Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8/10.8GBPTL.G1
Relator: TERESA BALTAZAR
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
PROVA TESTEMUNHAL
TESTEMUNHA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/31/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I – Não profere um depoimento indireto o polícia que no julgamento relata as diligências efetuadas, ainda na fase de recolha de indícios, para a recuperação de bens furtados, incluindo no relato as indicações que o arguido deu sobre o local onde estavam os objetos.
II – O relato no julgamento das denominadas “conversas informais” com o arguido apenas é proibido quando com ele se frustra o seu direito ao silêncio. Pressuposto desse direito é a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei.
III – Pode depor no julgamento como testemunha o menor de 16 anos participante nos factos, mesmo que relativamente a ele tenha sido instaurado um processo de natureza tutelar pelos mesmos factos.
Decisão Texto Integral: - Tribunal recorrido:
Tribunal Judicial de Ponte de Lima – 2º Juízo.
- Recorrentes:
Os arguidos Flávio L... e Ricardo S....
- Objecto dos recursos:
No processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 8/10.8GB PTL, do Tribunal Judicial de Ponte de Lima – 2º Juízo, foi proferida sentença, nos autos de fls. 684 a 697, na qual, no essencial e que aqui importa, se decidiu condenar os arguidos nos termos seguintes:
“Decisão:
Pelo exposto e sem mais considerações. decide-se julgar a douta acusação pública provada e o pedido civil e, em consequência, condenar
a) - Os arguidos Flávio L... e o Ricardo S..., como co-autores materiais de três crimes de furto qualificado, todos p. e p. pelos arts. 203º n.º, 1 e 204º n.º 2 alínea e), do Cód. Penal nas penas em concreto de 60 (sessenta) dias de prisão por cada um do crimes cometidos, procedendo-se ao cumulo jurídico das penas em concreto aqui aplicadas vão estes condenados na pena única de 120 (cento e vinte) dias de prisão a qual se substitui por igual tempo de multa á taxa diária de 5€ (cinco euros) o que dá a multa global de 600 € (Seiscentos euros); e como co-autores materiais de um crime de furto simples. p. e p. pelos arts. 203. n.º 1 e 204 n.º 2 alínea e) e n.º 4. do Cód. Penal na pena de 80 (oitenta) dias de multa á taxa diária de 5€ (cinco euros) o que dá a multa global de 400€ (quatrocentos euros) ou subsidiariam ente 53 dias de prisão.
b) O arguido Flávio O..., como co-autor material de um crime de furto qualificado, todos p. e p. pelos arts. 203° n.º 1 e 204° n.º 2 alínea e), do Cód. Penal na pena de 60 (sessenta) dias de prisão a qual se substitui por igual tempo de multa á taxa diária de 5€ (cinco euros) o que dá a multa global de 300€ (trezentos euros).
c) O arguido Diogo L..., como autor material de dois crimes de auxílio material, ambos p. e p. art. ° 232°, n. ° 1 do C. Penal nas penas em concreto de 80 (oitenta) dias de multa por cada um do crimes cometidos, procedendo-se ao cumulo jurídico das penas em concreto aqui aplicadas vai o arguido condenado na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa á taxa diária de 6€ (seis euros) o que dá a multa global de 780€ (setecentos e oitenta euros) ou subsidiariam ente 86 (oitenta e seis) dias de prisão.
d) Julgar procedente por provado em parte o pedido civil e, em consequência decido condenar os demandados Flávio L..., Ricardo S... e Diogo L... a pagarem á demandante solidariamente a quantia global de 6.533.60 € (seis mil quinhentos e trinta e três euros) (4.450.00é + 1000é + 183.60) a título de danos morais e patrimoniais sofridos pela demandante a que cresce os juros de mora vencidos e vincendos a contar da data da notificação do pedido civil.”.

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Inconformados com a supra referida decisão os arguidos Flávio L... e Ricardo S..., dela interpuseram recursos (cfr. fls. 709 a 735 e 737 a 777), terminando as suas motivações com as conclusões constantes de fls. 725 a 735 e 768 a 777, o que aqui se dá integralmente como reproduzido.
No essencial, nos seus recursos os arguidos suscitam as questões seguintes:

- Recurso do arguido Flávio L...:
- Impugna a matéria de facto fixada, invocando inexistência de prova da prática por si dos factos por que foi condenado;
- Invoca a nulidade insanável prevista no art. 119°, al.s b) e d) do CPP e prova proibida, traduzidas na audição de Miguel F... como testemunha, uma vez que foi comparticipante na prática dos factos (art. 133°, n.° l. a) do C. P. P.) - ou seja nulidade do depoimento, nulidade da prova obtida através dele e consequentemente nula a sentença recorrida, com invocação de inconstitucionalidade;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Violação do disposto no art. 356°, n.º 7 e art. 357°, al.s a) e b) do C. P. Penal (nulidade do depoimento dos agentes da GNR);
- Violação do principio da presunção de inocência, do princípio in dubio pro reo, dos princípios da imediação e da oralidade e do princípio da livre apreciação da prova (art. 127° CPP);
- Refere ainda que, para a eventualidade de não vir a ser absolvido, entende como excessivas as condenações quer crime, quer cível.
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- Recurso do arguido Ricardo S...:
- Impugna a matéria de facto fixada, invocando inexistência de prova da prática por si dos factos por que foi condenado;

- Invoca os vícios previstos no art. 410°, n.º 2 do CPP;
- Violação do principio da presunção de inocência, do princípio in dubio pro reo;
- Violação do disposto no art. 356°, n.º 7 e 357°, al.s a) e b), 343° n. ° 1 do C. P. Penal e 32° CRP e nulidade do depoimento dos agentes da GNR;
- Nulidade do depoimento da testemunha Miguel F... e violação do disposto no art. 262°, n.º 2 C. P. Penal, art. 74° da LTE e art. 133°, n.° 1 do C. P. Penal.

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Os recursos foram admitidos por despacho constante a fls. 783.
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A ofendida e demandante Carla G... respondeu, concluindo que o recurso do arguido Flávio L... não merece provimento (cfr. fls. 787 a 791).
Referindo ainda que existem na sentença manifestos lapsos que importa corrigir, sendo os seguintes:
1- O valor de € 183. 60, não corresponde á sua constituição como assistente (o que não ocorreu), mas, sim, à taxa paga pelo pedido de indemnização civil - conforme se pode verificar pelo DUC (documento único de cobrança) 702480022 176829, de valor de € 183,60, com data de emissão de 17-01-2012, tipo de acção acções declarativas de 2.000,01 € a 8.000,00 €;
2- Quanto ao referir-se na sentença que a demandante “recuperou grande parte dos objectos furtados- cfr. fls. 690, 3º parágrafo, parte final da 21ª linha:
Também aqui, a sentença recorrida, na sua FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO dá como provado que a demandante, aqui recorrida, não mais recuperou os bens. Cfr. fls. 689 (paragrafo doze - linhas 18, 19 e 20): Ali se referindo que "Não dormiu naquela noite, e passou a dormir mal durante longas noites após o assalto, ficou abalada, com toda a situação, quer com violação da sua residência, quer com a usurparão dos objectos que eram seus e que até á data não mais os recuperou.".
Pelo que deve, sim, ser tido em conta que a demandante Carla G..., até aquela data e como mencionado a fls. 689 não mais recuperou os objectos furtados.
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O M. P. respondeu, concluindo que os recursos não merecem provimento (cfr. fls. 792 a 795).
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A Ex.mª Procuradora Geral Adjunta, nesta Relação no seu parecer (constante de fls. 813 a 816) conclui também que os recursos não merecem provimento.

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Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, não veio a ser apresentada qualquer resposta.

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.

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- Cumpre apreciar e decidir:
- A - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal.
- B - No essencial, nos seus recursos os arguidos suscitam as questões seguintes:

- Recurso do arguido Flávio L...:
- Impugna a matéria de facto fixada, invocando inexistência de prova da prática por si dos factos por que foi condenado;
- Invoca a nulidade insanável prevista no art. 119°, al.s b) e d) do CPP e prova proibida, traduzidas na audição de Miguel F... como testemunha, uma vez que foi comparticipante na prática dos factos (art. 133°, n.° l. a) do C. P. P.) - ou seja nulidade do depoimento, nulidade da prova obtida através dele e consequentemente nula a sentença recorrida, com invocação de inconstitucionalidade;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Violação do disposto no art. 356°, n.º 7 e art. 357°, al.s a) e b) do C. P. Penal (nulidade do depoimento dos agentes da GNR);
- Violação do princípio da presunção de inocência, do princípio in dubio pro reo, dos princípios da imediação e da oralidade e do princípio da livre apreciação da prova (art. 127° CPP);
- Refere ainda que, para a eventualidade de não vir a ser absolvido, entende como excessivas as condenações quer crime, quer cível.
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- Recurso do arguido Ricardo S...:
- Impugna a matéria de facto fixada, invocando inexistência de prova da prática por si dos factos por que foi condenado;

- Invoca os vícios previstos no art. 410°, n.º 2 do CPP;
- Violação do princípio da presunção de inocência, do princípio in dubio pro reo;
- Violação do disposto no art. 356°, n.º 7 e 357°, al.s a) e b), 343° n. ° 1 do C. P. Penal e 32° CRP e nulidade do depoimento dos agentes da GNR;
- Nulidade do depoimento da testemunha Miguel F... e violação do disposto no art. 262°, n.º 2 C. P. Penal, art. 74° da LTE e art. 133°, n.° 1 do C. P. Penal.

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- C - Matéria de facto dada como provada e não provada, na 1ª instância e sua motivação - cfr. fls. 685 a 693 (transcrição):
“FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Instruída e discutida a causa resultaram apurados os seguintes factos:
Na noite de 02 para 03DEZ2009, os arguidos, acompanhados por Miguel F..., que então contava quinze anos de idade, dirigiram-se às instalações da Associação D..., sitas no lugar do C..., no monte de S..., naquela freguesia desta comarca, tendo resolvido, por sugestão do Flávio L..., assaltar o bar, assaltar o bar a referida associação.
Para o efeito, treparam pelo muro de vedação do campo de futebol e entraram no recinto, ficando o Miguel F..., o Ricardo S... e o Flávio Q... a vigiar, colocados em pontos estratégicos, enquanto o Flávio L... partiu o vidro da porta, retirou o ferro que a trancava pelo interior e a descerrou, entrando no interior do bar, onde se apoderou das moedas que existiam no moedeiro dos matraquilhos e do dinheiro existente na caixa registadora, no valor global de 250 euros, bem como de diversos pacotes de batatas fritas e de uma garrafa de whiskey velho, no valor de 22 euros, tendo posteriormente todos eles consumido os bens alimentares e repartido entre si o dinheiro.
Na tarde do dia 08DEZ2009, os arguidos Flávio L... e Ricardo S... dirigiram-se à residência de Manuel M..., sita no lugar do M..., freguesia da F..., nesta comarca, tendo-se introduzido na mesma através de uma janela da casa de banho, que se encontrava aberta, tendo-se dirigido ao quarto do dono da casa e remexido nos móveis, bem como ao escritório.
Apoderaram-se então de um brinco em ouro amarelo, com uma pedra branca, no valor de 200 euros, um par de brincos em ouro amarelo, um crucifixo em ouro amarelo, um relógio de marca "Orient", com mostrador amarelo e bracelete metálica, no valor de 400 euros, um relógio de marca "Camel", de cor prateada, com mostrador branco e bracelete em pele, um relógio de marca desconhecida, com mostrador branco, um computador de marca desconhecida, com uma placa gráfica de marca "Asus", no valor de 1 O euros, um computador de marca desconhecida, no valor de 250 euros, um monitor TFT de marca "LG", de 19 polegadas, no valor de 60 euros, uma câmara de filmar de marca "Sony", no valor de 210 euros, um computador portátil de marca "HP", modelo 530, no valor dc 100 euros, um disco rígido de marca "Iomega", com a capacidade de um terabyte, no valor de 50 euros, e um disco rígido de marca desconhecida, com capacidade de 500 gigabytcs, no valor de 70 euros, objectos que removeram do local e levaram com eles.
No dia seguinte, pelas 14H 00, o Flávio L... e o Ricardo S... encontraram o Miguel F... e convidaram-no a ir com eles à residência que tinham assaltado no dia anterior, onde pretendiam voltar para tirar mais objectos. Deslocaram-se então os três de novo à referida residência, ficando o Ricardo a vigiar de um lado e o Miguel a vigiar do outro, enquanto o Flávio L..., utilizando um ferro cujas exactas características não foram apuradas, estroncou a porta do quarto da residência, por onde entrou, tendo-se apoderado de uma viola eléctrica de cor vermelha, da marca "B. C. Rich", modelo "Ironbird Platinum Pró" e respectivo tripé, no valor de 350 euros, bem como de uma faca de mato, no valor de 25 euros, e de uma bússola, objectos que levaram com eles.
No dia 15 JAN 2010, por volta das 10H 00, os arguidos Flávio L... e Ricardo S... dirigiram-se à residência de Carla G..., sita no lugar da C..., freguesia da F..., nesta comarca, introduzindo-se na mesma através de um postigo da garagem, cuja bandeira desaparafusaram ou desencaixaram, após o que percorreram as diversas divisões da casa, tendo-se apoderado de um colar de contas de ouro amarelo, com um cruzeiro tipo estrela, brincos e um anel a condizer, no valor de 650 euros, um fio em ouro amarelo, com um crucifixo, no valor de 100 euros, um fio em ouro amarelo, tamanho de criança, com uma medalha com a inscrição "Lembrança dos avós" e outra medalha com a inscrição "Lembrança de tios", no valor de 300 euros, um fio de ouro amarelo, com um crucifixo e uma medalha rectangular, no valor de 500 euros, uma aliança de casamento com a inscrição "Cana 19- 06-2004", no valor de 250 euros, um anel de modelo masculino com a bandeira de Portugal, no valor de 150 euros, um anel de modelo feminino, com uma pedra branca, no valor de 150 euros, um anel de modelo feminino, do modelo conhecido como «sete alianças», no valor de 150 euros, um anel de modelo feminino, com brilhantes brancos, no valor de 150 euros, um anel de modelo feminino, com uma pedra branca e um rectângulo de lado, no valor de 150 euros, uma aliança de comprometido, de modelo masculino, no valor de 50 euros, uma aliança de comprometido, de modelo feminino, no valor de 50 euros, um anel de modelo masculino, com uma pedra branca, no valor de 150 euros, uma pulseira de modelo masculino, no valor de 250 euros, uma pulseira grossa de modelo feminino, no valor de 350 euros, uma pulseira fina de modelo feminino, no valor de 100 euros, uma pulseira de criança, com placa de gravação em branco, no valor de 100 euros, uma pulseira de criança com a inscrição "lembrança de padrinhos", no valor de 100 euros, uma pulseira de criança com a inscrição "lembrança de avós paternos", no valor de 100 euros, uma pulseira de criança com a inscrição "lembrança de tios", no valor de 1 00 euros, um par de brincos de criança representando golfinhos, no valor de 1 00 euros, um par de brincos de criança com brilhantes brancos, no valor de 1 00 euros, um par de brincos de criança com esmeralda branca no valor de 1 00 euros, e um par de brincos de senhora com uma pedra vermelha e várias peças pequenas penduradas, no valor de 250 euros.
Após, saíram da residência pelo mesmo postigo por onde entraram, levando consigo os referidos objectos, e telefonaram ao arguido Diogo L..., ao qual pediram que os fosse buscar a local que combinaram entre eles. No regresso, o Flávio L... e o Ricardo S... explicaram ao Diogo L... o que tinham feito e pediram-lhe que fosse vender os objectos em ouro a uma casa de compra de ouro usado, alegando ter receio de o fazer eles próprios, por contarem ainda menos de 18 anos.
Nessa sequência, combinaram que o ouro seria vendido em duas parcelas, em locais diferentes, para não chamar a atenção, e que as peças com inscrições gravadas seriam deitadas fora, para que as autoridades não os conseguissem identificar. Assim, o arguido Diogo, ainda no dia 15JAN2010, dirigiu-se ao Centro L...", em Viana do Castelo, acompanhado pelo arguido Ricardo, tendo vendido no estabelecimento denominado "G..." um colar de contas, uma pulseira de contas, um anel de modelo masculino, com uma pedra branca, um anel de modelo masculino com a bandeira de Portugal e dois outros anéis, todos de ouro, recebendo por tais artigos o contravalor de 530 euros.
No dia 19JAN2010, os arguidos Diogo e Ricardo dirigiram-se ao estabelecimento denominado "P...", sito na Praça M..., no Porto, onde vendeu o anel conhecido como «sete alianças», sete pulseiras, dois pares de brincos e três fios, todos de ouro, recebendo por tais artigos o contravalor de 670 euros.
No dia 04FEV2010, entre as 14H 00 e as 18H 00, os arguidos Flávio L... e Ricardo S... dirigiram-se à residência de Miguel E..., sita no lugar da G..., freguesia da S..., nesta comarca, onde partiram um vidro da janela da sala, conseguindo depois descerrá-la e penetrar no interior da habitação. Dirigiram-se então a um dos quartos e remexeram nas gavetas, tendo-se apoderado de um relógio de senhora, de marca "Celsus", no valor de 90 euros, bem como de três euros em moedas, e que levaram com eles.
Após saírem da referida residência, voltaram a telefonar ao arguido Diogo e a pedir-lhe que os fosse buscar a local que indicaram. Nessa ocasião, explicaram ao Diogo que tinham assaltado mais uma residência e que precisavam que este lhes fosse vender o relógio supra referido.
Cerca de uma semana mais tarde, o arguido Diogo dirigiu-se de novo ao estabelecimento "G...", no Centro L...", onde tentou vender o relógio; no entanto, a funcionária do estabelecimento disse-lhe que ia ficar com o relógio para o avaliar e pediu-lhe que voltasse a passar alguns dias mais tarde, altura em que já lhe poderia propor um preço, ao que o arguido anuiu.
Com a actuação descrita, os arguidos Flávio L..., Ricardo S... e Flávio Q... (este, apenas em relação aos factos relacionados com a Associação D...), que actuaram em conjugação de esforços e na concretização de planos que haviam traçado entre si, pretenderam e conseguiram fazer seus os supra referidos objectos e valores, apesar de bem saberem que as mesmas não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus donos.
Por sua vez, o arguido Diogo L... pretendeu ajudar os arguidos Flávio L... e Ricardo S... a desfazerem-se dos objectos de que aqueles se haviam ilicitamente apoderado e a substitui-los por um contravalor monetário.
Finalmente, bem sabiam os arguidos que os seus comportamentos eram proibidos por lei. O arguido Flávio L... encontra-se desempregado.
Vive na casa dos pais.
Possui o 9° ano de escolaridade.
À data dos factos não tinha antecedentes criminais. O arguido Ricardo encontra-se desempregado. Vive na casa dos pais e da sua ajuda
Possui o 9° ano de escolaridade.
À data dos factos não tinha antecedentes criminais.
O arguido Flávio Q... no exercício da sua profissão aufere o salário do montante de 300€.
Paga 300€ de renda de casa com a ajuda dos pais da sua companheira. Possui o 12° ano de escolaridade incompleto
À data dos factos não tinha antecedentes criminais
O arguido Diogo no exercício da sua profissão aufere o salário do montante de 1391 €.
Actualmente encontra-se emigrado em França onde trabalha. Paga de renda de casa.
À data dos factos não tinha antecedentes criminais
Faz parte do grupo folclórico "R...", na freguesia com o mesmo nome, do concelho de Ponte de Lima.
É um bom trabalhador, pessoa estimada e considerada nesse grupo, pelos seus colegas de trabalho e superiores, assim como no seu meio familiar e social.
Está profissional e socialmente inserido.
O presente processo constitui um episodio isolado, esporádico, da sai vida, desadequado da sua personalidade e do seu carácter.
À data dos factos, todos os arguidos tinham idades inferiores a 21 anos.
O valor global dos objectos furtados à demandante Carla G...., tinham o valor global de € 4.500,00.
Para se constituir assistente teve de pagar a taxa de justiça do montante € 183,60.
Da conduta dos arguidos/demandados, constantes da acusação pública, onde se refere aos factos do dia 15 de Janeiro de 2010, a lesada/demandante ao ter o seu conhecimento dos factos e ao saber que a sua residência foi assaltada, passou a andar muito nervosa.
Não dormiu naquela noite, e passou a dormir mal durante longas noites após o assalto, ficou abalada, com toda a situação, quer com violação da sua residência, quer com a usurparão dos objectos que eram seus e que até á data não mais os recuperou.
Ficou abalada, inconsolável pois os objectos, para além do valor patrimonial, tinham para a lesada/demandante um valor sentimental incalculável.
O que levou a mesma a andar deprimida durante bastante tempo. MOTIVAÇÃO:
Relativamente aos factos provados o tribunal formou a sua convicção com base no auto de denúncia de fls. 3, 4, 25 a 33, relatório fáctico de inspecção ocular de fls. 13 a 16; Autos de busca e apreensão de fls. 34 a 67; exames directo de avaliação de fls. 246 a 264, termos de entrega de fls., 270, 276 e 281 e recorte de papel que se encontrava junto a relógio apreendido a fls. 58, conforme analise crítica que sobre os mesmos abaixo se expenderá
Da análise crítica de toda a prova produzida em sede de julgamento na sua globalidade resultou o seguinte:
Os arguidos presentes não quiseram prestar declarações.
Do depoimento da testemunha Manuel Jorge Silva Sousa, na qualidade de Secretário da Direcção da Associação D.... No o exercício destas funções demonstrou ter conhecimento dos factos ocorridos de 02 para 03 de Dezembro ou seja o furto realizado ao bar da referida Associação Desportiva. Demonstrou ter conhecimento de como entraram no referido bar e a quantidade e características dos objectos furtados. Com tudo do seu depoimento resultou desconhecer quem foi o autor ou autores de tal furto nomeadamente que tivessem sido os arguidos presentes em julgamento, contudo demonstrou conhecer a identidade dos arguidos.
Do depoimento da testemunha Manuel M..., ofendido, dono da habitação, assaltada no dia 8 de Dezembro de 2009, descreveu em sede de julgamento, com perfeito conhecimento do modo de actuação dos agentes que perpetraram o furto, como seja como entraram no interior da sua habitação e levaram consigo os objectos furtados, existentes no seu interior. Demonstrou ter conhecimento da quantidade qualidade e características dos bens furtados. Em sede de julgamento não demonstrou ter conhecimento quem foi o autor do furto nomeadamente que tivessem sido os arguidos presentes emjulgamento. Recuperou grande parte dos objectos furtados.
Por sua vez do depoimento da Carla G...., ofendida, dona da habitação, assaltada no dia 15de Janeiro de 2010, descreveu em sede de julgamento, com perfeito conhecimento do modo de actuação dos agentes que perpetraram o furto, como seja como entraram no interior da sua habitação e levaram consigo os objectos furtados, existentes no seu interior. Demonstrou ter conhecimento da quantidade qualidade e características dos bens furtados. Em sede de julgamento não demonstrou ter conhecimento quem foi o autor do furto nomeadamente que tivessem sido os arguidos presentes em julgamento. Recuperou grande parte dos objectos furtados.
Dos depoimentos das testemunhas Miguel E... e da sua esposa Rosa E..., ofendidos, donos da habitação, assaltada no dia 4 de Fevereiro de 2010, descreveram em sede de julgamento, com perfeito conhecimento do modo de actuação dos agentes que perpetraram o furto, como seja como entraram no interior da sua habitação e levaram consigo os objectos furtados, existentes no seu interior. Demonstraram ter conhecimento da quantidade qualidade e características dos bens furtados. Em sede de julgamento não demonstraram ter conhecimento quem foi o autor do furto nomeadamente que tivessem sido os arguidos presentes em julgamento. Recuperaram a maior parte dos objectos furtados.
Do depoimento da testemunha Miguel F..., identificado a fls. 326, do seu depoimento resultou conhecer todos os arguidos e de que está de relações cortadas com eles. Participou em dos assaltos com os arguidos, ao bar da Associação D... e á residência sita na Freguesia da Facha. Não precisou as datas em que lá foi mas contudo isso de deu à três ou quatro anos Foi na companhia de ambos os Flávio e Ricardo ao Bar do Campo de Futebol. E em relação á habitação sita na freguesia da Facha foi na companhia dos arguidos Ricardo e Flávio L.... Ficou no exterior a vigiar na companhia do Ricardo. O Flávio o José Trazia uma viola vermelha consigo, por ter entrado no interior da residência.
Do depoimento da testemunha Maria P..., exerce a actividade de compra e vente de objectos em ouro, dona de num estabelecimento comercial sito no Centro Comercial de s.Luzia na cidade de Viana do Castelo. Confirmou em julgamento o auto de apreensão de fls. 58 e 59 respeitante ao relógio, e a declaração de fls. 60 feita pelo arguido Diogo L..., sendo que a letra constante da referida declaração foi feita pelo punho da testemunha. Comprou os objectos referidos na referida declaração. Confirmou peremptória mente em julgamento de que o vendedor do relógio e os objectos referidos na referida declaração foi o arguido Diogo L....
Finalmente dos depoimentos das testemunhas Aberto C..., agente da GNR, à data em que correram os factos prestava serviço do NUIPC de Arcos de Valdevez, procedeu à investigação dos furtos que se discutem nos presentes autos, com a colaboração da testemunhas Manuel B... e José A..., agente da GNR, os três subscritores do aditamento ao auto de notícia de fls. 25 a 32, confirmado em julgamento pelos depoimentos destas testemunhas. Procederam a diversas buscas, chegando a conclusão de que os autores dos furtos foram os arguidos referidos na acusação. Chegaram a esta conclusão antes dos autores dos furtos terem sido constituídos arguidos. Procederam à apreensão de diversos objectos furtados. Esta apreensão só teve êxito pelos relatos feitos pelos arguidos Flávio L..." Zé Flávio", Ricardo, a testemunha Miguel M.... Apuraram que o arguido Diogo L... procedeu á venda dos objectos em ouro e o relógio, no estabelecimento comercias sitos na Cidade do Porto e Viana do Castelo.
Ora fruto desta investigação a que deu origem a elaboração de todos os documentos supra referidos, a buscas levadas a cabo às residência dos arguidos supra referidas, bem com ao que os arguidos relataram do decurso da investigação criminal, e sopesando os depoimentos dos ofendidos ouvidos como testemunha o Tribunal convenceu-se de que os arguidos foram os autores dos furtos e auxilio dos quais foram acusados.
Sobre o acabado de referir veja-se Ac. da Relação de Guimarães de 25.05.2009, Prac. N° 356/06GVCRM.Gl, Relator Desembargador Anselmo Lopes, acerca a valoração de conversas informais ainda que na fase de inquérito, em cujo sumário se escreve" ( ... ) Se um testemunha conta que o arguido lhe disse que foi participante num furto e até lhe indica, com pormenores muito significativos (posteriormente confirmados, realce-se), onde se encontram os objectos furtados, não está, quanto a essa conversa, a depor indirectamente, mas a relatar factos concretos por si directamente ouvidos e vistos e que aliás, têm relevo decisivo para a descoberta da verdade material ( .. ) . O conhecimento que a testemunha transmite naquele depoimento é aquele que ela própria adquiriu através dos seus próprios sentidos e, visto que ouvir de um arguido que ele praticou um fado criminoso e reproduzir isso em Tribunal não é ilegal. Cabe ao Tribunal analisar e avaliar essa prova como contributo para a procedência ou não da acusação. Não é só assim quanto aos depoimentos de testemunhas comuns, mas também no que toca aos depoimentos dos agentes policiais".
No mesmo sentido pode ver-se AC. do STJ de 13.05.1999, Prac. 201/99 _30 Secção Relator Hugo Lopes cujo sumário e o seguinte" I - Os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre os factos de que tenham conhecimento directo por meio diverso das declarações ou depoimentos reduzidos a auto, designadamente sobre o relato de conversas informais que tenham tido com o arguido".
" Os agentes policiais apenas não podem depor sobre diligências nas quais reduziram a auto declarações do arguido, em que "tomaram" declarações deste. São apenas estas declarações processuais formais a que se refere o art. 356.º, n." 7,do CPPP. Penal. Relativamente a outros contactos com arguidos em que estes se expressaram verbalmente ou gestualmente ou de qualquer outro modo são testemunho directo valorável ao abrigo do art." 127. Do CPP, desde que os agentes policiais não tenham intencionalmente e de modo fraudulento provocado declarações ao arguido, de molde a tornear a referida norma.
Extremamente importante, por acontecer inúmeras vezes nos Tribunais, o facto de deverem ser valoráveis as declarações dos arguidos a órgãos de polícia criminal que conduziram a apreensão do (s) objecto (s) do (s) crime (s), pois tratam-se de diligencias de investigação sobre o qual podem e devem elucidar o tribunal, que se distinguem das meras declarações, já que nestes casos valora-se a diligencia de apreensão e o modo como se logrou tal. Na verdade, aqui jogam as regras da experiencia já que, por exemplo, o facto do arguido indicar um local onde se encontram os objectos subtraídos num furto ou roubo, que seria impossível saber se não tivesse participado nos mesmos, é um forte indicio incriminatório." [ ln Revista Julgar, n." 18 pág. 38 cujo título é "Breve Excurso pela Prova Penal na Jurisprudência Nacional (Conversas entre arguido e órgãos de polícia Criminal) do Juiz de Direito Tiago Caiado Milheiro].
Por fim veja-se Ac. RP., de 03.02.2010 relatara Airisa Caldinho, processo n.o 198/00. 8GA CRZ.P 1, em cuj o sumário se escreve " I - Os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação. II- Relatando o agente policial o que apreendeu ao longo das diligencias que levou a efeito, algumas das quais na sequência de declarações dos próprios arguidos, um tal depoimento vai para além do que a testemunha ouviu dizer, alcançando a descrição das diligências que o que ouviu dizer propiciou. III - Não consubstancia valoração ilícita de prova o acolhimento pelo tribunal do depoimento prestado pela testemunha, inspector da PJ, que relatou conversas tidas com os arguidos que lhe permitiram desenvolver diligências de investigação que, por sua vez, lhe permitiram obter conhecimento próprio dos factos
Feita esta resenha doutrinal e jurisprudencial, na verdade os depoimentos das testemunhas, agentes da GNR, que procederam à investigação criminal, foram vai orados de forma decisiva no que diz respeito à procedência da acusação.
Finalmente os depoimentos das restantes testemunhas arroladas para defesa dos arguidos e pedido civil, estes foram valorados no que diz respeito á situação económica social e familiar dos arguidos, e seu comportamento, que por serem conhecidas destes e nutrirem amizade com elas demonstraram ter conhecimentos dos factos.
CRC (s) dos arguido juntos aos autos”.

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- Quanto às questões suscitadas nos recursos:

Desde já se refere que quanto ás questões suscitadas em comum em ambos os recursos serão tratadas conjuntamente, a fim de evitar desnecessárias repetições.

1- Impugnam os arguidos Flávio L... e Ricardo S... a matéria de facto fixada, invocando inexistência de prova da prática por eles dos factos por que foram condenados.
A prova produzida em audiência de julgamento tendo sido gravada, tem como consequência que o recurso poderá versar matéria de facto e de direito.
Nos termos do disposto no artigo 428º, do Código de Processo Penal, "As relações conhecem de facto e de direito.".
Aos recorrentes, sempre que impugnem a matéria de facto, incumbe o ónus de dar concretização aos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e às provas que impõem decisão diversa da recorrida; aliás, sempre que as provas tenham sido gravadas, a concretização destas terá de ser feita por referência ao consignado em acta. Veja-se o que decorre dos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal .
Os arguidos fazem alusão nos seus recursos a prova, nomeadamente depoimentos, que em seu entender e convicção levariam a que se desse como apurada matéria diferente.
Como se refere no acórdão do STJ de 21/03/2003, proc. 024324, relator A. Paiva, "A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação”.

Assim, por exemplo:

a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;

b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrario daquele que foi considerado como provado;

c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.".

Concordamos integralmente com o saber contido neste aresto. A sua visão é a interpretação fiel do que é um recurso sobre a matéria de facto.

Será que no caso em apreço se verifica uma qualquer das situações referidas na sentença proferida?

Cremos, objectivamente, que não.

A sentença criticado é absolutamente transparente quanto às provas que determinaram a sua convicção. Analisou a prova, nomeadamente depoimentos em confronto e revelou o ponto de chegada da sua ponderação.

É que, como se sumariou no acórdão de 21/11/2001 da Relação de Coimbra, proc. 926/2001, relator Barreto do Carmo:

"I - O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto, tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formulação lógico-intuitiva.

II - Na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:

2.1. - a recolha de elementos - dados objectivos - sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença; dá-se com a produção da prova em audiência;

2.2 - sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal - que é livre, art. 127º do Código Processo Penal - mas não arbitrária, porque motivável e controlável, condicionada pelo principio de persecução da verdade material;

2.3 - a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;

III - A convicção assenta na verdade prático-juridica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis - como a intuição.

IV - Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).

V - Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo­-se por tal a mediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao principio in dubio pro reo).

VI - A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção como sejam:

VII - O principio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade juridico-prática e com o da liberdade de convicção - princípios estruturais; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.

VIII - A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art. 206Q) e, consequentemente o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art. 321º) publicidade essa que se estende a todo o processo - a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art 86º)) querendo-se que o público assista (art. 86º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos actos (art. 86º/b); que se consultem os autos, se obtenha cópias, extractos e certidões (art. 86º/c)). Há um controlo comunitário quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.

IX - A oralidade da audiência que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art. 96º do Código Processo Penal) permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções da voz, por ex.:

X - A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal como que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão. É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e credibilidade da prova.

XI - A censura da forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

XII - Doutra forma, ... pretende-se uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão". (www.trc.pt).

Já no que concerne à convicção, à livre convicção que baseia a decisão, ela é de natureza eminentemente pessoal porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis - como a intuição.

A credibilidade dos depoimentos prestados em audiência foi aferida pelo julgador justamente na conformação do predito princípio. Como se refere no acórdão do STJ de 15/12/2005, proc. 2951/05, relator Conselheiro Simas Santos, "(...) 4 - Se o recorrente impugna somente a credibilidade da testemunha deve indicar os elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade dos depoimentos, pois ela, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzida na documentação da prova e logo reexaminada em recurso" (www.dgsi.pt).

Ora, in casu a forma como os recorrentes conformam a prova com a sua especial e subjectiva visão acaba por os colocar em área reservada ao julgador.

Como se decidiu no acórdão do STJ de 27/02/2003, Proc. 140/03, relator o Conselheiro Carmona da Mota:

" ii. O valor da prova, isto é a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, sua idoneidade e autenticidade.

iii. A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais características e atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detectáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através do contacto pessoal e directo com as pessoas.

iv. O tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido".

Ou seja, os elementos determinantes para a convicção do julgador assumem distinto cariz, crucial é que o mesmo, com absoluta transparência, os evidencie para que se alcance o juízo lógico que presidiu à decisão.

Visto isto, resulta evidente que a prova, nomeadamente testemunhal, referida pelos recorrentes como fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto foi considerada, foi ponderada pelo julgador na sentença que proferiu. Sob o horizonte jurídico do princípio da livre convicção - art. 127º do C.P.Penal.
No sistema vigente, os contornos funcionais do recurso induzem a existência de uma instância de controle em que o tribunal se encontra investido de uma actividade crítica cujo objecto é a decisão impugnada, não se tratando, portanto, de um novum iudicium, destinado a substituir ex integro o precedente.
A configuração do segundo juízo como revisio prioris instantiae ("o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância", observa o Prof. Germano Marques da Silva, Forum Iustitia) significa que esta Relação - em que o contacto com as fontes de prova é amplamente mediato - só poderia alterar a matéria de facto se acaso surpreendesse nos autos, prova documental ou pericial, ou nos depoimentos prestados em audiência, a existência de um qualquer elemento probatório que, pela sua irrefutabilidade, não pudesse ser afectado pelo princípio da imediação.
Os recorrentes limitam-se a dar as suas versões dos factos, não a fazendo acompanhar por nenhuma argumentação fundamentada num estudo preciso de molde a necessariamente implicar e impor alteração da matéria de facto fixada, pelo que nesta área não se descortina matéria que contraste com a resultante do convencimento expresso pelo tribunal de 1ª instância, e que assim se terá como consolidada.

Efectivamente, os recorrentes, não identificam as provas que impõem decisão diversa. Note-se que o verbo usado pela lei é precisamente o verbo impor, o que, no caso, afasta a valia das provas que possam eventualmente sugerir ou até autorizar outra leitura das mesmas. Havendo mais que uma versão possível para os factos, adoptando o decisor uma, importa que o mesmo fundamente a sua opção de forma racional, lógica e consistente, observando, sempre, o que determina o art. 127º referido: atentando às regras da experiência e, também, à sua livre convicção, que como é consabido, é de natureza subjectiva. A fundamentação da sentença é, pois, a objectivação da livre convicção e através dela se afasta o arbítrio e mero subjectivismo.
A convicção quanto aos factos apurados existirá quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável e não propriamente uma certeza absoluta, que exigiria provavelmente ter que se visionar o filme respectivo documentando os factos delituosos.
Com efeito, também a prova não é avaliada de forma isolada, antes, tem de ser toda relacionada e conjugada, podendo o julgador através desse exercício chegar a conclusões que não seriam permitidas por cada um dos elementos de prova, se considerados isoladamente. Porém, da prova produzida, nomeadamente depoimentos, conjugados, tal como se mostram referenciados na motivação da sentença recorrida, avaliados à luz das regras da experiência comum, é possível extrair a conclusão fáctica em causa.
Como já se referiu entendemos que a sentença recorrida não merece, pois, reparos quanto à apreciação da prova produzida nos autos, cuja convicção está devidamente enunciada de fls. 689 a 693.
*
1. 1 – Sendo que, quer o arguido Flávio L..., quer o arguido Ricardo S... colocam nos seus recursos o assento tónico quanto á inexistência de prova dos factos, que se deram como assentes, por via da existência de prova proibida e que como tal não poderia ser considerada no que respeita quer aos depoimentos dos agentes da GNR, quer de Miguel F..., ouvido na qualidade de testemunha.
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Vejamos:
1. 1. 1 – Quanto aos depoimentos dos agentes da GNR.

Desde já se refere que quanto a estas questões (referidas em 1.1) concordamos com o mencionado pelo M. P. quando diz o seguinte:

“No que toca aos depoimentos prestados pelos guardas, entendem os recorrentes ter havido um aproveitamento ilegal de conversas informais mantidas entre os arguidos e os órgãos de polícia criminal. Na verdade, resulta do disposto no art. 275 do CPP que «as diligências de prova realizadas no decurso do inquérito são reduzidas a auto, que pode ser redigido por súmula ... ». Por sua vez, define o art. 99.º que «auto é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, bem como a recolher as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido perante aquele». O CPP não contem qualquer norma que obrigue a reduzir a auto as declarações de meros suspeitos, mas define o momento processual em que esses suspeitos devem ser constituídos arguidos (art. 58), facultando mesmo aos suspeitos a possibilidade de serem constituídos como arguidos a seu pedido (art. 59 n°. 2).

No caso em apreço, o OPC optou por lavrar um aditamento ao auto de notícia (fls. 25) em que reproduz declarações que terão sido efectuadas pelos ora arguidos, assim como descreve as diligências efectuadas, que culminaram numa série de buscas e apreensões, essas sim reduzidas a auto (cf. fls. 34 a 67). Essas diligências foram efectuadas numa altura em que o inquérito estava arquivado e determinaram, de imediato, a sua reabertura e a validação das apreensões, cujo interesse probatório era patente (cf. fls. 68).
Esse aditamento e os subsequentes autos de busca e apreensão, bem como os próprios documentos apreendidos, foram indicados como meios de prova, e como tal valorados pelo M.º Juiz a quo. Porém, os recorrentes entendem que não o deveriam ter sido, por conterem declarações informais que foram valoradas, contrariando o seu direito ao silêncio.
Vejamos se é assim.

É lícito, pensamos nós, valorar as apreensões efectuadas. E também é lícito perguntar aos donos dos objectos apreendidos se os reconhecem como sendo os que lhes foram subtraídos. E, perante a afirmativa destes, também é lícito perguntar aos OPC's como souberam que deviam dirigir-se a determinados locais e que lá encontrariam os objectos furtados. No pressuposto, evidentemente, de que os OPC's não possuem ainda a famosa bola de cristal .. Os OPC's, por sua vez, responderam que se limitaram a seguir as informações que lhes foram dadas pelos então suspeitos.

O que se passa aqui é que o OPC não consegue cindir aquilo que sabe por seu conhecimento directo (a busca que fez e os objectos que encontrou) daquilo que sabe por lhe ter sido dito pelos suspeitos (o motivo que o levou a fazer a busca). Como se refere no artigo do Sr. Dr. Tiago Caiado Milheiro a que o M.º Juiz a quo alude na sentença, «nestes casos valora-se a diligência e o modo como se logrou tal. Na verdade, aqui jogam as regras da experiência comum já que, por exemplo, o facto do arguido indicar um local onde se encontram os objectos subtraídos num furto ou roubo, que seria impossível saber se não tivesse participado nos mesmos, é um forte indício incriminatório».

De resto, só após as buscas e o conhecimento do seu resultado é que existe fundada suspeita quanto à autoria do crime, só aí se justificando a constituição como arguido. Por conseguinte, nada de ilegal ou sequer anómalo existe aqui, quer quanto ao comportamento do OPC, quer quanto à produção e valoração da prova.

Na verdade, convém recordar que os inquéritos em que se investigavam os furtos em causa se encontravam arquivados e que o OPC agiu no âmbito do art. 249 do CPP, ou seja, praticando cautelarmente os actos necessários para assegurar a recolha da prova, aí se incluindo a colheita de informações «das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição»; não se trata, por conseguinte, do momento adequado para a constituição de arguidos, sendo legítimas as conversas informais, ainda que com suspeitos.
Neste sentido vão, entre outros, o Acórdão do STJ n.º 06P4593, de 15 FEV 2007, sumariado em «stj.vlex.pt/vid/ -29202046 (relatar o Conselheiro Maia Costa), e o Acórdão da Relação de Guimarães de 25 FEV 2009, proferido no processo 738/08.8GAEPS, sumariado em “dgsi.pb” (relator o Desembargador Carlos Barreira) – (fls. 793 a 795)”.
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A questão ora suscitada tem que ver com as chamadas “conversas informais”, “depoimento indirecto”.

No entanto, a testemunha - no caso OPC - que em audiência de julgamento depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo arguido - que se reduziu a escrito nos autos (cfr. aditamento ao auto de noticia de fls. 25 a 33), e na fase inicial de investigação, antes mesmo da constituição como arguido -, não profere um depoimento indirecto, antes sendo algo que aquele ouviu directamente da sua boca, de viva voz.

E um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do artº 127º CPP.

Trata-se de um meio legal de obtenção de prova.

Estipula o art. 356 n.º 7 do Código de Processo Penal que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, ou quaisquer pessoas que, a qualquer titulo, tenham participado na sua recolha, não podem ser inquiridas sobre o conteúdo daquelas.

No entanto, já assim não é quando os agentes da autoridade obtêm conhecimento dos factos por modo diferente das declarações do arguido reduzidas a auto.

Neste âmbito se pronunciou o STJ, no Ac. de 11-12-96, in BMJ 462-299, com o sumário seguinte:

"(…) II- Os agentes da Polícia Judiciária não ficam impedidos de depor sobre factos de que tiveram conhecimento directo por meios diferentes das declarações do arguido no decurso do processo.

III- Os agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessa reconstituição, por esta situação não estar abrangida pelo nº 7 do art. 356 do Código de Processo Penal.".

Podem as testemunhas, órgãos de polícia criminal, depor sobre factos de que possuam conhecimento directo obtido por meios diferentes das declarações que receberam do arguido no decurso do processo- Cfr. Ac. do STJ, de 24-02-93.

- Os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre os factos de que tenham conhecimento directo por meio diverso das declarações ou depoimentos reduzidos a auto, designadamente sobre o relato de conversas informais que tenham tido com o arguido. Proc. n.º 201/99 - 3.ª Secção, decidiu ACSTJ de 13-05-1999.A prova apresentada pelo órgão de polícia criminal foi recolhida antes de haver processo e de o “futuro” arguido ser sequer suspeito.

A jurisprudência vem considerando irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre os agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe. “Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas” –cfr. ACSTJ de 15-02-2007 (o sublinhado é nosso).

No entanto, o mesmo Ac. acrescenta:

“(…) Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.

IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).

V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.

VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.

VII - O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP” (o sublinhado é nosso).

Essa prova deve, pois, ser valorada para a fundamentação da matéria de facto, devendo o Tribunal considerá-la como prova válida para determinar da autoria dos factos. É prova válida e atendível.

No caso o conhecimento dos agentes da autoridade não foi obtido em cumprimento de determinações judiciais ou judiciárias, mas antes na missão policial que lhes competia efectuar.

Entendemos pois, que, in casu, deve ser valorado o depoimento dos agentes da autoridade.

Dispõe o artº 128º, nº 1 CPP, que a testemunha é inquirida "sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova".

Sendo, ainda assim, de referir que por sua vez o artº 129º nº 1 CPP, estabelece que: "Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas", considerando-se cumprida esta norma desde que essas pessoas sejam chamadas a depor, mesmo que possam, sendo o caso, optar por não prestar depoimento.

Como refere no Ac. do T.C. nº 440/99 de 8-7, "Há, assim, que concluir que o artigo 129, n° 1 (conjugado com o artigo 128, n° 1) do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido”.

Mas, também, no caso, como acima já se referiu, entendemos não se tratar de depoimento indirecto, ou prova indirecta pura.

In casu, não estamos, pois, perante prova proibida e, como qualquer outra, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal – art. 127 do CPP.

Assim sendo, a posição assumida in casu pelos arguidos – no uso de direito que não se põe em causa - de optar pelo silêncio -, de forma alguma pode obstar à admissão e valoração dos mencionados depoimentos.

Não se verifica, pois, a nulidade do depoimento dos agentes da GNR

Pelo que neste ponto não assiste razão aos recorrentes.

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1. 1. 2. – Quanto ao depoimento de Miguel F..., ouvido na qualidade de testemunha.

Invocam os recorrentes, uma vez que face aos elementos dos autos o Miguel F... participou com eles na prática dos factos, que por ser menor de 16 anos deveria o M. P. ter providenciado pela instauração de processo tutelar, e não poderia ter sido ouvido na qualidade de testemunha (tendo antes tratamento idêntico, como se de um co-arguido se tratasse).

Também aqui, no essencial, concordamos com o mencionado pelo M. P. quando a fls. 792 e 793 refere:

“(…) ambos os recorrentes se insurgem contra a admissibilidade do depoimento da testemunha Miguel F..., que no entender deles deveria ser co-arguido. Sucede que, mesmo que o Miguel F... pudesse ter o estatuto de co-arguido, as suas declarações poderiam servir como meio de prova (cf. art. 345 n°. 4 do CPP, interpretado a contrario). Só que, como tinha menos de dezasseis anos à data da prática dos factos, nem sequer pode ter esse estatuto: é testemunha. Não consta do CPP qualquer sujeito processual ou categoria com estatuto equiparado ao de arguido.

(…) verificar que, a fls. 459, imediatamente antes da acusação, consta despacho ordenando a extracção de certidão para instauração de processo tutelar educativo em relação ao Miguel F.... São pois totalmente infundadas e descabidas as imputações sobre oportunidade versus legalidade e deslealdade processual. O Ministério Público fez o que a lei lhe impunha quanto ao Miguel F... e no momento processual adequado, ou seja, no despacho que pôs fim ao inquérito, altura em que os indícios foram apreciados na sua globalidade, suficiência e validade.

Por isso, bem andou o M.º Juiz a quo ao admitir o respectivo depoimento (…)”.

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Dispõe o artigo 133.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, que estão impedidos de depor como testemunhas «O arguido e os coarguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem essa qualidade» (o sublinhado e destacado a negrito é nosso).
Miguel F..., por na altura dos factos ser menor de 16 anos, nunca teve nos autos a qualidade de arguido. Tendo-lhe, sim, sido instaurado um processo tutelar educativo.
Não há aqui lugar à existência de dois processos criminais, mas apenas de um (os presentes autos) e de um processo de outra natureza (processo tutelar educativo), que não é, nem pode ser confundido com um processo de natureza criminal.
A finalidade de um processo tutelar educativo não é punitiva, mas visa «a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade» (cf. artigo 2.º, n.º 1 da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro)
Os interesses prosseguidos no processo tutelar são, pois, muito diferentes daqueles subjacentes a um processo criminal.

O depoimento de Miguel F... nunca poderá acarretar, para ele, qualquer possibilidade de responsabilização criminal pela prática dos factos averiguados nos presentes autos, uma vez que o mesmo era, à data da respectiva prática, penalmente inimputável.

Nessa medida, não havendo qualquer possibilidade de auto-incriminação quanto ao depoimento de Miguel F..., não há nenhuma razão para considerar invalidamente prestado ou proibido o respectivo depoimento.
Do facto de estarmos perante um processo criminal e de um processo tutelar educativo só pode, pois, concluir-se que o depoimento de Miguel F... como testemunha – que nunca teve, pois, a qualidade de arguido - é inteiramente válido.
Neste sentido cfr. Ac. T. R. do Porto, Proc. n.º 648/11.8PBCHV.P1, de 19-02-2014, relator Neto Moura (in www.dgsi), com o sumário seguinte:
I - Inexiste impedimento legal a que um comparticipante não constituído arguido nos autos (por, à data dos factos, não ter completado 16 anos de idade) deponha como testemunha na audiência de julgamento em que estão a ser julgados outros comparticipantes.” (o destacado a negrito é nosso).
Não ocorreram, assim, as invocadas nulidade do depoimento, nulidade da prova obtida através dele e consequentemente nulidade da sentença recorrida, bem como a suscitada inconstitucionalidade.
Pelo que também neste ponto não assiste razão aos recorrentes.
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1. 2. – Invoca o arguido Flávio L... a existência de erro notório na apreciação da prova e Ricardo S... invoca todos os vícios previstos no art. 410°, n.º 2 do CPP.
Vejamos.
Nos termos do disposto no art. 410 n.º 2 do C. P. Penal, “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.”

Como é unanimemente entendido, os vícios referenciados no art. 410 n.º 2 do C. P. Penal, têm de resultar do texto da decisão recorrida.

Referem-se os recorrentes - nos termos supra referidos - aos vícios das alíneas a) “Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” b) "contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão" e c) “Erro notório na apreciação da prova”, previstos no n.º 2, do artigo 410°, do Código de Processo Penal.

Temos que a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como refere Germano Marques da Silva - Curso de Processo Penal – Vol.III, pág. 3339/340, “consiste na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito. É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada”, isto é, “quando o tribunal deixa de investigar, podendo fazê-lo, toda a matéria de facto relevante, de tal forma que os factos declarados provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador.” Curso de Processo Penal – Vol.III, pág. 3339/340.
A este respeito, manifestamente, analisada a matéria de facto dada como provada verifica-se que a mesma é suficiente e justifica a decisão de direito constante na sentença.

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Contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão - al. b).

O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto na alínea b) do n.° 2 do art. 410 do C.P.P., verifica-se quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados ou não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal (Ac. do STJ, de 03-07-2002, Proc. n.° 1748/02 - 3.° Secção relator Conselheiro Armando Leandro).

Este vício ocorre quando se dá como provado e não provado o mesmo facto, quando se afirma ou nega a mesma coisa ao mesmo tempo, ou quando se dá como provado determinado facto e a fundamentação é contrária ao facto.

É evidente que esse vício só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados e não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos.

Sendo, ainda de referir que: "Por contradição entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade” – cfr. M. Simas Santos e M. Leal Henriques, Código de Processo Penal, Anotado, Editora Rei dos Livros, 2ª ed., II vol. pág. 737.
Ora, também quanto a este vício, desde já se refere que analisada a decisão em causa o mesmo se não verifica.

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Quanto ao vício do erro notório na apreciação da prova – invocado por ambos os recorrentes - art. 410 nº 2, al. c) do C.P.P., o mesmo, como aliás, todos os do art. 410 nº 2 do CPP, como já se referiu, tem forçosamente que resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum. Isso resulta inequivocamente do corpo da norma. “Trata-se de um erro de que o homem médio, suposto pelo legislador, facilmente se dá conta mediante a leitura da decisão recorrida e não com recurso a elementos a ela estranhos”. (...) “O erro notório só existe quando determinado facto provado é incompatível, ou irremediavelmente contraditório, com outro facto contido no texto da decisão, em termos de as conclusões desta surgirem como intoleravelmente ilógicas” - ac. STJ de 29-2-96, Revista de Ciência Criminal ano 6 pag. 55 e ss.
Tendo que resultar do texto da decisão recorrida, não é possível o recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações prestadas ou documentos juntos durante o inquérito, a instrução, ou até mesmo no julgamento – cfr. ac. STJ de 19-12-90, citado por Maia Gonçalves em anotação a este artigo
Lendo-se a motivação vê-se que os recorrentes, para demonstrarem a existência destes vícios, se socorrem das declarações prestadas no julgamento, que não permitiriam que a decisão tivesse sido exactamente no sentido da sentença proferida.
Improcede, assim, também esta arguição.

Não se verificam, pois, os invocados vícios da sentença, nomeadamente erro notório na apreciação da prova pelo que, nesta parte, deverá o recurso ser julgado improcedente.


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1. 3. – Invocam ambos os recorrentes violação do principio da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo.
Constitui este princípio uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. No entanto, do exposto e do teor da sentença, não resulta que, tenham existido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, de molde a que os arguidos devam ser absolvidos em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido – (Ac. STJ de 24-3-99 CJ STJ, tomo I, pag. 247).
No entanto, no texto da sentença não se vislumbra que o Sr. Juiz tenha tido dúvidas sobre a prova de qualquer dos factos que veio a considerar como provados, pelo que também improcede esta invocada violação.

Respeitou, pois, a sentença, o princípio in dubio pro reo, na sua formulação constitucional, ínsita na presunção de inocência.

Este princípio para além de ser uma garantia subjectiva, é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

Ora, o tribunal a quo não balanceou, não ficou numa dúvida intolerável perante formas diversas de observar os factos, antes chegou a uma certeza jurídica, plenamente motivada, ou seja, com uma fundamentação coerente e racional e, por isso, não arbitrária.

O princípio in dubio pro reo parte da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, ou seja, não pode abster-se de optar pela condenação ou pela absolvição, existindo uma obrigatoriedade de decisão, e determina que, na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido. Ora, a actividade do tribunal, ao apreciar livremente a prova, não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação de acordo com critérios lógicos e objectivos e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela, em geral, objectivável e motivável. No caso, resulta da fundamentação da matéria de facto que o Tribunal a quo procedeu a uma apreciação da prova amplamente fundamentada, sem a invocação de uma dúvida que tornasse inevitável uma solução de outra natureza, pelo que a conclusão não pode ser a pretendida pelos recorrentes.

A sentença não contém nenhum dos vícios que se lhe apontam, nem este Tribunal vê outro ou outros de que deva conhecer oficiosamente, pelo que se tem a matéria de facto por definitivamente assente. Não é, assim, de concluir de modo diferente no plano fáctico, substituindo-se este Tribunal ao decidido, nesse sentido, pela 1ª instância.

Pelo que também nesta parte deve improceder o recurso.


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1. 4. O arguido Flávio L... invoca ainda violação dos princípios da imediação e da oralidade e do princípio da livre apreciação da prova (art. 127° CPP).

Aos princípios da imediação e da oralidade já também nos referimos supra (no ponto n.º 1), sendo desnecessário repetir o que a esse respeito já se mencionou.

Quanto á invocada violação do princípio da livre apreciação da prova:

A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal nos termos do art.º 127º do Código de Processo Penal, relevando a oralidade e imediação na sua recolha, levando à atribuição de maior ou menor credibilidade no que respeita à prova testemunhal.
E tal só é sindicável e passível de ser criticado por via de recurso quando se demonstre que não é admissivel á luz dos conhecimentos científicos, das regras da experiência comum e da lógica.
Essa sindicância é também efectuada através da motivação da matéria de facto, com a indicação dos motivos que fundamentam a decisão, com a sua indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

O Juiz julga segundo o princípio da livre apreciação da prova (; cfr. Germano M. da Silva, Curso de Processo Penal l, Ed. Verbo, 2ª edição, 1994, pag. 71 e ss.) consagrado no art. 127 do CPP, já referido, que reza: “ Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

Tal princípio encontra-se suficientemente estudado pela doutrina (cfr., v.g., Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal, 1 vol., 2.ª ed., 1999, anotação ao art. 127) e pela jurisprudência mesmo constitucional (cfr. Ac. T.C.1165/96, DR 2ª S. de 6/2/1997).

E tal princípio não pode ser entendido como uma operação meramente subjectiva imotivável ou emocional, mas antes, como já se aludiu, como uma operação lógica, racional, de acordo com as regras da experiência e os conhecimentos científicos.

É óbvio, como se vê pela análise da sentença, que a mesma fez uma correcta interpretação e aplicação daquele princípio.

E os factos dados como provados ou não provados devem ser os que resultarem da livre convicção do julgador, colhidos do conjunto da prova produzida e de acordo com a sua consciência e as regras da experiência e não só aqueles que alguma ou algumas testemunhas referiram.

Ora, da atenta análise da sentença recorrida verifica-se que a mesma respeitou o disposto no art. 127º do C. P. Penal.
Pelo que, também neste aspecto, não assiste razão ao arguido Flávio L....

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1. 5. O arguido Flávio L... refere ainda que, para a eventualidade de não vir a ser absolvido, entende como excessivas as condenações quer crime, quer cível.
Vejamos.
1.5.1. - Discorda o arguido das penas – parcelares e única - que lhe foram aplicadas.
Estipula o art. 70º do C. Penal que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O artº 71º do Cód. Penal indica os critérios para a escolha da medida da pena, estatuindo que esta deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em vista a protecção dos bens jurídicos e a reintegração daquele (artº 40º nº1 do C.P.).
E no seu nº 2 manda atender àquelas circunstâncias que não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, indicando, a título exemplificativo, algumas delas nas várias alíneas.
A medida concreta da pena tem que ser determinada sempre conjugando os factores culpa e prevenção, estando o primeiro ligado a uma vertente pessoal do crime e o segundo à necessidade sentida pela sociedade na punição do caso concreto.
Quanto à culpa, ela irá não só fundamentar como também limitar a pena. Esta será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpa e a sua medida não poderá ultrapassá-la. Estará sempre limitada, no seu máximo, por ela.
Segundo Figueiredo Dias Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, pág.286, na fixação da pena terá que estar sempre presente a ideia de prevenção, não de “prevenção em sentido amplo, como finalidade global de toda a política criminal, ou seja, como conjunto dos meios e estratégias preventivos da luta contra o crime” mas prevenção significando, “por um lado, prevenção geral, e, por outro lado, prevenção especial, com a conotação específica que estes termos assumem na discussão sobre as finalidades da punição”.
Assim, a pena deve ser fixada de forma a que contribua para a reinserção social do agente e não prejudique a sua posição social mais do que o absolutamente inevitável e, por outro lado, neutralize os efeitos do crime como exemplo negativo para a sociedade e simultaneamente contribua para fortalecer a consciência jurídica da comunidade sem deixar de ter em consideração o que foi afectado com o delito e suas consequências.
O arguido a fls. 734, parte final, solicita uma diminuição substancial da pena aplicada, no entanto nada com relevo refere a esse respeito.
Quanto a este arguido provou-se (cfr. fls. 688):
“(…) encontra-se desempregado.
Vive na casa dos pais.
Possui o 9° ano de escolaridade.
À data dos factos não tinha antecedentes criminais.”.
Sendo que se concorda com o referido na sentença, quando a fim de fixar a medida concreta das penas, na mesma se menciona o seguinte (fls. 694 e 695):
“A determinação da medida concreta da pena deve operar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele (cfr. art. 71° do C.P. revisto).
Uma vez que os arguidos à data da prática dos factos tinham idades superiores a 16 anos e inferiores a 21 anos, estes gozam do Regime Especial para Jovens previsto no D.L. n.º 401/82 de 23 de Setembro, o que haverá lugar à atenuação especial nos termos dos artigos 73° e 74° do C. Penal para os quais remete o artigo 4° do referido D.L. citado.
Assim o limite mínimo da pena (2 anos de prisão) é reduzido ao mínimo legal 30 dias de prisão e o limite máximo (oito anos de prisão) é reduzido de um terço ou seja 5 anos, um mês e três dias de prisão.
Por sua vez no que diz respeito ao furto simples este é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, sendo que a pena prisão é reduzido ao mínimo legal e o limite máximo da pena de multa é reduzido e um terço
(…)
Ora, as necessidades da prevenção geral são muito elevadas já que os crimes que se discutem nos autos, constituem um autêntico flagelo nacional. Por sua vez as necessidades da prevenção especial também são candentes, dada idade dos arguidos, tratando-se da prática de um acto isolado. As personalidades dos arguidos demonstram possuírem um ego acima da média, por isso estão bem preparados para a aprendizagem dos valores criminais, nomeadamente ter consciência dos actos que praticaram, demonstrando sentir a desvalorização ética dos mesmos os seja o seu grau de censura.
Por sua vez, a ilicitude dos factos e a gravidade das suas consequências são elevadas, dada a ofensa praticada no património e personalidade dos ofendidos, os arguidos não quiseram prestar declarações, à data dos factos eram jovens, com idades compreendidas entre 16 a 21 anos as suas condições sociais, o facto de serem primários, os objectos furtados alguns deles foram recuperados (…)”.

Atenta a matéria de facto provada, a moldura penal abstracta dos crimes em apreço, e as circunstâncias agravantes e atenuantes mencionadas, não vemos que se possa ter, quer o «quantum» das penas parcelares, quer o da pena única, como desadequado, desproporcional e portanto desnecessário. No que diz respeito ao montante diário da multa, a mesma já foi fixada no seu mínimo (art 47.º, n.º 2 do C. Penal).

Pelo que, também nesta parte, não assiste razão ao recorrente.


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1.5.2. - Discorda também o recorrente da condenação cível.
Refere o recorrente a fls 724 e 725, que na sentença se menciona que a demandante Carla Maria “recuperou grande parte dos objectos furtados” e que tal não foi tido em conta e deduzido no valor fixado quanto á condenação cível.
Mais alude a erro de cálculo pois a taxa para a constituição de assistente é de € 102.00 e não € 183.60, como se alude na sentença e ainda a indemnização fixada não obedece aos necessários critérios de equidade.
Ora, em face da matéria apurada e disposições legais aplicáveis a este respeito, também aqui, no essencial, se concorda com o teor da sentença recorrida, quando a fls. 695, se refere o seguinte:
“Em conformidade com o disposto no art.129° do C.P., a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, pelo que deverá recorrer-se a tais disposições legais, mais concretamente, ao disposto nos arts.483° e ss. e 562° e ss. do C.C., para aferir da responsabilidade civil do arguido.
São essencialmente quatro os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, como resulta do disposto no art. 483°, n°. 1 do C.C., a saber: o facto ilícito, o nexo de imputação subjectiva ou culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano sofrido pela vítima.
Ora, atenta a factualidade apurada e o que já ficou exposto relativamente ao crime de furto praticado pelos arguidos / demandados, verifica-se o preenchimento dos pressupostos supra referidos, uma vez que a acção dos arguidos foi adequada a produzir no ofendido danos.
Na verdade, logrou comprovar-se que a demandante ficou privada dos objectos em ouro cujo valor total ascende á quantia de € 4.450,00.
Compreendendo a obrigação de indemnizar quer os danos patrimoniais, quer os não patrimoniais, quem estiver obrigado a repará-los deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (princípio da reposição natural) e caso essa reconstituição não seja possível, deverá a indemnização fixar-se em dinheiro.
Como supra se referiu a demandante teve um prejuízo patrimonial do montante de € 4.450,00 e para se constituir assistente teve de pagar a taxa de justiça do montante de € 183,60
Nos termos do n°. 1 do art. 496º do C. C., na fixação da indemnização deverá atender-se também aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, devendo o montante da indemnização ser calculado, em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante ), segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado, titular da indemnização, etc ..
Aplicando as considerações expostas ao caso vertente, afigura-se-nos ajustado fixar a indemnização pelos danos morais sofridos pelo ofendido em 1000 € a pagar solidariamente pelos demandados.
Às quantias devidas acrescem juros de mora vencidos e vincendos, à taxas legal de, desde a notificação do pedido civil.”.
Em face das questões suscitadas pelo demandado no inicio deste ponto 1.5.2, é de referir desde já que assiste razão á demandante quando menciona que existem manifestos lapsos na sentença que importa corrigir.
O que se irá tratar no ponto seguinte.
Sendo que também neste aspecto não assiste razão ao damandado Flávio L....
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1.5.2.1. – Correcção da sentença (art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C. P. Penal):
Como já acima se referiu, a ofendida e demandante Carla G... respondeu ao recurso do arguido Flávio L..., concluindo que mesmo não merecia provimento (cfr. fls. 787 a 791).
Referindo ainda que existem na sentença manifestos lapsos que importa corrigir, sendo os seguintes:
1- O valor de € 183. 60, não corresponde á sua constituição como assistente (o que não ocorreu), mas, sim, à taxa paga pelo pedido de indemnização civil - conforme se pode verificar pelo DUC (documento único de cobrança) 702480022 176829, de valor de € 183,60, com data de emissão de 17-01-2012, tipo de acção acções declarativas de 2.000,01 € a 8.000,00 €;
2- Quanto ao referir-se na sentença que a demandante “recuperou grande parte dos objectos furtados- cfr. fls. 690, 3º parágrafo, parte final da 21ª linha:
Também aqui, a sentença recorrida, na sua FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO dá como provado que a demandante, aqui recorrida, não mais recuperou os bens. Cfr. fls. 689 (paragrafo doze - linhas 18, 19 e 20): Ali se referindo que "Não dormiu naquela noite, e passou a dormir mal durante longas noites após o assalto, ficou abalada, com toda a situação, quer com violação da sua residência, quer com a usurparão dos objectos que eram seus e que até á data não mais os recuperou.".
Pelo que deve, sim, ser tido em conta que a demandante Carla G..., até aquela data e como mencionado a fls. 689 não mais recuperou os objectos furtados.
Compulsados os autos verifica-se que assiste razão á demandada ao invocar os descritos lapsos.

Dispõe o art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C. P. Penal, que:

“1-O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:

(…)

b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

2 – Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.”.

Em face do que verificando-se os mencionados lapsos se deve determinar a sua correcção nos moldes referidos.

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Termos em que deverão os recursos interpostos ser julgados improcedentes mantendo-se a sentença proferida na 1ª instância, a qual deverá no entanto ser corrigida nos mencionados moldes.
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- Decisão:
Pelo exposto, decide-se nesta Relação em julgar os recursos como improcedentes, confirmando-se a sentença recorrida, a qual, no entanto, se determina seja corrigida (art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C. P. Penal) nos moldes referidos no ponto n.º1.5.2.1. – passando a constar que o valor de € 183. 60, corresponde, sim, à taxa paga pelo pedido de indemnização civil; bem como que a demandante Carla G..., até aquela data e como mencionado a fls. 689 não mais recuperou os objectos furtados.

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Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
Notifique / D. N.
(Texto processado em computador e revisto pela primeira signatária – artº 94º, nº 2 do CPP – Proc n.º 8/10.8GB PTL.G1).
Guimarães, 31 de Março de 2014