Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO MONTERROSO | ||
Descritores: | COACÇÃO ELEMENTOS DA INFRACÇÃO OMISSÃO VIOLÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/30/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - Para o preenchimento do crime de coacção não basta que alguém seja impedido de ter determinado comportamento: é, ainda, necessário que a omissão se deva ao uso de violência ou de ameaça de um mal importante. II - O conceito de violência abrange quer o uso da força física, que tem um efeito corporal, quer a chamada violência psíquica, que é uma pressão anímica exercida sobre a vítima, que anula, ainda que parcialemnte, a sua vontade ou que a coloca numa situação de inferioridade que a impede de reagir como quer. III - A simples colocação de um veículo em posição de barrar a passagem de outrém, não constitui, por si só, necessariamente, um acto de intimidação. IV- Assim, a conduta do arguido que se limitou a parar um veículo automóvel no meio de um caminho que dá acesso a uma residência onde se encontrava o assistente, posicionando-o de forma a impedir que o assistente abandonasse o local ao volante de outro veículo, não integra o crime de coacção. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães No 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima (Proc. nº 264/09.4GAPCR), foi proferida sentença que: a) absolveu o arguido CARLOS G... pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de coacção, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13°, 1’ parte, 14°, n°1, 26°, 1’ proposição, e 154°, n°1, todos do Código Penal; b) condenou o arguido CARLOS G... pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13°, 1’ parte, 14°, n°1, 26°, 1a proposiçio, e 143°, n°1, todos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), num total de €780,00 (setecentos e oitenta euros) c) condenou, o demandado CARLOS G... a pagar ao demandante MANUEL D... o valor total de €422,90 (quatrocentos e vinte e dois euros e noventa cêntimos), correspondendo €400,00 (quatrocentos euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem os competentes juros de mora, vencidos a partir do momento da prolaçào da decisão, à taxa legal e anual em vigor em cada momento e até efectivo e integral pagamento, e €22,90 (vinte e dois euros e noventa cêntimos), a título de danos patrimoniais, a que acrescem os competentes juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil, à taxa legal e anual em vigor em cada momento até efectivo e integral pagamento. * O magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido interpôs recurso desta sentença, limitado à absolvição quanto ao crime de coacção.A questão a decidir no recurso é a de saber se os factos provados constituem o arguido na autoria de tal crime. * Não houve resposta ao recurso.Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido do recurso ser julgado improcedente. Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP. Colhidos os vistos cumpre decidir. * I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):1. No dia 25 dc Outubro de 2009, pelas 19 horas, o arguido CARLOS G... deparou-se com o assistente MANUEL D..., seu ex-cunhado, que se dirigira à residência da sua ex-mulher, irmã do arguido, com o propósito de ir buscar o filho de ambos, que unha ido passar o fim-de-semana com a mãe. 2. Nas descritas circunstâncias, encontrando-se ainda o assistente nessa residência, o aludido Carlos G... introduziu-se no veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca “Peugeot”, com a matrícula 54-28-..., e tripulou-o pelo único caminho transitável, em calçada portuguesa, que liga o Lugar de Casal de Pedro à Estrada Municipal que passa pela freguesia de Rendufe, área desta comarca, assim abandonando aquele local. 3. Após percorrer uma distância nunca inferior a 15Dm, o arguido parou a descrita viatura no meio desse caminho, numa zona onde o traçado descreve uma curva, deixando uma faixa de ambos os lados do identificado veículo com uma largura livre nunca superior a 1,30m. 4. Sabia o arguido que tal faixa não tinha largura suficiente para que o assistente conseguisse passar com o veículo automóvel que tripulava na altura, um ligeiro de passageiros, igualmente da marca “Peugeot”, com a matrícula 50-25-.... 5. Decorridos alguns minutos, o referido Manuel D... deparou-se com o veículo 54-28-... imobilizado no mencionado caminho, vendo-se também obrigado a imobilizar a sua viatura. 6. Nessa altura, o arguido Carlos G... saiu daquele veículo e dirigiu-se à viatura do assistente, com a matricula 50-25-.... 7. Apesar de o aludido Manuel D..., por várias vezes, quer no interior, quer no exterior do seu veículo automóvel, ter solicitado ao arguido que retirasse a viatura 54-28-..., de modo a desimpedir a passagem, este sempre recusou-se a fazê-lo. 8. A dado momento, no seguimento desta troca de palavras, o mencionado CARLOS G... empurrou o assistente até o encostar ao valado em terra existente do lado esquerdo do identificado cai-ninho, considerando o sentido de marcha de ambas as viaturas. 9. Nessa altura, o arguido desferiu 3 (três) murros no assistente, atingindo-o na cabeça, em concreto, por detrás da orelha esquerda e no pescoço, 10. Corno consequência directa e necessária da conduta supra descrita, o arguido causou ao assistente uma equimose na face lateral esquerda do pescoço, com 4cm x 4cm de extensão, que determinaram para este último 8 (oito) dias para a consolidação, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. 11. O arguido Carlos G... agiu livre, deliberada e conscientemente, com o intuito concretizado de molestar o assistente na sua integridade física e provocar-lhe dores, incómodos e sofrimentos. 12. O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e, ainda assim, não se absteve de a realizar. 13. Do Certificado de Registo Criminal do arguido nada consta. Provou-se, ainda, que: 14. No lapso de tempo que medrou entre o arguido aproximar-se da viatura tripulada pelo assistente e a supra descrita agressão, aquele CARLOS G... procurou sempre desafiar e provocar o aludido MANUEL D..., com o propósito de obter deste uma reacção. 15. Não obstante, o assistente manteve-se sempre controlado perante a atitude desafiadora do arguido. Do pedido de indemnização civil 16. Como resultado desta agressão, o assistente experimentou dores e mal-estar físico. 17. Por força da descrita agressão, aquele Manuel D... necessitou de receber assistência médica e medicamentosa, bem como efectuar exames, no que despendeu o montante global de €22,90 (vinte e dois euros e noventa cêntimos). 18. A data mencionada em 1., o assistente trabalhava, auferindo um valor diário nunca inferior a €25,00 (vinte e cinco euros), a titulo de remuneração. 19. Devido àquela agressão, o assistente deslocou-se ao Gabinete Médico-Legal, sito no “Centro Hospitalar do Alto Minho, SÃ.”, em Viana de Castelo, pata realizar um exame, à “Clipóvoa”, também para realizar um exame, e à Guarda Nacional Republicana, para ser inquirido e para participar na reconstituição dos factos que se discutem nestes autos. 20. Essas deslocações impediram-no de trabalhar num total correspondente a dois dias e meio. Provou-se, ainda, que: 21. O arguido CARLOS G... é solteiro. 22. Encontra-se desempregado há 1 (um) ano, sendo que anteriormente exercia a actividade profissional de empregado de mesa, auferindo um vencimento mensal que, em concreto, não foi possível apurar. Considerou-se não provado: a) que nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 1., dos factos provados, o arguido Carlos Alberto de Sonsa Gomes decidisse que iria “tirar satisfações” do assistente MANUEL D...; b) que o arguido e o assistente saíssem dos respectivos veículos automóveis no momento em que este último imobilizou a viatura que tripulava no caminho que liga o Lugar de Casal dc Pedro à Estrada Municipal que passa pela freguesia de Rendufe; c) que nessa mesma altura se gerasse uma discussão entre os aludidos Carlos G... e Manuel D...; d) que ao imobilizar o veículo automóvel com a matrícula 54-28-... naquele caminho, o arguido, por meio de violência e/ou de ameaça, constrangesse o assistente a ter de o enfrentar, forçando-o a sair do interior da viatura que tripulava, assim diminuindo a liberdade de determinação deste último, agindo deliberada, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei; * FUNDAMENTAÇÃOO recurso visa exclusivamente o reexame da matéria de direito e limita-se à absolvição do arguido pelo crime de coacção p. e p. pelo art. 154 nº 1 do Cod. Penal de que vinha acusado. Em resumo, no que a este crime diz respeito, relata-se nos «factos provados» que no dia 25 de Outubro de 2009, o arguido Carlos G... parou um veículo automóvel no meio dum caminho que dá acesso a uma residência onde estava o assistente Manuel D..., posicionando-o de forma a impedir que o assistente abandonasse o local ao volante de outro veículo. O recurso, diga-se desde já, improcede. Comete o crime de coacção do art. 154 nº 1 do Cod. Penal quem, “por meio de violência ou ameaça de mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade…”. No caso, o assistente foi impedido de passar com o seu veículo. Foi obrigado a uma “omissão” devido a facto imputável ao arguido. Contudo, para que estejam preenchidos todos os elementos típicos do crime, não basta que alguém seja “impedido” de ter determinado comportamento. É necessário que a omissão se deva ao uso de violência ou de ameaça de mal importante por parte do agente. O crime de coacção está inserido num capítulo com a epígrafe «dos crimes contra a liberdade pessoal». Tutela-se com a incriminação o bem jurídico da liberdade de decisão e de acção. De algum facto há-de ser possível concluir que o visado, para além da impossibilidade material de ter um determinado comportamento em vez de outro, ficou diminuído na sua liberdade de decisão em consequência do comportamento do agente. O emprego na norma do verbo «constranger», em vez de «impedir» aponta nesse sentido. Usando um exemplo que todos compreenderão, se alguém furta a chave duma casa para que o dono desta não possa entrar nela, não comete um crime de coacção, ainda que o fim seja atingido. O agente consegue que o visado não entre na casa, mas falta, de todo, o requisito da violência. Também não comete este crime quem se limita a fechar um portão, que devia estar aberto, desse modo impedindo o uso de um caminho por quem tem direito a passar por ele. É certo que o conceito de “violência” (apenas deste se tratará, porque no recurso não se suscita a questão de ter havido “ameaça de mal importante”) é amplo. Abrange quer o uso de força física, que tem um efeito corporal, quer a chamada “violência psíquica”, que é uma pressão anímica exercida sobre a vítima, que anula, ainda que parcialmente, a sua vontade ou que a coloca numa situação de inferioridade que a impede de reagir como quer – v. acórdão da Rel. Porto de 7-1-09, proc. 6766/08, relatora Maria do Carmo, disponível na internet, citado no parecer do sr. procurador-geral adjunto. Porém, no caso, nenhuma acção com estas características foi exercida contra o assistente, ou contra terceiros, de forma a condicionar o assistente. Ao contrário do alegado pelo magistrado recorrente, a simples colocação do veículo em posição de barrar a passagem não constitui, por si só, necessariamente, um acto de intimidação (como não constitui intimidação o simples acto de fechar o portão no exemplo acima dado). «Intimidar» significa “inspirar receio, medo, ou temor; apavorar; assustar” – Dicionário de Português, Porto Editora, 3ª ed. Pode alguém barrar o caminho a outrem apenas para o obrigar a ter uma conversa que pretende que seja cordial. DECISÃO Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães negam provimento ao recurso confirmando a sentença recorrida Sem custas nesta instância. 30-5-2011 |