Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO:
Nos presentes autos de processo comum singular, com o NUIPC nº89/13.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., em que é arguido AA, foi proferido seguinte despacho decisório: (Transcrição)
« Folhas 493.
AA requer a retificação de um eventual lapso na emissão de guias.
Conforme resulta do teor do requerimento do próprio arguido, as guias foram emitidas nos termos do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal e 139.º n.º 6 do Código de Processo Civil, concluindo-se que o requerente não terá sequer consultado tais dispositivos legais antes de vir invocar a existência de um «eventual» lapso.
As guias foram emitidas no estrito cumprimento do despacho que ordenou a liquidação da multa processual em falta, por aplicação do disposto nos artigos 107.º-A do Código de Processo Penal e 139.º n.º 6 do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, por falta de fundamento legal, indefere-se o requerido.
Custas do incidente anómalo e dilatório a que deu azo, a cargo do condenado, fixando-se a taxa de justiça em uma U.C. – artigo 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.* II Recurso
O arguido apresentou recurso no qual remata com as seguintes;
CONCLUSÕES:
1ª-O douto Despacho recorrido é nulo, dado que não se pronunciou (omissão de pronúncia) quanto ao pedido inserto no Requerimento do Recorrente, ou seja não refere se a Multa é 1 UC i. é 102,00 euros ou 127,50 Euros;
2ª-E, sendo de 127,50 euros – conforme as Guias enviadas, por que razão é de 127,50 euros e não de 102,00 - sendo certo que correspondendo à prática do acto no 2º dia útil seguinte sempre teria de ser de 102,00 (1UC) – Art.107º-A, al. 2 CPP.;
3ª- O douto Despacho recorrido vem na sequência do envio de Guias no montante de 127,50 Euros, sendo que a Multa processual em causa - prática do acto no 2º dia útil - é de 1 UC, i.é 102,00 euros (Art. 107º-A , alínea b) CPPenal) o envio dessas Guias desencadeou o Requerimento do ora Recorrente que aqui, se dá por transcrito;
4ª- O Despacho recorrido podia apenas indeferir o requerido, mas sem condenar em Taxa Sancionatória Excepcional, pois que não há qualquer Despacho nos autos que sirva de suporte à fixação do montante da Multa processual (2º dia) em 127,50 euros e o Arguido/Recorrente não foi notificado de qualquer Despacho a fixar a Multa do Art. 107º-A, alínea b) CPP em 127,50 euros;
5ª- O ora Recorrente analisou a situação com a atenção, cuidado, prudência e diligência exigíveis e precisamente por isso: tendo em atenção os preceitos legais, na ausência de Despacho em contrário e bem assim, na ausência de notificação da Baixa do Processo à 1ª Instância foi apresentado o Requerimento em causa - daí que não há - no caso ocorrente - qualquer incidente dilatório ou anómalo ;
6ª- No Requerimento em causa apenas se transcreveu o teor da Notificação (das Guias) em causa, atento o sobredito circunstancialismo, não concordando com a Notificação e montante das Guias (127,50 euros, referente ao Art. 107º-A, alínea b) CPP), estando em causa o agravamento da Multa, sem qualquer explicação e justificação, veio o Arguido/recorrente - com toda a legitimidade e toda a razão de ser - Requerer a correcção do (eventual) lapso;
7ª- Perante o Requerimento do Arguido/Recorrente, uma de duas:
Ou se admitia – como devia - o lapso da Secção e se ordenava a sua rectificação com subsequente emissão de Guias no montante de 1UC (102,00 euros)
Ou se justificava por que razão se entendia que não havia lapso e se fundamentava a razão da fixação da Multa de 1 UC, com o agravamento, em 127,50 euros - Esclarecendo-se o motivo da aplicação desse agravamento;
8ª- Tal não sucedendo, não se mostra justificada a aplicação da Taxa Sancionatória Excepcional - O Despacho recorrido enferma de Erro de julgamento, impondo-se a sua revogação;
9ª- O Recorrente não foi notificado da Baixa do Processo à 1ª Instância;
10ª-A Secção devia comunicar ao Arguido/Recorrente, de imediato, a baixa do Processo à 1ª Instância;
11ª- A Secção não comunicou a baixa do Processo à 1ª instância, nem enviou Guias (de 102,00 euros) imediatamente a seguir à baixa do Processo à 1ª instância;
12ª- Veio o Arguido/recorrente - com toda a legitimidade e toda a razão de ser - Requerer - nos sobreditos termos - a correcção de (eventual) lapso ;
13ª- O Arguido/Recorrente actuou - tão só - no exercício do seu direito de defesa e de patrocínio dos seus interesses processuais.
14ª- – “Não se deve confundir a defesa enérgica e exaustiva desses interesses com o seu uso desviante e perverso.
Só neste caso se justificará o sancionamento nos termos do citado art. 531.º do CPC.”;
15ª- “O uso da faculdade prevista no art. 531.º, do CPC no processo penal deve ser objecto de especial rigor, para não ser posto em causa o direito das partes a usufruir plenamente dos seus direitos de defesa ou de patrocínio dos seus interesses processuais. Ou seja, não se deve confundir a defesa enérgica e exaustiva desses interesses com o seu uso desviante e perverso.
Só neste caso se justificará o sancionamento nos termos do citado art. 531.º do CPC.” (in: Acórdão STJ de 20.05.2021 acessível em www.dgsi.pt);
16ª- Não estão reunidos os necessários pressupostos para aplicação – no caso ocorrente – de Taxa Sancionatória Excepcional (Art.521ºCPP e 531º NCPC).
17ª- O Arguido/Recorrente actuou no exercício do seu direito de defesa e de patrocínio dos seus interesses processuais.
18ª-O douto Despacho recorrido enferma pois de Erro nos pressupostos de facto e de direito.
19ª-O Despacho recorrido dispensou-se em absoluto de fundamentar, de forma compreensível, a aplicação da Taxa sancionatória excepcional - Impondo-se a sua revogação.
20ª- A norma extraída, conjugadamente, do Art. 107º-A, alínea b) e Art. 521º ambos do C.P Penal e do Art. 531º NCP Civil na interpretação - acolhida no Despacho recorrido - segundo a qual ao Requerimento a requerer rectificação de lapso quanto ao montante de Multa processual de 1 UC (102,00 euros) - pela prática, em processo penal, de acto processual no 2º dia útil seguinte ao termo do prazo - no seguimento do envio pela Secção de Guias no montante de 127,50 Euros, é de aplicar Taxa Sancionatória Excepcional considerando-se incidente anómalo e dilatório é inconstitucional por violação do direito de defesa, das mais amplas garantias de defesa incluindo o direito ao recurso e/ou de patrocínio dos interesses processuais do Arguido previsto no Art. 32º da Constituição.
21ª.O douto Despacho recorrido fez errada interpretação e incorrecta aplicação do direito ao caso sujeito, nas várias vertentes assinaladas, impondo-se a sua revogação. Foram violados, entre outros, os Artigos 107º-A, alínea b) e 521º ambos do CP Penal e Art. 531º NCP Civil e 32º da Constituição.
Termos em que, na procedência do recurso, deverá ser declarada a arguida nulidade ou quando menos ser revogado o douto Despacho recorrido, conhecendo-se ainda da questão de (in)constitucionalidade suscitada, tudo de harmonia com as Conclusões motivatórias, seguindo-se os ulteriores termos.* Em primeira instância, o Ministério Público respondeu ao recurso nos seguintes termos: (transcrição)
“(…)
Conclusões:
1.ª) Este é o quarto recurso interposto pelo arguido. A quarta vez em que se “esquece” de formular conclusões. A quarta vez em que o Tribunal o convida para formular conclusões, com o consequente “arrastar” do processo.
2.ª) 10 anos volvidos desde a data da prática do crime de abuso sexual de criança, 7 anos volvidos desde a prolação da sentença condenatória e 4 anos volvidos desde a revogação da suspensão da execução da pena, o arguido não pagou um cêntimo sequer da indemnização à ofendida (então com 12 anos de idade) e não cumpriu um dia sequer da pena de 8 meses de prisão em que foi condenado!
3.ª) Está em causa no recurso a liquidação de multa pela prática de ato processual fora de prazo (interposição de um outro recurso no segundo dia útil após o termo do prazo).
4.ª) Entende o arguido que o despacho recorrido é nulo por “omissão de pronúncia”; que não tinha que ser condenado na taxa sancionatória excecional e que, no anterior recurso, deveria ter sido notificado da “baixa” do processo à primeira instância. Manifestamente, não lhe assiste qualquer razão.
5.ª) O despacho recorrido encontra-se exemplarmente fundamentado, tendo explicado com clareza a razão da liquidação. As guias foram emitidas nos termos do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal e do artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, face à inércia do arguido, que não cuidou de proceder ao pagamento da multa (de 102 €), após ter sido notificado do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido a 7/12/2021.
6.ª) Consequentemente, foi liquidada a taxa sancionatória excecional de 25% do valor da multa, em cumprimento do artigo 139.º, n.º 6, do CPC.
7.ª) Aliás, tal liquidação já tinha sido efetuada um ano antes (fls. 429) e notificada ao arguido (fls. 430), sendo, assim, de questionar se não ocorreu o trânsito sobre tal matéria.
8.ª) A pretensão do arguido de que deveria ter sido notificado da “baixa” do processo à primeira instância é peregrina. Como se o pagamento da multa estivesse dependente de tal “detalhe”! O arguido sabia (porque disso foi notificado) que o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente o respetivo recurso, pelo que podia e devia ter pago de imediato a respetiva multa. Se foi imprevidente, não pode agora censurar terceiros.
Termos em que deverá essa Veneranda Relação negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, assim se fazendo JUSTIÇA.»* Neste Tribunal o Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, corroborando a resposta apresentada em primeira instância e concluindo pela improcedência do recurso.* Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP* Proferido despacho liminar, colhidos os vistos legais e efetuada a conferência, cumpre ora apreciar e decidir. * III Fundamentação
Como é pacífico (Cfr. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.
A questão central a resolver no presente recurso é a de saber:
- perante o requerimento apresentado pelo arguido a questionar o valor da multa a pagar por ter praticado um ato processual, interposição de recurso, fora de prazo, no 2º dia posterior ao seu términus, o despacho que sobre o mesmo recaiu sofre de nulidade, por omissão de pronúncia,
- se labora em erro de julgamento, e, para além disso, se pela apresentação desse requerimento não se justificava a condenação em taxa sancionatória excecional, prevista no art. 531º do CPC, que não se mostra fundamentada.
A não obter provimento o seu entendimento de que não se justifica essa condenação em taxa sancionatória excecional, invoca a inconstitucionalidade dessa interpretação colhida da aplicação do disposto no artigo 107º-A do CPP, em conjugação com o disposto no artigo 521º, nº 1, do mesmso diploma legal, e do artigo 531º do CPC.* Incidências processuais com interesse para a resolução do caso vertente.
No âmbito do processo principal, com data de 18 de fevereiro de 2020, foi proferido despacho que indeferiu uma promoção do Ministério Público a solicitar que a pena de oito meses de prisão aplicada ao arguido AA (após revogação da suspensão da execução da pena) fosse cumprida sob o regime de permanência na habitação, e ordenou a emissão de mandados de condução desse arguido ao estabelecimento prisional. Ref: ...11 do processo principal
O arguido interpôs recurso desse despacho. Ref: ...05 do processo principal
Tendo sido liquidada multa processual pela prática extemporânea desse ato recursivo, ao abrigo do disposto nos artigos 107º-A do CPP e do nº 6 do art. 139º do CPC, o arguido requereu que fosse dada sem efeito. Ref: ...93 do processo principal
Após promoção do Ministério Público no sentido do não atendimento do requerido, foi proferido despacho no qual, por haver concordância com a fundamentação de facto e o entendimento jurídico aí plasmado, se indeferiu o requerimento apresentado pelo arguido, por falta de sustentação de facto e de direito, e determinado à unidade de processos a liquidação da multa processual. Refs: ...63 e ...76
Deste despacho recorreu o arguido. Ref: ...89
Sobre este recurso, que correu termos sob o nº 89/13...., veio a recair Acórdão, proferido neste Tribunal da Relação, datado de 06/12/2021, que o julgou improcedente. Ref: ...77 do apenso A
O arguido foi notificado desse Aresto. (Ref: ...96),
Em 19/01/2022, após baixa/regresso do processo à 1º instância, foi proferido despacho a ordenar o cumprimento do que já anteriormente (em 22/01/2021, Ref: ...76) havia sido ordenado, que se cumprisse o despacho de fls. 428, ou seja, que a secção de processos emitisse novas guias para pagamento do montante respeitante à multa processual em causa. Ref: ...54 Proc. principal
Com data de 10/02/2022, foi feita nova liquidação da multa processual em falta, e notificado o defensor oficioso para proceder ao pagamento da mesma. Ref: ...28 Proc. principal
É perante esta nova liquidação dessa multa que o arguido apresenta o requerimento que está na génese do presente recurso, em que questiona o valor constante das guias emitidas, e invoca um eventual lapso no apuramento do mesmo.
Na sua ótica, daquele despacho de fls. 428 conclui-se que a multa correspondente à prática do ato no 2º dia é no montante de 1 Uc, ou seja, € 102,00, e não € 127,50 como consta das guias respetivas. Pelo que, solicita a retificação das mesmas no sentido que propugna.
Em resposta a este requerimento é proferido o despacho impugnado, que aqui se dá por reproduzido, e aplicada a taxa sancionatória excecional.
Apreciação
Do montante da multa liquidada
Antes de mais, cumpre salientar que esta questão já foi alvo de apreciação no âmbito do recurso nº 89/13...., em cujo acórdão, transitado em julgado, foi amplamente explicado que o ato processual que deu origem à liquidação da multa em questão (interposição de recurso) foi praticado extemporaneamente, após o prazo de 30 dias legalmente fixado, e que essa prática ocorreu no 2º dia útil seguinte após o decurso desse prazo.
Mais foi exarado nesse aresto, “que o arguido, para validamente praticar o acto (interposição de recurso) após o termo do prazo normal que dispunha, teria de pagar a multa processual aí prevista (acrescida da penalização de 25%) não merecendo por isso censura o ato da Secretaria que, oficiosamente, liquidou a multa processual, nem o despacho recorrido que indeferiu o pedido do arguido de dar sem efeito a referida multa.”
A multa e acréscimo em causa resultam do disposto nos seguintes preceitos legais:
“Artigo 107.º-A
Sanção pela prática extemporânea de actos processuais
Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de actos processuais penais aplica-se o disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
a) Se o acto for praticado no 1.º dia, a multa é equivalente a 0,5 UC;
b) Se o acto for praticado no 2.º dia, a multa é equivalente a 1 UC;
c) Se o acto for praticado no 3.º dia, a multa é equivalente a 2 UC.”
“Artigo 139.º (art.º 145.º CPC 1961)
Modalidades do prazo
1 - O prazo é dilatório ou perentório.
2 - O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo.
3 - O decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato.
4 - O ato pode, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.
5 - Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:
a) Se o ato for praticado no 1.º dia, a multa é fixada em 10 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 1/2 UC;
b) Se o ato for praticado no 2.º dia, a multa é fixada em 25 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 3 UC;
c) Se o ato for praticado no 3.º dia, a multa é fixada em 40 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 7 UC.
6 - Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário.”….(…)”
Nesse recurso, e no acórdão que sobre ele incidiu, uma das questões em discussão, para além de apurar se o ato foi praticado no primeiro ou no segundo dia após o decurso do prazo legal, e que com esta está umbilicalmente ligada, foi a do montante global da multa processual que o atraso verificado originou, ou seja, o valor a liquidar nas guias remetidas para pagamento. E aí ficou definitivamente decidido, como se extrai do dispositivo final e da motivação que o fundamenta, que o arguido/recorrente teria de pagar a multa prevista no art. 107º-A al. b) (se o acto for praticado no 2º dia, a multa é equivalente a 1 UC), acrescida da penalização de 25%, pelo facto de não ter sido efetuado o pagamento imediato daquela multa, tal como previsto no nº 6 do art. 139º do CPC. Sendo certo que o ato foi praticado por mandatário, o que nem sequer é questionado.
Afigura-se-nos, pois, que esta questão respeitante ao valor global da multa a suportar pelo atraso verificado se encontra definitivamente resolvida com a prolação do acórdão supra referido exarado no âmbito do apenso nº 89/13.2TAVRM-A, verificando-se assim um caso julgado formal, que terá de ser respeitado em todo este processo, principal e apensos.
De qualquer forma, sempre se dirá que não assiste a mais pequena razão ao recorrente.
Regressado o processo à 1º instância, após prolação e trânsito do acórdão, nº 89/13.2TAVRM-A, a secretaria procedeu a nova liquidação da multa processual que havia sido fixada, e confirmada superiormente. Fê-lo na sequência de despacho proferido pela Sr.ª Juiz do processo, em 19/01/2022, a ordenar o cumprimento do que já anteriormente, em 22/01/2021, havia sido ordenado, cfr. o despacho de fls. 428 do proc. principal, ou seja, que a secção de processos emitisse novas guias para pagamento do montante respeitante à multa processual em causa.
Mas, a secção de processos não necessitava dessa ordem para liquidar e emitir as guias referidas, poderia tê-lo feito oficiosamente - Cfr. Art. 139º, nº 6, do CPC (“a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa”. E, repito, a secretaria limitou-se a renovar uma liquidação já anteriormente realizada, notificada ao arguido, alvo de reclamação, de cuja decisão foi interposto recurso, e superiormente confirmada.
Não obstante, esta nova liquidação foi-lhe devidamente comunicada para pagamento, na pessoa do seu defensor.
Contrariamente ao entendido pelo recorrente, não teria que ser (novamente) notificado de qualquer despacho a indicar que a multa era fixada em € 127,50. Este valor já havia sido liquidado e confirmado por decisão superior, transitada em julgado. Pelo que, jamais poderia reivindicar a prática de ato inócuo, desnecessário, para lhe dar conhecimento daquilo que, para além de resultar diretamente da lei, cujo desconhecimento o não favorece, já tinha sobejo conhecimento. Desde logo com a notificação do acórdão proferido no proc. nº 89/13.2TAVRM-A.
Também não se entende a pretensão do recorrente de que teria de ser notificado da baixa do processo à 1ª instância, posição bem caraterizada pelo Ministério Público na resposta ao recurso, como “peregrina”.
Não existe suporte legal a prever essa notificação. Seja como for, o recorrente foi notificado da nova liquidação da multa processual, e para proceder ao seu pagamento. Nessas guias de liquidação, tal como nas anteriormente emitidas, já constava o valor a pagar e que a multa era respeitante ao disposto no art. 107º-A do CPP. Para além de ter ficado esclarecido o motivo pelo qual esse valor era de € 127,50, no âmbito do recurso supra referido, também na notificação que acompanhou essas guias lhe é expressamente dito “para proceder ao pagamento da multas de sua responsabilidade, nos termos do disposto no art.º 107º-A do C.P.Penal e do nº 6, do art.º 139º, do C.P.Civil”
Perante este conjunto de circunstâncias factuais, não vislumbramos a falta de qualquer ato de natureza processual, designadamente notificações, que o despacho impugnado seja omisso na pronúncia de qualquer questão que lhe cumprisse apreciar, e, consequentemente nulo, ou que esteja impregnado de um erro de julgamento.
Como aí ficou exarado: “Conforme resulta do teor do requerimento do próprio arguido, as guias foram emitidas nos termos do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal e 139.º n.º 6 do Código de Processo Civil, concluindo-se que o requerente não terá sequer consultado tais dispositivos legais antes de vir invocar a existência de um «eventual» lapso.
As guias foram emitidas no estrito cumprimento do despacho que ordenou a liquidação da multa processual em falta, por aplicação do disposto nos artigos 107.º-A do Código de Processo Penal e 139.º n.º 6 do Código de Processo Civil.”
Sendo, pois, para além do já acima dito quanto ao caso julgado formal já formado no processo, evidente a falta de razão do recorrente.
Da taxa sancionatória excecional
Prescreve o Artigo 521.º, do CPP
“Regras especiais
1 - À pratica de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quando à condenação no pagamento de taxa sancionatória excepcional.”
Nos termos do disposto no “Artigo 531.º (art.º 447.º-B CPC 1961)
Taxa sancionatória excecional
Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.”
Essa taxa sancionatória devida pelos procedimentos anómalos é determinada de acordo com o artigo 10º do RCP, DL nº 34/2008, de 26/02.
A finalidade desta taxa sancionatória excecional é a de contribuir para a economia processual e celeridade da justiça, instituindo um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, bloqueiam os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados, conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.2.
Com este instituto visa-se sobretudo evitar a prática de atos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insuscetíveis de conduzir ao resultado pretendido ou sendo jurídico-processualmente estéreis não poderem produzir a qualquer efeito processual útil, para além claro da aptidão para desencadearem o mecanismo da taxa sancionatória excecional.
São pressupostos de aplicação da taxa sancionatória excecional (Cfr. Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, p. 1274-1275); o Ac. do STJ de 09-05-2019 (Conceição Gomes) e o Ac. TRC de 19-12-2018 (Maria José Nogueira), in dgsi.pt.:
- a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, revelando uma natureza meramente dilatória;
- a atuação imprudente, desprovida da diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula/apresenta;
- o seu efeito dilatório.
A utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização abusiva integram a previsão do artigo 531º do CPC, pois constituem a prática de atos meramente dilatórios completamente infundados.
Para concluir pela utilização abusiva de meios processuais deve o Tribunal proceder a uma rigorosa distinção entre o que constitui uma defesa enérgica e exaustiva dos interesses das partes e um uso desviante e perverso dos meios processuais. Só neste último caso se justificando o sancionamento nos termos do citado artigo 531.º, do CPC. (Cfr. neste sentido o Ac. STJ de 29-05-2019 (Maia Costa), in dgs.pt.)
Da falta de fundamentação
No despacho impugnado, para além do excerto supra acabado de transcrever, foi vertido: “Pelo exposto, por falta de fundamento legal, indefere-se o requerido.
Custas do incidente anómalo e dilatório a que deu azo, a cargo do condenado, fixando-se a taxa de justiça em uma U.C. – artigo 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais”
Afigura-se-nos que também relativamente a esta questão a razão não abriga a posição do recorrente.
O recorrente alega que o despacho recorrido “dispensou-se em absoluto de fundamentar, de forma compreensível, a aplicação da Taxa sancionatória excepcional - Impondo-se a sua revogação.”
O dever de fundamentação é imposto pelos artigos 97.º, n.º 5, do CPP e 205.º, n.º 1, da CRP, por omissão dos respetivos fundamentos de facto e de direito.
Vejamos então do dever de fundamentação das decisões judiciais, começando pelo princípio.
E no princípio, como é sabido, está a Constituição da República que, no seu artigo 205º, n.º 1, impõe que «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.»
E compreende-se a razão de ser desta imposição quer na decisão judicial em geral, quer no processo penal, pois a fundamentação da decisão, dando a conhecer aos destinatários da decisão, à comunidade em geral e, em caso de recurso, ao tribunal da instância superior, as razões pelas quais o tribunal decidiu num sentido ou noutro, é uma exigência do Estado de Direito e do direito a um processo justo e equitativo, onde constitui uma garantia de defesa, desde logo através do direito ao recurso, assegurado pelo artigo 32º, n.º 1 da Constituição.
Este princípio constitucional do dever de fundamentação das decisões judiciais é depois concretizado pelo legislador ordinário, variando o grau de fundamentação exigido de acordo com as matérias e relevância das decisões em causa, o que é claramente percetível no Código de Processo Penal na diferença de tratamento dada às sentenças, aos despachos e aos despachos de mero expediente.
Com efeito de acordo com o artigo 97.º, n.º 5 do CPP, «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.»
E, nos termos do n.º 1 são atos decisórios dos juízes: as sentenças, quando conhecerem a final do objeto do processo; e os despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo, fora do caso previsto na alínea a) do mesmo número.
O grau de exigência na fundamentação das sentenças é superior ao dos despachos, conforme se retira do disposto nos artigos 374º, 375º e 379º do CPP.
A decisão recorrida constitui um despacho que não é de mero expediente pelo que, embora sujeita ao dever geral de fundamentação do artigo 97º, n.º 5 do CPP, não está sujeita às exigências de fundamentação das sentenças, pois o artigo 374º do CPP é aplicável apenas às sentenças, conforme resulta logo da sua inserção sistemática. Argumento também aplicável à alegada omissão de pronúncia.
É certo que nos despachos que não sejam de mero expediente devem ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, mas passar daí à exigência da enumeração ponto por ponto, como nas sentenças, dos factos suscetíveis de integrar a previsão da norma em causa é algo que não se vislumbra nas disposições legais aplicáveis.
O que é necessário é que neles estejam suficientemente compreensíveis e claros os fundamentos de facto e de direito da decisão. E para tanto é admissível, desde que compreensível e clara, a fundamentação por remissão, seja para peças processuais, para promoções do Ministério Público ou para requerimentos dos Advogados, os quais se consideram integrados no despacho.
São razões de eficácia, celeridade e economia processual que justificam tal procedimento, válido desde que não frustre os fins da fundamentação, nomeadamente a inteligibilidade da decisão para os seus destinatários.
Na sua alegação de falta de fundamentação de facto da decisão, o recorrente esquece-se, desde logo, de que esse despacho faz parte de um todo, que na sua fase inicial nos diz: “Conforme resulta do teor do requerimento do próprio arguido, as guias foram emitidas nos termos do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal e 139.º n.º 6 do Código de Processo Civil, concluindo-se que o requerente não terá sequer consultado tais dispositivos legais antes de vir invocar a existência de um «eventual» lapso. As guias foram emitidas no estrito cumprimento do despacho que ordenou a liquidação da multa processual em falta, por aplicação do disposto nos artigos 107.º-A do Código de Processo Penal e 139.º n.º 6 do Código de Processo Civil.”, ou seja, há uma explicação, fundamentação, embora não exaustiva, prévia feita no despacho que aponta para o requerimento que levou à aplicação da taxa sancionatória excecional, e não só. Com efeito, o despacho recorrido inicia-se com uma alusão para o requerimento formulado pelo arguido, para o teor das guias emitidas e no teor do despacho que ordenou a sua emissão, que se reporta diretamente ao proferido a fls. 428 dos autos principais, e ao fazê-lo integra o teor desses documentos e despachos no ora em crise.
Ora, o requerimento em causa sendo da autoria do recorrente era por si necessariamente conhecido. Acresce que, como resulta de tudo o que acima foi escrito, o recorrente era sobejamente conhecedor das razões de ordem legal que suportavam a sua condenação no pagamento da multa processual, e do acréscimo que impendia sobre a mesma, designadamente após ter sido notificado do acórdão proferido neste Tribunal no âmbito do apenso nº 89/13.2TAVRM-A. Para além disso, e do que já dissemos acerca do desconhecimento da lei, que não o beneficia, também na notificação para pagamento das novas guias de liquidação emitidas lhe é referenciado a base legal em que se estriba a multa e valor a pagar.
Como se extrai de todo o cenário circunstancial que dá corpo a este recurso, ao comportamento do arguido ao longo de todo o processo, resulta evidente que, contrariamente ao por si afirmado, não “analisou a situação com a atenção, cuidado, prudência e diligência exigíveis”. Se o tivesse feito não assumiria o comportamento processual, repetidamente, embora com roupagem diferente, mas sempre com a mesma intenção, de protelamento do andamento do processo, que acabou por voltar a assumir.
É manifesta a anomalia e o caráter dilatório do incidente processual que originou, provocando o presente recurso e procurando eximir-se ao pagamento de uma multa que lhe foi devida e legalmente aplicada (para além do cumprimento da pena a que está condenado), confirmada superiormente em termos definitivos e cujo suporte legal não pode desconhecer, ainda mais assessorado juridicamente.
Assim sendo, mostrando-se suficientemente fundamentado o despacho impugnado, aliás a evidência da situação é de tal forma gritante que mais não justificaria, por despiciendo, somos do entendimento que a taxa sancionatória excecional aplicada se revela factual e legalmente justificada, sendo manifestamente improcedentes o incidente e recurso instaurados, bem como a falta de diligência e prudência do recorrente. Para além de que o valor arbitrado a este título até o beneficia, porquanto no despacho impugnado se recorre à moldura prevista na tabela II anexa ao RCP, mas a norma que deveria ter sido aplicada é a do art. 10º do RCP “A taxa sancionatória é fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC”, ou seja, o mínimo de tal taxa seria de 2 UC. Mas tal questão não é controvertida.
A verdade é que a reiteração ou repetição de um anterior requerimento, incidente e recurso, é com certeza um facto jurídico com eventual relevância para desencadear o efeito jurídico da taxa sancionatória. E também a insistência em trazer aos autos questões impertinentes e descabidas se poderá considerar constituir também facto jurídico com relevo para a aplicação da sanção em causa.
Quanto à fundamentação de direito, admitimos que o despacho poderia ter citado os artigos 531º do CPC e 521º do CPP, mas a leitura do despacho no seu todo, deixa, sem margem para dúvidas, qual foi o instituto aplicado.
Aliás, o próprio recorrente entendeu, como da leitura das conclusões do recurso naturalmente resulta, qual o instituto aplicado e quais as normas em causa. Em suma, compreendeu os fundamentos facto e de direito da decisão.
Assim, contrariamente ao pretendido, entendemos que o despacho recorrido não violou, por omissão dos respetivos fundamentos de facto e de direito, o dever de fundamentação imposto pelos artigos 97.º, n.º 5, do CPP e 205.º, n.º 1, da CRP, e que os pressupostos de que depende aplicação da taxa sancionatória excecional aludidos se mostram plenamente verificados.
Da alegada inconstitucionalidade
O recorrente entende que:
“A norma extraída, conjugadamente, do Art. 107º-A, alínea b) e Art. 521º ambos do C.P Penal e do Art. 531º NCP Civil na interpretação - acolhida no Despacho recorrido - segundo a qual ao Requerimento a requerer rectificação de lapso quanto ao montante de Multa processual de 1 UC (102,00 euros) - pela prática, em processo penal, de acto processual no 2º dia útil seguinte ao termo do prazo - no seguimento do envio pela Secção de Guias no montante de 127,50 Euros, é de aplicar Taxa Sancionatória Excepcional considerando-se incidente anómalo e dilatório é inconstitucional por violação do direito de defesa, das mais amplas garantias de defesa incluindo o direito ao recurso e/ou de patrocínio dos interesses processuais do Arguido previsto no Art. 32º da Constituição.”
Não vislumbramos que da conjugação das normas legais citadas, da interpretação que das mesmas foi retirada pelo tribunal recorrido, e que sufragamos, quanto ao comportamento processual do arguido no levantamento do incidente, e na consequente interposição de recurso, ocorra qualquer violação do seu direito de defesa ou do direito ao patrocínio, e, consequentemente do disposto no art. 32º da CRP.
Ao arguido não foram coartados quaisquer direitos na sua defesa, nomeadamente no patrocínio jurídico que o tem patrocinado em termos de defesa. O que constatamos, tal como aconteceu em 1ª instância, é que tem feito um uso abusivo e manifestamente dilatório desse direito, repetindo incidentes e suscitando questões que se revelam sem qualquer fundamento legal, para além de já definitivamente decididas.
Pelo que, em conclusão, não vislumbramos a existência de qualquer inconstitucionalidade na interpretação assumida relativamente às normas que fundamentam a aplicação arguido da taxa sancionatória excecional, que ocorra violação do seu direito de defesa, nem a violação de qualquer das demais norma processuais invocadas, improcedendo a posição por ele defendida. * Pelo que, face a tudo o exposto, o recurso interposto pelo arguido está votado ao fracasso.* IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
Julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente AA, e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UCs, artigos 515.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa a este último diploma. * (O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
Notifique* Guimarães, 6 de fevereiro de 2023
Os Juízes Desembargadores
Relator - José Júlio Pinto
1º Adjunto - Pedro Cunha Lopes
2º Adjunto – Fátima Furtado |