Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | RAQUEL BAPTISTA TAVARES | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS OBRAS DE CONSERVAÇÃO ORDINÁRIA OU EXTRAORDINÁRIA ABUSO DE DIREITO LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – Relativamente ao contrato de arrendamento urbano não habitacional estabelece o n.º 1 do artigo 1111º do Código Civil que as partes podem convencionar que as obras de conservação ordinária ou extraordinária fiquem a cargo do arrendatário. II – Constando da alínea h) da cláusula segunda do contrato de arrendamento que ficam a cargo da arrendatária todas as obras de conservação e beneficiação, que, de futuro, venham a tornar-se necessárias, bem como as de manutenção do bom funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, eletricidade, esgotos e saneamento que sirvam o arrendado, é de concluir que as partes convencionaram atribuir à arrendatária a responsabilidade pela realização das obras de conservação e beneficiação, não distinguindo entre as obras de conservação ordinária ou extraordinária. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório A. J. e mulher M. C., residentes no Caminho da Lagoa, n.º 33, freguesia de Subportela, concelho de Viana do Castelo, instauraram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “CLÍNICA MÉDICA E DENTÁRIA DE X, LDA.”, sociedade por quotas de responsabilidade, com sede na Rua de X, n.º …, X, Viana do Castelo, T. F., solteira, maior, natural da freguesia de Viana do Castelo (...), concelho de Viana do Castelo, residente na Rua da … n.º 2…7, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, e L. M., solteiro, maior, natural da freguesia de X, concelho de Viana do Castelo, onde reside no Lugar ,,,, n.º ,,º, pedindo que o tribunal julgue a ação procedente e, por via disso, condene a 1ª Ré a despejar imediatamente o local arrendado, e ainda serem todos os Réus solidariamente condenados a pagar aos Autores, as rendas vencidas até à presente data e as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença que decrete o despejo, devendo ainda ser condenados no pagamento de custas e procuradoria condigna. Alegaram, para tanto, que celebraram, inicialmente com a 2ª Ré (ficando esta com a faculdade de transmitir o arrendamento para uma sociedade comercial de que seja sócia-gerente, o que levou a que depois fosse outorgado um segundo aditamento ao referido contrato), um contrato de arrendamento relativo ao prédio identificado no artigo 1º da p.i., de que são proprietários, no qual o 3º Réu figura como fiador, destinando-se o arrendado exclusivamente ao exercício da atividade de Clínica Dentária. Mais alegaram que a 1ª Ré tem vindo ao longo do último ano, e em particular nos últimos meses, a reiteradamente atrasar-se no pagamento das rendas, ultrapassando sempre o dia oito e na presente data (29/09/2020), ainda não procedeu ao pagamento das rendas respeitantes aos meses de março, abril, maio, junho, julho, agosto e setembro de 2020, no total de €1.750,00. Alegaram, ainda, que por esta razão enviaram aos Réus, na qualidade de arrendatária e fiadores, uma carta registada a reclamar o pagamento das rendas em atraso, e que apesar de ter sido rececionada pelos Réus, estes nada pagaram nem procederam à entrega do imóvel. Os Réus contestaram, reconvieram e peticionaram a produção antecipada de prova, alegando que: não pagaram as rendas pelo facto de o prédio arredando ter deixado de ter condições para, normalmente, a 1ª Ré exercer a sua atividade, nomeadamente porque cai água das chaves no interior, as paredes estão todas manchadas de preto e com bolores criados pelas infiltrações, há fissuras nas paredes interiores, caem pedaços de tinta e estuque dos tetos em cima dos pacientes e dos objetos da clinica, as paredes exteriores estão rachadas e manchadas de bolor preto e com tinta descascada, o terraço do imóvel tem deficiente isolamento e fissuras por onde passam as chuvas, a fossa séptica localizada no exterior não está vedada exalando cheiros e obrigando os Réus a despeja-la de dois em dois meses porque enche com a água da chuva, o cabo que faz a alimentação elétrica à clínica esta danificado. Em consequência destas anomalias, sempre que chove a 1ª Ré não atende os clientes, ou só pode atender os mais urgentes, vendo-se obrigada a colocar recipientes para recolha da água da chuva que cai dos tetos e motiva queixas por parte dos clientes. Que, quando arrendou o imóvel nenhuma destas situações era visível, aparentando o estado de novo, sendo que levou a cabo várias obras para adaptá-lo para no mesmo passar a funcionar uma clinica dentária e que, devido a esta situação, a 2ª Ré, em dezembro de 2019, telefonou várias vezes ao Autor para este vir efetuar obras de impermeabilização dos terraços, bem como remover bolores e efetuar as pinturas, selar fissuras e concertar o abastecimento elétrico, sendo que apesar de este dizer que ia fazer as obras nunca as fez, o que motivou o envio de carta, datada de 16/12/2019, fixando-lhe o prazo de 5 dias para as levar a cabo, que não chegou a ser levantada pelo autor e veio devolvida; a 2ª Ré remeteu nova missiva, que voltou a vir devolvida por não ter sido levantada pelo Autor, que também deixou de atender as chamadas telefónicas; os Réus contactaram um advogado que, em seu nome, remeteu uma missiva ao Autor, em 13/02/2020, e a 12/03/2020, os Réus requereram a notificação judicial avulsa do Autor, que correu termos neste Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, na Unidade de Serviço Externo, sob o processo n.º 854/20.4T8VCT, e foi cumprida a 08/05/2020; tal como haviam advertido, os Réus deixaram de pagar as rendas; os Autores responderam à notificação judicial avulsa, em 14/05/2020, mas não efetuaram qualquer obra antes dando entrada da presente ação a 01/10/2020; depois de terem sido citados os Réus, através do seu mandatário entraram em contacto com o mandatário dos Autores tentando resolver a situação, tendo o Autor, sem qualquer autorização dada pela Ré, entrado no interior do prédio, colocado escada em frente da porta do acesso dos pacientes, o que aconteceu no dia 07/11/2020, o que obrigou os Réus a chamarem a entidade policial a fim de identificar os funcionários que estavam a obstar a entrada do imóvel. Em face do exposto, os Réus peticionam para o caso da improcedência da exceção de não cumprimento, a aplicação do regime extraordinário e transitório dos arrendatários previsto pela Lei 1-A/2020, de 19 de Março, com as alterações da Lei 4-A/2020 de 6/04, que declara suspensos os despejos e as ações inerentes aos mesmos, e, por cautela, procederam ao depósito das rendas respeitantes aos meses de março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2020, acrescidas de 20%, no montante de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros), a fim de declarar caduco o direito à resolução do contrato. Por fim, os Réus alegando ter direito a ser indemnizados pelos prejuízos que sofreram e estão a sofrer, peticionam que os Autores sejam condenados a pagar-lhes o montante de €5.500,00 e os prejuízos a liquidar em execução de sentença até que sejam efetuadas as obras no arrendado, bem como a efetuar as obras necessárias e urgentes que o imóvel apresenta e descritas no artigo 3º da contestação, declarando-se que os Réus estão dispensados de pagar as rendas enquanto as mesmas não forem realizadas. Replicaram os Autores, alegando que o imóvel foi entregue no estado de novo, sendo que aquando a realização das obras de adaptação os Réus mexeram na sua estrutura, fizeram furos nas paredes e tetos, e não cuidaram de ao colocar os tetos falsos instalar grelhas de ventilação e arejamento para circulação de ar; a razão de não terem sido levantadas as cartas prende-se com o facto de o Autor trabalhar habitualmente em França, onde vai com frequência, sendo provável que nessas datas não estivesse cá; em agosto de 2020, procederam à reparação da tela na cobertura; as obras de conservação incumbem aos réus; quando o Autor se deslocou ao arrendado, a clinica estava encerrada ao público, pelo que não foi causado qualquer transtorno, e apenas esteve no exterior; o regime especial transitório não é aplicável ao caso porque os Réus já tinham rendas em atraso antes da sua entrada em vigor; por último, impugnam os danos e os valores invocados pelos réus. Foi apreciado o pedido de produção antecipada de prova, que foi indeferido. Os Réus apresentaram articulado superveniente, que foi admitido, alegando que no dia 17 para 18/11, sem avisarem, tentando remediar os danos que o imóvel apresenta, os Autores subiram ao 1º andar da fração arrendada e colocaram chapas na parte lateral do imóvel, deixando o lixo das obras efetuadas à porta do consultório da clinica, sendo certo que tais chapas estão cheias de folga e mal colocadas; do mesmo modo, no dia 22/11/2020, sem avisarem os Réus, os Autores acompanhados de terceira pessoa, colocaram telas em cima das rachadelas do piso superior do prédio e chapas na parte lateral a fim de esconderem as rachadelas; apesar destas obras, no dia 21/12/2020, durante a manhã, a sala de espera da clinica voltou a ficar inundada. Os Autores responderam, admitindo que procederam à colocação de rufos nas paredes perimetrais/muretes e foram novamente verificadas as telas asfálticas, mas não fizeram lixo nem impediram o normal funcionamento da clínica; os rufos ficaram bem colocados, mas os Réus, ou alguém a seu mando, durante a noite, tentaram danificar o que foi feito. No mais, reiteraram a factualidade anteriormente alegada. Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido formulado pelos autores e, em consequência, absolver os Réus do mesmo. Mais se decide julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, condenar os autores/reconvindos a realizar as obras de que o imóvel necessita para colmatar as patologias descritas no ponto 16 dos factos provados, melhor descriminadas no ponto 55 dos factos provados, e declarar que enquanto as mesmas não se realizarem os réus/reconvintes estão desobrigados do pagamento 60% (sessenta) do valor da renda. Absolvem-se os autores/reconvindos do mais peticionado pelos réus/reconvintes. Custas a cargo dos Autores e Réus na proporção de 70% e 30%, respetivamente. Registe e notifique, sendo as partes ainda para, querendo, se pronunciarem quanto à litigância de má-fé nos termos acima expostos (arts. 542º, nºs 1 e 2, als. b) e d) e 543º, nº 3 do CPC)”. Pronunciaram-se os Réus, peticionando a condenação dos Autores em indemnização no montante de €2.000,00. Os Autores, por seu turno, peticionaram a improcedência da condenação como litigantes de má-fé. Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão: “Por tudo o que fica exposto e de harmonia com os fundamentos e normas legais supra citadas, decide-se condenar os autores como litigantes de má-fé na multa de 4UC’s. Mais se decide condenar os autores a pagarem aos réus, a título de indemnização, o montante dos honorários do mandatário devidos pela elaboração do articulado superveniente, cujo montante será determinado em momento posterior, cabendo aos réus facultar os elementos necessários à adequada quantificação (n.º 3 do citado art.543º). Notifique”. Inconformados, os Autores vieram interpor recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1ª- O Tribunal “a quo”, não fez qualquer referência, ou análise critica, ao conteúdo de toda a prova documental, inserta nos autos, mais precisamente, a todas as cláusulas que compõe o contrato de arrendamento não habitacional de prazo certo, inserto nos autos, a fls. 11 e seguintes dos autos. 2ª- Em particular a alínea h) da cláusula Segunda do Contrato de Arrendamento, junto aos autos como documento nº 1 junto com a petição inicial pelos AA./Apelantes, e também pelos RR./Apelados, a qual possui o seguinte teor. “A Segunda Outorgante deverá fazer um uso prudente do arrendado, ficando a seu cargo todas as obras de conservação e beneficiação, que de futuro, venham a tornar-se necessárias, bem como as de manutenção do bom funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, eletricidade, esgotos e saneamento que sirvam o arrendado.” 3ª- Este facto (Cláusula Segunda alínea h) do Contrato de Arrendamento), tinha como é óbvio de ser dado como provado, e passar a constar dos factos provados. 4ª- De resto, o contrato de arrendamento e o seu conteúdo, não foi objeto de qualquer impugnação. 5ª- Não fez o Tribunal “a quo” qualquer referência, a Cláusula Segunda, alínea h), do Contrato de Arrendamento Não Habitacional, que se manteve inalterada, conforme, o supra transcrito, e resulta também da conjugação da matéria de facto, dada como provada, nos pontos, 2, 3,4,5,6,7,8, 9, 10 e 11. 6ª- Nem curou o Tribunal “a quo” de demonstrar, ainda que sumariamente, em que argumentos e circunstâncias se baseou, para omitir esse facto essencial, à matéria que se discute nos presentes autos, o que desde logo configura causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no Artigo 615º nº 1 alínea b) do C.P.C. e que expressamente se invoca. 7ª-A sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, carece pois, da devida fundamentação, o que a torna nula, a ex vi do disposto na alínea b) do Nº 1 do Artigo 615º do Código de Processo Civil. 8ª- Na decisão ora recorrida, não foi considerado provado, como se impunha, um íten, com o teor da cláusula Segunda, alínea h), com o teor: “A Segunda Outorgante deverá fazer um uso prudente do arrendado, ficando a seu cargo todas as obras de conservação e beneficiação, que de futuro, venham a tornar-se necessárias, bem como as de manutenção do bom funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, eletricidade, esgotos e saneamento que sirvam o arrendado.” 9ª- Pelo que salvo o devido respeito, que é muito, a matéria de facto prova foi incorretamente julgada. 10ª- Este facto, salvo o devido respeito, merecia do Tribunal “a quo”, uma resposta positiva, e ser dado como provada, e inserto na factualidade dada como provada, e daí tirar depois as devidas ilações na aplicação da matéria de direito. 11ª-. Como meio probatório, não podia o Tribunal “a quo”, olvidar-se de todo o conteúdo do contrato de arrendamento não habitacional, nomeadamente, o que este disciplina e rege quanto a obras (Cláusula Segunda alínea h). e ao não o fazer, foi parcial e não isento, quanto a um facto, que é de manifesto interesse para o desfecho da ação. 12ª- Ao não o fazer, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo”, extravasou e violou o princípio da livre apreciação da prova. 13ª- Deve, pois a matéria de facto, constante da Cláusula Segunda alínea h) do Contrato de Arrendamento, passar a constar, como matéria de facto dada como provada, na sentença em crise. 14ª- Atento o supra exposto, a decisão da matéria de facto, proferida pelo Tribunal “a quo”, tem que se alterada por essa Relação, uma vez que do processo constam elementos probatórios que impunham uma decisão/resposta diversa da que foi proferida conforme o disposto nos números 1, 2 e 3 do Artigo 662º do C.P.C. 15ª- O Tribunal “a quo”, devia ter levado em consideração, tal facto, na aplicação da matéria de direito, alterando-se a resposta a matéria de facto, deve ser aplicado o direito em conformidade. 16ª- As normas legais, consagradas nos Artigo 1074º nº 1 in fine, e 1111º, nº 1 in fine do Código Civil, conferem no âmbito dos contratos de arrendamento não habitacionais, total liberdade as partes para estabelecerem a quem cabe a responsabilidade pela execução das obras, e no caso concreto, o regime regra, foi afastado, pela da Cláusula Segunda, alínea h), do contrato de arrendamento não habitacional. 17ª- Essa cláusula é perfeitamente válida, eficaz, e estava, como está em vigor. 18ª- Nesse pressuposto, cabia à arrendatária, a responsabilidade de proceder a todas as obras de conservação (ordinárias e extraordinárias) e de beneficiação, e não aos senhorios, os ora AA./Apelantes, como erradamente decidiu o Tribunal “a quo”. 19ª- Ainda nesse pressuposto, que era a arrendatária e não aos autores, que competia providenciar, com efetividade, pela manutenção da regularidade das condições de habitabilidade/utilização do local arrendado. 20ª- As obras em questão estavam, pois a cargo da arrendatária, e não dos senhorios. 21ª- Pelo que salvo o devido, respeito o Tribunal “a quo”, ao considerar, e bem, que as obras aqui em causa (reparação do telhado e das paredes exteriores, de molde a evitar as infiltrações de água, bem como das paredes e tetos interiores, do cabo de fornecimento de eletricidade e de vedação da fossa séptica) deverão ser tidas como obras de conservação (ordinária). 22ª- Não podia, é depois, concluir que essas obras, estavam a cargo do senhorio, quando estas, a luz do disposto no Artigo 1074º nº 1, in fine “SALVO ESTIPULAÇÃO EM CONTRÁRIO), e Artigo 1111º Nº 1 do Código Civil, são livremente estabelecidas pelas partes; 23ª- E as partes (senhorios e arrendatária), de forma livre estabeleceram que todas as obras de conservação e beneficiação que de futuro venham a tornar-se necessárias, ficavam a cargo da arrendatária. 24ª- Ao assim não considerar, e pura e simplesmente, omitir o supra exposto, o Tribunal incorreu, em tremendo erro judiciário, porquanto não atendeu ao vertido no contrato de arrendamento, a liberdade contratual e em particular à cláusula Segunda alínea h), que afastava o regime regra. 25ª- Pelo que não podia o Tribunal “a quo”, condenar o AA./Apelantes, ser condenados a executar as obras necessárias a colmatar os problemas aludidos no ponto 16 dos factos provados. 26ª- Pelo contrário, deviam os AA./Apelantes ser absolvidos dos pedido deduzidos sob a alínea C) da Reconvenção. 27º- Acresce que o Tribunal “a quo”, no que tange ao pedido deduzido na alínea D) entendeu por adequado e proporcional que haja redução da renda., defendendo ao abrigo do disposto no Artigo 1040º do Código Civil, que se o locatário, por motivos que lhe sejam estranhos, sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta. 28ª-E na ausência de qualquer fundamentação válida, justa e adequada e proporcional considerou a Ré/Apelada desobrigada do pagamento de 60% do valor da renda. 29º- Salvo o devido respeito, também aqui o Tribunal “a quo”, cometeu um erro, de facto e de direito, primeiro porque não atendeu, que as obras estavam a cargo da arrendatária, conforme o supra exposto e segundo, porque na ausência, de qualquer prova, quanto aos dias de privação, e/ou tempo de privação, ou diminuição e extensão da área arrendada, ainda assim lança mão de uma redução de 60% (sessenta), da renda. 30ª- Não tendo sido dado como provado, que a Ré, esteve privada do arrendado, 60%, dos dias, do mês, ou do ano, ou que deixou de usufruir de parte substancial da área arrendada. 31ª Pelo contrário, os RR./Apelados não fizeram prova de um único dia encerramento do arrendado, assim como não fizeram prova de perda de qualquer rendimento. (veja-se a matéria de facto não provada, itens m), n)). 32ª-É por demais evidente, a falta de fundamentação, desta decisão, o que a torna nula. 33ª- Sem prescindir, sempre se dirá, que tamanha, redução da renda sempre seria desadequada, e desproporcional, o que se deixa aqui alegado para os devidos e legais efeitos. 34º- Devem ainda, os AA./Apelantes, em conformidade com o supra exposto, ser absolvidos da condenação como litigantes de má-fé. 35ª-- Decidindo, como decidiu, a douta sentença recorrida fez errada apreciação da prova e violou, designadamente, o disposto nos arts. 1036º, 1040º, 1074º nº 1 (in fine) e 1111º Nº 1 (in fine), do Código Civil e assim como o disposto nos Art. 154º, 542º, 543º Art. 607º nº 4º, e alínea b) e d) do Nº 1 do Artigo 615º do Código de Processo Civil e artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. Pelo que, a sentença com a referência citius 48410669, com data de 3/04/2022, deverá ser revogada, nomeadamente, absolvendo os AA./Apelantes de todos os pedidos reconvencionais, por douto acórdão em conformidade com o supra exposto, tudo com as legais consequências. E relativamente, a sentença com a referência citus 48599882, datada de 03/05/2022 deverá ser revogada, nomeadamente, absolvendo os AA./Apelantes da condenação como litigantes de má-fé, por douto acórdão em conformidade com o supra exposto, tudo com as legais consequências.” Os Réus contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido em 1ª Instância. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC). As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes: 1 - Saber se a sentença recorrida é nula nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC; 2 - Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto; 3 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos; 4 – Saber se os Recorrentes devem ser condenados como litigantes de má-fé. *** III. FUNDAMENTAÇÃO3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância: 1. Os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio urbano, sito no lugar da …, Bairro …, freguesia de União de Freguesias de X e …, concelho de Viana do Castelo, composto de rés-do-chão, com uma divisão ampla e uma instalação sanitária, destinado a comércio/serviços, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, (o qual corresponde ao artigo …º da extinta freguesia de X) se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …/19970911 da freguesia de X. 2. Por contrato de arrendamento não habitacional de prazo certo, outorgado e reduzido a escrito em 1 de fevereiro de 2013, o A. deu de arrendamento, inicialmente à 2ª. Ré, T. F., (ficando contudo esta com a faculdade de no futuro transmitir o arrendamento para uma sociedade comercial de que seja sócia-gerente) - cfr. documento junto a fls. 11-13, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 3. Ficando o 3º. Réu L. M., como fiador. 4. O contrato foi celebrado por período limitado, de dez anos. 5. Destinando-se o arrendado exclusivamente ao exercício da atividade de Clínica Dentária. 6. Com data de 6 de janeiro de 2014, por solicitação da arrendatária foi efetuado um aditamento ao contrato de arrendamento, que se cingiu a uma pequena alteração, ficando a contar que o arrendado se destina a comércio e a prestação de serviços - documento junto a fls. 14, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 7. Mantendo-se tudo restante. 8. Com data de 12 de setembro de 2019 foi celebrado um segundo aditamento ao contrato de arrendamento, em virtude da R. T. F., ter constituído uma sociedade por quotas denominada Clínica Médica e Dentária de X, Lda., que passou então a constar como arrendatária, com efeitos a partir do dia 1 de outubro de 2019 – Cf. documento junto a fls. 15, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 9. Mantendo-se o 2º e 3º RR. como fiadores. 10. A renda mensal, inicialmente fixada de e 250,00 €, manteve-se inalterada. 11. No referido contrato de arrendamento, ficou ainda expressamente estabelecido, conforme resulta da cláusula Segunda alínea c) que a renda paga em duodécimos, devia ser paga no primeiro dia útil do mês anterior aquele que disser respeito, na morada do Primeiro Outorgante (senhorio ora A.) ou através de depósito na conta bancária com o NIB ..............16, da Caixa ..., pertencente ao A. 12. A 1ª R. tem vindo ao longo do último ano, e em particular nos últimos meses a reiteradamente atrasar-se no pagamento das rendas, ultrapassando sempre o dia oito. 13. E na presente data, (29/09/2020), ainda não procedeu ao pagamento das rendas respeitantes aos meses de março, abril, maio, junho, julho, agosto e setembro de 2020. 14. A 1ª. Ré, também não solicitou dentro do prazo legal para o efeito, nem de resto em qualquer outra data, o diferimento do pagamento das rendas, nomeadamente ao abrigo do disposto na Lei Nº 4-C/ 2020 de 6 de abril. 15. Com data de 25 de Junho de 2020, o A. enquanto senhorio, enviou aos RR., na qualidade de arrendatária e fiadores, uma carta registada com aviso de receção, onde reclamava o pagamento das rendas até então em atraso, e legais acréscimos, com o seguinte teor: “Exmos. Senhores: 1º- Vimos pela presente interpelar V. Exa., na qualidade de arrendatária, para o pagamento das rendas em atraso, respeitantes aos meses de Março, Abril, Maio e Junho de 2020, no montante global de (250,00 € x 4)= 1.000,00€ (mil euros). 2º-Ao montante das rendas em atraso, acresce ainda o montante de 200,00€, correspondente a 20%, sobre o valor de cada uma das rendas em atraso a título de indemnização, ao abrigo do disposto no nº 1 do Artigo 1041º do Código Civil. 3º-Mais se comunica a V. Exas., que no caso de não fazerem cessar a mora, até ao dia 1 de Julho de 2020, data em que se vence uma nova renda, considerar-se-á o contrato de arrendamento celebrado resolvido, a ex vi do disposto nos nº 3 e 4 do Artigo 1083º do Código Civil, devendo V. Exas., no prazo de cinco dias a contar daquela data, proceder ao pagamento das renda, bem como proceder à entrega do locado, livre de pessoas e coisas, e em bom estado de conservação, uma vez que o recebeu no estado de novo a estrear.” 16. No prédio urbano arrendado pelo autor à Ré: a) Cai água das chuvas dentro do prédio na parte onde está instalada a receção dos clientes e na parte onde a Ré tem instaladas as cadeiras e utensílios dentários; b) As paredes interiores da receção e da área onde é exercida a atividade de medicina dentária apresentam presença de humidade e de condensações; c) Há fissuras visíveis nas paredes da sala de espera; d) As paredes exteriores do imóvel possuem fissuras; e) Nas paredes exteriores do imóvel, em alguns locais, a tinta está a descascar; f) A cobertura possui um sistema de impermeabilização, sendo este composto por telas asfálticas, que não está a assegurar a correta impermeabilização, provavelmente devido à sua incorreta aplicação; g) A fossa séptica localizada no exterior não está corretamente vedada; h) O cabo que faz a alimentação elétrica à clínica encontra-se parte dele “à vista” e poderá danificar-se ao longo do tempo com a passagem diária de viaturas por cima dele. 17. Todas as anomalias descritas fazem com que a Ré, quando ocorre chuva, não atenda os clientes, ou atenda os mais urgentes, colocando recipientes para recolha da água da chuva que cai dos tetos. 18. E motiva que os clientes que frequentam a clínica se queixem perante o mau estado e de abandono do imóvel. 19. Quando a 2ª Ré arrendou ao Autor o imóvel este estava todo pintado e não se via qualquer sinal das deficiências de que o prédio era portador. 20. E, por tal razão, o prédio tinha uma aparência de novo, o que motivou a 1ª Ré a arrendar o imóvel e adaptá-lo para no mesmo passar a funcionar uma clínica dentária. 21. Adquiriu a 1ª Ré material necessário para o efeito, nomeadamente cadeiras, aparelhos médicos dentários, e adaptou a sala de estar toda com material novo e de boa qualidade. 22. E foi angariando clientela. 23. Atendendo ao estado do imóvel, a 2ª Ré, em dezembro de 2019, telefonou várias vezes ao Autor para este vir efetuar as obras de impermeabilização dos terraços, bem como remover os bolores, e efetuar as pinturas, selar as fissuras e concertar o abastecimento elétrico. 24. A 2ª R. enviou ao Autor carta registada com aviso de receção datada de 16 de Dezembro de 2019, notificando-o nos seguintes termos: “Eu, T. F., na qualidade de gerente da clínica médica e dentária de X, LDA, terceiro outorgante do contrato de arrendamento não habitacional celebrado a 01 Fevereiro 2013 e como consta no aditamento assinado a 12/09/2019, em vigor até 30/09/2022, venho por este meio notificar o senhorio que a cobertura de toda a clínica está com sinais visíveis de humidade, com consequente dano nos materiais do teto (pladur) e paredes, sendo que existem rachadelas e deterioração do pladur e pintura; a água cai do teto na zona de sala de espera, inclusive para cima de quem lá estiver (pacientes), e colocando em risco todos os equipamentos utilizados na área de medicina dentária, materiais esses onerosos e imprescindíveis para o funcionamento da clínica (cadeira de trabalho que tem o sistema elétrico instalado no chão, outros equipamentos que correm risco de serem alvo de curto-circuito, o que me obrigará a parar a atividade, colocando em risco a própria saúde e bem-estar das pessoas que frequentam o espaço). Há ainda a acrescentar que o senhorio já foi avisado telefonicamente e que se deslocou a semana passada à clínica com intuito de resolver a situação da humidade. Foi-nos transmitido que já estaria tudo arranjado, no entanto, no dia 12/12/2019 a água continua a entrar para o interior da clínica, existindo um registo fotográfico dos estrados e zonas afetadas. Outra situação já reportada por escrito em 01/04/2019 ao senhorio é a falta de vedação da fossa séptica localizada no exterior e que obriga a arrendatária a solicitar de 2-2 meses a deslocação de um trator para vazar a fossa, que enche pela entrada da chuva nessa fossa séptica. O senhorio diz já ter também solucionado este problema mas a verdade é que a fossa continua a encher, Desde o início do contrato a fossa só era limpa 1 vez ao ano. Até à data, o senhorio nunca fez nenhuma manutenção de pintura/isolamento nas fachadas nascente, norte. Apenas fez pintura exterior no alçado sul, sempre a pedido da arrendatária, pois trata-se da frente do estabelecimento. As telas da cobertura nunca foram protegidas de raios UV ou outros agentes externos desde o início do contrato. Entrei em contacto telefónico no dia 12/12/2019 com o senhorio que não se mostrou recetivo a ajudar a resolver estes problemas, inclusive fez afirmações que tornaram impossível um diálogo cordial. Assim, solicito que no prazo de 5 dias sejam efetuadas as medidas necessárias para que possa realizar as minhas funções em condições normais, sendo esta a minha atividade profissional e única fonte de rendimentos. Alerto que se algo acontecer será o Sr. A. J. responsabilizado civil e criminalmente. Informo ainda de que se tiver de fechar a clínica devido ao estado do imóvel terei um prejuízo mensal não inferior a € 10.000,00 (dez mil euros), cuja responsabilidade lhe será imputada. X, 16 de dezembro de 2019, T. F. (sócia-gerente da Clínica Médica e Dentária de X, LDA).” 25. O Autor, mesmo avisado da correspondência, não a foi levantar e a mesma veio a ser devolvida à 1ª Ré. 26. A 2ª Ré procedeu ao envio de nova carta ao Autor, registada com aviso de receção, datada de 31 de Janeiro de 2020, que o mesmo, avisado, não a recebeu, e com o seguinte conteúdo: “Eu, T. F., na qualidade de gerente da clínica médica e dentária de X, LDA, segunda outorgante do contrato de arrendamento não habitacional celebrado a 01 Fevereiro 2013, em vigor até 30/09/2022, venho por este meio notificar o senhorio que a cobertura de toda a clínica está com sinais visíveis de humidade, com consequente dano nos materiais do teto (pladur) e paredes, sendo que existem rachadelas e deterioração do pladur e pintura; a água cai do teto na zona de sala de espera, inclusive para cima de quem lá estiver (pacientes), e colocando em risco todos os equipamentos utilizados na área de medicina dentária, materiais esses onerosos e imprescindíveis para o funcionamento da clínica (cadeira de trabalho que tem o sistema elétrico instalado no chão, outros equipamentos que correm risco de serem alvo de curto-circuito, o que me obrigará a parar a atividade, colocando em risco a própria saúde e bem-estar das pessoas que frequentam o espaço). Há ainda a acrescentar que o senhorio já foi avisado várias vezes telefonicamente e que se deslocou à clínica com intuito de resolver a situação da humidade. Foi-nos transmitido que já estaria tudo arranjado, no entanto, a água continua a entrar para o interior da clínica, existindo um registo fotográfico dos estragos e zonas afetadas. Outra situação já reportada por escrito em 01/04/2019 ao senhorio é a falta de vedação da fossa séptica localizada no exterior e que obriga a arrendatária a solicitar de 2-2 meses a deslocação de um trator para vazar a fossa, que enche pela entrada da chuva nessa fossa séptica. O senhorio diz já ter também solucionado este problemas mas a verdade é que a fossa continua a encher. Desde o início do contrato a fossa só era limpa 1 vez ao ano. Até à data, o senhorio nunca fez nenhuma manutenção de pintura/isolamento nas fachadas nascente, norte. Apenas fez pintura exterior no alçado sul, sempre a pedido da arrendatária, pois trata-se da frente do estabelecimento. As telas da cobertura nunca foram protegidas de raios UV ou outros agentes externos desde o início do contrato. Apesar dos trabalhos que realizou na cobertura continua a entrar água para o interior da clínica, tendo água no chão e teto falso/pintura, que neste momento está visivelmente danificado. Foi enviada uma carta registada idêntica a esta com A.R. para a morada de residência do senhorio (Caminho …) em 16/12/2019 que nos foi devolvida por não a terem levantado. Assim, solicito que no prazo de 5 dias sejam efetuadas as medidas necessárias para que possa realizar as minhas funções em condições normais, sendo esta a minha atividade profissional e única fonte de rendimentos. Alerto que se algo acontecer será o Sr. Cardoso responsabilizado Civil e criminalmente. Informo ainda de que se tiver de fechar a clínica devido ao estado do imóvel terei um prejuízo mensal não inferior a 10.000 euros (dez mil euros), cuja, responsabilidade lhe será imputada. X, 31 de janeiro de 2020, T. F. (arrendatária)”. 27. Os Réus contactaram um advogado, que enviou uma carta registada ao autor, datada de 13 de fevereiro de 2020, pela qual informavam: “(…) Exmo. Senhor: Diz-me a nossa cliente que por várias vezes alertou V. Exma. no sentido de que no arrendado caia água, o teto está todo manchado, o que impede, de tal forma, a fruição do arrendado. Nessa conformidade, vimos notificar V. Exa. no sentido de que deve urgentemente proceder às obras de impermeabilização do imóvel, à remoção das partes escuras do teto, bem como à pintura do arrendado. Desde já advertimos de que, enquanto o não fizer, a nossa cliente vai deixar de proceder ao pagamento da renda, e vai reclamar os prejuízos que o incumprimento da parte de V. Exa. lhe está a causar, que se computam numa quantia mensal não inferior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros). Atentamente.” 28. O Autor novamente nada fez, nem nada disse. 29. Por via disso, a Ré, a 12-03-2020, requereu a Notificação Judicial Avulsa do aqui Autor, nos termos e com os fundamentos seguintes: “1.º O Requerido deu de arrendamento a T. F., a 01 de fevereiro de 2013, com a faculdade desta o transmitir para uma sociedade comercial de que seja sócia e gerente, e com termo em 30 de Setembro de 2022, um prédio urbano sito na Rua de X, n.º …, freguesia de X, concelho de Viana do Castelo, nos termos e cláusulas constantes do documento que se junta sob o n.º 1. 2.º A T. F. veio a transmitir o arrendado à firma Requerente, que veio a constituir, e da qual é sócia e gerente. 3.º A Requerente, a partir de tal data, ocupou o imóvel e adaptou-o ao exercício da sua atividade de Clínica Dentária, angariando clientela. 4.º A Requerente vem pagando pontualmente as rendas, que o Requerido recebe. 5.ºAcontece que, no final do ano passado de 2019, começaram a surgir, dentro do imóvel e no local onde a Requerente atendia os seus pacientes, águas provenientes das chuvas. 6.º A Requerente ainda avisou o Requerido de tal situação; 7.º Não tendo este realizado quaisquer obras para as águas das chuvas não entrarem no imóvel. 8.º.Por tal razão, os tetos da clínica dentária explorada pela Requerente começaram a ficar manchados e com bolor. 9.º Vindo posteriormente as águas das chuvas a cair em abundância dentro do imóvel, o que faz com que a Requerente não possa desenvolver a sua atividade. 10.º A Requerente já procedeu ao envio de várias cartas ao Requerido a fim deste efetuar as obras necessárias e urgentes; 11.º Bem como o alertou dos prejuízos que estavam em curso; 12.º Bem como posteriormente o advertiu que iria deixar de pagar as rendas enquanto as obras não estivessem realizadas. 13.º No entanto, o Requerido devolve as cartas enviadas, e não efetua qualquer obra tendo em vista corrigir as anomalias do imóvel. 14.º E daí a necessidade da presente notificação no sentido de advertir o Requerido que o imóvel não está em condições da Requerente, no mesmo, exercer a sua atividade. NESTES TERMOS, Requer-se que o Requerido seja notificado para ser advertido que dentro do imóvel arrendado à Requerente caem águas provenientes das chuvas, que os tetos do imóvel já estão todos cheios de bolor e manchados, e que a Requerente está na eminência de, no local, não poder exercer a sua atidade, sendo que, quando chove, tem de fechar a clínica, não recebendo pacientes. Deve ainda o Requerido ser notificado para no prazo de cinco dias iniciar as obras urgentes e necessárias no sentido de impermeabilizar o imóvel para as águas das chuvas não entrarem dentro do mesmo, bem como proceder à remoção dos bolores que nos tetos se acumularam e pintar os referidos tetos. Mais deve o Requerido ser advertido de que enquanto não fizer as obras a Requerente usará o direito de não efetuar, doravante, o pagamento de qualquer renda, e reclamará posteriormente os prejuízos sofridos motivados pelo incumprimento do Requerido. (…)” 30. Notificação que correu termos neste Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, na Unidade de Serviço Externo de Viana do Castelo, sob o processo n.º 854/20.4T8VCT, e foi notificada aos Autores a 08-05-2020. 31. Os Réus, atendendo à omissão dos Autores em levar a cabo as obras perante tal notificação, cumprindo com a advertência feita na mesma, deixaram de pagar as rendas. 32. Os Autores vieram a responder à notificação judicial avulsa, por carta enviada a 14 de maio de 2020, nos seguintes termos: “… Acusamos a receção da notificação judicial avulsa que nos foi amavelmente endereçada, por V. Exas., e rececionada no pretérito dia 8 de Maio e 2020, e em resposta cumpre-nos dizer o seguinte: 1- Aceita-se apenas por correto o alegado no art. 1º, 2º e 3º da aliás douta notificação judicial avulsa (N.J.A.) 2- É porém falso o vertido no Art. 4º da N.J.A. 3- Pois, como é do vosso perfeito conhecimento, encontram-se na presente data, por pagar as rendas respeitantes, aos meses de março, abril e maio de 2020. 4- Sendo ainda certo que a renda correspondente ao mês de fevereiro de 2020, foi já paga para além do dia 8. 5- Desconhece-se o alegado no Art. 5º da N.J.A.. pois tal não nos foi transmitido no final de 2019. 6- Tendo-nos sido transmitido apenas no corrente ano de 2020, e logo que nos foi transmitido tivemos o cuidado de nos deslocar ao imóvel objeto do contrato de arrendamento, 7- Mais concretamente, à sua cobertura tendo aí verificado que existiam grandes vestígios, de sobre a mesma terem andado pessoas munidas de sapatos com tacões finos (sapatos de mulher). 8- O que faz presumir que a Dra. T. F., por algum motivo que se desconhece, ter-se-á deslocado à cobertura, sem a devida prudência e cuidado, e sem respeitar os materiais (telas) que aí se encontram aplicados. 9- Ou seja, sem fazer um uso prudente do arrendado, como é obrigação da arrendatária. 10- Mesmo, assim, de imediato, foi por nós procedido, à reparação da tela, ainda no mês de fevereiro de 2020. 11- Não obstante, o supra exposto, cumpre desde já referir, que de acordo com o disposto na alínea h) da Cláusula Segunda do Contrato de Arrendamento, a obra em causa estava, a cargo da arrendatária. 12- É assim, falso e inverídico o vertido nos Arts. 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º da N.J.A. 13- Que digam-se em abona da verdade, não passam de uma vã tentativa de justificar o injustificável. 14- Enfim desculpas de mau pagador. 15- Pois, é do sendo comum que as Clínicas Dentárias, tiveram que encerrar a sua atividade por ter sido decretado o estado de emergência devido à pandemia Covid 19, no início do mês de março de 2020. 16- Pelo que fechou a Clínica, foi por imposição legal, e não por falta de condições do arrendado. 17- Por fim recordo a V. Exa., que se encontra em falta, com o pagamento das rendas, das quais não abdicarei. Nesse pressuposto, como é obvio, repudiamos por completo o teor da notificação judicial avulsa. É tudo quanto nos oferece dizer, por agora. (…)”. 33. O Autor não efetuou qualquer obra e deu entrada da presente ação a 01/10/2020. 34. Citados da mesma, os Réus, através do seu mandatário, entraram em contacto com o mandatário dos Autores tentando resolver a situação. 35. Tendo o Autor, sem qualquer autorização dada pela Ré, colocado escada em frente da porta do acesso dos pacientes, o que aconteceu no dia 07/11/2020, o que obrigou os Réus a chamarem a entidade policial a fim de identificar os funcionários que estavam a obstar a entrada do imóvel. 36. Devido às chuvas que caem dentro do imóvel, como igualmente se referiu, a 1ª Ré teve uma diminuição da sua atividade e, nos dias em que chovia, não a pôde exercer. 37. Em dia não concretamente apurado mas que se situa no ano de 2020, a Ré chegou ao arrendado e no seu interior existiam poças de água provenientes das chuvas que então caíram no local. 38. A Ré nesse dia constatou que no arrendado existiam poças de água proveniente das chuvas junto à cadeira dentária e junto ao painel eletrónico. 39. O que ameaça que tais bens e utensílios possam entrar em curto-circuito e avariar. 40. O imóvel foi arrendado aos réus no estado de novo e a estrear. 41. Foram os RR./Reconvintes que fizeram as obras de adaptação ao fim a que se destinava o arrendado (Clinica Dentária), nomeadamente, colocando paredes divisórias para distribuição do espaço a seu gosto e quiçá necessidade. 42. Foram os RR/ Reconvintes, que remodelaram todo o interior do edifício, paredes, tetos, alteraram inclusivamente, o chão, que se encontrava em cerâmico e aplicaram-lhe outro material. 43. Tendo ainda os RR./Reconvintes procedido à construção/ execução de tetos falsos, com a inerente colocação das calhas de fixação do pladur, quer nas paredes quer nos tetos, com aberturas de buracos nas paredes e tetos. 44. Os RR./ Reconvintes procederam colocação de alarmes, câmaras de videovigilância, dois aparelhos de ar condicionado, tubagens, antena de televisão, e outros. 45. Fizeram os RR./Reconvintes diretamente ao através de empreiteiro ou trabalhadores/colaboradores a seu mando, furos nas paredes e tetos do arrendado, nomeadamente para fixação do pladur e outros materiais. 46. Os Autores, do dia 17 para 18 de novembro de 2020, subiram ao primeiro andar da fração arrendada à 1ª Ré e colocaram chapas na parte lateral do imóvel. 47. Os Autores não avisaram os Réus de que iriam fazer quaisquer obras. 48. Os Autores/Reconvindos, igualmente sem avisarem os Réus ou obterem, deles, qualquer autorização, a 22 de novembro de 2020, acompanhados de uma terceira pessoa, colocaram telas em cima das rachadelas do piso superior do prédio e chapas na parte lateral a fim de esconderem as rachadelas que o mesmo apresentava e que eram bem visíveis, isto porque tinha sido pedida, em tribunal, produção antecipada de prova. 49. Mesmo com a realização das obras supra indicadas, continua a chover dentro do imóvel. 50. Apesar dos Autores/Reconvindos terem colocado telas asfálticas, as mesmas não estão a assegurar a impermeabilização da água, provavelmente devido à incorreta aplicação. 51. Continuam as paredes exteriores e interiores rachadas. 52. A pintura encontra-se em mau estado. 53. As paredes e tetos apresentam-se com sinais de infiltrações de água com presença de humidade. 54. Os tetos apresentam locais com condensação. 55. Para eliminar as patologias supra descritas em 16. é necessário levar a cabo os seguintes trabalhos: - levantamento da tela asfáltica existente na cobertura e fornecimento e aplicação de sistema de impermeabilização com tela asfáltica 3kg FV+ 4KgFP mineral+emulsão betuminosa, bem como todos os trabalhos e equipamentos necessários à sua aplicação; - encaminhar as água pluviais para o tibo de queda, bem como todos os trabalhos e equipamentos necessários à sua aplicação; - fornecimento e aplicação nas paredes exteriores de mástique nas fissuras e de seguida aplicar uma argamassa à base de polímeros, armada com fibras de vidro. Sobre estas superfícies aplicar pintura plástica ou equivalente, bem como todos os trabalhos e equipamentos necessários à sua aplicação; - fornecimento e aplicação de uma nova pintura nos tetos, bem como todos os trabalhos e equipamentos necessários à sua aplicação; - Enterrar o cabo da rede elétrica no solo a uma cota inferior, envolver numa camada fina de areia, sobre a qual colocar areia limpa e proteger mecanicamente por material resistente, bem como todos os trabalhos e equipamentos necessários à sua aplicação; - Vedação da fossa séptica, bem como todos os trabalhos e equipamentos necessários à sua aplicação. 56. As obras referidas no ponto anterior orçam no total de €2.457,13. 57. Os RR. procederam ao depósito das rendas dos meses de março a novembro de 2020, em 09/11/2020, e às dos meses subsequentes até fevereiro de 2022, à ordem do tribunal. * Quanto à condenação por litigância de má-fé(factos dados como provados na sentença) 46. Os Autores, do dia 17 para 18 de novembro de 2020, subiram ao primeiro andar da fração arrendada à 1ª Ré e colocaram chapas na parte lateral do imóvel. 47. Os Autores não avisaram os Réus de que iriam fazer quaisquer obras. 48. Os Autores/Reconvindos, igualmente sem avisarem os Réus ou obterem, deles, qualquer autorização, a 22 de novembro de 2020, acompanhados de uma terceira pessoa, colocaram telas em cima das rachadelas do piso superior do prédio e chapas na parte lateral a fim de esconderem as rachadelas que o mesmo apresentava e que eram bem visíveis, isto porque tinha sido pedida, em tribunal, produção antecipada de prova. E ainda os seguintes: a) A presente ação foi proposta em 01/10/2020. b) Os réus foram citados em 12/10/2020. c) A contestação/reconvenção e requerimento de produção antecipada de prova deu entrada em 09/11/2020. d) A contestação foi notificada em 10/11/2020. e) Em consequência do supra referido em 46. a 48., os réus deram entrada de articulado superveniente, em 08/02/2021, trazendo para os autos a alegação dessa factualidade. *** Factos considerados não provados em Primeira Instânciaa. Logo que que a 1ª. R., começou a atrasar-se nos pagamentos todos os RR., foram advertidos que teriam que depositar o montante das rendas em falta, com o acréscimo de 20% a título de mora. b. Só que estes nada fizeram, para além de simples promessas, de que iriam pagar num determinado dia, mas chegado a esse dia verificava o A., que nada era pago, apenas eram renovadas as promessas de pagamento para uma outra data mais diferida no tempo, mas mesmo assim, no final nada pagavam. c. Em consequência do não recebimento da carta remetida pela 2ª R. ao Autor, em 16/12/2019, aquela efetuou novo telefonema, que este, vendo quem se tratava, não atendeu. d. As paredes interiores supra referidas em 16, al. b) estão todas manchadas de preto e com bolores criados pelas infiltrações. e. Nos termos supra referidos em 16, al. c), há fissuras visíveis nas paredes da área onde é exercida a atividade dentária. f. Caem pedaços de tinta e estuque dos tetos em cima dos pacientes e em cima dos objetos da clínica. g. As paredes exteriores do imóvel estão manchadas de bolor preto. h. O facto referido em 16, al. g), motiva que ocorram cheiros nauseabundos e que a água da chuva entre na mesma, obrigando os Réus a despejá-la de dois em dois meses. i. O cabo que faz a alimentação elétrica à clínica está danificado, colocando em risco o fornecimento elétrico à clínica, bem como colocando em risco os pacientes que a frequentam. j. Nos termos supra referidos em 35., tendo entrado no interior do prédio. k. Como consequência das chuvas que caem dos tetos já ficaram danificados os seguintes objetos: - uma cadeira dentária cuja reparação ascendeu a € 1.000,00 (mil euros); - uma mesa e cadeiras cuja reparação ascendeu a € 500,00 (quinhentos euros). l. Tendo a Ré, em tais períodos de chuva, um prejuízo não inferior a €400,00 (quatrocentos euros) diários. m. A Ré esteve até esta data sem poder exercer a sua atividade durante 10 dias, o que ascende à quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros). n. A Ré/Reconvinte continuará a ter o prejuízo referido desde esta data até à data em que os Autores/Reconvindos efetuem as obras. o. A situação supra referida em 37. e 38. ocorreu no dia 07 de novembro de 2020 à tarde. p. Na situação supra referida em 39., pode provocar um incêndio, propagando-se pelo resto do prédio. q. Nos termos supra referidos em 44., procederam à alteração da rede elétrica. r. Os RR. não cuidaram de ao colocar os tetos falsos, levar em consideração que era necessário aplicar grelhas de ventilação e arejamento para circulação de ar. s. A./Reconvindo trabalha habitualmente em França onde vai com frequência, pelo que e se não chegou a levantar alguma correspondência seria certamente por se encontrar naquelas datas em França, e não por qualquer outro motivo, por esse facto a correspondência poderá não ter sido levantada, com a menção de não reclamado. t. Os AA./Reconvintes, ainda no mês de agosto de 2020, tinham já procedido à reparação da tela na cobertura. u. Nas circunstâncias supra referidas em 46. deixando o lixo das obras efetuadas à porta do consultório da clínica médico dentária. v. As chapas referidas em 46. estavam cheias de folga e mal colocadas. w. A situação supra referida em 47., motivou que o Mandatário dos Réus informasse o Ilustre Mandatário dos Autores, a 19 de novembro de 2020, no sentido de que: “(…) Exmo. Colega: Venho por este meio informar que o constituinte do Exmo. Colega fez obras sem ser visto, durante a madrugada do dia de ontem, deixando lixo à porta da clínica e danificando o estendal da roupa da nossa cliente. Pintou e pôs as chapas no telhado, estando as chapas cheias de folga e mal colocadas. Agradeço que dê instruções ao cliente do Exmo. Colega que, enquanto não tiver sido realizada a vistoria prévia, não deve iniciar a reparação. Informo que o presente email não é confidencial e poderá servir como meio de prova. (…)”. x. No dia 21 de dezembro de 2020, durante a manhã, a sala de espera da Clínica voltou a ficar inundada, sendo possível observar, no chão, poças grandes de água que escorria pelo teto. y. As causas de tais anomalias foram provocadas pelas seguintes patologias: - A fendilhação e fissuração presente na clínica médico dentária: - deformação da parede de alvenaria; - a retração do cimento que é o ligante do betão; - a fraca absorção que os elementos têm pela presença de cargas. z. A infiltração da água e consequente humidade presente na clínica médico dentária resultam de: - defeito no sistema de impermeabilização na cobertura e palas; - deficiente sistema de drenagem de águas pluviais na cobertura e pala; - infiltração direta de água pelas fissuras e fendilhações; - infiltração pela platibanda da cobertura, caso a impermeabilização dos muretes esteja mal executada. - Destacamento e danificação de material devido a: - infiltração de água provocando a perda de aderência do material. - Pinturas deterioradas e aparecimento de fungos, têm como origem a existência de: - humidades por infiltração; - condensações. aa. No início do mês de novembro de 2020, quando os AA. acederam à cobertura do imóvel, os rufos ficaram bem colocados. bb. Os RR., ou alguém a mando ou desmando, é que durante a noite, tentaram danificar o que foi feito. *** 3.2. Da nulidade da sentença Sustentam os Recorrentes que a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC. Dispõe este preceito que: 1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”. Começamos por precisar que as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respetiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respetiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º. As causas de nulidade taxativamente enumeradas no artigo 615º não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Não deve, por isso, confundir-se o erro de julgamento e muito menos o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades em causa. Segundo alegam os Recorrentes está em causa a nulidade prevista na alínea b) do referido preceito. Vejamos então se lhes assiste razão. O dever de fundamentar a decisão judicial resulta, desde logo, de imposição constitucional, conforme disposto no n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa que prescreve que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei; e decorre ainda expressamente do disposto no artigo 154º n.ºs 1 e 2 do CPC que prevê que as decisões são sempre fundamentadas, sendo que a justificação não pode, em princípio, consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição. A nulidade em causa tem ainda correspondência com o n.º 3 do artigo 607º do CPC que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (...)”; e com o seu n.º 4 que dispõe que “na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…). “Significa tal que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se indispensável que refira as razões que o levaram a ditar aquela decisão e não outra de sentido diferente; torna-se necessário que demonstre que a solução encontrada é legal e justa (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2017, Relator Conselheiro Nunes Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt). É necessário que a decisão contenha uma fundamentação material ou ativa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma (v. José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, p. 281, a propósito do anterior artigo 158º, mas que aqui mantém a sua atualidade, e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 188). Cremos ser absolutamente consensual que o dever de fundamentação apenas se encontra dispensado no caso de decisões de mero expediente, sendo certo que a decisão deve ser fundamentada nos termos que sejam justificados pelo caso em questão, designadamente da complexidade das questões em causa ou do maior ou menor nível de discussão na jurisprudência ou na doutrina em torno das mesmas. Não deve, contudo, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa de nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º citado. A insuficiência ou mediocridade da motivação, como ensinava já o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 140) afeta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade. O vício de fundamentação deficiente constitui, por isso, uma irregularidade da sentença, mas não gera a sua nulidade. No mesmo sentido se pronuncia Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, p. 687) ao consignar que “[P]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2021 (Processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “[S]ó a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil”. Analisada a decisão recorrida entendemos ser manifesto não se verificar o incumprimento do dever de fundamentação e a absoluta falta de fundamentação conducente à nulidade da decisão recorrida. Até porque, in casu, o tribunal a quo não se limitou simplesmente a remeter para determinados documentos (designadamente o contrato de arrendamento) e a dar por reproduzido o seu teor; pelo tribunal a quo foi levada à matéria de facto provada a efetiva realidade factual que através dos documentos (contrato de arrendamento e aditamentos juntos aos autos) considerou encontrar-se provada. É o que ressalta de forma linear dos pontos 2) a 11) dos factos provados. Assim, o que poderá ocorrer, mesmo sob o ponto de vista dos Recorrentes, será um alegado erro de julgamento, traduzido na insuficiência da matéria de facto julgada provada, ou na errada aplicação do direito (relativamente à questão da redução da renda) o que se não confunde com a nulidade da sentença por falta de fundamentação, pelo que, improcede desde já, e nesta parte, o recurso. Na parte final das suas alegações, designadamente na 35ª Conclusão, alegam os Recorrentes ter sido violado não só o disposto na referida alínea a), mas também na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º; julgamos tratar-se de lapso manifesto uma vez que os Recorrentes nada invocam relativamente a qualquer omissão ou excesso de pronuncia. De qualquer forma, dir-se-á que, ainda que assim não fosse, não se verifica qualquer omissão ou excesso de pronuncia que torne nula a decisão recorrida. *** 3.3. Da modificabilidade da decisão de facto Questão distinta, tal como já fomos adiantando, e que se não prende com a nulidade da sentença é se, para além do tribunal a quo ter dado por integralmente reproduzido o teor do contrato de arrendamento, e transcrito parte do mesmo, devia ter especificado na matéria de facto provada todas as cláusulas que integram o mesmo ou, pelo menos, as que relevam para a decisão a proferir, designadamente a alínea h) da cláusula segunda, respeitante à realização de obras. Sustentam os Recorrentes que a matéria de facto foi incorretamente julgada por não ter sido levado à matéria de facto provada um item com o teor da alínea h) da cláusula segunda do contrato de arrendamento junto aos autos. De facto, constata-se que na matéria de facto julgada provada pelo tribunal a quo consta que o Autor, por contrato de arrendamento não habitacional de prazo certo, outorgado e reduzido a escrito em 1 de fevereiro de 2013, deu de arrendamento, inicialmente à 2ª. Ré, T. F., (ficando contudo esta com a faculdade de no futuro transmitir o arrendamento para uma sociedade comercial de que seja sócia gerente), ficando o 3º. Réu L. M., como fiador, por período limitado, de dez anos e destinando-se o arrendado exclusivamente ao exercício da atividade de Clínica Dentária. Que com data de 6 de janeiro de 2014, por solicitação da arrendatária foi efetuado um aditamento ao contrato de arrendamento, que se cingiu a uma pequena alteração, ficando a constar que o arrendado se destina a comércio e a prestação de serviços - documento junto a fls. 14, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, mantendo-se tudo restante, e que com data de 12 de setembro de 2019 foi celebrado um segundo aditamento ao contrato de arrendamento, em virtude da Ré T. F., ter constituído uma sociedade por quotas denominada Clínica Médica e Dentária de X, Lda., que passou então a constar como arrendatária, com efeitos a partir do dia 1 de outubro de 2019, mantendo-se o 2º e 3º Réus como fiadores, mantendo-se inalterada a renda mensal, inicialmente fixada de €250,00; e ficando no contrato de arrendamento expressamente estabelecido, conforme resulta da cláusula segunda alínea c) que a renda paga em duodécimos, devia ser paga no primeiro dia útil do mês anterior aquele que disser respeito, na morada do Primeiro Outorgante (senhorio ora Autor) ou através de depósito na conta bancária com o NIB ..............16, da Caixa ..., pertencente ao Autor. Assim, considerando que na matéria de facto provada foi reproduzido o teor do contrato de arrendamento na parte julgada relevante para a decisão a proferir e que a alínea em causa dispõe sobre a realização de obras, mostrando-se, por isso, também relevante para a decisão a proferir decide-se aditar à matéria de facto provada o ponto 11-A) com a seguinte redação: “11-A) No referido contrato de arrendamento (cláusula segunda alínea h) ficou ainda expressamente estabelecido que “a segunda Outorgante deverá fazer um uso prudente do arrendado, ficando a seu cargo todas as obras de conservação e beneficiação, que, de futuro, venham a tornar-se necessárias, bem como as de manutenção do bom funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, eletricidade, esgotos e saneamento que sirvam o arrendado”. *** 3.4. Reapreciação da decisão de mérito da açãoNo que se refere à decisão jurídica propriamente dita impõe-se agora apreciar se deve a mesma manter-se, analisando os demais fundamentos invocados pelos Recorrentes. Importa começar por referir que o presente recurso, tal como delimitado pelos Recorrentes, não versa sobre o pedido por si formulado na petição inicial, que foi julgado improcedente pelo tribunal a quo, absolvendo os Réus do mesmo, mas sobre o pedido reconvencional, na parte em que foi julgado parcialmente procedente, e foram condenados a “realizar as obras de que o imóvel necessita para colmatar as patologias descritas no ponto 16 dos factos provados, melhor descriminadas no ponto 55 dos factos provados, e declarar que enquanto as mesmas não se realizarem os réus/reconvintes estão desobrigados do pagamento 60% (sessenta) do valor da renda”, e sobre a sua condenação como litigantes de má fé. Sustentam os Recorrentes, quanto ao pedido reconvencional, a sua pretensão no preceituado no artigo 1111º do Código Civil e na alínea h) da cláusula segunda do Contrato de Arrendamento. A questão principal a apreciar e decidir é, então, a de saber se, em face do disposto no referido preceito e do que foi clausulado no contrato de arrendamento, é possível concluir que as obras em causa são encargo da Ré/Arrendatária conforme sustentam os Recorrentes. In casu, está em causa um contrato de arrendamento não habitacional, destinando-se o arrendado a comércio e prestação de serviços, conforme aditamento ao contrato (ponto 6 dos factos provados). O tribunal a quo entendeu que as obras que a efetuar são da responsabilidade dos Recorrentes; em sentido contrário, estes defendem que são da responsabilidade da Arrendatária. Vejamos se lhes assiste razão. Conforme consta da sentença recorrida vigora no n.º 1 do artigo 1074º do Código Civil (de ora em diante designado apenas por CC) a regra geral segundo a qual cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário. Tal regra, no entanto, pode ceder mediante convenção das partes que podem estipular no contrato de arrendamento que a realização das mesmas constitua encargo do arrendatário. Neste sentido estabelece o n.º 1 do artigo 1111º do CC (na parte respeitante às disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais) que: “1 - As regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes. 2 - Se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato”. Decorre deste preceito que, nada tendo sido convencionado pelas partes no contrato de arrendamento, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, mas também que as partes são livres de convencionarem sobre quem deve recair a responsabilidade pela sua execução. Assim, importa em primeiro lugar analisar o contrato de arrendamento para determinar se as partes nada convencionaram, ou se, pelo contrário, definiram a responsabilidade na realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária. Ora, conforme decorre da alínea h) da cláusula segunda, foi estipulado no contrato de arrendamento (mantendo-se inalterado, não obstante os dois aditamentos celebrados) que “a segunda Outorgante deverá fazer um uso prudente do arrendado, ficando a seu cargo todas as obras de conservação e beneficiação, que, de futuro, venham a tornar-se necessárias, bem como as de manutenção do bom funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, eletricidade, esgotos e saneamento que sirvam o arrendado”. Isto é, foi convencionado que ficavam a cargo da arrendatária todas as obras de conservação e beneficiação do imóvel arrendado que viessem a tornar-se necessárias, bem como as obras de manutenção do bom funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, eletricidade, esgotos e saneamento que sirvam o arrendado. A redação da referida cláusula aponta efetivamente, e tal como alegam os Recorrentes, no sentido de ter sido convencionado no contrato de arrendamento, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (cfr. artigo 405º do CC) e do estipulado no artigo 1111º do CC, que a responsabilidade pela realização das obras de conservação (não é feita qualquer distinção quanto à natureza ordinária ou extraordinária das mesmas) seja da arrendatária. Sustentam os Recorridos nas contra-alegações que os Recorrentes reconheceram ser sua a responsabilidade pelas obras ao colocarem telas em cima das rachadelas do piso superior e chapas na parte lateral, ficando assim claramente interpretado o sentido que pretendiam dar à alínea h), demonstrando inequivocamente considerarem-se responsáveis pelas obras e que, no que tange às obras de conservação do imóvel, a cláusula apenas diz respeito às obras de manutenção do bom funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, eletricidade, esgotos e saneamento que sirvam o arrendado. Ora, a leitura da referida alínea h) não permite retirar tal conclusão; de facto, o que da mesma consta é que ficam a cargo da arrendatária “todas as obras de conservação e beneficiação, que, de futuro, venham a tornar-se necessárias” e “bem como” as de manutenção do bom funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, eletricidade, esgotos e saneamento que sirvam o arrendado”. A expressão “bem como”, de per si, expressa a ideia de soma ou acréscimo. Por outro lado, percorrendo a matéria de facto dada como provada nada se infere quanto a eventuais negociações preliminares que pudessem relevar para a interpretação da vontade real das partes e concluir no sentido indicado pelos Recorridos. De salientar que os factos posteriores, designadamente que resultam das comunicações entre as partes relativamente à realização das obras e responsabilidade pela sua execução, e da notificação judicial avulsa e resposta dos Recorrentes, também não se mostram decisivos pois que refletem apenas a divergência das partes nesta matéria. É certo que, conforme referem os Recorridos, os Recorrentes executaram trabalhos de colocação de telas e chapas. Mas, em face dos factos provados não é possível concluir que tal corresponde à assunção de responsabilidade na realização das obras. Vejamos. Na resposta à notificação judicial avulsa, por carta enviada a 14 de maio de 2020, os Recorrentes referem que “logo que nos foi transmitido tivemos o cuidado de nos deslocar ao imóvel objeto do contrato de arrendamento”, “à sua cobertura tendo aí verificado que existiam grandes vestígios, de sobre a mesma terem andado pessoas munidas de sapatos com tacões finos (sapatos de mulher). 8- O que faz presumir que a Dra. T. F., por algum motivo que se desconhece, ter-se-á deslocado à cobertura, sem a devida prudência e cuidado, e sem respeitar os materiais (telas) que aí se encontram aplicados. 9- Ou seja, sem fazer um uso prudente do arrendado, como é obrigação da arrendatária; e que “Mesmo, assim, de imediato, foi por nós procedido, à reparação da tela, ainda no mês de fevereiro de 2020. 11- Não obstante, o supra exposto, cumpre desde já referir, que de acordo com o disposto na alínea h) da Cláusula Segunda do Contrato de Arrendamento, a obra em causa estava, a cargo da arrendatária”. Ou seja, não obstante os Recorrentes afirmarem terem procedido à reparação da tela em 2020, alertaram que de acordo com a referida alínea h) a obra estava a cargo da arrendatária; e, resultando da matéria de facto provada que colocaram telas em cima das rachadelas do piso superior do prédio e chapas na parte lateral, tal ocorreu a fim de esconderem as rachadelas que o mesmo apresentava e que eram bem visíveis, isto porque tinha sido pedida, em tribunal, produção antecipada de prova, não se podendo afirmar, também por ai, que tal ocorresse por reconhecerem a sua responsabilidade. No que respeita às regras de interpretação das declarações negociais, preceitua o n.º 1 do artigo 236º do CC que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; e, tratando-se de um negócio formal, qualquer declaração, em regra, apenas pode valer com um sentido que tenha correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 1 do artigo 238º do CC, sem embargo do disposto no nº 2 quando as razões determinantes da forma não se apliquem). E, estando em causa contrato oneroso, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, deve prevalecer o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (artigo 237º do CC). No caso concreto, resulta do contrato de arrendamento que sendo os Recorrentes, donos e legítimos proprietários do prédio urbano, composto de rés-do-chão, com uma divisão ampla e uma instalação sanitária, destinado a comércio/serviços, inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o número …/19970911 da freguesia de X, o Recorrente deu tal prédio de arrendamento, inicialmente à 2ª. Ré, T. F., ficando o 3º. Réu L. M., como fiador, pelo período de dez anos, destinando-se o arrendado exclusivamente ao exercício da atividade de Clínica Dentária. Com data de 6 de janeiro de 2014, por solicitação da arrendatária foi efetuado um aditamento ao contrato de arrendamento, que se cingiu a uma pequena alteração, ficando a contar que o arrendado se destina a comércio e a prestação de serviços, mantendo-se todo o restante, e que com data de 12 de setembro de 2019 foi celebrado um segundo aditamento ao contrato de arrendamento, em virtude da Ré T. F., ter constituído uma sociedade por quotas denominada Clínica Médica e Dentária de X, Lda., que passou então a constar como arrendatária, com efeitos a partir do dia 1 de outubro de 2019, mantendo-se o 2º e 3º Réus como fiadores e mantendo-se a renda mensal, inicialmente fixada de €250,00 inalterada. Quanto a obras ficou convencionado no contrato ficarem a cargo da arrendatária todas as obras de conservação e beneficiação, bem como as de manutenção do bom funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, eletricidade, esgotos e saneamento que sirvam o arrendado. Como já vimos nada obsta a que tal fosse convencionado pelas partes, pois o artigo 1111º do CC permite às partes fixarem livremente a responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária. Temos, pois, de concluir que as partes convencionaram no contrato de arrendamento atribuir à arrendatária a realização das obras de conservação e beneficiação, não distinguindo entre as obras de conservação ordinária ou extraordinária, pelo que também não releva aqui estabelecer tal distinção quanto à natureza das obras em causa. Julgamos ser esse o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, lhe atribuiria e que tem efetivamente correspondência no texto do contrato de arrendamento. Por fim importa referir que nada resulta da matéria de facto provada que permita concluir que o edifício comporte mais arrendatários e se trate de moradia agregada de rés-do-chão com café e primeiro andar habitação conforme alegam os Recorridos; pelo contrário, trata-se de prédio urbano, composto de rés-do-chão, com uma divisão ampla e uma instalação sanitária, destinado a comércio/serviços (o que resulta também da caderneta predial urbana – documento de fls. 10). Os Recorridos invocaram ainda o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium. Nos termos do artigo 334º do CC é “ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Para ocorrer o abuso do direito exige-se então que haja um excesso manifesto no seu exercício, que ele se exerça com “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” (Vaz Serra, Abuso do direito, BMJ 85, p. 253). Segundo Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume I, p. 298) a conceção adotada de abuso de direito é objetiva pois “não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, basta que se excedam esses limites”. Para que o exercício do direito seja abusivo é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpra observar, em função dos interesses que legitimam a concessão do poder (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, p. 515). Poder-se-á, então, dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém que é detentor de um direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, exercita esse direito, no caso concreto, fora da razão justificativa da sua existência e manifestamente contra o sentimento jurídico dominante. O abuso de direito pressupõe assim a existência do direito, residindo a sua nota típica segundo Pires Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume I, p. 300), “na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido”. Uma das concretizações típicas da situação de exercício abusivo de um direito é o do comportamento que, não trazendo para o titular do direito um vantagem objetiva, se traduz, em concreto, apenas ou sobretudo, numa desvantagem para terceiro (Coutinho de Abreu, Do Abuso do Direito, p. 44 e 45), sendo o venire contra factum proprium considerado também como uma das manifestações do abuso de direito com sede legal no referido artigo 334º (como escreve Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Volume II, p. 760, a “base legal para uma aplicação da doutrina da confiança no Direito Português, por forma a vedar o venire contra factum proprium, nas suas manifestações mais correntes, reside no art. 334.º, e, de entre os elementos previsivos nele enunciados, na boa fé”). É que “no essencial, a concretização da confiança, ela própria concretização de um princípio mais vasto, prevê, (...) a atuação de um facto gerador de confiança, em termos que concitem interesse por parte da ordem jurídica; a adesão do confiante a esse facto; o assentar, por parte dele, de aspetos importantes da sua atividade posterior sobre a confiança gerada - um determinado investimento de confiança - de tal forma que a supressão do facto provoque uma iniquidade sem remédio. O factum proprium daria o critério de imputação da confiança gerada e das suas consequências” (Menezes Cordeiro, ob. cit. p. 758). No presente recurso os Recorridos invocam o venire contra factum proprium alegando que os Recorrentes demonstraram inequivocamente considerarem-se responsáveis pelas obras ou procederem à execução de trabalhos, designadamente com a colocação de telas e chapas. Ora, como já referimos não entendemos que assim seja; a matéria de facto provada e a posição expressa pelos Recorrentes não permite concluir que ao agirem dessa forma se tenham considerado responsáveis pela realização das obras. Em conclusão, não se vislumbra que seja ilegítimo ou abusivo o exercício do direito por parte dos Recorrentes ao não aceitarem a responsabilidade pela realização das obras e pretenderem receber integralmente a renda. Do exposto decorre que, procedendo nesta parte a apelação, deve ser alterada a sentença recorrida e julgado totalmente improcedente o pedido reconvencional, devendo os Recorrentes ser também absolvidos dos pedidos formulados em C) e D), por se não justificar qualquer desobrigação ou redução do valor da renda. *** 3.5 Da litigância de má-féSustentam ainda os Recorrentes a inexistência de fundamento para a sua condenação como litigantes de má-fé invocando que a sua deslocação à cobertura foi para acautelar a chegada de um inverno mais rigoroso, não tendo escondido os factos do tribunal. Vejamos então se lhes assiste razão. Conforme resulta do preceituado no artigo 8º do CPC impende sobre as partes o dever de agir de boa-fé, isto é, de pautar a sua atuação processual segundo regras de conduta conformes com a boa-fé, abstendo-se de formular pedidos injustos, de articular factos contrários à verdade e de requerer diligências meramente dilatórias. A preocupação no combate aos comportamentos processuais desvaliosos e entorpecedores da realização da justiça não é recente, consagrando já o direito romano institutos destinados a sancioná-los, sendo que igual preocupação se encontra também patente desde as Ordenações Afonsinas, visando-se com tais mecanismos “sancionar apenas a ilicitude decorrente da violação de posições e deveres processuais, o também chamado ilícito processual, gerador de uma “responsabilidade de cunho próprio”, assente em deveres de lealdade, colaboração e probidade das partes, distinta portanto da responsabilidade civil” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2016, Processo n.º 1116/11.3TBVVD.G2.S1, Relator Conselheiro António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt). O instituto da má-fé processual visa exatamente sancionar a parte que não paute a sua atuação processual segundo regras de conduta conformes com a boa-fé. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3ª edição, Coimbra Editora, p. 262) distinguia a este propósito quatro tipos de lide: a lide cautelosa (quando a parte esgota todos os meios para se assegurar de que tem razão e apesar disso vê inviabilizada a sua pretensão ou oposição), a lide imprudente (quando a parte comete imprudência leve ou levíssima), a lide temerária (quando a parte, embora convencida que tem razão, incorre em culpa grave ou erro grosseiro, indo a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas que devia empregar para desfazer o seu erro, comprometendo a sua pretensão) e a lide dolosa (quando a parte, apesar de ciente de que não tem razão, litiga e deduz pretensão, ou oposição conscientemente infundada). A opção do legislador consagrada no artigo 465º do Código de Processo Civil de 1939 fora no sentido de sancionar apenas a lide dolosa e já não a lide temerária (v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, p. 261 a 263, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 343, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2001, p. 194). Com a revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o quadro normativo em matéria de litigância de má fé passou a ser mais exigente e o instituto passou a abranger, também, a negligência grave, consagrando-se expressamente “como reflexo e corolário do princípio da cooperação”, o “dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro). Atualmente, ao sancionar-se a litigância com negligência grave proíbe-se, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro; conforme refere Lebre de Freitas (ob. cit. p. 194) a lide diz-se temerária quando as regras de conduta conformes com a boa fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro e dolosa quando a violação é intencional ou consciente, sendo a “litigância temerária mais do que a litigância imprudente que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, atuando culposamente, mas apenas com culpa leve”. E de acordo com o n.º 2 do atual artigo 542º do Código de Processo Civil tendo uma ou ambas as partes litigado de má-fé, será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária. Nos termos do nº 2 da referida disposição legal, “diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.” Constituem atuações ilícitas da parte, para efeitos da condenação como litigante de má fé, a “dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d). (…) “Visa entorpecer a ação da justiça a parte que atua usando meios dilatórios” e “Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão” (Lebre de Freitas, ob. cit. p. 195 a 196). Cumpre ainda referir que é corrente distinguir a má-fé material ou substancial e a má-fé processual ou instrumental, tendo a primeira a ver com o mérito da causa, em que “a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual”, e a segunda com a conduta processual, “qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má-fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo, portanto, o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé” (Lebre de Freitas, ob. cit. p. 196 e 197). Atentando na previsão do n.º 2 do referido artigo 542º, as alíneas a) e b) reportam-se à má-fé material ou substancial e as alíneas c) e d) à má-fé instrumental. Seja qual for a vertente em causa (má-fé material ou instrumental), a condenação por litigância de má-fé pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave e essa avaliação da atuação da parte terá de ser sempre casuística, analisando as circunstâncias concretas em que aquela se revela. Para a condenação como litigante de má-fé terá de concluir-se por uma atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, o que pressupõe sempre que se encontra demonstrado nos autos que a parte agiu de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes, e que o fez de forma consciente ou sendo-lhe exigível essa consciencialização. No caso em apreço o tribunal a quo considerou que os Recorrentes tiveram um comportamento desconforme com um processo justo e leal, integrando a violação do dever a que se reporta o artigo 542º, n.º 2, alínea d), do CPC. Vejamos. Resulta da matéria de facto provada (a qual não foi impugnada pelos) Recorrentes que os Autores, do dia 17 para 18 de novembro de 2020, subiram ao primeiro andar da fração arrendada à 1ª Ré e colocaram chapas na parte lateral do imóvel (ponto 46), não avisando os Réus de que iriam fazer quaisquer obras (ponto 47) e, igualmente sem avisarem os Réus ou obterem, deles, qualquer autorização, a 22 de novembro de 2020, acompanhados de uma terceira pessoa, colocaram telas em cima das rachadelas do piso superior do prédio e chapas na parte lateral a fim de esconderem as rachadelas que o mesmo apresentava e que eram bem visíveis, isto porque tinha sido pedida, em tribunal, produção antecipada de prova (ponto 48). Assim, conforme resulta demonstrado nos autos os Recorrentes não tiveram tal comportamento para acautelar a chegada de um inverno mais rigoroso como invocam em sede de alegações de recurso, mas “a fim de esconderem as rachadelas que o mesmo apresentava e que eram bem visíveis, isto porque tinha sido pedida, em tribunal, produção antecipada de prova”; fizeram-no na pendencia da presente ação (por si instaurada em 01/10/2020) e após dedução da reconvenção pelos Réus em 09/11/2020, notificada aos Recorrentes em 10/11/2020. Ora, analisando a conduta dos Recorrentes temos de concordar com o que consta da decisão recorrida e concluir que o seu comportamento é censurável, encerrando a sua conduta um comportamento desvalioso, merecedor se sancionamento como litigantes de má-fé (má fé processual), tal como decidido pelo tribunal a quo, pois que visaram impedir a descoberta da verdade e entorpecer a ação da justiça tentando esconder as rachadelas que apresentadas no prédio, isto porque tinha sido pedida, a produção antecipada de prova. Veja-se que no articulado de réplica, apresentado em momento posterior aos referidos factos (13/12/2020), os Recorrentes alegaram que o imóvel não carecia de qualquer obra urgente e necessária, como se poderia comprovar no local (artigo 49º) e que não era necessário proceder ao isolamento de nenhum terraço por ter o mesmo tela nova (artigo 52º). Impõe-se, pois, concluir pela improcedência do recurso nesta parte. * Os Recorrentes e os Recorridos são responsáveis pelas custas do recurso, da ação e da reconvenção na proporção do seu decaimento, que se fixa em 30% para os Autores e 70% para os Réus (artigo 527º do Código de Processo Civil).*** SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)I – Relativamente ao contrato de arrendamento urbano não habitacional estabelece o n.º 1 do artigo 1111º do Código Civil que as partes podem convencionar que as obras de conservação ordinária ou extraordinária fiquem a cargo do arrendatário. II – Constando da alínea h) da cláusula segunda do contrato de arrendamento que ficam a cargo da arrendatária todas as obras de conservação e beneficiação, que, de futuro, venham a tornar-se necessárias, bem como as de manutenção do bom funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, eletricidade, esgotos e saneamento que sirvam o arrendado, é de concluir que as partes convencionaram atribuir à arrendatária a responsabilidade pela realização das obras de conservação e beneficiação, não distinguindo entre as obras de conservação ordinária ou extraordinária. *** IV. DecisãoPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decidem: a) Julgar totalmente improcedente a reconvenção e absolver os Autores/Reconvindos de todos os pedidos reconvencionais; b) Manter, no mais, a sentença recorrida; c) Manter a condenação dos Autores como litigantes de má-fé. As custas do recurso, da ação e da reconvenção são da responsabilidade dos Recorrentes e dos Recorridos na proporção do seu decaimento, que se fixa em 30% para os Autores e 70% para os Réus. Guimarães, 15 de setembro de 2022 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária Raquel Baptista Tavares (Relatora) Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta) Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto) |