº 1, da nossa CRP [Constituição da República Portuguesa] normas que esta, relativamente a direitos fundamentais, manda interpretar e integrar de harmonia com a DUDH [Declaração Universal dos Direitos Humanos], em cujo artº 25º se proclama “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários...”. Tratando-se, na situação aqui em apreço, de dois insolventes, aquele primeiro problema está resolvido, como já se referiu. Na verdade, repete-se, é consensual entre os devedores apelantes e o respondente Ministério Público que, ao fixar o valor de um salário mínimo nacional como aquele que cada um dos dois insolventes deve excluir para si de modo a garantir-lhe a sua subsistência minimamente digna, a decisão é legalmente correcta e justa. [13] O que não está claro e é controverso é o problema concreto, conexo e consequente, de saber, tratando-se de um casal de insolventes – em que apenas um deles aufere, presentemente, rendimentos [14] –, como deve proceder-se à exclusão do valor necessário para cada um (1 SMN) e, designadamente, se ela deve ser conjuntamente (1 SMN + 1 SMN) imputada nos rendimentos agregados de ambos (independentemente do valor que cada um aufira, venha a auferir ou até de um deles nada receber, como no caso, já que, presentemente, apenas o marido recebe 700,09) ou se tal exclusão (1 SMN) deve individualmente repercutir-se apenas no rendimento auferido ou a auferir por cada um deles (no caso, actualmente: 700,09€ - 1 SMN, quanto ao marido; 0 – 1 SMN, quanto à mulher). Considerando que o sentido da decisão, dados os seus termos, se apresenta, como já se viu, duvidoso, cremos que a sua interpretação correcta, feita de acordo com os critérios legais e jurisprudenciais já atrás sugeridos, conduz àquele que os apelantes defendem. Com efeito, apesar de, nela, se terem referido “exclusões” (no plural), “um salário mínimo nacional para cada um” (dois) e se ter apontado, como objectivo, o de garantir a subsistência minimamente digna de “cada um” (casal), o que sugere literalmente a imputação no rendimento individual do valor considerado indisponível por necessário à sobrevivência da pessoa, afigura-se-nos, tendo em conta – como teve o tribunal recorrido pelo menos nos factos provados que seleccionou – a actual ausência de rendimentos da mulher, que nem com o percurso judicativo empreendido pelo juiz, ao subsumir as circunstâncias concretas à normatividade jurídica consagrada nas regras legais aplicadas de modo a nestas procurar e alcançar a solução do problema, nem com uma correcta e justa intelecção daquele julgamento e do respectivo resultado pelos normais destinatários da injunção emitida (partes, administrador, outros tribunais), se coaduna razoavelmente a percepção que o texto prima facie induz. Com efeito, o despacho recorrido, certamente tendo presente que o processo respeita à insolvência de um casal, que a insolvência foi requerida conjuntamente pelos seus dois membros devedores e decretada em simultâneo quanto a ambos, começou por enunciar que se tratava de fixar “o rendimento disponível dos insolventes” [15], lembrou que na sua fixação deve ter-se em conta o “agregado familiar”, distinguiu o rendimento do marido e a ausência dele quanto à mulher. Porém, englobou na “comunhão” as despesas, em média, de medicamentos, clínicas, energia, comunicações, transportes e do contributo para as despesas domésticas da casa da filha onde residem. Sobreleva, pois, como mais evidente no teor da decisão e mais consentâneo com a sua normatividade, a ideia de que aquela pretendeu referir o valor a excluir ou indisponível como o correspondente à soma do considerado necessário para os dois devedores (2 SMN) e teve em mente imputá-lo no rendimento global de ambos como casal que são. Assim devendo ser entendida, como preconizam os recorrentes, procede o recurso quanto a esta segunda questão. c) Exclusão de 1 SMN por cada cônjuge ou de 2 SMN´s por casal? Embora prejudicada a terceira, sempre, prevenindo a hipótese de assim se não entender, se deixam consignadas mais as considerações seguintes demonstrativas de que, além de dever ser aquele o sentido da decisão, também é esse que se nos afigura como o mais correcto. Sendo certo que o próprio artº 239º, nº 3, ressalva do rendimento a ceder pelo insolvente o que for necessário para o seu sustento minimamente digno “e do seu agregado familiar”, considerando as suas responsabilidades legais (máxime com o cônjuge, descendentes, ascendentes, etc.) mas naturalmente e sobretudo atendendo às necessidades humanamente indeclináveis das pessoas, não deixa de ser também significativa, na mira da consideração do casal enquanto núcleo familiar onde radicam interesses comuns sobreponíveis aos individuais, a previsão especial da insolvência de ambos os cônjuges. Assim, nos termos do artº 264º, nº 1, incorrendo os dois cônjuges em tal situação e não estando casados no regime de separação, é-lhes lícito apresentarem-se conjuntamente à insolvência (ou o processo ser instaurado contra ambos). [16] Embora contemple algumas soluções em “comum” [17], relativamente ao regime da exoneração nada distingue em função do “casal”, aplicando-se-lhe, adaptadas, as regras dos artºs 236º a 246º. Apesar de, portanto, na concessão de tal providência, dever ser ponderada a situação de cada devedor, de se considerarem os direitos e deveres referidos singular ou individualmente, de (uma vez deferida) os “seus” rendimentos respectivos auferidos a qualquer título (presentes e futuros) terem de ser cedidos ao fiduciário e de deles apenas se excluir o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno “do devedor” (além do seu agregado familiar) [18], não pode deixar de se ter em conta – e a lei tem-no, nos artºs 265º e 266º - que, no âmbito do casal, há bens (ou rendimentos) comuns e bens próprios, assim como há dívidas comuns e dívidas próprias de cada um dos cônjuges, devendo tal destrinça reflectir-se na proposta de eventual plano de pagamentos (apesar de apresentada em conjunto), nas reclamações de créditos e na lista de credores reconhecidos [19], bem como na inventariação, manutenção e liquidação dos bens da massa [20]. Ora, como se disse no Acórdão da Relação de Lisboa, de 01-06-2017 [21], “Não são rigorosamente equiparáveis para efeitos de cálculo do rendimento disponível, a situação em que ambos os cônjuges se apresentam à insolvência, com a de casal em que apenas um deles se apresenta à insolvência”. Com efeito, se, como nesse aresto se observa, em tal caso o cônjuge que não se apresenta não tem de beneficiar de qualquer exoneração do passivo (logo, nada cede), não pode deixar de se considerar que ele integra o agregado familiar daquele que foi declarado insolvente e, portanto, têm de ser consideradas as respectivas necessidades para efeitos de determinação do valor a excluir do rendimento disponível do devedor beneficiário da exoneração. Semelhantemente, apresentando-se os dois cônjuges aos credores e sendo ambos declarados insolventes, na fixação do valor a excluir pelo que aufere rendimentos não pode ignorar-se a situação do outro que nenhuns recebe mas em relação ao qual deve também prover-se quanto ao seu sustento minimamente digno, seja pelos rendimentos comuns quando não os tiver próprios, seja pelos do outro, no quadro da regra especial do artº 239º, nº 3, do CIRE, ou no das que regulam as relações familiares, de que são exemplo as dos artºs 1672º, 1675º, 1676º e 1874º a 1880º, do CC. Parece ser esta ideia de prevalência do critério do agregado familiar que está na base do afirmado no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 24-09-2015 [22]. Com efeito, tendo-se, no caso aí apreciado, fixado, na decisão de 1ª instância, em 750€ o valor global a excluir do rendimento disponível como necessário para assegurar o sustento minimamente digno do casal de insolventes (face às pensões auferidas por ambos e suas despesas regulares conjuntas) e suscitando-se, no recurso, a questão de saber se aquela quantia “não é suficiente [para] proporcionar um sustento minimamente digno dos recorrentes” (de ambos) e “o rendimento da cessão não poderá ser inferior a um salário mínimo nacional, por cada um dos recorrentes”, considerou-se que sim, além do mais “salientando-se dever o valor em referência correspondente ao do salário mínimo nacional reportar-se a cada agregado familiar, e não individualmente, como evidente resulta, e atento o nível económico médio das famílias Portuguesas globalmente consideradas, e nos termos do n.º 3 do art.º 239º do C.I.R.E., que exclui do rendimento disponível do insolvente, o que seja razoavelmente necessário para – o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”. Asseverou-se, portanto, não só que, na fixação do valor concreto a excluir, devem ter-se em conta as necessidades do “agregado familiar” e não as individuais de cada devedor (em face da chamada “economia de escala” atenuadas quando satisfeitas no contexto das comuns), mas também que esse valor pode ser determinado globalmente. Tendo os aí devedores, insatisfeitos, continuado a batalhar no Supremo pela defesa da sua tese de que necessário para o sustento de cada um é o valor de um salário mínimo por cada (ou seja, 2 SMN pelo casal), aquele Alto Tribunal deu-lhes razão e revogou o acórdão. Na fundamentação respectiva, salientando os interesses conflituantes (credores e insolventes), a necessidade de apreciação e fixação casuística, referindo que o conceito normativo de dignidade não dissocia, antes conjuga, a exigência de sustento do devedor e do seu agregado familiar e, ainda, que o SMN é o limite mínimo dos rendimentos a ceder, ponderou: “Como vimos, os Recorrentes discordam duplamente da decisão; por um lado, consideram que, sendo ambos insolventes, deve ser individualizado para cada um o rendimento disponível; por outro lado, entendem que o montante a ser fixado para cada um, deve ser igual ao SMN. Entendemos que, não constando, nem da Lei Fundamental, nem da lei ordinária a existência de um salário mínimo familiar definido em função dos rendimentos dessa natureza e da composição do agregado familiar, não existe fundamento legal para, no caso de ambos os membros do casal terem sido declarados insolventes e lhes ter sido concedida a exoneração do passivo restante, se atribuir um valor global não discriminado que, desde que supere o SMN, se deva considerar rendimento propiciador de um nível de vida minimamente digno. Diferentemente, entendemos, pese embora se dever considerar que a economia familiar importa peculiar gestão dos rendimentos auferidos, tratando-se no caso de réditos diferenciados ainda que com origem comum – cada dos recorrentes é devedor/insolvente e aufere a sua pensão de velhice – a cada um deles deve ser atribuído montante igual ao salário mínimo nacional – porque só assim se lhes assegura uma vivência compatível com a dignidade humana, tendo em conta aquilo que deve ser o valor compatível com “o sustento minimamente digno. Sempre se dirá que, se por cada um deles fosse requerida autonomamente a exoneração, lhes deveria seria assegurado esse valor, não sendo justo nem equitativo que, fazendo-o conjuntamente, seja atribuída aos dois a mesma quantia.” Ou seja: não se rejeitou a possibilidade de, tratando-se de um casal de insolventes, o valor a excluir ser somado para efeitos de apuramento do rendimento a ceder em comum pelo casal; decidiu-se, isso sim, foi que a parcela relativa a cada um deve ser discriminada e que jamais ela pode ser inferior a 1 SMN. [23] Tratou-se ali da medida do valor indisponível. Cura-se, neste nosso caso, de saber como e em que rendimentos imputá-lo. No Acórdão desta Relação de Guimarães de 15-05-2014, entendeu-se, em síntese [24]: “IV - No caso de insolvência de um casal, o rendimento a ceder para efeitos de exoneração do passivo restante não será fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e porque a exoneração também será comum.”. E escreveu-se na respectiva fundamentação: “No caso em apreço estamos perante a insolvência de um casal, que, como tal deve ser considerado em termos de cessão do respectivo rendimento disponível para pagamento de dívidas, que são comuns. Assim, na fixação do rendimento indisponível há que ter presente o disposto nos artºs 1675º, 1676º, 1874º, 1878º, 1879º e 1880º do Código Civil. O rendimento a ceder para efeitos de exoneração do passivo restante não será fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e porque a exoneração também será comum. Terá de atender-se às despesas do casal e respectiva filha menor com habitação, alimentação, electricidade, gás, água, transportes, vestuário e educação. Tudo visto e ponderado, entende-se que valor fixado pelo Tribunal a quo para os dois devedores (em conjunto), atento o facto de estarmos perante um agregado familiar de 3 pessoas, deve ser corrigido para valor equivalente a dois salários mínimos, como defendido pelos apelantes. Assim fixa-se o rendimento mensal indisponível dos devedores, em conjunto, no montante de €970 por mês (€11.640 por ano), montante que se entende assegurar uma existência com o mínimo de dignidade”. Por seu turno, no de 14-01-2016 [25], corroborou-se: “No caso de insolvência de um casal, o rendimento a ceder para efeitos de exoneração do passivo restante não será fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e porque a exoneração também será comum.” E fundamentou-se: “Acolhemos a posição defendida no acórdão da RG de 15/05/2014, proferido no proc. nº. 1020/13.0TBBRG-C (acessível em www.dgsi.pt), de que “no caso de insolvência de um casal, o rendimento a ceder para efeitos de exoneração do passivo restante não será fixado individualmente, mas em comum, porque também as dívidas assumem essa natureza e porque a exoneração também será comum”. É um facto que o Tribunal “a quo” fixou um montante que é superior ao limite máximo de 3 SMN estabelecido na subalínea i) da al. b) do nº. 3 do artº. 239º do CIRE; no entanto, consideramos que tal valor está suficientemente fundamentado com a situação de incapacidade para o trabalho do insolvente marido, o facto dos insolventes terem 3 filhos a seu cargo, todos eles em idade escolar, e as elevadas despesas que têm de suportar com os filhos, porquanto o filho maior está a frequentar um curso superior longe de casa e um dos filhos menores necessita de educação e cuidados especiais permanentes por ser portador de trissomia 21. A referência que se faz ao valor de 1,75 SMN para cada um dos insolventes só pode ter a intenção de reforçar a ideia de que o insolvente marido, apesar de auferir um subsídio de doença abaixo do SMN, terá igualmente direito a ver satisfeitas as suas necessidades básicas, com a retenção, pelo casal, de montante equivalente àquele valor (ainda que com recurso a parte da remuneração da sua mulher). Aliás, estando os dois devedores declarados insolventes conjuntamente, por requerimento que ambos formalizaram nos autos, e tendo sido atendido, na decisão recorrida, ao rendimento em conjunto de ambos, assim como às despesas por eles alegadas, a decisão só poderia ser no sentido referido – de que o rendimento indisponível é o equivalente a 3,5 salários mínimos nacionais para o casal.”. O casal tem, portanto, direito a excluir dos rendimentos de ambos (presentes ou futuros) [26] que estão obrigados a ceder ao fiduciário o montante correspondente à soma de 2 SMN´s (1 SMN cada). Se cada um tivesse rendimentos próprios a ceder, poderia excluiria deles o valor de 1 SMN, na referida medida. Havendo também rendimentos comuns, a exclusão poderia repercutir-se primeiro naqueles e depois nestes, até a perfazer. Aquele que porventura não aufere por ora quaisquer rendimentos próprios e deles nada tem a ceder ao Fiduciário, obviamente nada também poderá excluir como devedor de modo a garantir o seu sustento condigno, enquanto os não tiver. Sucede é que, sendo este um dos cônjuges devedor insolvente, nem por isso ele deixa de integrar o agregado familiar do outro cônjuge – que aufere rendimentos – também devedor insolvente e de merecer o benefício de uma quantia com que fique garantido o seu sustento minimamente digno. Por isso, este pode e deve excluir o que foi julgado necessário para si (1 SMN) e também o que foi julgado necessário para o outro (1 SMN), não só porque sejam comuns tais rendimentos mas também, mesmo sendo próprios, enquanto membro do seu agregado familiar pelo qual é responsável (desde logo, em razão da relação conjugal). Em suma e de harmonia com o exposto, assente como estava ab initio que é de um salário mínimo nacional o valor considerado necessário para cada um dos cônjuges insolventes, tendo em conta a natureza das dívidas e rendimentos em função do regime de comunhão do casamento (comuns) e o salientado princípio da solidariedade em relação ao agregado familiar, sempre seria de concluir, como se interpretou ter entendido o tribunal a quo, que o valor a excluir de 2 SMN deve ser considerado por casal, independentemente do membro que o aufira enquanto vigorar o período de cessão dos rendimentos disponíveis de ambos. [27] V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, alteram a decisão recorrida, de maneira que onde nela consta, “deve fixar-se num salário mínimo nacional para cada um dos insolventes, que se considera ser o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade, relativamente a cada um dos insolventes”, deve passar a constar o seguinte: “fixa-se em dois salários mínimos nacionais, correspondentes a um salário mínimo por cada um dos insolventes, que se considera ser o limite que assegura a subsistência individual com o mínimo de dignidade, o valor a excluir pelo casal da cessão dos rendimentos de ambos ao fiduciário, independentemente daquele que os aufira e do respectivo montante.” * Sem custas.* Notifique.Guimarães, 07 de Março de 2019 José Fernando Cardoso Amaral Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo Pedro Damião e Cunha 1. Além de os devedores insolventes serem referidos, nos despachos, ora no singular ora no plural e ora no género masculino ora no feminino, na fundamentação de facto do caso concreto, apenas se faz uma alusão perfunctória e em termos vagos e abstractos ao que resulta da petição e do relatório, sem qualquer análise patente das circunstâncias objectivas e subjectivas emergentes dos autos quanto a cada um daqueles e a ambos, sobretudo quanto às circunstâncias que conduziram à sua insolvência, à extensão da obrigação de disponibilizar e ao direito de excluir os respectivos rendimentos e ao modo de cumprir aquela e de salvaguardar este, tendo em atenção que se trata de um casal e que, além de nenhuns bens ambos possuírem, apenas um aufere pensão de reforma – situação que, como se diz no Acórdão da Relação do Porto, de 08-02-2018, processo nº 499/13.5TJPRT.P1, apesar da coligação processual, deve ser objecto de avaliação separada, relativamente a cada um dos cônjuges, ainda que na mesma decisão, como decorre da alínea a), do nº 4, do artº 264º, do CIRE – nisto, afinal, como se verá, radicando o cerne do presente recurso. 2. Embora considerando mas nada dizendo sobre como valorou os factos julgados provados para o efeito e as razões por que entendeu ajustado o valor que entendeu fixar, atento o contexto. 3. Estas praticamente reproduzem aquelas. 4. No sector privado, actualmente de 600€ e, à data da decisão, de 580€. 5. Compreensivelmente, aliás, face aos dados que apresentam nos autos e ao que deles se perscruta quanto à origem da insolvência e situação actual. 6. Pressuposto este incorrecto, face à descrita posição dos apelantes. Por isso, além de as contra-alegações se referirem a fundamentação e jurisprudência que, na decisão recorrida, não consta, mostrando ter sido empreendido, mas em vão, um notável esforço para sustentar um conjunto de considerações atinentes aos padrões e critérios considerados como ajustados e defendidos como a ter em conta para afastar os supostos argumentos dos recorrentes e defender a bondade da decisão, acabou-se por, nelas, nada se contradizer quanto ao essencial da questão recursiva aqui suscitada. 7. Processo nº 6374/16.4T8GMR-A.G2. 8. Processo 4708/12.0TBGMR-A.G2, relatado pela Desemb. Maria João Matos. Neste, aliás, se faz síntese bem elucidativa dos termos e do estado da discussão do problema, para aí utilmente se remetendo. 9. O que dificilmente se consegue com recurso a modelos inadaptados e não aprovados (artº 131º, nº 2), em regra insusceptíveis de exprimir o juízo supostamente empreendido sobre o mérito do caso concreto e suas próprias circunstâncias. 10. Notas ao Código de Processo Civil, III, 249. 11. Mesmo alardeando-se que é exigível uma “valoração casuística”, não deve deixar de se ponderar que tal afirmação, por si, não opera nem conduz a resultados ajustados ao caso em apreciação. 12. Preâmbulo do Código, nº 45.A novidade do sistema, o relevo do princípio de fresh start e sua correspondência com a discharge da lei norte-americana (Bankruptcy Code) e à Restschuhbefreiung da lei alemã (Insolvenzordnung são assinaladas por Catarina Serra, in O Novo Regime Jurídico Aplicável à Insolvência – Uma Introdução, 2ª edição, página 73; e por Maria do Rosário Epifânio, in Manuel de Direito da Insolvência, páginas 265 e 266. 13. Efectivamente, repete-se, ninguém discute, seja por referência aos meios de prova apresentados, seja às circunstâncias concretas a partir deles dadas como provadas, seja ainda por referência aos variados critérios e geralmente sugeridos para o cálculo (uns mais genéricos e padronizados quanto ao limiar da dignidade, outros mais concretos e individualizados) ou aos resultados alcançados e assumidos em casos análogos, o modo como o tribunal a quo fixou o montante considerado necessário nem a bondade do resultado, relativamente a cada um dos dois devedores. 14. Pensão de Velhice, no montante de 700,09€, cuja origem e regime se desconhecem e, por isso, não pode qualificar-se quanto à sua propriedade ou comunicabilidade. 15. Embora a seguir mencione apenas “o insolvente” tabelarmente, como noutros locais da decisão que admitiu a exoneração fez ao referir-se ora ao “devedor”, ora aos “devedores”, ora à “devedora”. 16. A jurisprudência trata tal pluralidade de sujeitos como coligação (activa ou passiva), sendo esta figura utilizada na epígrafe do artº 264º. 17. Mesmo requerimento, mesmo processo, mesma sentença, proposta de eventual plano em conjunto (artº 264º, nº 4). 18. Artºs 238º, 239º, 243º, etc.. 19. Devem indicar, quanto a cada dívida, se a responsabilidade cabe aos dois ou a um só dos cônjuges, e, assim, a natureza comum ou exclusiva de tal responsabilidade 20. Os bens comuns e os bens próprios de cada um dos cônjuges são inventariados, mantidos e liquidfados em separado. 21. Processo nº 19480/16.6T8SNT-B-2, relatado pelo Desemb. Ezagüy Martins. 22. Processo nº 3562/14.1T8GMR.G1, relatado pela Desemb. Maria Luísa Ramos. 23. Acórdão de 02-02-2016, processo 3562/14.1T8GMR.G1.S1, relatado pelo Consº Fonseca Ramos, cujo sumário refere: “I - Jogam-se no art. 239.º, n.º 3, b)-i), do CIRE – cessão do rendimento disponível – dois interesses conflituantes: um, aponta no sentido da protecção dos credores dos insolventes/requerentes da exoneração; outro, na lógica da “segunda oportunidade” concedida ao devedor, visa proporcionar-lhe condições para se reintegrar na vida económica quando emergir da insolvência, passado o período de cinco anos a que fica sujeito com compressão da disponibilidade dos seus rendimentos. II - O montante não abrangido pela cessão do rendimento disponível deve ser fixado casuisticamente, tendo em conta “o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar…”. III - A norma remete para o conceito de “dignidade” que indissocia da exigência do sustento do devedor e do seu agregado familiar. IV - Se a lei alude ao salário mínimo nacional para definir o limite máximo isento da cessão do rendimento disponível, também se deve atender a esse salário mínimo nacional, para no caso concreto, saber a partir dele, o quantum que se deve considerar compatível o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar. V - Em regra, o salário mínimo nacional é o limite mínimo de exclusão dos rendimentos, no contexto da cessão de rendimentos pelo insolvente a quem foi concedida a exoneração do passivo restante, ou seja, nenhum devedor pode ser privado de valor igual ao salário mínimo nacional, sob pena de não dispor de condições mínimas para desfrutar uma vida digna. VI - Não constando, nem da Lei Fundamental, nem da lei ordinária, a existência de um salário mínimo familiar, definido em função dos rendimentos dessa natureza e da composição do agregado familiar, não existe fundamento legal para, no caso de ambos os membros do casal terem sido declarados insolventes e lhes ter sido concedida a exoneração do passivo restante, se atribuir um valor global não discriminado que, desde que supere o salário mínimo nacional, se deva considerar rendimento propiciador de um nível de vida minimamente digno. VII - Dado o valor dos rendimentos de duas pessoas idosas e titulares de pensões previdenciais de velhice, que ascendem a menos de mil euros mensais, tendo em conta as despesas a que têm que acorrer, o valor de € 750 que lhes foi reservado como isento de cessão, não é compatível com a dignidade que a Lei Fundamental exige e o critério do art. 239.º, n.º 3, al. b)-i, do CIRE acolhe. VIII - Apesar de se dever considerar que a economia familiar importa peculiar gestão dos rendimentos auferidos, tratando-se no caso de réditos diferenciados, ainda que com origem comum – ambos os recorrentes são devedores/insolventes e auferem pensão de velhice – a cada um deles deve ser atribuído montante igual ao salário mínimo nacional – porque só assim se lhes assegura uma vivência compatível com a dignidade humana, tendo em conta aquilo que deve ser o valor compatível com “o sustento minimamente digno”.”. 24. Processo 1020/13.0TBBRG-C.G1, relatado pela Desemb. Eva Almeida. No caso aí em apreço tratava-se de situação de casal, com uma filha, em que ambos como devedores foram declarados insolventes, estando desempregados, só ele auferindo uma quantia mensal de 261,58€ por mês de indemnização por acidente de trabalho e não tendo ela qualquer rendimento. O valor a excluir já fora considerado na decisão recorrida em conjunto e sancionou-se tal entendimento. 25. Desta mesma Relação, proferido no processo nº 218/10.8TBMNC.G1, relatado pela Desemb. Maria Cristina Cerdeira. Tratava-se de casal em que ambos foram declarados insolventes e, em 1ª instância, fixado o valor de 1,75 SMN por cada devedor, sendo que o marido apenas recebia subsídio de doença de 375,90€ e a esposa 1.361,89€ de salário (mês), tendo 3 filhos. 26. O englobamento, como se sabe, é também uma opção possível no regime do IRS. 27. Se assim se entende dever concretizar-se o direito à exclusão, a obrigação de entrega, em contrapartida, deverá conformar-se com o mesmo e de modo a que o casal jamais possa reter mais de 2 SMN no conjunto, sob pena de violação do seu dever – cfr., se bem vemos, em sentido não coincidente, o Acórdão da Relação do Porto, de 08-02-2018, processo 499/13.5TJPRT.P1, relatado pelo Desemb. Evaristo Vieira. |