Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3851/21.9T8VCT.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RECONHECIMENTO DE DÍVIDA
DOCUMENTO PARTICULAR
DOCUMENTO AUTENTICADO
VALIDADE DO RECONHECIMENTO PRESENCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A nulidade prevista no art. 615º,1,d CPC reconduz-se à omissão ou ao excesso de pronúncia, e ocorre quando não se decide alguma das questões suscitadas pelas partes que não tenha ficado prejudicada pela solução dada a outra ou se conheça de questões que não podiam ser conhecidas. Qualquer argumento usado na sentença, destinado a fundamentar a decisão da causa, nunca pode configurar uma nulidade: saber se esse argumento é válido, é inválido, é útil, inútil, é descabido, é irrelevante, é perspicaz, envolve a apreciação da substância da causa.
2. Um documento feito por alguém que declara que deve dinheiro a um terceiro e explica porquê, e assina no final, é um documento particular, porque não foi exarado pelas autoridades públicas, nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública.
3. Porém, junto com esse documento pode ser apresentado um instrumento de reconhecimento presencial de assinatura, nos termos do art. 38º do DL 76-A/2006 de 29 de Maio, no qual um Advogado certifica que a assinatura constante do documento anexo pertence à pessoa em causa, em virtude de ter sido efectuada na sua presença pelo respectivo signatário. E sendo respeitados todos os requisitos impostos por lei (Portaria 657-B/2006), ficamos perante um documento autenticado, com a força probatória dos documentos autênticos, pelo que fazem prova plena quanto aos factos praticados ou atestados pela entidade documentadora (art. 377º CC).
4. Mas, para o reconhecimento presencial ser válido, ele tem de ser mesmo, passe o pleonasmo, presencial. Não cumpre esta exigência um documento datado de determinada data, assinado pelo seu suposto autor, e que traz apenso um instrumento de reconhecimento feito, datado e registado no sistema informático da Ordem dos Advogados 3 meses depois da data aposta no documento em causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

 EMP01..., LDA, sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, pessoa colectiva nº ...74, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., com sede no Parque Empresarial ..., Lote ..., ...0, cidade e concelho ..., veio ao abrigo do disposto no artigo 2091º,1 do Código Civil, instaurar contra:
HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE AA, representada pelos herdeiros:

1º- BB, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com CC, residente no Largo ..., freguesia ..., C.P. ...00-025, concelho ...;
2º- DD, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com EE, residente na Estrada ..., ..., freguesia ..., C.P. ...00-997, concelho ...;
3º- FF, casado no regime da comunhão de adquiridos com GG, residente no Caminho ..., ..., freguesia ..., C.P. ...00-012, concelho ...;
4º- HH, casado no regime da comunhão de adquiridos com II, residente no Largo ..., freguesia ..., C.P. ...00-025, concelho ...;
5º- JJ, casada no regime de comunhão de adquiridos com KK, residente no Caminho ..., ..., freguesia ..., C.P. ...00-025concelho de ...,
acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, peticionando a condenação da Ré HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE AA, nos termos seguintes:
a) No pagamento à Autora da quantia de € 32.270,74 (trinta e dois mil duzentos e setenta euros e setenta e quatro cêntimos);
b) No pagamento à Autora dos juros vencidos sobre esse montante, à taxa legal, contados desde a citação dos Réus para a presente acção até efectivo e integral pagamento;
c) Devem os RR. A. ser condenados nas custas e demais encargos do processo:
Fundamenta o peticionado alegando em síntese que mediante documento particular outorgado pelo falecido AA, intitulado DECLARAÇÃO DE RECONHECIMENTO E CONFISSÃO DE DÍVIDA, datado de 30/09/2013, aquele confessou, para todos os devidos e legais efeitos, ser devedor perante a sociedade comercial Autora, de que era, à data, sócio e gerente, pelo valor de € 52.270,74 (cinquenta e dois mil duzentos e setenta euros e setenta e quatro cêntimos), nos termos do documento anexo a essa declaração (cfr. Doc. n° 3, que juntou).
Mais alegou que nesse documento o falecido AA declarou que, em virtude de ter emprestado à ora Autora, em 19/07/2002, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), a título de suprimento destinado a financiar a construção do edifício onde passou a funcionar a sede desta, depois de operada a compensação entre o valor desse suprimento, de que é credor, e o valor da sua dívida perante a A., reconhecia ser devedor perante aquela, na referida data de 30/06/2013, pelo valor de € 32.270,74 (trinta e dois mil duzentos e setenta euros e setenta e quatro cêntimos), que se obrigou a pagar.
Referindo ainda que a declaração em apreço foi assinada pelo falecido AA na presença do advogado signatário da presente peça processual em 17/01/2014, tendo este procedido ao reconhecimento presencial da respectiva assinatura, nos termos do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29/03 e da Portaria nº 657-B/2006, de 29/06, conforme se extrai do referido Doc. nº 3.
Concluindo que a declaração de dívida em apreço teve, assim, por objectivo, reembolsar a A. de um conjunto de despesas, danos, perdas e prejuízos imputáveis ao falecido que este voluntariamente reconheceu e assumiu.

BB, DD, HH e JJ, herdeiros da herança de AA, apresentaram contestação impugnando o alegado pela Autora, concluindo pela improcedência da acção.
Alegam que as assinaturas e as rubricas apostas nos docs. nºs 3 e 4 juntos com a petição inicial não são verdadeiras, porquanto não pertencem ao falecido AA, por não terem sido apostas pelo seu próprio punho.
Assim, reiteram que o documento intitulado “Declaração de Reconhecimento e Confissão de Dívida” carece de força probatória plena, não fazendo qualquer prova relativamente às declarações atribuídas ao seu suposto autor, AA, razão pela qual concluem pela sua absolvição.

FF, declarou para os devidos efeitos, que adere integralmente à contestação junta ao processo pelos restantes herdeiros BB, DD, HH e JJ.

Realizou-se tentativa de conciliação, gorada, foi elaborado despacho saneador, realizada perícia à letra e assinatura de AA, com vista a aferir se as assinaturas que constam do documento intitulado “Declaração de Reconhecimento e Confissão de Dívida” e da tabela junta à petição inicial como doc. nº 3 e 4 foram da sua autoria e se foram feitas pelo seu próprio punho.

Realizou-se a audiência de julgamento, com a produção da prova apresentada pelas partes, e a final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, e, em consequência absolveu a Ré do pedido.

Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a, 647º,1 CPC).

Termina com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em primeira instância que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu a Ré, representada pelos seus herdeiros, do pedido de condenação no pagamento, à Autora, da quantia de 32.270,74€ (trinta e dois mil duzentos e setenta euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros vencidos sobre esse montante, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento e ainda das custas e demais encargos do processo.
2. A questão jurídica essencial que importava resolver nos presentes autos residia em apurar se o falecido AA subscreveu a declaração de reconhecimento de dívida constante do doc. nº 3 junto com a petição inicial, objecto de reconhecimento presencial da respectiva assinatura, nos termos do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76- A/2006, de 29/03 e da Portaria nº 657-B/2006, de 29/06, através da qual aquele se confessou devedor à A., de que era, à data, sócio e gerente, pela quantia de 32.270,74€ (tema de prova 1).
3. Complementarmente, pretendia também esclarecer-se se a declaração de dívida em apreço teve por finalidade reembolsar a A. de um conjunto de despesas, danos, perdas e prejuízos imputáveis ao falecido que este voluntariamente reconheceu e assumiu nos termos do documento (tabela) anexo a essa declaração, junto com a petição inicial como doc. nº 4, no qual foi discriminada a origem dos valores parcelares que constituem o total da sua dívida perante a A. (tema de prova 2).
4. Conforme decorre da sentença recorrida, o Tribunal recorrido entendeu que não foi possível dar como provados os temas de prova supra elencados, pelo que julgou a acção improcedente.
5. Para sustentar tal entendimento o tribunal a quo escorou-se, essencialmente, no resultado do exame pericial grafológico, o qual, conjugado com a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, não teria permitido concluir que a assinatura que consta da declaração de reconhecimento de dívida é da autoria do falecido AA.
6. Segundo a douta sentença, em virtude de a autenticidade do referido documento ter sido impugnada processualmente pela R., face ao resultado da prova pericial, que se revelou inconclusivo no que se refere à autoria da assinatura aposta no referido documento imputada ao falecido AA, teria ficado afastada a força probatória plena da declaração confessória de dívida decorrente do reconhecimento presencial da sua assinatura.
7. No entendimento do Tribunal recorrido, em consequência da sua impugnação pela R. e da subsequente não demonstração da veracidade da assinatura nele aposta, o documento em apreço deveria ser considerado como um mero documento particular, pelo que nenhuma prova plena poderia fazer relativamente às declarações atribuídas ao seu suposto autor dele constantes, face ao disposto no art.º 376º, nº 1, do Código Civil.
8. A Recorrente discorda deste entendimento, bem como do posicionamento adoptado pelo Tribunal recorrido relativamente a parte dos factos que foram dados como provados e, particularmente, relativamente aos factos dados como não provados, com a consequente improcedência dos pedidos formulados.
9. Assim, é ao abrigo do disposto no artigo 662º do Cód. Proc. Civil que a A., ora Recorrente, vem requerer a modificabilidade da matéria de facto relativamente à matéria constante dos pontos 5., 6., 7. e 8, dos factos dados como provados e da matéria constante dos pontos 1., 2., 3., 4. e 5., dos factos dados como não provados.
10. Por outro lado, a Recorrente entende que a douta sentença violou as normas jurídicas dos artigos 342º, nº 2, 347º, 375º, nº 1 e nº 2, 376º, nº 1 e nº 2 e 393º, nº 2, todos do Código Civil e artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março.
11. Os factos identificados nos pontos 1., 2., 4., 5., 6., 7. e 8. dos factos provados extravasam do objecto do processo e dos temas de prova fixados na audiência prévia, sendo absolutamente irrelevantes para a decisão da causa pelo que não se entende, nem se alcança, salvo o devido respeito, a relevância atribuída pelo tribunal recorrido à matéria aí vertida.
12. Efectivamente, não se alcança que correlação poderá existir entre a alegada doença e subsequente isolamento e falecimento do AA, e a outorga, por este, do contrato de cessão de quotas, factos todos eles ocorridos entre o final do ano de 2016 e o início do ano de 2017, por um lado, e a declaração de reconhecimento e confissão de dívida subscrita pelo mesmo, datada de 30/09/2013 e objecto de reconhecimento presencial de assinatura em 17/01/2014.
13. No que se refere ao ponto 4. Dos factos provados, apesar de o tribunal a quo referir na sua motivação que os documentos invocados na petição inicial para fundamentar os pedidos formulados pela A. são apenas a declaração de reconhecimento de dívida e a tabela anexa, e de afirmar que, face aos pedidos formulados pela autora e à prova produzida, exorbita a matéria a apreciar dar como provado mais do que o teor do documento denominado de “Contrato de Cessão de Quotas”, datado de ../../2017 (documento nº 5 junto com a petição inicial), não se coibiu de deixar consignado que não se pode afirmar que uma das assinaturas constantes desse documento seja do falecido AA.
14. Ao assim discorrer, o Tribunal recorrido não só extravasou do objecto do processo e dos temas de prova, como se permitiu emitir um juízo de valor sobre um facto (a autenticidade da assinatura do falecido AA aposta no Contrato de Cessão de Quotas) relativamente ao qual nenhuma prova foi produzida nestes autos (nem tal seria admissível, atentos os limites impostos sobre o tema do processo).
15. Ao pronunciar-se sobre esse facto, o Tribunal imiscuiu-se ainda em matéria que constituía o objecto principal de outro processo judicial envolvendo as mesmas partes (Processo nº 4402/19.... do Juízo Central Cível de Viana do Castelo–Juiz1) , e permitiu-se emitir uma opinião de sentido contrário ao decidido nesses autos, quer pelo tribunal de 1ª instância, quer pelo Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou essa decisão em sede de recurso, sendo que o fez quando as referidas decisões já se encontravam juntas aos presentes autos.
16. No recurso de apelação interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães, a própria R. já não questionava, sequer, que o contrato de cessão de quotas foi subscrito pelo falecido AA, limitando-se apenas a colocar em causa que o preço da venda da respectiva quota deste lhe tivesse sido pago, facto este que o referido tribunal superior também veio a dar como provado (cfr. acórdão do TRG junto ao autos).
17. Ao ter conhecido de questão de que não podia ter conhecimento, a sentença é, nessa parte, nula, face ao disposto no artigo 615º, n°1, alínea d, do C.P.C, pelo que devendo, em consequência, a alocução proferida na sentença no sentido de que não se pode afirmar que uma das assinaturas constante do Contrato de Cessão de Quotas seja do falecido AA, ser considerada como não escrita e de nenhum efeito.
18. No que se refere aos factos considerados provados identificados sob os nºs 5, 6, 7 e 8, a convicção do Tribunal recorrido assentou nas declarações de parte da Ré DD, irmã do falecido AA e no depoimento da testemunha LL, companheira do mesmo, tendo sido quais foram consideradas bastante credíveis.
19. Atenta a forma inequívoca como a autenticidade e objectividade dos referidos depoimentos foram colocadas em causa no Processo nº 4402/19.... do Juízo Central Cível de Viana do Castelo – Juiz ..., processo no qual se discutia específicamente o contexto que envolveu o negócio de cessão de quotas em que o falecido tivera intervenção directa, onde tais depoimentos foram considerados contraditórios, não convincentes e pouco isentos, não poderia o tribunal recorrido considerá-los, neste processo, “bastante credíveis”, sem mais, isto é, sem o apoio de outros meios de prova, sob pena de manifesta e indesejável contradição entre julgados.
20. No que se refere aos factos dados como não provados identificados na sentença recorrida sob os números 1, 2 e 3, o Tribunal a quo entendeu não atribuir qualquer relevância probatória à declaração de reconhecimento e confissão de dívida e tabela anexa, com reconhecimento presencial da assinatura, juntos com a petição inicial como documentos nº 3 e nº 4, com fundamento, essencialmente, no resultado do exame grafológico levado a efeito nos autos tendo por objecto a letra e assinatura do falecido AA.
21. A construção jurídica efectuada pela Mma. Juiz em torno da relevância probatória do exame pericial - erigido em meio de prova decisivo para a validação dos factos alegados pela A. - assenta, salvo o devido respeito, em premissas jurídicas erradas, que conduziram, necessariamente, a uma decisão desacertada.
22. Ao contrário do que o tribunal a quo considerou, atento o preceituado nas normas que definem a força probatória dos documentos particulares objecto de reconhecimento notarial (ou equiparado) e as regras da distribuição do ónus da prova, a prova pericial, era essencial não para a validação dos factos alegados pela A. no sentido de o falecido AA se ter reconhecido como devedor perante si da quantia de 32.270,74€, mas sim para a validação da alegação da R. no sentido da falsidade da assinatura do falecido aposta na declaração confessória de dívida.
22. A declaração de reconhecimento de dívida em causa nos autos foi assinada pelo falecido AA na presença de advogado, tendo este procedido ao reconhecimento presencial da respectiva assinatura, nos termos do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29/03, e efectuado o competente registo desse acto no sistema informático da Ordem dos Advogados, nos termos da Portaria nº 657-B/2006, de 29/06.
23. O nº 2 da referida norma estabelece que os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
24. O reconhecimento presencial da assinatura efectuado não padece de qualquer vício formal que implique a sua invalidade e consequente ineficácia, porquanto obedeceu aos requisitos do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 e da Portaria n.º 657-B/2006 de 29 de Junho, bem como dos artigos 46º, 153.º e 155.º do Código do Notariado, o que equivale a dizer que cumpriu todas formalidades necessárias à consideração da sua total validade.
25. Facto que, aliás, o tribunal a quo reconhece, porquanto não atendeu à invocação desse alegado vício na douta sentença, nem teceu, relativamente ao mesmo, qualquer consideração, o que significa que considerou formalmente válido o reconhecimento efectuado, como, aliás, se impunha.
26. Consequentemente, o reconhecimento da assinatura do falecido AA aposta na declaração de confissão de dívida corporizada no documento nº 3 junto com a petição inicial, tem a força probatória equivalente à do reconhecimento notarial.
27. Dispõe o nº 1 do artigo 375º do Cód. Civil que, se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras.
28. Por sua vez, o nº 2 do referido preceito estipula que se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e da assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade.
29. No que se refere ao artigo 376º do Cód. Civil, dispõe-se no seu nº 1 que o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento, acrescentando-se no nº 2 que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante. (sublinhado nosso).
30. O documento que corporiza declaração de confissão de dívida que serve de base à causa de pedir nos presentes autos encontra-se inequivocamente revestido de força probatória plena quanto às declarações nele inscritas e atribuídas ao seu autor, face ao disposto no 376.º, nº 1, do Cód. Civil.
31. Resultando da contestação oferecida pela R. que esta não reconhece a veracidade da assinatura aposta no escrito em apreço, afirmando que o falecido AA não subscreveu o documento em causa,  é manifesto que argui a falsidade do reconhecimento realizado, pelo que lhe incumbia demonstrar, de forma inequívoca, a falsidade do reconhecimento presencial da assinatura, sob pena de a matéria em apreço ser contra si julgada – cfr. artigo 375.º, n.º 2, parte final, do Cód. Civil.
32. O Tribunal recorrido entendeu que a R. logrou demonstrar a falsidade que invoca erigindo o exame pericial à letra e assinatura do falecido AA como meio de prova determinante para chegar a esse resultado.
33. Tendo o resultado desse exame sido inconclusivo, não se pode afirmar que a assinatura aposta no aludido documento não é da autoria do falecido e muito menos permite concluir que a mesma foi falsificada.
34. Consequentemente, a autenticidade e a força probatória plena do documento em que se consubstancia a declaração de dívida não foi afastada, nem foi minimamente posta em causa, pelo resultado do exame grafológico.
35. Pelo que nunca poderia o tribunal a quo considerar, como o fez, que através do resultado da prova pericial a R. beneficiou inclusive do ónus da prova da falsidade que lhe incumbia, nos termos da parte final do nº 1 do artigo 376º do Código Civil, deixando subentendido que o resultado do exame grafológico terá demonstrado, por si só, a falsidade da assinatura aposta na declaração de confissão de dívida e das rubricas apostas na tabela anexa.
36. O resultado da prova pericial não permitiu ilidir, por qualquer forma, a prova plena decorrente do reconhecimento validamente efectuado, pelo que não se pode considerar que a R. retirou do mesmo qualquer benefício em termos probatórios.
37. Tendo a declaração de dívida em causa nos autos sido objecto de reconhecimento formal e materialmente válido e eficaz, convertendo-a num documento particular com reconhecimento notarial equiparado, não é pelo facto de a perícia à assinatura ser inconclusiva que o seu valor probatório pleno fica afectado ou que a declaração de dívida se converte num mero documento particular cuja veracidade, se contestada, tenha de ser provada pelo seu apresentante, nos termos do nº 2 do artigo 374º, do Código Civil.
38. Pelo contrário, tratando-se de documento autenticado de acordo com os poderes que a lei confere e a confiança que os mesmos transmitem aos cidadãos e ao comércio jurídico, o ónus da prova positiva da falsidade recai sobre quem impugna a validade do documento com esse fundamento, pelo que, sendo o resultado inconclusivo, a dúvida sobre a veracidade da assinatura deve resolver-se a favor de quem pretende fazer valer direitos com base nesse documento, ou seja, da A., e não o inverso.
39. Sob pena de, se assim não for entendido, se inverterem as regras relativas ao ónus da prova especificamente fixadas nos artigos 375º, nº 1 e 2 e 376º, nº 1 e 2 do Código Civil para a aferição da validade e eficácia dos documentos particulares objecto de reconhecimento notarial ou legalmente equiparado, supra enunciadas.
40. E de se fazer “tábua rasa” do princípio enunciado no artigo 342º, nº 2, do mesmo diploma, que determina que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
41. Bem como, ainda, de se incorrer na violação da regra geral de direito probatório material enunciada no artigo 347.º do Cód. Civil, que determina que a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei.
42. Tratando-se de facto que estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena – como é o caso da dívida reconhecida na declaração confessória em discussão nos autos - não é, sequer, admitida a prova por testemunhas, por força do disposto no nº 2 do artigo 393º do Código Civil.
43. O tribunal a quo andou mal quando perfilhou o entendimento de que quando o reconhecimento da dívida é impugnado e inclusivamente é alegada a falsidade da assinatura, a força probatória plena do documento não impede a produção de prova testemunhal para demonstração dessa falsidade (cfr. art. 376º, nº 1 do CC), não só porque não é isso que, em rigor, a norma invocada determina com também porque esse preceito sempre teria de ser lido à luz do citado nº 2 do artigo 393º do Código Civil e de se coadunar com a restrição dos meios de prova imposta pela referia norma, no que se refere à demonstração da falsidade.
44. Estando em causa documento dotado de reconhecimento notarial ou a este equiparados, não basta alegar a sua falsidade para colocar em causa a sua autenticidade, sendo ainda mister demonstrar essa falsidade através de meios de prova de que a prova testemunhal está excluída, por razões óbvias e que bem se compreendem.
45. O tribunal a quo, ao ter atribuído relevância probatória aos depoimentos das testemunhas arroladas nos autos que, no seu entendimento, foram de molde a colocar em causa a autenticidade do reconhecimento e a própria existência da dívida cujo pagamento é peticionado nos autos, violou disposto no nº 2 do artigo 393º do Código Civil.
46. Pelo que, sem prejuízo de a Recorrente entender que a prova testemunhal produzida não colocou, de forma alguma, em causa a autenticidade e a exigibilidade da declaração de dívida, devem ser considerados de nulo valor probatório os depoimentos reproduzidos por súmula na douta sentença que o tribunal considerou relevantes no sentido de colocarem em causa a validade do referido documento ou a dívida que o mesmo titula.
47. O Tribunal passou por cima do facto incontornável de que nenhuma prova foi feita para ilidir a autenticidade da declaração de dívida que lhe foi conferida pelo facto de a assinatura do devedor ter sido validamente reconhecida, o que faz com que deva ser tida por verdadeira e faça prova plena das declarações que dela constam, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 375º do Código Civil.
48. Esta conclusão tem relevantes consequências no julgamento da matéria de facto empreendido pelo tribunal recorrido (e na impugnação deduzida no presente recurso), pois que, por força das regras probatórias aplicáveis ínsitas nos artigos 342, nº 2, 347º, 375º, nº 1 e 2 e 376º, nº 1 e 2, todos do Código Civil, teria de ser a Ré a produzir prova de onde se pudesse concluir que o documento particular assinado pelo falecido AA era um documento falso ou que tinha sido subscrito sob a égide de um qualquer vício da vontade, e não a A. a ter de provar a autenticidade da declaração de dívida e a existência e exigibilidade do crédito nela reconhecido.
49. A R. não logrou demonstrar, em termos probatórios, conforme lhe incumbia, que, efectivamente, o documento particular junto aos autos, era, quanto ao seu conteúdo, falso.
50. Pelo que que andou mal a douta decisão recorrida ao não retirar as devidas consequências das normas indicadas no que concerne à validade do reconhecimento das assinaturas e ao resultado e valor probatório da prova pericial grafológica.
51. A tabela junta com a petição inicial como doc. nº 4, onde se encontram elencadas as dívidas do falecido à sociedade A. é um documento complementar à declaração de dívida constante do documento nº 3, sendo que esta declaração constitui uma verdadeira confissão de dívida que faria presumir sua causa, nos termos do artigo 458.º, n.º 1 do Cód. Civil, caso a mesma não fosse indicada.
52. Nessa conformidade, é irrelevante que o relatório pericial não tenha sido conclusivo quanto às rubricas/assinaturas apostas em tal tabela, como sendo da autoria de AA, porquanto esta está mencionada no texto do documento de confissão de dívida, o qual remete expressamente para a tabela anexa com a menção de que a mesma é sua parte integrante.
53. Pelo que resulta inequivocamente demonstrado, por escrito, que a dívida aí declarada refere-se ao saldo devedor constante da referida tabela à data, deduzida do valor do suprimento prestado pelo sócio a favor da sociedade.
54. Revestindo-se a declaração de dívida em apreço de força probatória plena nos termos do artigo 376.º, n.º 1 do Cód. Civil, só no caso de resultar demonstrada a falsidade do documento acima referido é que se imporia à A. demonstrar a factualidade da qual resulta a constituição da obrigação para a qual solicita tutela jurisdicional caso.
55. Não tendo resultado demonstrada a sua falsidade, não resta senão dar como provado o débito do falecido AA perante a A..
56. A prova produzida em sede de audiência de julgamento, corroborou os factos alegados pela A. na petição inicial.
57. A testemunha MM, sócio-gerente da sociedade A. até à cessão de quotas ocorrida no final do ano de 2016, explicitou os valores parcelares que constam da listagem do documento nº 4 e que constituem o total da dívida do AA e esclareceu, ponto por ponto, cada uma das situações de forma bastante detalhada e rigorosa.,
58. Do depoimento da testemunha sobre as situações de vária índole que substanciaram a declaração de dívida que se discute nos autos resulta que a mesma tinha conhecimento directo e detalhado dos factos, como sócio que foi do falecido AA na empresa EMP01..., tendo evidenciado indiscutível razão de ciência sobre a matéria em causa, pelo que o seu testemunho se mostrou circunstanciado, desinteressado, objectivo e genuíno.
59. O depoimento da testemunha MM revelou-se isento, objectivo e minucioso não só na sustentação dos valores e respectiva origem, que suportam o crédito da A., como também na explicitação do concreto contexto empresarial que justificou a elaboração do documento que lhe serve de suporte (doc. nº 4 junto com a petição inicial) e que conduziu posteriormente à outorga da declaração de confissão de dívida pelo falecido AA.
60. A lei não exige que as datas da declaração de reconhecimento de divida e o respectivo reconhecimento presencial da assinatura sejam coincidentes como condição da sua validade.
61. O facto de o documento ter data anterior à do seu reconhecimento não significa que não possa ter sido assinado em data posterior e a assinatura do outorgante sido reconhecida presencialmente nessa data posterior.
62. O que tem de coincidir temporalmente é a aposição da assinatura e o seu reconhecimento por entidade legalmente habilitada para o efeito.
63. A data do documento apenas define e delimita o conteúdo das obrigações assumidas pelo outorgante até a mesma, e nada mais, nada impedindo que em momento posterior decida subscrever, assinando, o documento, e ao mesmo tempo o queira fazer reconhecer para lhe conferir uma força probatória reforçada.
64. Tendo observado os requisitos do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 e da Portaria n.º 657-B/2006 de 29 de Junho, bem como dos artigos 46º, 153.º e 155.º do Cód. do Notariado, o reconhecimento presencial da assinatura dos autos não padece, assim, de qualquer vício formal que implique a sua invalidade ou ineficácia.
65. O facto de o testamento ter sido outorgado na mesma data do reconhecimento da assinatura do falecido AA se não prova, pelo menos indicia fortemente que ambos os actos foram praticados na mesma data, ou seja, 17/01/2017.
66. Por outro lado, a não coincidência de datas do documento e do seu reconhecimento é, pelo contrário, um sinal da autenticidade da declaração de dívida, na medida em que, se houvesse a intenção de falsificar a assinatura do sócio - como foi temerariamente alegado pela R. então, nesse caso, alterava-se a data do documento de forma a fazê-la coincidir com a data do seu reconhecimento.
67. Devem ser dados por provados os pontos 1, 2 e 3 dos factos não provados.
68. Devem ser dados por provados os pontos 4 e 5 dos factos não provados, porquanto se demonstrou que o valor proveniente da venda das quotas foi utilizado, na integra, para liquidar o passivo da sociedade.
69. A douta decisão recorrida violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 342º, nº 2, 347º, 375º, nº 1 e nº 2, 376º, nº 1 e nº 2, 393º, nº 2, 458º, nº 1 e nº 2, todos do Código Civil, e artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março.

A ré apresentou as suas contra-alegações. Termina-as com as seguintes conclusões:

1. Deve manter-se inalterada a decisão que julgou a presente acção totalmente improcedente e, consequentemente absolveu a ré, Herança Aberta por Óbito de AA do peticionado pela Autora EMP01..., Lda.
2. Designadamente no sentido de que atenta “a questão jurídica a resolver nos presentes autos (…) de saber se o falecido AA assinou a declaração confessória de dívida constante do doc. nº 3 junto com a petição inicial” e que conjugando a prova testemunhal, com a prova documental e o resultado do exame pericial, outra decisão não seria possível senão a de considerar como não provado que o falecido AA assinou aquela declaração confessória;
3. Uma vez que o referido exame pericial não permite concluir que a assinatura e as rubricas constantes do documento e da tabela anexa junto como doc. nº 4 com a petição inicial, sejam do punho de AA, pelo que devem tais documentos ser considerados documentos particulares.
4. Face à impugnação desses documentos e ao resultado da prova pericial que não permite concluir que a assinatura é de AA, a eficácia da sua força probatória plena foi afastada, razão pela qual não se considera demonstrada a sua veracidade e não se possa reconhecer a referida assinatura como sendo do falecido, tendo os herdeiros beneficiado através da prova pericial do ónus da prova da falsidade que lhes incumbia.
5. Os pontos 1, 2, 4, 5, 6, 7 e 8 dos factos provados são acessórias e complementares ao enquadramento do presente caso concreto, necessárias para o seu bom entendimento e todas carreadas para os autos, em sede de petição inicial, contestação e audiência de julgamento, os quais, a serem dados como provados – como veio a suceder - eram essenciais para contextualizar os motivos da génese da presente acção.
6. Os pontos 1, 2 e 4 dos factos provados são relevantes para aferir a legitimidade passiva dos Recorridos e a legitimidade activa da Recorrente nos presentes autos, uma vez que, se o suposto devedor faleceu, a legitimidade passiva incumbe aos seus herdeiros; e a legitimidade activa incumbe à própria sociedade, na figura dos seus legais representantes.
7. Quanto aos pontos 5, 6, 7 e 8 dos factos provados, tais elementos foram carreados para os autos pelos Recorridos em sede de contestação e devidamente analisados em sede de audiência de instrução de julgamento e foram corroborados pelas declarações de parte de DD e pelo depoimento da Testemunha NN, nos termos transcritos supra nas páginas 4 a 7, que se dão por reproduzidos.
8. Com a junção da sentença proferida no processo nº 4402/19...., a Recorrente pretende servir-se das conclusões retiradas por outro Tribunal para descredibilizar o depoimento das testemunhas no âmbito dos presentes autos - o que não pode, nem deve ser, de todo, permitido – por significar que sejam manifestamente postos em causa os princípios da imediação e da oralidade, trave mestra da audiência de julgamento, em que o Julgador tem a possibilidade de contactar directa e pessoalmente com as partes e as testemunhas, de manter a proximidade suficiente para valorar a sua linguagem, a sua espontaneidade, as suas emoções, os seus movimentos...
9. Neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora – in www.dgsi.pt; Proc. 16/15.2 GCABF.E1de 09.01.2018; o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães no Proc. 44/14.5TACRZ.G1 de 20.03.2017; o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no Proc. 102/10.5TAANS.C1 de 09.01.2012 – todos com as transcrições referidas supras nas páginas 9, 10 e 11 que se dão por reproduzidas.
10. Pelo que, os Pontos 1, 2, 4, 5, 6, 7, e 8 dos factos provados não merecem qualquer tipo de censura, devendo, por isso, manterem-se inalterados,
11. Não merece qualquer reparo a decisão do Tribunal a quo ao não atribuir qualquer relevância probatória aos documentos 3 e 4 – declaração de reconhecimento e confissão de dívida e tabela anexa – com fundamento, essencialmente, no resultado do exame grafológico levado a efeito nos autos que teve por objecto a letra e assinatura do falecido AA.
12. Perante o resultado inconclusivo desse exame, não merece qualquer reparo a decisão do Tribunal ao considerar não ser possível concluir que as assinaturas e rubricas foram feitas pelo punho de AA, retirando assim, a esse documento a força probatória resultante do reconhecimento efectuado pelo advogado e, consequentemente, atribuindo-lhe a força de um mero documento particular.
13. Não tendo resultado da perícia que a assinatura aposta é da autoria do falecido, não pode colher a alegação de que a declaração de dívida assinada na presença de advogado que procedeu ao reconhecimento presencial da assinatura e ao registo do acto no sistema informático da Ordem dos Advogados, não padece de vício formal que implique a sua invalidade e ineficácia e de que a sua força probatória equivale à do reconhecimento notarial, devendo a sua assinatura fazer-se por verdadeira e as declarações nele inscritas revestir força probatória plena.
14. Assim como não pode colher que apesar de o resultado da perícia ter sido inconclusivo, o valor probatório pleno do documento não ficou afectado e a declaração de dívida não se converteu num mero documento particular.
15. Do documento apresentado como doc. nº 3, é possível concluir que:
a) A assinatura da confissão de dívida de 30.09.2013 apenas foi reconhecida presencialmente no dia 17.01.2024, ou seja, depois de mais de três meses.
b) Apenas consta a “Declaração de Reconhecimento e Confissão de Dívida” e o comprovativo gerado pelo sistema de registo informático da Ordem dos Advogados, inexistindo o documento que formalize o acto de reconhecimento, ou seja, inexiste o instrumento material.
c) Não consta da “Declaração de Reconhecimento e Confissão de Dívida” qualquer número de identificação que possa demonstrar que aquele comprovativo pertence ao documento em causa, ou seja, não há elementos concretizadores e individualizadores que façam a conexão entre os dois documentos.
16. Acresce que se a tabela junta como doc. nº 4 fizesse parte da referida confissão de dívida, a mesma estaria colocada imediatamente a seguir ao documento e, por conseguinte, numerada ordenadamente; e não lhe seria atribuído nº 4 para efeitos de junção de documentos à petição inicial, como se documentos autónomos se tratasse.
17. A simples junção de um comprovativo gerado pelo sistema de registo da Ordem dos Advogados não é suficiente para dar a validade do reconhecimento presencial; até porque “o comprovativo gerado pelo sistema de registo, por si só, não autentica, não certifica, não reconhece uma assinatura; apenas comprova a realização do registo tornado obrigatório pelo artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006 de 29 de Março.” (disponível em https://portal.oa.pt/media/118386/faq_registos.pt).
18. Pelo que o documento intitulado “Declaração de Reconhecimento e Confissão de Dívida”, bem como a tabela constante como doc. nº 4, não estão devidamente reconhecidos, pelo que não têm força probatória plena e não fazem qualquer prova relativamente às declarações atribuídas ao seu suposto autor, AA, nos termos do art. 376º, nº 1 do CC a contrario, pelo que, como bem fez o Tribunal recorrido, apenas se pode atribuir a esses documentos a eficácia de um documento particular.
19. Tratando-se de um documento particular – dada a falta de validade do seu reconhecimento – e uma vez que os Recorridos impugnaram a veracidade da letra e da assinatura alegando a sua falsidade, compete à Recorrente a prova da sua veracidade, nos termos do artigo 364º, nº 2 do CC - algo que a Recorrente não logrou alcançar nos presentes autos.
20. O exame pericial realizado nos autos e o seu resultado (segundo o qual não foi possível concluir que a assinatura que consta da declaração de reconhecimento de dívida e da tabela, juntos à petição inicial como docs. nºs 3 e 4, foram da autoria de AA e feitas pelo seu próprio punho), são suficientes para provar a falsidade da letra e da assinatura dos documentos 3 e 4, uma vez que “se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e da assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade” – artigo 375º, nº 1 do CC.
21. Numa interpretação a contrario, do art. 393º, nº 2 do CC não tendo o documento força probatória plena, é admitida a prova por testemunhas, pelo que, no caso dos autos, tratando-se de um documento particular por força da invalidade de reconhecimento de assinaturas – dada a inexistência de documento que formalizasse o acto de reconhecimento -, é sempre admitida a prova testemunhal.
22. E, no limite, mesmo que se considere válido o reconhecimento de assinaturas – o que de todo não se concede -, os Recorridos lograram afastar a força probatória plena do documento através da arguição da falsidade de letra e de assinatura e respectiva prova através do relatório pericial, sendo, pois, admitida a prova testemunhal, pelo que, o Ilustre Tribunal a quo não violou o normativo vertido no art. 393º do CC.
23. A tabela junta como doc. nº 4, não integra a suposta confissão de dívida (doc. nº 3) porque, se a tabela fizesse parte da confissão de dívida, estaria colocada imediatamente a seguir ao documento que instruía e por conseguinte, estaria numerada ordenadamente para que lhe fosse atribuído o tratamento de um único e só documento, integrante da confissão de dívida.
24. No texto da “Declaração de Reconhecimento e Confissão de Dívida” não há qualquer especificação relativamente ao teor do documento anexo, o nome a este atribuído, nem sequer há referência de que seria uma tabela discriminativa de todos os valores por ele devidos, a que acresce que também a tabela com o nº 4 foi objecto de perícia, relativamente às rubricas nela constantes, tendo também o relatório sido inconclusivo, não sendo, por isso, possível concluir que tenha sido AA a apor, pelo seu próprio punho, as rubricas.
25. O que implica que aquela tabela seja também considerado um documento sem qualquer força probatória plena, sendo, por isso, também esse documento passível de prova testemunhal.
26. Quanto à prova testemunhal bem andou o Tribunal ao considerar que “não pode um simples depoimento servir, sem mais alguma prova coerente e sustentável, para imputar que as quantias elencadas existem e seriam única e exclusivamente responsabilidade do falecido.”
27. Por outro lado, relativamente aos valores constantes da tabela carreada aos autos como doc. nº 4 junto com a petição inicial, sempre haveria outros meios de prova para corroborar o depoimento da testemunha, nomeadamente as facturas, extractos bancários, cópias de cheques, e que não foram carreados aos autos.
28. A instâncias do Ilustre Mandatário da Recorrente, é manifesto que o depoimento da testemunha MM foi conduzido de forma a que a testemunha se limitasse a confirmar, pela positiva ou pela negativa, as questões que lhe eram colocadas e a responder no sentido da prova pretendida pela Recorrente, sem necessitar de grandes desenvolvimentos nas suas respostas, uma vez que esta já estava ínsita na pergunta, sustentadas em justificações generalistas e repetitivas, sem qualquer suporte probatório documental que corroborasse o seu depoimento.
29. Quando confrontada com perguntas mais abstractas, para as quais precisava de dar respostas mais detalhadas e pormenorizadas, a testemunha limitava-se a responder que não sabia, não recordava ou a remeter-se ao silêncio – tal como resulta dos depoimentos transcritos supra nas páginas 22 a 27.
30. E o seu depoimento nem sequer foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas OO e PP, pelo que, bem esteve o Tribunal a quo em não considerar o depoimento de MM credível, quando em conjugação com a prova pericial e demais depoimentos das testemunhas indicadas pela Autora, considerando-o antes vago e parcial.
31. Não tem qualquer suporte na prova produzida o pedido de alteração da resposta aos factos 4 e 5 da matéria de facto não provada, uma vez que essa pretensão nem sequer revela para o objecto da presente acção, devendo esses factos manter-se inalterados na sua apreciação.
Termos em que deve manter-se a douta decisão recorrida, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber:

a) nulidade da sentença, (artigo 615º,1,d CPC), por ter conhecido de questão de que não podia conhecer.
b) ocorreu erro no julgamento da matéria de facto

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 23/01/2017, na União de freguesias ... (... e ...) e ..., do concelho ..., faleceu QQ, NIF ...90, natural da freguesia ..., onde teve a sua residência habitual no Caminho ..., ..., sendo filho de RR e de SS.
2. O referido AA faleceu no estado de solteiro, maior, não deixou descendentes nem ascendentes vivos, tendo-lhe sucedido cinco irmãos germanos, a saber:
-BB;
-DD;
-FF;
-HH, e
-JJ;
3. O reconhecimento presencial da assinatura constante do documento intitulado de “Declaração de Reconhecimento e Confissão de Dívida” datado de 30/09/2013 e junto com a petição inicial como doc. nº 3 tem a data de 17/01/2014.
4. Do teor do documento denominado de “Contrato de Cessão de Quotas” datado de ../../2017, consta que o falecido AA, juntamente com o outro sócio, MM, cedeu a sua quota à actual sócia-gerente da A., TT e o seu sócio, por sua vez, cedeu a sua quota ao filho desta, UU, tendo ambas as quotas sido alienadas pelos respectivos valores nominais de €50.000,00.
5. A partir de final de Dezembro de 2016 AA, isolou-se em casa, onde ninguém entrou, com excepção da sua companheira NN, que com ele vivia em comunhão de mesa e habitação.
6. Desde essa data, não mais contactou com ninguém, não atendeu chamadas telefónicas e não saiu da sua residência.
7. Até à manhã do dia 18.01.2017 em que se deslocou da sua última residência, até à “Hospital...”, na ..., para aí realizar exames médicos, para onde foi transportado pela sua referida companheira.
8. Ainda nesse dia 18.01.2017 deu entrada, com carácter de urgência, na Unidade Local de Saúde ..., em ... – Hospital ..., falecendo em 23.01.2017.

Factos não provados:

1. Mediante documento particular outorgado pelo falecido AA, intitulado DECLARAÇÃO DE RECONHECIMENTO E CONFISSÃO DE DÍVIDA, datado de 30/09/2013, aquele confessou ser devedor perante a sociedade comercial Autora, de que era, à data, sócio e gerente, pelo valor de €52.270,74 (cinquenta e dois mil duzentos e setenta euros e setenta e quatro cêntimos), nos termos do documento anexo a essa declaração;
2. Mais declarou nesse documento o falecido AA que, em virtude de ter emprestado à ora Autora, em 19/07/2002, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), a título de suprimento destinado a financiar a construção do edifício onde passou a funcionar a sede desta, depois de operada a compensação entre o valor desse suprimento, de que é credor, e o valor da sua dívida perante a A., reconhecia ser devedor perante aquela, na referida data de 30/09/2013, pelo valor de €32.270,74 (trinta e dois mil duzentos e setenta euros e setenta e quatro cêntimos), que se obrigou a pagar.
3. O falecido AA rubricou o documento anexo a essa declaração, no qual foi discriminada a origem dos valores parcelares que constituem o total da dívida e reporta-se ao período situado entre 02/09/2010 e 30/09/2013, sendo a sua proveniência de natureza diversa, nomeadamente:
•Apropriação de valores em numerário retirados da caixa pelo falecido AA, nomeados na listagem pela designação “empréstimos”;
•Desvio, em proveito próprio, de materiais (rolos de cobre) retirados do stock da empresa com vista à sua revenda;
•Apropriação de valores entregues pelos clientes para pagamento das empreitadas em curso, que fez reverter para a sua esfera pessoal;
•Perdas e prejuízos decorrentes do acompanhamento negligente e (ou) da supervisão deficiente das empreitadas sob a sua responsabilidade directa;
•Despesas e encargos bancários suportados com a devolução de cheques de clientes apresentados indevidamente a pagamento;
•Coimas de trânsito aplicadas ao falecido AA, decorrentes da utilização da viatura da empresa;
•Coimas aplicadas pela AT em consequência da omissão de pagamento ou do pagamento intempestivo de impostos da sua responsabilidade.
4. O valor proveniente da venda das quotas foi utilizado, na integra, para liquidar o passivo da sociedade, o qual era, em larga medida, passível de ser revertido contra a esfera pessoal dos sócios cedentes, como decorre da acta societária.
5. O valor obtido com a venda da quota não foi utilizado pelo falecido AA para liquidar o seu débito perante a A., tendo este vindo a falecer pouco depois sem que a dívida tenha sido regularizada.

IV
Devemos sempre começar pelas nulidades, para “limpar o terreno”, e poder ir apreciar o que realmente interessa, que é a substância da causa.
Na motivação da decisão jurídica, o Tribunal escreveu: “…ora, apesar da prova produzida, entende-se que face aos pedidos formulados pela autora e a prova produzida apenas se pode dar como provado o teor daquele documento, não se podendo afirmar que uma das assinaturas dele constante seja de AA. Pois, os documentos invocados na petição inicial para fundamentar os pedidos são apenas a declaração de reconhecimento de dívida e tabela anexa. Entendendo-se que exorbita a matéria a apreciar face aos pedidos formulados pela autora e à prova produzida, dar como provado mais do que o teor desse documento”.
A recorrente vem dizer que “ao assim discorrer, o Tribunal recorrido não só extravasou do objecto do processo e dos temas de prova, como se permitiu emitir um juízo de valor sobre um facto (a autenticidade da assinatura do falecido AA aposta no Contrato de Cessão de Quotas) relativamente ao qual nenhuma prova foi produzida nestes autos (nem tal seria admissível, atentos os limites impostos sobre o tema do processo). Ao pronunciar-se sobre esse facto, o Tribunal imiscuiu-se ainda em matéria que constituía o objecto principal de outro processo judicial envolvendo as mesmas partes (Processo nº 4402/19.... do Juízo Central Cível de Viana do Castelo–Juiz1) , e permitiu-se emitir uma opinião de sentido contrário ao decidido nesses autos, quer pelo tribunal de 1ª instância, quer pelo Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou essa decisão em sede de recurso, sendo que o fez quando as referidas decisões já se encontravam juntas aos presentes autos”.
E termina assim: “ao ter conhecido de questão de que não podia ter conhecimento, a sentença é, nessa parte, nula, face ao disposto no artigo 615º, n°1, alínea d, do C.P.C, pelo que devendo, em consequência, a alocução proferida na sentença no sentido de que não se pode afirmar que uma das assinaturas constante do Contrato de Cessão de Quotas seja do falecido AA, ser considerada como não escrita e de nenhum efeito”.
Pois bem. O art. 615º,1,d CPC dispõe que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
E a sentença recorrida termina nos seguintes termos: “decide-se julgar a acção totalmente improcedente, e, em consequência absolver a Ré, HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE AA, representada pelos seus herdeiros, do peticionado pela autora EMP01..., LDA”.
A nulidade prevista no art. 615º,1,d CPC, que se reconduz à omissão ou ao excesso de pronúncia, ocorre quando não se decide alguma das questões suscitadas pelas partes que não tenha ficado prejudicada pela solução dada a outra ou se conheça de questões que não podiam ser conhecidas.
Como se pode ler no Acórdão do STJ de 16/02/2015, relatado pelo Cons. Sousa Peixoto, in www.dgsi.pt “Questões, para o efeito do disposto no nº 2 do art. 660º do C.P.C., não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções”.
E o segmento que a recorrente apresenta, parece-nos por demais óbvio, não decide nenhuma questão, neste sentido. É apenas um argumento do Julgador, a juntar a todos os outros, que levou o Tribunal a decidir a final a questão suscitada pela autora, julgando a acção improcedente. Saber se esse argumento é válido, é inválido, é útil, inútil, é descabido, é irrelevante, é perspicaz, já envolve a apreciação da substância da causa.
Assim, não existe a apontada nulidade.

De seguida, a recorrente quer impugnar a decisão sobre matéria de facto.
Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158), sistematizando o texto legal:
“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

No caso concreto, a recorrente indica de forma clara quais os pontos de facto que considera mal julgados e quais as respostas que entende que o Tribunal deveria ter dado aos mesmos, e indica em concreto os meios de prova que em seu entender deveriam ter levado a decisão diversa.

Podemos pois conhecer desta parte do recurso.
O art. 607º,4 CPC estabelece que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
E o nº 5 acrescenta que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Em anotação a este artigo, escreve Lebre de Freitas (CPC anotado, 3ª edição): “o princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (ver o nº 2 da anotação ao art. 604º): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção de que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência aplicáveis”.
De seguida o mesmo autor faz uma breve nótula sobre a evolução histórica do princípio da livre apreciação.
Seguidamente acrescenta que estão sujeitas à livre apreciação do julgador a prova testemunhal (art. 396º CC), a prova por inspecção (art. 391º CC), a prova pericial (art. 389º CC), e a prova por declarações de parte (…)”.
Dito isto, vamos então apreciar os vários factos cujo julgamento é contestado.
O recorrente começa por impugnar os factos provados nº 5, 6, 7 e 8 para logo a seguir dizer que esses factos provados extravasam do objecto do processo e dos temas de prova fixados na audiência prévia, sendo absolutamente irrelevantes para a decisão da causa.
É quanto basta para que esta Relação não vá apreciar se tais factos foram bem ou mal julgados, pois se o próprio recorrente diz que eles são irrelevantes, só os deve ter impugnado por lapso, e não se justifica perder tempo com eles.
Assim, a impugnação do julgamento da matéria de facto incide sobre os factos não provados, que a recorrente considera que deveriam ser julgados provados.
E, vendo com atenção, a matéria de facto controvertida resume-se essencialmente a um único facto: saber se o falecido AA assinou pelo seu punho o documento intitulado DECLARAÇÃO DE RECONHECIMENTO E CONFISSÃO DE DÍVIDA, datado de 30/09/2013, no qual confessa ser devedor perante a sociedade comercial Autora, de que era, à data, sócio e gerente, pelo valor de €52.270,74, quantia reduzida ao valor ora peticionado por compensação com o crédito decorrente de ele ter emprestado à ora Autora, em 19/07/2002, a quantia de € 20.000,00 a título de suprimento, e se rubricou o referido documento anexo a essa declaração, no qual foi discriminada a origem dos valores parcelares que constituem o total da dívida.

Vejamos pois.
O Tribunal recorrido começou por atender ao resultado do exame pericial, de acordo com o qual não foi possível concluir que a assinatura que consta da declaração de reconhecimento de dívida e da tabela foram da autoria de AA, ou seja, que foram feitas pelo seu próprio punho. E, com efeito, é isso que resulta da conclusão final do dito Relatório: “a qualidade e quantidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto das escritas suspeitas das assinaturas (docs 1 e 2) com a dos autógrafos de AA, bem como as limitações referidas em Nota, não permitem obter resultados conclusivos”.
De seguida o Tribunal analisou a restante prova produzida na audiência de julgamento, para concluir que, sendo os doc. nº 3 e nº 4, apesar do reconhecimento presencial da assinatura, documentos particulares, os quais foram devidamente impugnados processualmente, o facto central da acção teve de ser julgado não provado.

A recorrente não aceita o valor desta argumentação, e vem, ao invés, dizer que:
“A declaração de reconhecimento de dívida em causa nos autos foi assinada pelo falecido AA na presença de advogado, tendo este procedido ao reconhecimento presencial da respectiva assinatura, nos termos do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29/03, e efectuado o competente registo desse acto no sistema informático da Ordem dos Advogados, nos termos da Portaria nº 657-B/2006, de 29/06. (…) O reconhecimento presencial da assinatura efectuado não padece de qualquer vício formal que implique a sua invalidade e consequente ineficácia, porquanto obedeceu aos requisitos do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 e da Portaria n.º 657-B/2006 de 29 de Junho, bem como dos artigos 46º, 153.º e 155.º do Código do Notariado, o que equivale a dizer que cumpriu todas formalidades necessárias à consideração da sua total validade”.
E invoca o art. 375º,1 CC: “se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras”.
Logo, conclui, “o reconhecimento da assinatura do falecido AA aposta na declaração de confissão de dívida corporizada no documento nº 3 junto com a petição inicial, tem a força probatória equivalente à do reconhecimento notarial”.

Vejamos.
O documento em causa tem o título de “Declaração de reconhecimento e confissão de dívida”. Lendo o mesmo vê-se que o falecido AA declara e confessa, para todos os devidos e legais efeitos, que é devedor à sociedade autora pelo valor de € 52.270,74. No entanto, o declarante emprestou à referida sociedade comercial a quantia de € 20.000,00, em dinheiro, a título de suprimento, tendo a quantia mutuada sido aplicada na construção do edifício onde agora funciona a sua sede. Operada a compensação entre o valor do suprimento efectuado pelo declarante, de que é credor, e o valor da dívida por si acumulada perante a sociedade comercial, este reconhece ser devedor perante aquela pelo valor de € 32.270,74, que se obriga a pagar.
Seguidamente vem a data de 30.9.2013, e uma assinatura manuscrita, ilegível, como sendo a de AA.
Logo de seguida encontra-se um instrumento de reconhecimento presencial de assinatura (art. 38º do DL 76-A/2006 de 29 de Março), no qual o Advogado Dr. VV certifica que a assinatura constante do documento anexo pertence a AA, em virtude de ter sido efectuada na sua presença. Mais acrescenta que verificou pessoalmente a identidade do declarante através da exibição do Bilhete de Identidade nº ...23, emitido em ../../2007 por .... Segue-se a assinatura do autor do reconhecimento, e o carimbo profissional.
Ora bem.
Os documentos escritos podem ser classificados em autênticos e particulares (art. 363º,1 CC).
Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares (art. 363º,2 CC).
A esta luz, o documento de que estamos a falar é um documento particular, porque não foi exarado pelas autoridades públicas, nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública. Foi escrito e (aparentemente) assinado pelo seu autor, AA.
Porém, como vimos, junto com esse documento foi apresentado um instrumento de reconhecimento presencial de assinatura, nos termos do art. 38º do DL 76-A/2006 de 29 de Maio.
Nele, o Advogado Dr. VV certifica que a assinatura constante do documento anexo pertence a AA, em virtude de ter sido efectuada na sua presença pelo respectivo signatário. Mais acrescenta que verificou pessoalmente a identidade deste através da exibição do Bilhete de Identidade nº ...23, emitido em ../../2007 por ....
O art. 38º do DL supra citado, na redacção do DL 8/2007, de 17 de Janeiro, sob a epígrafe “extensão do regime dos reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documentos”, dispõe:
1- Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.
2- Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
3- Os actos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.
A meio caminho entre os documentos particulares e os documentos autênticos surgem os documentos autenticados. Estes são aqueles documentos particulares em que as partes confirmam o seu conteúdo perante o notário (arts. 150º,1 e 152º CN). Tais documentos têm a força probatória dos documentos autênticos, mas não os substituem quando a lei exija documento desta natureza para a validade do acto (art. 377º CC).
Os documentos particulares podem ser autenticados quer perante o notário, quer perante outras entidades (art. 38º,1,2 do DL 76-A/2006 de 29.3). E têm a força probatória dos documentos autênticos, pelo que fazem prova plena quanto aos factos praticados ou atestados (declarações proferidas pela parte) pela entidade documentadora (arts. 363º,3 377º e 371º)[1].
A sentença recorrida ignorou totalmente o reconhecimento presencial da assinatura feita por Advogado, e centrou-se na prova pericial à letra e assinatura do falecido, para considerar: ”foi também possível dar como provado apenas o teor do documento nº 3 junto com a pi, denominado de “Declaração de Reconhecimento e Confissão de Dívida” datado de 30/09/2013 e alegadamente reconhecido presencialmente em 17/01/2014, contudo não foi possível concluir que o mesmo seja assinado pelo punho de AA”.
Ou seja, a sentença recorrida não afastou o instrumento de reconhecimento presencial por ter concluído, depois de o ter analisado, que o mesmo não tinha força jurídica para converter o documento em causa de particular em autenticado, com a força probatória daí decorrente. Não. A sentença recorrida afastou esse instrumento com base na prova pericial, que, como já vimos, não foi conclusiva.
E ao assim proceder, temos de reconhecer que assiste em parte razão à recorrente. Houve de facto uma inversão da lógica subjacente ao regime legal aplicável.
Sendo apresentado um documento particular cuja assinatura foi autenticada nos termos legais por Advogado, a sua autoria fica provada com força plena (art. 375º,1 e 38º,1,2 do DL 76-A/2006 de 29/3). E se a parte contra quem o documento é apresentado quiser abalar essa força probatória plena tem de arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e da assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbindo a prova dessa falsidade (art. 375º,2 CC). E a prova pericial produzida serviria para demonstrar a falsidade. Como vimos, não serviu. Perguntou-se aos peritos se as assinaturas que constam do documento intitulado “Declaração de Reconhecimento e Confissão de Dívida” e da tabela junta à petição como doc. nº 4 foram da autoria de AA e se foram feitas pelo seu próprio punho. E a resposta dos peritos foi “não foi possível obter resultados conclusivos”.
A recorrida, nas suas contra-alegações, salvo melhor opinião, incorre na mesma inversão da lógica legal: afirma que ficou afastada a prova plena da autoria da assinatura do falecido porque a prova pericial foi inconclusiva.
É ao contrário. Porque a prova pericial não foi conclusiva, não conseguiu abalar a força probatória plena do reconhecimento feito.
Ou seja, a ré não logrou fazer a prova da falsidade da letra e assinatura constantes do documento em causa.
Donde, a conclusão deveria ser a de que ficou feita a prova plena da autoria do documento.
Porém, não podemos ficar por aqui.
É que para ser assim temos de verificar se esse reconhecimento respeitou todos os trâmites impostos por lei.
Os actos de reconhecimento presencial de assinaturas, por força do artigo 38º,3 do DL 76-A/2006, de 29 de Março, apenas podem ser validamente praticados mediante registo em sistema informático. O art. 1º da Portaria 657-B/2006, de 29 de Junho é expresso ao referir que a própria validade das autenticações dos documentos depende de registo em sistema informático.
Por sua vez, o art. 4º da mesma Portaria 657-B/2006 exige que o registo informático seja efectuado no momento da prática do acto, devendo, então, o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o acto, o termo. Por isso, em regra, o registo informático é efectuado no momento da prática do acto. Mas existe uma cláusula de salvaguarda para situações inesperadas: pode suceder que o sistema informático da Ordem dos Advogados não esteja acessível nesse momento, em virtude de dificuldades de natureza técnica (e apenas estas – e que devem ser mencionadas nos documentos que formalizam os actos); então, a lei prevê a possibilidade de, mesmo assim, o documento ser validado, desde que efectuado o respectivo registo informático dentro das 48 horas seguintes ao momento do acto.
A jurisprudência é clara quer quanto ao alcance de tal solução legal, quer quanto aos cuidados que é necessário ter com a mesma.
Os artigos 1º e 38º do DL nº 76-A/2006, de 29.3 visam a simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais, permitindo a alínea f) daquele nº 1 o alargamento das entidades que podem reconhecer assinaturas em documentos, autenticar e traduzir documentos, permitindo que tanto os notários, como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e industria e as conservatórias possam fazê-lo. Não se questiona que o quadro legal enunciado no DL nº 76-A/2006, de 29.3, visou facilitar e desburocratizar um conjunto de actos relacionados com a vida das sociedades e dos cidadãos em geral, vincando o legislador no ponto 5º do preâmbulo esta mesma ideia ao afirmar e citamos: «actua-se no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitindo que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e industria e as conservatórias passem a poder fazê-las. Trata-se de facilitar a cidadãos e às empresas a prática destes actos junto de entidades que se encontram aptas para o fazer, tanto por serem entidades de natureza pública ou com especiais deveres de prossecução de fins de utilidade pública como por já hoje poderem fazer reconhecimentos com menções especiais por semelhança e certificar ou fazer certificar traduções de documentos” (Acórdão TRC de 27 de Maio de 2014, Jacinto Meca -Relator).
           
Acresce, ainda, que o artigo 38.º, do D.L. n.º 76-A/2006, de 29 de Maio, procedeu à extensão do regime dos reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documentos, além de outras entidades ou profissionais, aos advogados e solicitadores que podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, possuindo os seus atos a mesma força probatória que teriam se tivessem sido levados a cabo pelo notário (n.º 1 e 2 do referido preceito legal). Porém, como refere o n.º 3, do mesmo preceito, a sua validade depende ainda de registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho.

Nos termos do artigo 3.º, da Portaria indicada, “Relativamente a cada um dos actos referidos no artigo 1.º, devem ser registados no sistema informático os seguintes elementos:

a) Identificação da natureza e espécie dos actos;
b) Identificação dos interessados, com menção do nome completo e do número do documento de identificação;
c) Identificação da pessoa que pratica o acto;
d) Data e hora de execução do acto;
e) Número de identificação do acto.”.

Tudo ponderado, impõe-se concluir que a validade da autenticação de um documento particular depende também da observância das formalidades legais supra mencionadas, verificando-se que o n.º 3 do artigo 38.º do D.L. n.º 76-A/2006, de 29/03, faz depender a validade do acto de autenticação do referido registo em sistema informático, nos termos da Portaria, incluindo no que respeita à identificação dos interessados, com menção do nome completo e do número do documento de identificação. Trata-se de uma formalidade essencial, que tem na sua base razões de fé pública, segurança e certeza jurídicas relacionadas com a determinação das partes envolvidas, pelo que o desrespeito da mesma não pode deixar de retirar a validade ao acto de autenticação e, necessariamente, a possibilidade do documento valer como título executivo. (Acórdão TRC de 21.5.2024, Relator: Carlos Moreira)”.

Se olharmos para o termo de reconhecimento junto aos autos, vemos que o documento intitulado de “Declaração de reconhecimento e confissão de dívida” está datado de 30.9.2013, tendo logo a seguir a assinatura manuscrita supostamente feita por AA. Daqui resulta que o documento foi assinado pelo suposto declarante em 30.9.2013.
E o que o Advogado certificante declara é que a assinatura constante do documento foi feita na sua presença pelo respectivo signatário, AA.
Segue-se que o termo de reconhecimento e autenticação deveria ser datado de 30.9.2013, e o seu registo online deveria ser da mesma data, ou, caso estivesse documentada uma das tais situações excepcionais de falha do sistema informático, com data de dois dias após.
Porém, o que vemos é que quer o acto de certificação quer o registo online estão datados de 17.1.2014.
Daqui segue-se a única conclusão possível: não foram respeitadas as regras impostas por lei para a validade do reconhecimento da assinatura. E daí decorre que, ou a data aposta na declaração como sendo a data da assinatura não corresponde à verdade, ou a entidade certificante não presenciou a assinatura e só certificou por semelhança a posteriori.

Como se escreveu no Acórdão do STJ de 21.04.2022 (Fernando Baptista de Oliveira):
De facto, e a propósito da oportunidade temporal em que deve ser executado o registo na plataforma informática, a lei é expressa e claríssima, ao dispor que esse registo tem obrigatoriamente de ser efectuado “no momento da prática do acto”, apenas ressalvando a situação (excepcional) de nesse momento ocorrer dificuldade de carácter técnico de acesso ao sistema, caso em que (e só neste caso, portanto) o acto é válido, (mas) contanto (ainda) que tal facto seja expressamente referido no documento que o formaliza e o registo seja efectuado nas 48 horas seguintes. Escreveu-se, com toda a pertinência, no Ac. da Rel do Porto de 23.01.2017, proc. 4871/14.5T8LOU-A.P1: «....Perscrutando as razões que subjazem à imposição do imediato registo informático do termo de autenticação, afigura-se-nos que a mencionada determinação legal se ancora em razões de segurança e certeza jurídicas sobre a exacta definição da data em que o documento particular adquiriu a natureza de documento particular autenticado, procurando, assim, salvaguardar a fé pública associada a este tipo de documento (que, como se referiu, passa a ter a força probatória do documento autêntico). Como assim, dada a natureza cogente dos arts. 38º, nº 3 do DL nº 76-A/2006 e 1º e 4º da Portaria nº 657-B/2006, esse registo informático, ao invés do entendimento preconizado pelos apelantes, assume, na economia de tais diplomas, natureza de formalidade essencial (que não de mera irregularidade), cuja inobservância contende, pois, com a validade da autenticação realizada. Daí que, sendo a autenticação efectuada fora do condicionalismo temporal definido no art. 4º da citada Portaria fica afectada a sua validade, pelo que o documento particular não chega sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado (…). O que tudo bem se compreende. Se se dá, nomeadamente, ao advogado a possibilidade de levar a cabo actos de natureza idêntica aos dos Notários, é perfeitamente compreensível que faça rodear tais actos de formalidades e/ou exigências apertadas, assim o exigindo razões de certeza e segurança jurídica. Pelo que o limite temporal para a efectivação do registo informático, sem cujo cumprimento o termo de autenticação não se considerará válido, é uma “linha” inultrapassável, sob pena de o registo informático perder muito do seu sentido e utilidade, pois passava a poder ser praticado sem limitação temporal, com os óbvios inconvenientes. Daí, portanto, que o momento temporal referido supra, para a prática do registo online seja um elemento ou requisito essencial da validade do próprio termo de autenticação: sem a observância desse limite temporal, o termo de autenticação do documento não é válido, não podendo produzir o efeito para que foi elaborado”.
E no caso dos autos a situação ainda é mais flagrante: não foi só o registo online que foi feito mais de 3 meses após o acto. O próprio acto do reconhecimento foi feito mais de 3 meses após o momento da assinatura do documento. O que contraria frontalmente a certificação afirmada.
Acresce que a recorrida refere nas suas contra-alegações, com justeza, que do documento apresentado como doc. nº 3, é possível concluir que: … c) não consta da “Declaração de Reconhecimento e Confissão de Dívida” qualquer número de identificação que possa demonstrar que aquele comprovativo pertence ao documento em causa, ou seja, não há elementos concretizadores e individualizadores que façam a conexão entre os dois documentos”.
A argumentação da recorrente para justificar esse hiato temporal não colhe de todo. O que resulta literalmente do documento em causa é que a assinatura foi feita na data indicada na linha acima dela. Assim não sendo, seria necessário fazer a ressalva da nova data no próprio momento da assinatura. E também não se compreende, a ser verdade o alegado, por que razão não foi impressa outra declaração, desta feita com a data correcta.
Donde, a única conclusão a tirar é a de que os documentos 3 e 4 juntos com a petição inicial são meros documentos particulares.
E sendo meros documentos particulares, a prova pericial assume a importância central que a sentença recorrida lhe deu. E daí se retira não ser possível considerar como provado que a assinatura referida tenha sido aposta pelo punho de AA.
A recorrente vem ainda brandir com o depoimento de MM, sócio-gerente da sociedade autora, que considera isento, objectivo e minucioso, para com isso sustentar a prova do facto central nesta acção. Porém, o Tribunal recorrido não ignorou esse depoimento: analisou-o longamente na motivação, explicando as razões pelas quais não lhe deu a credibilidade que a recorrente dá, o que damos aqui por reproduzido. Esta Relação, não tendo tido o acesso à imediação que teve o Tribunal recorrido, nem acesso ao que a ciência da Psicologia chama de comunicação não verbal, não tem forma de contrariar a percepção do Tribunal recorrido, antes o secundando.
O resultado final é o mesmo: cabia à autora fazer a prova que o falecido tinha emitido e assinado aquela declaração de dívida, uma vez que o documento particular foi impugnado. E não o logrou fazer, ficando várias dúvidas, sobretudo fazendo apelo, mais uma vez, à prova pericial.
Nos termos do art. 342º,1 CC, cabia à autora o ónus de provar esse facto. Ficando dúvidas sobre o mesmo, a decisão só podia ser contra a parte onerada. Como foi.
Chegamos assim, embora por um percurso jurídico diverso, à mesma conclusão a que chegou o Tribunal recorrido.
E por isso, bem andou o Tribunal recorrido em considerar não provados os factos 1 a 3 supra referidos. E ficando esses factos não provados, torna-se inútil analisar os factos não provados 4 e 5, pois a pretensão da autora já está inexoravelmente votada ao fracasso.
O recurso contra o julgamento da matéria de facto improcede.

Quanto à aplicação do Direito, a mesma não foi impugnada independentemente da decisão sobre matéria de facto.
Apenas diremos que ficando não provado o facto central da pretensão da autora (a declaração de reconhecimento e confissão de dívida), a mesma só podia improceder.
Pelo que, sem mais, julgamos improcedente o recurso.
             
V- DECISÃO
     
Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma a sentença recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC)
Data: 18.12.2024

Relator
(Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida)
2º Adjunto (Paulo Reis)


[1] Direito probatório material, Luís Filipes Pires de Sousa, fls. 168.