Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CARLOS DUARTE | ||
Descritores: | DISPENSA DA AUDIÊNCIA PRÉVIA ALTERAÇÃO DE REQUERIMENTO PROBATÓRIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/31/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – A lei não prevê que em caso de dispensa da audiência prévia - n.º 1 do art.º 593º do CPC - as partes também podem alterar o requerimento probatório e, por isso, o prazo para o fazer, pelo que estamos perante uma lacuna da lei. II – O principio da igualdade plasmado no art.º 13º da CRP e o direito à prova, como concretização do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20º da CRP, impõem que as partes de um processo em que foi dispensada a realização da audiência prévia têm o direito de alterar o seu requerimento probatório. III – O n.º 2 do art.º 598º do CPC não constitui caso análogo, pois o mesmo restringe-se à alteração do rol de testemunhas e no caso está em causa uma alteração do requerimento probatório, que pode implicar sejam requeridos novos meios de prova. IV - A norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema traduz-se no seguinte: sendo dispensada a audiência prévia, as partes têm o direito de alterar os requerimentos probatórios que tenham apresentado, no prazo (geral) de 10 dias contados da notificação do despacho que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas da prova. V – A celeridade processual que subjaz ao disposto na alínea d) do n.º 2 do art.º 593º do CPC, que dispõe que sendo dispensada a audiência prévia o juiz profere despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas, não pode ser colocada à frente dos princípios da igualdade e, sobretudo, do direito à prova. VI – Nessa medida, a fim de evitar a colisão da solução referida em IV com o disposto na alínea d) do n.º 2 do art.º 593º e a prática de actos inúteis, o juiz deverá sustar a prolação do despacho previsto na referida norma até que decorra o prazo concedido às partes para alterarem os seus requerimentos probatórios. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães 1. Relatório AA, por si e na qualidade de cabeça de Casal da Herança aberta por óbito de BB, e CC e DD intentaram acção declarativa com processo comum contra EMP01..., Ldª, com pedido de intervenção principal provocada de EE, pedindo: a) seja reconhecido que a 1ª Autora é credora da Ré, a titulo de suprimentos, no valor de 12.500,00€, os quais devem ser reembolsados nos termos do disposto no artigo 65º alínea a); b) seja reconhecido que os Autores e EE, enquanto únicos e universais herdeiros de BB, são credores da Ré, a titulo de suprimentos, no valor de 226.722,34€, os quais devem ser reembolsados nos termos do disposto no artigo 65º, alínea b). Invocaram para tanto e em síntese, que o falecido BB e a A. AA, enquanto sócios da Ré, emprestaram à mesma as quantias que discriminam. A Ré contestou, por excepção - invocando a incompetência em razão da matéria do tribunal e que os AA. deviam ter intentado processo de fixação judicial de prazo -, por impugnação e deduziu reconvenção. Juntou documentos, arrolou prova testemunhal e requereu depoimento de parte. Foram os AA. notificados para se pronunciarem quanto às excepções. A 11/07/2022 foi proferido o seguinte despacho: “Considerando o objeto da presente ação, o valor da causa, o disposto nos artigos 593.º, n.º 1 e 2, 595.º, 596.º e 597.º do Código de Processo Civil (na sua atual redação), por a complexidade da causa o não justificar e por não se vislumbrar qualquer circunstância que, nesta fase, determine a necessidade de fazer atuar o princípio do contraditório, dispenso a realização de audiência prévia, procedendo-se, desde já, à elaboração de despacho saneador, ao despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas de prova.” E imediatamente a seguir foram apreciadas e julgadas improcedentes as excepções invocadas pela Ré e determinado que fosse ouvida a mesma relativamente ao pedido de intervenção principal provocada de EE. A Ré pronunciou-se, tendo os AA. apresentado resposta. Foi proferido despacho que admitiu a requerida intervenção principal provocada de EE que, citada, apresentou articulado. A 12/06/2023 foi proferido despacho que: - admitiu a reconvenção; - fixou o valor da causa; - considerou não existirem nulidades, exceções processuais ou questões prévias de que cumprisse conhecer; - fixou o objecto do litígio, consignou os temas da prova; - ordenou a notificação das partes para apresentarem reclamações; - e em sede de apreciação das provas requeridas, ordenou a notificação da Ré para juntar documentos, admitiu os depoimentos de parte e a prova testemunhal; - designou data para julgamento. A notificação deste despacho foi elaborada no Citius a 14/06/2023. A 28/06/2023 a Ré apresentou requerimento, em cujo ponto “III. Requerimento de prova” consta: “A) reiterar o rol de testemunhas já apresentado com a contestação e que aqui dá por reproduzido; B) requerer, nos termos e para os efeitos do artigo 467.º, n.º 1 e 468.º n.º 2 do CPC, se proceda à realização de prova pericial – sob a forma de perícia colegial por exame à contabilidade – para prova dos factos constantes dos TEMAS DA PROVA sob os pontos 1), 2), 3), 4), 5), 7), e 8), Nos termos do disposto no art.ºs 468.º, n.º 3 e 475º, CPC, indica o perito, objecto da perícia, e as questões de facto que se pretende ver esclarecidas: B1) DO OBJETO DA PERÍCIA (…) B2)Indicação de perito (…) B3)Proposta de quesitos (…).” Os AA. pronunciaram-se dizendo que o requerimento de prova era extemporâneo, pelo que devia ser indeferido. A 26/09/2023 foi proferido o seguinte despacho (na parte que releva): “(…) Quanto ao requerimento de produção de prova efetivamente já não se encontra a parte em prazo para o juntar, pelo que indefiro o mesmo. (…)”. A Ré interpôs recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões (excluídas as relativas ao efeito suspensivo do recurso nos termos do art.º 647º, n.º 4 do CPC): (…) II. DO DIREITO a) Da nulidade do despacho - Falta de fundamentação 6. O Tribunal a quo rejeitou a alteração do requerimento probatório sem elencar factos, indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, limitando-se a proferir despacho sem qualquer fundamentação, uma vez que não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. 7. Não foi possível conhecer do iter cognoscitivo e valorativo que levou a que fosse decidido dessa maneira num determinado sentido – não admissibilidade da alteração do requerimento probatório – e não de outro. 8. “Dispõe o artigo 154.º n.º 1 do CPC que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, acrescentando o seu n.º 2 que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição…”. Conforme vem sendo decidido uniformemente pela jurisprudência, a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, motivo de nulidade da decisão, é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. [2 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 21/05/2015 (relatora Ana Cristina Duarte) no processo n.º 1/08.0TJVNF-EK.G1]. 9. A decisão recorrida não está dotada de fundamentação suficiente, seja quanto aos factos, seja quanto ao direito aplicável, denotando a falta absoluta de fundamentação e, consequentemente, padecendo da nulidade descrita na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, pois que a nulidade verificar-se-á quando a decisão omite por completo a operação de julgamento da matéria de facto/direito essencial para a apreciação da questão/pretensão analisada e decidida. b) Aplicação do artigo 598º, nº 1, do Código Civil. Direito à Produção de Prova 10. A dispensa de realização da audiência prévia não constitui um impedimento à alteração do requerimento probatório, faculdade das partes prevista no artigo 598.º, n.º 1 do CPC. 11. “A lei prevê expressamente que a alteração do requerimento probatório pode ser feita pelo autor na réplica, caso haja lugar, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação (art.552 nº 2, 2ª parte CPC) e na audiência prévia quando tenha lugar (art.598 nº1 CPC). 12. Mas no caso de dispensa da audiência prévia (art.598 nº1 CPC) a lei não prevê expressamente a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes. Contudo, mesmo nestes casos, é admissível a alteração com base nos seguintes argumentos: - A razão de ser da alteração do requerimento probatório pelas partes na audiência prévia é justificada sobretudo pelo facto de nela se proferir a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova (art.591 nº1 f), 596 nº1 CPC); - Nos casos de dispensa da audiência prévia, também se impõe o despacho sobre idêntica matéria, ou seja, identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova (art.593 nº1 c), 596 nº1 CPC); 13. Ora, sendo a razão de ser a mesma, porque não há diferença entre a enunciação dos temas de prova na audiência prévia ou fora dela, parece justificar-se, neste caso, por identidade de razão ou por analogia, a admissibilidade legal da alteração do requerimento probatório” [3 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-01-2019, relator Jorge Arcanjo, processo n.º 1178/16.7T8CLD.C1]. 14. “[A] parte pode alterar o requerimento probatório no prazo geral de 10 dias contados do despacho em que lhe é dado conhecimento da fixação dos temas de prova com dispensa da audiência prévia, pois “não se justificaria que que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia”, até porque “Normas como as que fazem coincidir a preclusão com a prática dum acto ou com o termo, ou certo momento, duma diligência determinada (exs.: art. 3-4; art. 198-1; art. 199-1, l.ª parte; art. 200-2; art. 358-1; arts. 588-3, 611-1 e 729-g; art. 423-2) revestem carácter específico. Na falta duma norma dessas, nenhuma norma processual geral impõe a preclusão. No caso considerado, ela traduzir-se-ia numa desigualdade entre a parte que é convocada para a audiência prévia e a que não é tido em conta que a pretensão de alteração do requerimento de prova não pode fundar reclamação que leve à realização da audiência dispensada. A faculdade de alteração dos requerimentos probatórios é concedida nesta fase por só nela o juiz enunciar os temas da prova e a enunciação deles fora da audiência prévia equivaler à sua enunciação dentro dela” [4 Lebre de Freitas, in A acção declarativa comum, 4.ª edição, 2017, pág. 206]. 15. “Os requerimentos probatórios apresentados pelas partes podem ser alterados na audiência prévia, quer quando esta se realize nos termos da lei, quer quando ela seja imposta potestativamente por qualquer das partes (art. 598.º, n.º 1, do nCPC). Estranhamente, a lei não prevê a hipótese de a audiência prévia não se realizar e de, ainda assim, alguma das partes pretender alterar o seu requerimento probatório em função dos temas de prova seleccionados pelo tribunal. O direito à prova das partes impõe, no entanto, essa possibilidade, que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal. Por analogia com o disposto no art. 598.º, n.º 2, nCPC, o requerimento pode ser entregue até vinte dias antes da data prevista para a realização da audiência final” [5 Miguel Teixeira de Sousa em “Questões sobre matéria da prova no nCPC”, publicado em 1/3/2014 no blog do IPPC]. 16. O requerimento probatório foi apresentado pelos aqui Recorrente foi feito dentro do prazo de dez dias decorridos da notificação do despacho que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova e também foi apresentado mais de vinte dias antes da data prevista para a realização da audiência final. 17. Não se vislumbra fundamento para sustentar que a dispensa de realização da audiência prévia impossibilita a apresentação da alteração ou aditamento do requerimento probatório após a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, pelo que não se vislumbra fundamento para sustentar a rejeição do requerimento probatório deduzida pela Ré e pela interveniente principal, aqui Recorrentes, na ação declaratória interposta pelos Autores. 18. O requerimento probatório deva ser aceite antes da apreciação do mérito da pretensão deduzida pelos Autores, na ação de declarativa. 19. Deve ser julgada procedente a presente apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando a realização da prova pericial nos termos requeridos pela Ré e pela interveniente principal. Os AA. contra-alegaram (....) (...) XIX. Nenhum dos argumentos invocados pela Recorrente possui o mínimo de cabimento, pelo que o presente recurso deverá ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se inalterado o despacho recorrido nos precisos termos em que foi proferido. 2. Questões a apreciar O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139). Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação, reponderação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida. São duas as questões que cumpre apreciar: - o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação – art.º 615º, n.º 1, alínea a) do CPC)? - o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento, por o requerimento de prova apresentado ser tempestivo? 3. Nulidade do despacho recorrido 3.1. Do incumprimento do disposto no art.º 617º do CPC. O art.º 617º do CPC, aplicável aos despachos ex vi do nº 3 do art.º 613º do mesmo, dispõe: “1. Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento… (…) 5. Omitindo o juiz o despacho previsto no nº 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no nº 6”. A Sra. Juiz, no despacho que admitiu o recurso, não se pronunciou quanto à nulidade invocada (o que, diga-se, se verifica com inusitada e incompreensível frequência). Porém não é indispensável a baixa do processo, pelo que se passará a conhecer da nulidade invocada. 3.2. Enquadramento jurídico Dispõe o art.º 615º do CPC: 1. É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…)” Este normativo também é aplicável aos despachos como decorre do disposto no art.º 613º n.º 3 do CPC. Assim e desde já carece de fundamento o entendimento dos recorridos (cfr. conclusões II a V das suas contra-alegações) segundo o qual as nulidades do n.º 1 do art.º 615º só se aplicam às sentenças. De referir que no Ac. desta RG de 04/10/2018, proc.1716/17.8T8VNF.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, citado pelos mesmos, não é afirmado, nem se extrai do nele afirmado, que “as nulidades de sentença previstas no artigo 615.º do CPC são taxativas e exclusivas da sentença“, como afirmam os recorridos, mas única e exclusivamente, no respectivo sumário, que as “nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615º, do CPC”. A sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença. As nulidades da sentença e dos acórdãos referem-se ao conteúdo destes actos, ou seja, estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podiam ter (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in O que é uma nulidade processual? in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual). A alínea b) está correlacionada com o disposto: - no art.º 205º n.º 1 da CRP, que dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei; - no art.º 154º do CPC, que dispõe, no n.º 1, que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas e no n.º 2 que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo, quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade; - especificamente, no que respeita à sentença, com o disposto no art.º 607º do CPC (mas que também é aplicável aos despachos, como resulta do n.º 3 do art.º 613º) cujo n.º 3 dispõe que, nos fundamentos, deve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes; - e ainda com o disposto no n.º 4, o qual dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. Este n.º 4 tem em vista a fundamentação da decisão de facto, que tem de ser incluída na sentença e tem em vista possibilitar o controlo da decisão, dada a possibilidade que as partes têm de recorrer da matéria de facto, cumpridos que sejam os requisitos do art.º 640º do Código de Processo Civil. A situação prevista nesta alínea b) só se verifica quando exista uma falta absoluta de fundamentação, não quando se trate de fundamentação deficiente ou fundamentação medíocre, insuficiente, incompleta, não convincente ou contrária à lei, em que poderá haver erro de julgamento de facto. Neste sentido afirmava Alberto dos Reis, in CPC Anotado, V, 140: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade”. Na jurisprudência e a título meramente exemplificativo, o Ac. do STJ de 02/03/2021, processo 835/15.0T8LRA.C3.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj - “Só a absoluta falta de fundamentação - e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação - integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil”. O grau de fundamentação de direito dependerá da complexidade da questão objecto da decisão, do grau e natureza da controvérsia entre as partes e, até, eventualmente, da controvérsia doutrinal e jurisprudencial quanto à mesma. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, págs. 72 e 73, a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão. 3.3. Em concreto Afirma-se no despacho recorrido: Quanto ao requerimento de produção de prova efetivamente já não se encontra a parte em prazo para o juntar, pelo que indefiro o mesmo. Ou seja, indeferiu-se o requerimento para realização de prova pericial por se considerar que o mesmo era extemporâneo. Sendo assim, não é possível considerar que o despacho recorrido padece de uma absoluta falta de fundamentação e, por isso, seja nulo à luz da alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, aplicável ex vi n.º 3 do art.º 613º. É, certamente, uma fundamentação manifestamente insuficiente (como a recorrente reconhece na primeira parte da sua conclusão 9, ao afirmar que a “decisão recorrida não está dotada de fundamentação suficiente” ainda que depois afirme, contraditoriamente, que “denota[..] a falta absoluta de fundamentação”), na medida em que não indica a norma ou normas legais que determinavam a invocada extemporaneidade. Mas, como se viu supra, a nulidade só se verifica quando existe uma absoluta falta de fundamentação, o que não é o caso. Em face do exposto, improcede a invocada nulidade. 4. Fundamentação de facto Consideram-se relevantes para a decisão do recurso as incidências fácticas narradas no antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas; 5. Fundamentação de direito 5.1. Enquadramento jurídico Dispõe o art.º 552º, n.º 6 do CPC que no final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação. Por sua vez, o art.º 572º, alínea d), dispõe que na contestação o réu deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; tendo havido reconvenção, caso o autor replique, o réu é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, no prazo de 10 dias a contar da notificação da réplica. No que respeita aos articulados supervenientes, dispõe o n.º 5 do art.º 588º do CPC que as provas são oferecidas com o articulado e com a resposta. Mas, dispõe o art.º 598º, n.º 1 do CPC que o requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia, quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591.º (findos os articulados e a prolação de despacho pré-saneador ou de aperfeiçoamento) ou nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 593.º (se, tendo sido dispensada a realização da audiência prévia, alguma das partes pretender reclamar do despacho a determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º, do despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova; ou do despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas). Mas nos termos do n.º 1 do art.º 593º do CPC o tribunal pode dispensar a realização da audiência prévia. A lei não estabelece que nesta situação as partes também podem alterar o requerimento probatório e, por isso, o prazo para o fazer. Porém, isso não é suficiente para considerar que as partes de um processo em que foi dispensada a realização da audiência prévia não têm o direito de alterar o seu requerimento probatório. Isso só significa que há uma lacuna na lei. E a existência de tal lacuna torna-se patente perante dois princípios básicos: - o princípio da igualdade, plasmado no art.º 13º da CRP (não se fazendo aqui apelo ao princípio da igualdade tal qual plasmado no art.º 4º do CPC, porque esse tem estritamente em vista a igualdade intra-processual); - o direito à prova, como concretização do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20º da CRP. O princípio da igualdade está plasmado no art.º 13.º CRP, o qual dispõe: 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. O preceito citado proclama uma igualdade jurídico-formal, ou seja, uma igualdade na lei e na aplicação da mesma. Tal princípio abrange: “ a) a proibição de arbítrio -, no sentido em que não são admissíveis diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (cfr. n.º 2, onde se faz expressa menção de “categorias subjectivas que historicamente fundamentam discriminações); c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (…) A proibição de arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o principio da igualdade como principio negativo de controlo. Nesta perspectiva, o principio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes.“ – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP Anotada, 3ª edição revista, pág. 127. O controlo pelos tribunais do respeito pelo princípio da igualdade faz-se tendo fundamentalmente em consideração a vertente negativa do mesmo e que se traduz na proibição de privilégios e discriminações. Privilégios são situações de vantagem não fundadas e discriminações situações de desvantagem. (cfr. Rui Medeiros, CRP Anotada, Universidade Católica Editora, Volume I, anotação ao art.º 13º, pág. 166). E como refere Rui Medeiros, ob. cit. pág. 169: ”Apenas nos casos de violação desse princípio negativo, dispõe o particular lesado de uma concreta pretensão jurídico-subjetiva suscetível de legitimar o recurso aos tribunais com vista ao cumprimento. Ou melhor, somente nesses casos existe uma competência de controlo jurisdicional do modo de actuação legislativo. Ou seja, “a teoria da proibição de arbítrio não é um critério de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa. A proibição de arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade. A interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio significa uma autolimitação do poder do juiz, o qual não controla se o legislador, num caso concreto, encontrou a solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa.” (Acs [TC] n.ºs 455/02 e 531/06).” Aquela vertente negativa significa a proibição de diferenciações sem fundamento material bastante, sem justificação razoável, segundo critérios objectivos, constitucionalmente relevantes (cfr. Ac. TC 39/88). Ora, admitir que as partes de um processo em que se realizou audiência prévia possam alterar o seu requerimento probatório e que as partes em que foi dispensada a realização daquela não possam requerer a alteração do seu requerimento probatório, só porque no primeiro o juiz decidiu realizar a audiência prévia e no outro não, constitui numa inequívoca e manifesta diferenciação de tratamento, sem qualquer justificação objectiva razoável, já que não há diferença nenhuma entre ser “parte” no primeiro ou ser “parte” no segundo processo. Note-se que de acordo com o n.º 3 do art.º 593º, que se aplica em caso de dispensa da audiência prévia, a alteração do requerimento probatório não é fundamento para requerer a sua realização. Quanto ao direito à prova, a CRPortuguesa, no seu art.º 20º n.º 1, garante a todos “o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)”. Mas não é suficiente a consagração legal do direito de acção e defesa. É necessário que seja assegurada uma tutela jurisdicional efectiva, princípio contido no art.º 20º da CRPortuguesa, o qual se desdobra em vários direitos, sendo um deles o direito ao processo e a um processo equitativo, como consagra o n.º 4 do art.º 20º da mesma CRP. O direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efectiva impõe a prevalência da justiça material sobre a justiça formal, isto é, sobre uma pretensa justiça que, sob a capa de “requisitos processuais”, se manifeste numa decisão que, afinal, não consubstancia mais de que uma denegação de justiça. (Rui Medeiros, CRP Anotada, Universidade Católica Editora, Volume I, anotação ao art.º 20º, pág. 321). O direito a um processo equitativo impõe, antes de mais, normas processuais que proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialéctica que elas protagonizam no processo. Destarte, o direito à tutela jurisdicional efectiva concretiza-se, nomeadamente, no direito à prova, ou seja, no direito de as partes, em paridade, proporem todos os meios de prova potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos essenciais, complementares ou instrumentais e de, verificadas as condições legais de admissibilidade, os ver admitidos, não podendo os mesmos ser rejeitados com base na sua irrelevância ou inutilidade, só podendo ser rejeitados com base em norma ou princípio jurídico. Ora, admitir que as partes de um processo em que se realizou audiência prévia possam alterar o seu requerimento probatório e que as partes em que foi dispensada a realização daquela não possam requerer a alteração do seu requerimento probatório, traduzir-se-ia numa manifesta violação do direito à prova e, assim, à tutela jurisdicional efectiva. Aliás, a referida lacuna tem sido assinalada pela doutrina, que, adianta-se, se tem pronunciado maioritariamente no sentido de que as partes de um processo em que foi dispensada a realização da audiência prévia têm o direito de alterar o seu requerimento probatório, ainda que divirjam na forma de concretizar esse direito. Miguel Teixeira de Sousa, in Questões sobre matéria de prova no nCPC consultável in https://blogippc.blogspot.com/2014/03/questoes-sobre-materia-da-prova-no-ncpc.html refere: “3. Os requerimentos probatórios apresentados pelas partes podem ser alterados na audiência prévia, quer quando esta se realize nos termos da lei, quer quando ela seja imposta potestativamente por qualquer das partes (art. 598.º, n.º 1, do nCPC). Estranhamente, a lei não prevê a hipótese de a audiência prévia não se realizar e de, ainda assim, alguma das partes pretender alterar o seu requerimento probatório em função dos temas de prova seleccionados pelo tribunal. O direito à prova das partes impõe, no entanto, essa possibilidade, que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal. Por analogia com o disposto no art. 598.º, n.º 2, nCPC, o requerimento pode ser entregue até vinte dias antes da data prevista para a realização da audiência final.” Lebre de Freitas in A Acção Declarativa à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª edição, pág. 206 afirma: “Não havendo audiência prévia, às partes deve ser consentida a alteração dos requerimentos probatórios no prazo (geral) de 10 dias contados da notificação do despacho que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas da prova, embora tal conduza à retificação do despacho de programação da audiência final. Com efeito não se justificaria que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia.” No mesmo sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in CPC Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 644. E Francisco Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, Volume II, 3ª edição, pág. 290-291 escreve: “A lei não contempla expressamente a possibilidade de alteração dos requerimentos probatórios no caso de não realização ou dispensa da audiência prévia (art.ºs 592º e 593º, n.º 1). A doutrina vem, todavia, convergindo em que essa lacuna de previsão seja suprida por aplicação analógica da norma do n.º 2 do art.º 598º relativa à alteração ou aditamento da prova testemunhal (art.º 10º do CC). (…) No caso de dispensa de audiência prévia (…) é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes. Com efeito, o direito à prova, como concretização do direito fundamental de acesso ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artº 20º da CRP) impõe que, na dúvida, se deva fazer uma interpretação conforme à Constituição, com o acolhimento de um sentido menos restritivo dos direitos processuais e mais favorável aos litigantes (“princípio pro actione”). A admissibilidade da alteração no caso dessa dispensa é, quale tale, reclamada pela teleologia da norma, já que a posição adversa resultaria na preclusão da prática de um ato da parte, a qual não ocorreria caso a audiência houvesse tido lugar. (…) À míngua de norma expressa que tal preveja não deve o intérprete optar pelo efeito-preclusão (…), já que a solução contrária colocaria em situação desigual a parte convocada para e a parte não convocada para a audiência prévia, em violação do princípio da igualdade (…), sendo que a pretensão de alteração do requerimento probatório não constitui fundamento de reclamação conducente à realização da audiência dispensada.” Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa in CPC Anotado, Volume I, 2ª edição, pág. 717 afirmam: “Face aos termos inequívocos do n.º 3 do art.º 593º, em conjugação com o n.º 1 do art.º 598º, quando a audiência prévia seja dispensada pelo juiz, as partes não podem requerer a sua realização só com o propósito de proceder a alterações nos requerimentos probatórios.” Acompanhamos esta afirmação. Mas logo a seguir afirmam e com o devido respeito não acompanhamos: “E também não podem introduzir sem mais alterações a tais requerimentos. A alteração do requerimento probatório fora do contexto da audiência prévia, além de não estar prevista na lei, implicaria que ficasse prejudicado tudo quanto tivesse sido definido para a tramitação subsequente do processo, em especial quanto à programação e ao agendamento da audiência final, nos termos do 593º, n.º 2, al. d) (…)” Também a jurisprudência maioritária tem vindo a seguir aquele entendimento. Assim: - o Ac. da RC de 15-01-2019, proc. 1178/16.7T8CLD.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc em cujo sumário consta: No caso de dispensa da audiência prévia (art.º 598º, nº 1 do CPC) é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes. Impõe-se notar que neste Ac. se entende que subjacente à alteração do requerimento probatório está a identificação do objecto do litígio e, sobretudo, a enunciação dos temas da prova, a qual tanto ocorre quando se realiza a audiência prévia (cfr. art.º 591 nº 1, alínea f) e, 596 nº 1, ambos do CPC), como ocorre nos casos em que é dispensada a realização daquela (cfr. art.º 593 nº 1, alínea c) e 596º nº1 ambos do CPC). - o Ac. da RL de 30/04/2019, proc. 704/18.1T8AGH-A.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, em cujo sumário consta: 1. A lei, estranhamente, não prevê a hipótese de a audiência prévia não se realizar e de, ainda assim, alguma das partes pretender alterar o seu requerimento probatório em função dos temas de prova selecionados pelo tribunal, impondo, no entanto, o direito à prova das partes, essa possibilidade, que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal. - Ac. desta RG de 05/12/2019, proc. 6318/18.9T8BRG-A.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg ( em que é Relatora a aqui Exmª 1ª Adjunta) em cujo sumário consta: III. O direito das partes à alteração posterior do seu requerimento probatório inicial não deve precludir com a dispensa da audiência prévia pelo juiz, já que um tal entendimento faria prevalecer uma interpretação do CPC excessivamente formal (face à ausência de uma previsão expressa da lei para esta hipótese), ao arrepio do seu pretendido paradigma (de uma justiça cada vez mais material, à qual se justifica sacrificar os eventuais actos de programação da audiência final que, deste modo, venham a ficar prejudicados). - o Ac. da RP de 27/02/2023, proc. 1325/21.7T8PVZ-A.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, em cujo sumário consta: I - Sobre o direito das partes à alteração posterior do seu requerimento probatório inicial nos casos em que é dispensada a audiência prévia, nada se diz expressamente na lei. II - A razão de ser da alteração do requerimento probatório pelas partes na audiência é justificada sobretudo pelo facto de nela se proferir a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, pelo que, impondo-se igualmente a identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, nos casos de dispensa da audiência prévia (artºs 593º nº 2 al. c) e 596º nº 1, ambos do CPCivil) não se vê que diferença possa existir sobre a admissibilidade legal da alteração do requerimento probatório, num caso ou noutro. III – Por isso, no caso de dispensa da audiência prévia é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes. - E, finalmente, o Ac. da RP de 07/10/2024, proc. 8690/21.4T8VNG-A.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, em cujo sumário consta: II- Caso tenha ocorrido, por decisão do tribunal, dispensa da realização da audiência prévia, não podem as partes ser penalizadas e limitadas no seu direito de proceder à alteração dos requerimentos probatórios que a lei consagrou com a abrangência acima já indicada. Não havendo dúvidas que estamos perante uma lacuna da lei. Nos termos do n.º 1 do art.º 10º do CC os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. E nos termos do n.º 2, há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. Sucede que para preenchimento da assinalada lacuna, e com todo o respeito por opinião diversa, o n.º 2 do art.º 598º do CPC não constitui caso análogo, pois o mesmo restringe-se à alteração do rol de testemunhas e no caso está em causa uma alteração do requerimento probatório, que pode implicar que sejam requeridos novos meios de prova. Assim, não encontramos no sistema caso análogo, pelo que tem aplicação o n.º 3 do art.º 10º do CC, de acordo com o qual na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema. Tendo em consideração os princípios da igualdade e do direito à prova, tendo em consideração que, como é referido no Ac. da RC de 15-01-2019, proc. 1178/16.7T8CLD.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, subjacente à alteração do requerimento probatório está, sobretudo, a enunciação dos temas da prova, a qual tanto ocorre quando se realiza a audiência prévia (cfr. art.º 591 nº 1, alínea f) e, 596 nº 1, ambos do CPC), como ocorre nos casos em que é dispensada a realização daquela (cfr. art.º 593 nº 1, alínea c) e 596º nº1 ambos do CPC) e tendo em consideração a posição de Lebre de Freitas referida supra, entende-se que sendo dispensada a audiência prévia, as partes têm o direito de alterar os requerimentos probatórios que tenham apresentado, no prazo (geral) de 10 dias contados da notificação do despacho que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas da prova. É certo que esta solução pode colidir com o disposto na alínea d) do n.º 2 do art.º 593º, que dispõe que sendo dispensada a audiência prévia o juiz profere despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas, no sentido em que as partes podem, naquele requerimento, requerer provas cujo tempo de produção seja incompatível com o agendamento entretanto determinado. Porém a celeridade processual não pode ser colocada à frente dos princípios da igualdade e, sobretudo, do direito à prova. Por outro lado, o art.º 130º do CPC proíbe a prática de actos inúteis. Assim, tendo as partes o direito de requerer a alteração dos requerimentos probatórios em caso de dispensa da audiência prévia, o juiz deverá sustar a prolação do despacho a que se refere a alínea d) do n.º 1 do art.º 593º até que decorra o prazo concedido às partes para alterarem os seus requerimentos probatórios. 5.2. Em concreto Resulta do Relatório supra que a 11/07/2022 foi proferido despacho que dispensou a realização da audiência prévia, a seguir apreciou e julgou improcedentes as excepções invocadas pela Ré e determinou que fosse ouvida a mesma relativamente ao pedido de intervenção principal provocada de EE. Neste despacho não houve enunciação dos temas da prova. Tal só ocorreu com o despacho de 12/06/2023. Destarte e face ao supra exposto, as partes tinham 10 dias a contar da notificação deste despacho para apresentarem alterações aos requerimentos probatórios. A notificação do despacho que consignou os temas da prova foi elaborada no Citius a 14/06/2023. Nos termos do disposto no art.º 248º n.º 1 do CPC, os mandatários são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. O 3º dia posterior a 14/06/2023 foi sábado, pelo que a notificação se presume feita no dia 19 de Junho, segunda-feira. A 28/06/2023, a Ré apresentou requerimento em cujo ponto “III. Requerimento de prova” consta: “A) reiterar o rol de testemunhas já apresentado com a contestação e que aqui dá por reproduzido; B) requerer, nos termos e para os efeitos do artigo 467.º, n.º 1 e 468.º n.º 2 do CPC, se proceda à realização de prova pericial – sob a forma de perícia colegial por exame à contabilidade – para prova dos factos constantes dos TEMAS DA PROVA sob os pontos 1), 2), 3), 4), 5), 7), e 8), Nos termos do disposto no art.ºs 468.º, n.º 3 e 475º, CPC, indica o perito, objecto da perícia, e as questões de facto que se pretende ver esclarecidas: B1) DO OBJETO DA PERÍCIA (…) B2)Indicação de perito (…) B3)Proposta de quesitos (…).” Neste contexto e face a tudo o exposto, o requerimento apresentado é patentemente tempestivo e, assim, a decisão recorrida não se pode manter, devendo ser revogada, cabendo ao tribunal recorrido proceder em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 476º do CPC. 5.3. Custas Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito. No caso em análise, o recorrente obteve vencimento. Destarte, as custas são a cargo dos recorridos, que tendo contra-alegado, ficaram vencidos. 6. Decisão Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, cabendo ao tribunal recorrido proceder em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 476º do CPC. Custas pelos recorridos Notifique-se * Guimarães, 31/10/2024 (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator: José Carlos Pereira Duarte Adjuntos: Maria João Marques Pinto de Matos Gonçalo Oliveira Magalhães |