Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS BASE DO NEGÓCIO OBJECTIVA FACTO EXTERIOR ÀS PARTES RISCO DO NEGÓCIO MORA DO DEVEDOR | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - As "circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar” (art.º 437º do CC) dizem respeito: i) à realidade objetiva, que integra elementos económicos, jurídicos, sociais, políticos, etc., que se verifica no momento da celebração do contrato e que constitui o contexto no qual surgem os diversos interesses e motivações contratuais e com base no qual as partes se determinaram em certo sentido; ii) por isso, tais circunstâncias dizem respeito ao contrato, definem o negócio, conferem-lhe um determinado sentido, “fazem com que o contrato seja o que é”, irrelevando as razões subjectivas que possam ter movido cada contraente; iii) não sendo normal, pode acontecer que tais circunstâncias sejam explicitadas pelas partes, nomeadamente nos “considerandos”. II – Do ponto de vista positivo, a “alteração das circunstâncias” deve ter origem num facto que está totalmente fora do domínio e controlo das partes e, do ponto de vista negativo, a “alteração” não deve ter origem num facto ou factos praticados por qualquer uma das partes e, muito menos, da parte que invoca a lesão. III – A “alteração das circunstâncias“, tem em vista as situações em que a prestação se torna demasiado difícil, dela estando afastadas as hipóteses em que o que se verifica é uma materialização do risco de utilização da prestação, que constitui um dos riscos próprios do contrato. IV – A mora do devedor, no momento em que se verifica a “alteração das circunstâncias”, obsta à resolução ou modificação do contrato. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório EMP01... – Unipessoal, Ldª apresentou requerimento de injunção contra Clube ..., pedindo que fosse notificada no sentido de lhe ser paga a quantia global de € 25.643,31, correspondendo € 24.400,00 a capital, € 1.090,31 a juros de mora e € 153,00 a taxa de justiça paga. Invocou, para tanto e em síntese, que: - dedica-se, além do mais, à observação, acompanhamento, avaliação e selecção de jogadores profissionais de futebol e à prestação de serviços de intermediação desportiva, visando a celebração de contratos de transferência entre clubes e/ou a celebração de contratos de trabalho desportivo entre jogadores e clubes; a requerida é uma sociedade desportiva que se dedica, além do mais, à participação em competições de futebol profissional; - em julho de 2020, a requerida solicitou à requerente que lhe prestasse serviços de intermediação desportiva, necessários à contratação do jogador profissional de futebol que identifica, visando a celebração de um contrato de trabalho desportivo com o mesmo; - nos termos do contrato que reduziram a escrito, acordaram que a título de preço pelos serviços prestados, a requerida pagaria à requerente, na condição de a contratação do jogador se efectivar, o valor toral de € 60.000,00, acrescido de IVA, em três prestações, cada uma delas no valor de € 20.000,00 mais IVA, com vencimento a 03/08/2020, 30/01/2021 e 30/06/2021; - em razão dos serviços prestados pela requerente, o referido jogador veio a celebrar contrato de trabalho desportivo com a requerida; - a requerida pagou as duas primeiras prestações, mas, apesar de diversas vezes interpelada para o efeito e na posse da factura, não pagou a última prestação. Notificada, a requerida deduziu oposição, invocando, em síntese que: - a duração do contrato de trabalho do jogador serviu de base à decisão de contratar, de ambas as parte, tanto assim que fizeram questão de identificar, no contrato celebrado entre ambas, o número de épocas desportivas durante as quais o contrato de trabalho estaria em vigor (2020/2021, 2021/2022, 2022/2023, 2023/2024); - a duração do contrato de trabalho do jogador com a requerida, foi instrumental da formação do preço do contrato celebrado com a requerente; - as partes edificaram o negócio sobre a expectativa de que o jogador cumprisse a totalidade do contrato de trabalho com a requerida; - o jogador celebrou um contrato de trabalho para as épocas de 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023, 2023/2024; - nos primeiros treinos com o plantel profissional da requerida, o jogador demonstrou graves problemas de adaptação ao nível técnico e desportivo, por comparação com os restantes colegas; - o jogador queixou-se, por diversas vezes e a várias pessoas da estrutura da requerida, de que estaria a ter grandes dificuldades com a mudança de país e com a adaptação à vida quotidiana numa ilha; - em consequência dessas dificuldades, o jogador teve uma participação muito reduzida em jogos oficiais em representação da requerida, nos termos que elenca; - antes do final da época de 2020/2021 o jogador comunicou à requerida que não pretendia cumprir o contrato de trabalho até ao final e solicitou à requerida a realização de negociações com vista à revogação, por acordo, de tal contrato; - o jogador e a requerida solicitaram a participação da requerente nas negociações; - na data que indica o jogador e a requerida, com o conhecimento, apoio e participação da requerente, acordaram a revogação do contrato de trabalho; - mais tarde a requerida teve conhecimento que o jogador outorgou novo contrato de trabalho com um clube ..., em cuja intermediação a requerente terá participado; - a aludida revogação constitui uma alteração anormal das circunstâncias; - a aludida revogação causou danos significativos à requerida, porque perdeu os direitos económicos e desportivos do jogador e pagou ao mesmo uma indemnização compensatória e teria, ainda, de suportar os custos com a 3ª prestação, como se ainda mantivesse um contrato de trabalho com o jogador; - a resolução do contrato é a solução que melhor garante o equilíbrio da situação jurídica de ambas as partes; - caso assim não se entenda, pelas razões expostas, deve o tribunal modificar o contrato de intermediação segundo juízos de equidade. Distribuídos os autos, foi a autora convidada a apresentar nova petição inicial, concretizando os termos do acordo celebrado entre as partes, convite a que respondeu. Foi a A. notificada para exercer o contraditório relativamente às excepções arguidas pela Ré, o que a mesma fez, dizendo, em síntese, que os serviços de intermediação contratados pela Ré se cingiram à contratação do jogador profissional de futebol, tendo-se esgotado com a celebração do contrato de trabalho entre o dito jogador e a Ré, impugnando os factos alegados e pedindo a condenação da Ré como litigante de má-fé, em multa e indemnização. Foi proferido despacho saneador, que fixou o valor da causa, julgou verificados os pressupostos processuais, fixou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova. Realizou-se o julgamento, após o qual foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se julgar a presente acção totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 24.400,00, acrescida dos respectivos juros de mora contabilizados, à taxa comercial, desde 30.06.2021 e até efectivo e integral pagamento. Mais se decide absolver a ré do pedido de condenação como litigante de má-fé deduzido pela autora. Custas a cargo da ré.” A Ré interpôs recurso, pedindo para ser absolvida de todos os pedidos contra si deduzidos, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: A. O Tribunal de 1.ª instância proferiu Sentença condenatória, relativamente à qual a R. ora Recorrente não se conforma. B. A Recorrente não se conforma com a interpretação que o Tribunal faz do contrato celebrado entre as [partes], nem sequer com as consequências que dele retira. C. A Recorrente não aceita que se profira uma decisão relativa à resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, nos termos em que a mesma foi fundada. D. Nos considerandos do contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida (junto como Doc. ... à oposição à injunção), consta: “A primeira outorgante pretende contratar o jogador, AA, nascido a .../.../1995, com nacionalidade ..., portador do passaporte n.º ..., para as épocas desportivas 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024 com contrato de trabalho desportivo, e para isso recorreu aos serviços prestados pela segunda outorgante;” E. Assim, é inegável que a duração do contrato de trabalho do jogador serviu de base à decisão de contratar de ambas as partes. F. Ao contrário do que ficcionou o Tribunal a quo, as partes celebraram o seu negócio sobre a expectativa que o jogador cumprisse a totalidade do contrato de trabalho outorgado. G. Não se percebe, porque não há qualquer fundamentação, como pode a sentença recorrida concluir que a revogação do contrato de trabalho do jogador é “algo de manifestamente anormal no contexto desportivo, porquanto a saída de um jogador profissional de futebol antes do termo do contrato nada tem de inusitado (sendo até o normal acontecer).” H. Aliás, há até uma contradição com a conclusão seguinte: “Aliás, faz parte do “giro” negocial dos jogadores de futebol que os mesmos sejam transferidos ainda no decurso do termo do contrato de trabalho, pois se tal não ocorresse todos eles se transfeririam a “custo zero”, o que manifestamente não é o habitual.” I. Assim sendo, não podia a sentença recorrida ter dado como assente a normalidade de uma revogação de contrato de trabalho, quando, em boa verdade, nenhuma prova se fez acerca dessa prática ser, mais ou menos, comum. J. Por outro lado, a duração do contrato de trabalho do jogador com a Recorrente foi instrumental na formação do preço do contrato entre Recorrente e Recorrida. K. Aliás, embora tenha dado como não provada essa possibilidade, não indicou o Tribunal qualquer critério alternativo para essa formação de preço. L. Assim, é insofismável que a revogação do contrato de trabalho, constitui uma alteração anormal ou imprevisível das circunstâncias, enquadrável no artigo 437.º do CC. M. Com vista ao preenchimentos dos requisitos de aplicação do citado artigo 437.º, está preenchido o critério da boa fé, pois é óbvio que a revogação do contrato de trabalho do jogador causou danos significativos para a Recorrente - perdeu os direitos económicos e desportivos do jogador, pagou-lhe uma indemnização compensatória e terá de pagar a última prestação do contrato de intermediação. N. No que diz respeito à cobertura pelos riscos inerentes do contrato das alterações anormais alegadas, sempre se dirá que é por demais evidente que as mesmas não estão cobertas, nem sequer contratualmente definidas. O. Ora, tendo em conta que o contrato de trabalho referido nos autos foi decisivo e instrumental na celebração do contrato de intermediação, a revogação do primeiro, constitui uma alteração anormal das circunstâncias e por isso terá que ser refletida no segundo. P. Quanto à análise da repartição do risco, é pouco razoável atribuir à Recorrente a assunção total do risco, forçando-a a cumprir o contrato de intermediação como se nada fosse e permitir que a Recorrida receba a totalidade do pagamento emergente do contrato de intermediação. Q. Assim sendo, deveria o Tribunal a quo ter decidido pela revogação do contrato por alteração anormal das circunstâncias. Por dever de patrocínio, e assim não se entendendo, R. Deveria o Tribunal a quo ter decidido pela modificação do contrato de intermediação segundo juízos de equidade, uma vez que, a exigência das obrigações que dele resultam, após a aludida alteração anormal das circunstâncias, afeta gravemente os princípios da boa-fé e não está coberta pelos riscos próprios do contrato. A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. 2. Questões a apreciar O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida, O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida). A única questão que cumpre apreciar é se, perante a factualidade provada – que não foi objecto de qualquer impugnação, estando, portanto, fixada, nos termos que constam da sentença recorrida -, é possível afirmar que ocorreu uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão e contratar e, em caso de resposta afirmativa, se há lugar à resolução ou modificação do contrato. 3. Fundamentação de facto O tribunal a quo consignou a seguinte fundamentação de facto: “1. Factos provados Da produção de prova resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa: (factos alegados pela autora) 1) A autora é uma sociedade comercial que, com intuito lucrativo, se dedica, além do mais, à observação, acompanhamento, avaliação e selecção de jogadores profissionais de futebol e à prestação de serviços de intermediação desportiva, visando a celebração de contratos de transferência entre clubes e/ou a celebração de contratos de trabalho desportivo entre jogadores e clubes. 2) A ré é uma sociedade desportiva que se dedica, além do mais, à participação em competições de futebol profissional. 3) No início do mês de Julho de 2020, a ré solicitou à autora que lhe prestasse os serviços de intermediação necessários à contratação do jogador profissional de futebol AA, visando a celebração de um contrato de trabalho desportivo com o mesmo. 4) A ré, pretendendo contratar o referido jogador, solicitou à autora que, valendo-se dos contactos profissionais privilegiados no mercado de onde era oriundo o dito jogador, identificasse o respectivo representante/empresário e/ou contactasse o próprio jogador, com vista a apurar o interesse deste em representar a sua equipa profissional de futebol e, no caso de resposta afirmativa, negociasse os termos do contrato de trabalho com o mesmo. 5) Em 29 de Julho de 2020, a autora, como segunda outorgante e a ré, como primeira outorgante, outorgaram um acordo escrito, no qual expressamente consignaram, além do mais, o seguinte: “Considerando que: a) A segunda outorgante é empresa com experiência e competências adquiridas nas áreas da observação, acompanhamento, avaliação e seleção de jogadores profissionais de futebol, dedicam à intermediação, auxílio e agenciamento de serviços desportivos; b) A primeira outorgante pretende contratar o jogador AA, nascido a .../.../1995, com nacionalidade ..., portador do passaporte n.º ..., para as épocas desportivas 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024 com contrato de trabalho desportivo, e para isso recorreu aos serviços prestados pela segunda outorgante; e c) a segunda outorgante aceitou prestar os seus serviços a favor da primeira outorgante; (…) Cláusula Primeira 1. A primeira outorgante pretende contratar o jogador AA, e para isso recorreu aos serviços prestados pela segunda outorgante, nomeadamente, para efeitos de intermediação e auxílio na referida contratação. 2. A segunda outorgante aceita prestar os serviços de intermediação e auxílio na contratação pela primeira outorgante do jogador AA. Cláusula Segunda 1. Em virtude dos serviços prestados pela segunda outorgante supra descritos, a primeira outorgante, na condição da contratação do jogador se efetivar e sem prejuízo do disposto na cláusula terceira do presente acordo, pagará à segunda o valor de 60.000€, acrescido de IVA, contra a entrega da respetiva fatura, que será paga em três prestações, cada uma no valor de 20.000,00€, acrescido de IVA a pagar nas seguintes datas de vencimento: a) A 3 de Agosto de 2020; b) Até 30 de Janeiro de 2021; e c) Até 30 de Junho de 2021; (…) Cláusula Terceira As partes acordam que as obrigações emergentes do presente contrato para a primeira outorgante ficam condicionadas e sem que nenhuma responsabilidade lhe possa ser assacada ou imputado qualquer incumprimento enquanto tais condições não se verificarem, à verificação do seguinte facto: a) À verificação de que o contrato de trabalho desportivo celebrado entre o Jogador e a primeira outorgante é plenamente válido e eficaz; (…) Cláusula Sétima Fica desde já claro que nada foi convencionado entre os ora outorgantes, direta ou indiretamente relacionado com o objeto do presente contrato, para além do que ficou escrito nas presentes cláusulas. (…)” Conforme consta do documento junto aos autos a fls. 12 – verso a 13, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 6) Em execução do aludido acordo celebrado com a ré, a autora abordou o empresário do mencionado jogador, logrou convencer o mesmo jogador a integrar a equipa profissional da ré e, na posse das condições em que esta se dispunha a contratar, negociou com o mesmo os termos do contrato de trabalho desportivo. 7) Em razão dos referidos serviços prestados pela autora, em 29 de Julho de 2020, o aludido jogador celebrou um contrato de trabalho desportivo com a ré, para as épocas desportivas 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024. 8) A ré pagou à autora as duas primeiras prestações, no valor de € 20.000,00, mais IVA, cada uma, com vencimento a 03 de Agosto de 2020 e 30 de Janeiro de 2021, respectivamente, referidas na cláusula segunda do acordo acima mencionado em 5). 9) A autora emitiu e enviou à ré a factura n.º ..., respeitante ao valor da terceira e última prestação referida na cláusula segunda do referido acordo, no valor de € 20.000,00, acrescido de IVA, com data de vencimento a 30 de Junho de 2021. 10) Apesar de interpelada para o efeito, a ré não procedeu ao pagamento da mencionada factura. (factos alegados pela ré) 11) Aquando dos primeiros treinos com o plantel profissional da ré, o jogador AA demonstrou problemas de adaptação ao nível técnico e desportivo por comparação com os restantes colegas de trabalho. 12) O jogador queixou-se, por diversas vezes e a várias pessoas da estrutura da ré, que estaria a ter dificuldades com a mudança de país e com a adaptação à vida quotidiana numa ilha. 13) O mencionado jogador apenas participou em dois jogos oficiais em representação da ré, na Liga Portuguesa, num total de 6 minutos em campo, nomeadamente, a 6 de Dezembro de 2020, no jogo frente ao BB, a contar para a 6.ª Jornada, e a 24 de Outubro de 2020, no jogo frente ao ..., a contar para a 5ª Jornada. 14) Antes do final da época 2020/2021, designadamente, entre Janeiro e Março de 2021, o mencionado jogador comunicou aos responsáveis da ré que não pretendia cumprir o contrato de trabalho até ao final e solicitou à ré a realização de negociações com vista à revogação, por acordo, do contrato de trabalho. 15) Em 6 de Julho de 2021, o referido jogador e a ré celebraram um acordo escrito denominado “Revogação de Contrato de Trabalho”, pelo qual as partes aceitaram revogar o contrato de trabalho que havia sido celebrado entre ambos em 29.07.2020, mais acordando no pagamento pela ré ao jogador, a título de indemnização, o valor líquido de € 13.000,00, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 15, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. * 2. Factos não provadosResultaram não provados os seguintes factos, com interesse para a decisão: (factos alegados pela ré) a) A duração do contrato de trabalho do jogador serviu de base à decisão da autora e da ré de celebrarem o acordo acima mencionado em 5). b) A duração do contrato de trabalho entre o jogador e a ré foi instrumental na formação do preço do mencionado acordo celebrado entre a autora e a ré. c) A autora e a ré fundaram o acordo celebrado entre ambas na expectativa que o referido jogador cumprisse a totalidade do contrato de trabalho com a ré. d) O referido jogador queixou-se da sua situação desportiva e pessoal aos representantes da autora. e) O mesmo jogador deu conhecimento da sua pretensão de revogar o contrato de trabalho com a ré aos responsáveis da autora. f) O mencionado jogador e a ré solicitaram a participação da autora nas negociações que visavam a resolução, por acordo, do aludido contrato de trabalho celebrado entre o jogador e a ré. g) O acordo de revogação, outorgado em 6 de Julho de 2021, entre o jogador e a ré, foi celebrado com o conhecimento, apoio e participação dos responsáveis da autora. h) Após a revogação do contrato de trabalho, o jogador outorgou novo contrato de trabalho com o clube ... EMP02.... i) Tendo a autora participado na intermediação de um novo contrato de trabalho entre o jogador e o mencionado EMP02.... 4. Direito 4.1. Enquadramento jurídico Nos termos do disposto no art.º 406º n.º 1 do CC, o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. Um dos casos previstos na lei, é a resolução ou modificação por alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, previsto no art.º 437º do CC, o qual dispõe: Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. De forma singela, o problema que o normativo em referência pretende regular é este: o que sucede ao contrato quando, estando o mesmo em execução (se o contrato estiver integralmente executado, esgotou-se e, portanto, o problema não se coloca), “as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar”, sofrerem uma “alteração anormal”, de tal forma que a exigibilidade, a uma das partes, da respectiva prestação, implique um prejuízo grave para a mesma? Duas soluções surgem como possíveis: manter o contrato inalterado, com fundamento no princípio de que os contratos são para cumprir – “pacta sunt servanda”; permitir a resolução ou, pelo menos, a modificação do contrato, com fundamento no princípio da boa fé. Como refere Luís Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, II, pág. 123:“ A alteração das circunstâncias corresponde a uma situação em que se verifica a contradição entre dois princípios jurídicos: o princípio da autonomia privada, que exige o pontual cumprimento dos contratos livremente celebrados; e o princípio da boa fé, nos termos do qual não será licito a uma das partes exigir da outra o cumprimento das suas obrigações sempre que uma alteração do estado das coisas posterior à celebração do contrato tenha levado a um desequilíbrio das prestações gravemente lesivo para essa parte.” Não deixando de reconhecer que, como refere Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, IX, 3ª edição, pág. 555, se está perante um “Instituto complexo, dominado por dúvidas e controvérsias e tomado, por prismas repetidamente diferentes, pelas mais diversas correntes juscientíficas, a alteração das circunstâncias, tal como se encontra vertida no Código Vaz Serra, é incompreensível, quando não se atine nos factores científicos e culturais que a modelaram”, não tem aqui cabimento analisar as doutrinas que procuraram dar resposta ao referido problema (cláusula rebus sic stantibus, teoria da pressuposição, teoria da base negocial, teoria mista da base do negócio (objectiva e subjectiva)) e que o tentaram delimitar (teoria do risco, princípio da tutela da confiança e interpretação dos contratos). Para tal, cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit., págs 555 e seguintes. Neste lugar apenas importa a compreensão do preceito, tendo em vista encontrar critérios que nos permitam orientarmo-nos na sua aplicação, para o que se impõe colher ensinamentos. Assim, Luís Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, II, 3ª edição, pág. 129 entende que o art.º 437º exige a verificação dos seguintes requisitos: 1) uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar; 2) o carácter anormal dessa alteração; 3) que essa alteração provoque lesão para uma das partes; 4) que a lesão seja de tal ordem que se apresente como contrária à boa-fé a exigência do cumprimento das obrigações assumidas; 5) e que não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato. Relativamente ao primeiro requisito: “apenas são relevantes as alterações das circunstâncias efectivamente existentes à data da celebração do contrato, e que tenham sido causais em relação à sua celebração pelas partes (a denominada “base do negócio objectiva”). Não relevam, assim, para efeitos desta norma, os casos de falsa representação das partes quanto às circunstâncias presentes ou futuras, que apenas colocam um problema de erro, nem circunstâncias que, apesar de efectivamente existentes, não se apresentam como causais em relação à celebração do contrato.” Relativamente ao segundo requisito: “exige-se, por outro lado, que essa alteração tenha carácter anormal, ou seja, que fosse de todo imprevisível para as partes a sua verificação.” Quanto ao terceiro requisito: “exige-se que a alteração das circunstâncias provoque a lesão de uma das partes no contrato, o que determina o surgimento de um desequilíbrio entre as prestações contratuais. (…) a alteração das circunstâncias só será relevante se dela resultar uma modificação no equilíbrio contratual estabelecido pelas partes. Se a alteração não provocar danos significativos para uma das partes, não se justifica aplicar este instituto, devendo ser o contrato cumprido nos termos gerais.” Relativamente ao quarto requisito: “exige-se que o desequilíbrio contratual gerado pela alteração das circunstâncias seja de tal ordem que torne contrária à boa-fé que a parte beneficiada venha a exigir o cumprimento do contrato. Neste sentido, pode-se considerar que a alteração das circunstâncias se apresenta como uma modalidade específica de abuso do direito (art.º 334º), neste caso de um direito de crédito, já que por força da boa fé, se torna ilegítimo ao credor a exigência da prestação numa situação em que os limites relativos ao equilíbrio das prestações no contrato se encontram ultrapassados. Consequentemente, a alteração das circunstâncias não pode ser aplicada a contratos já executados, uma vez que após a troca das prestações, já passa a ser um risco do receptor da prestação as alterações de valor que ela venha a sofrer.” Finalmente e quanto ao último requisito: “exige-se que a lesão causada pela alteração das circunstâncias não se apresente como coberta pelos riscos próprios do contrato. (…) cada decisão de contratar envolve uma assunção de riscos, não se podendo recorrer à alteração das circunstâncias sempre que a lesão sofrida pela parte não ultrapasse o círculo dos riscos considerados normais naquele tipo de contrato. Daqui resulta que a alteração das circunstâncias se apresenta como subsidiária em relação às regras da distribuição do risco, cessando a sua aplicação sempre que exista uma regra que atribua aquele risco a alguma das partes. Já António Menezes Cordeiro, in ob. cit., pág. 684, refere que “o dispositivo remete para uma série de conceitos indeterminados, com especial focagem na boa-fé. A concretização só é possível no caso concreto. A “interpretação” cinge-se, por isso e aqui, à indicação das grandes diretrizes que, por seu intermédio, o legislador comunica aos julgadores que o venham a realizar.” E refere, então, que o art.º 437º, n.º 1 contempla “um sistema complexo, assente em cinco variáveis: (a) as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar; (b) tiverem sofrido uma alteração anormal; (c) tem a parte lesada direito à resolução ou à modificação do contrato; (d) desde que a exigência das obrigações assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé; (e) e não esteja coberta pelos riscos do contrato.” Relativamente à primeira variável indica (ob. cit., pág. 685-686): “Está em causa o circunstancialismo (base do negócio) objetivo em que as partes assentaram, também objetivamente, ao contratar. Assim, diz-nos a lei que: - não relevam as superveniências a nível de aspirações subjetivas extra-contratuais das partes; deve haver uma afetação do próprio contrato e, nessa medida, ambos os contraentes ficam implicados; - não interessam modificações no campo das aspirações contratuais de apenas uma das partes; é o contrato que está em causa (logo: os contraentes) e não as esperanças de lucro (ou de não-perda) de somente de um dos intervenientes, quando a lógica do negócio não esteja em causa; - é possível a explicitação, por banda das partes, de quais as circunstâncias relevantes: afinal, se esse dado pode resultar implícito do contrato, poderá, por maioria de razão, ser clausulado; inversamente, as partes podem estabelecer quais as circunstâncias irrelevantes.” E refere ainda três notas: - as “circunstâncias” devem ser provadas por quem se queira prevalecer do instituto; - as “circunstâncias relevantes” devem ser conhecidas por ambas as partes, seja pela natureza das coisas, seja por que se prova esse conhecimento. Quanto à segunda – “alteração anormal” – precisa (ob. cit., pág. 686-687) que se prende com a imprevisibilidade, ou seja, que as partes não tenham pensado nela. Relativamente à terceira, precisa (ob. cit., pág. 688) que o funcionamento da alteração das circunstâncias implica que haja uma parte lesada e que o dano tenha uma “certa envergadura”, precisando que a lesão deve ser aferida pelo “desequilíbrio”, ou seja, há uma perda desproporcional para uma das partes. Quanto à quarta variável, refere (ob. cit. pág. 688) que a alteração das circunstâncias, para ser relevante, deve ser de tal forma que a exigência, à parte lesada, das obrigações por ela assumidas, afete gravemente os princípios da boa-fé, ou seja, “o conjunto das valorações fundamentais do ordenamento jurídico.” Finalmente e quanto à quarta variável, refere (ob. cit. 690-691) que a mesma não tem em vista afirmar que o art.º 437º, 1, não se aplica quando ocorrem alterações dentro da álea que todo o contrato, ainda que em medida variável, sempre implica, porque isso já está coberto pela “anormalidade” da modificação. Visa afirmar que o art.º 437º, 1, tem carácter supletivo, perante o regime legal ou contratual do risco e que a alegação da alteração das circunstâncias só é eficaz perante contratos pendentes, isto é, “contratos de execução continuada ou periódica ou ainda de execução diferida.” * Partindo dos ensinamentos supra referidos, importa precisar alguns aspectos. O art.º 437º, não se refere expressis verbis a que contratos é aplicável. Mas a doutrina (cfr. Nuno Pinto de Oliveira, in “Alteração das circunstâncias, 55 anos depois”, Revista Julgar, nº 44, 2021, p. 162) tem considerado que a alteração das circunstâncias está pensada para os contratos de execução duradoura, em sentido próprio ou impróprio, porque “a adaptação ou a modificação faz sentido para os contratos que ainda não estejam cumpridos, havendo ainda alguma ou algumas prestações para realizar no futuro e não faz sentido para os contratos que já estejam cumpridos ou executados.” Nuno Pinto de Oliveira, in “Alteração das circunstâncias, 55 anos depois”, Revista Julgar, nº 44, 2021, p. 163 entende, por isso, que a distinção entre contratos de execução instantânea e contratos de execução duradoura deve ser substituída pela distinção entre contratos ainda não cumpridos e contratos já cumpridos, concluindo que a “alteração das circunstâncias” é inaplicável aos contratos completamente cumpridos, completamente executados (pág. 164). E na nota 37, pág. 165, explica que o art.º 437º ao referir “…desde que a exigência das obrigações por ela assumidas…,” constitui um obstáculo à doutrina que admite a aplicação da “alteração das circunstâncias” aos contratos já cumpridos. E, na mesma nota, depois de referir João Baptista Machado, in “Risco contratual e mora do credor”, in Obra dispersa, Vol. I, Sciencia Jurídica, Braga, 1991, pág. 274, que mandava atender a “duas grandes regras sobre a distribuição do risco contratual” - o devedor corre o risco da prestação; o credor corre o risco da utilização da prestação, ou seja, o risco de não poder utilizar a prestação para o fim a que a destinava – observa (sublinhado nosso): “O art.º 437º está pensado para as hipóteses em que a alteração das circunstâncias atinge o risco da prestação, em que a prestação se torna demasiado difícil; e não está pensado para as hipóteses em que a alteração das circunstâncias atinge o risco de utilização da prestação (…) - um dos riscos próprios do contrato.” Em segundo lugar, as “circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar” traduz-se num conceito patentemente indeterminado, cuja definição se apresenta complexa, sendo aproximado à definição de “base do negócio “ de Paul Oertmann (cit. por Nuno Pinto de Oliveira, in ob. cit. pág. 166-167): uma representação bilateral, comum às partes, ou, em todo o caso como uma representação unilateral, conhecida e não contestada, pela contraparte, acerca de se terem verificado (no passado), de se verificarem (no presente) ou de virem a verificar-se (no futuro) determinadas circunstâncias sobre as quais se constrói a vontade das partes. O conceito de base do negócio foi decomposto, distinguindo-se nomeadamente, a base do negócio objectiva e a base do negócio subjectiva e, dentro desta, a base do negócio unilateral e a base do negócio bilateral, e a “pequena” base do negócio e a “grande” base do negócio (cfr. Nuno Pinto de Oliveira, in ob. cit. pág. 168-169). E observa Nuno Pinto de Oliveira, in ob. e loc. cit.: “Quanto à primeira distinção, entre a base do negócio subjectiva e a base do negócio objectiva, a diferença está em que na primeira (…), o problema está nas representações das partes sobre as circunstâncias e na segunda (…), o problema está nas circunstâncias em si, tenham ou não sido representadas pelas partes. O termo base do negócio subjectiva designa aquilo que as partes representarem e de que, consciente e livremente, fizeram o fundamento da sua decisão e o termo base do negócio objectiva designa aquilo que, não tendo sido representado pelas partes, é essencial para que o contrato faça, ou continue a fazer pleno sentido. Larenz fala, impressivamente, do conjunto de todas as circunstâncias cuja existência ou persistência são pressupostas para que o negócio possa aparecer ou permanecer como uma regulamentação plena de sentido, atendendo a um fim típico ou a um fim específico, com expressão no conteúdo do negócio. (…) Os casos de perturbação da base do negócio objectiva são casos em que, como consequência de circunstâncias que não foram pensadas pelas partes, o contrato deixou, total ou parcialmente, de fazer sentido, cuja relação com as representações das partes não tem ou já não tem relevância “porque todos sabemos que o futuro não é previsível na sua totalidade. Entre os casos de perturbação da base do negócio objectiva estariam, em especial, aqueles em que o cumprimento se tivesse tornado fundamentalmente mais difícil ou (…) mais oneroso, ou em que se tivesse fundamentalmente alterado a relação de equivalência entre a prestação e a contraprestação.” Quanto à “grande” base do negócio, traduzir-se-ia, em essência (Nuno Pinto de Oliveira, in “Alteração…, p. 171, citando Werner Flume), de alterações ou perturbações da existência social, nomeadamente, catástrofes naturais, grandes alterações legislativas, alguns acontecimentos económicos, como as alterações do valor da moeda e alguns acontecimentos políticos, como guerras ou situações semelhantes. Neste âmbito e na doutrina portuguesa importa ainda assinalar Galvão Telles, in Manual dos Contratos em geral, pág. 343 e segs., que reflecte sobre a questão da seguinte forma (sublinhado nosso): circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar são as circunstâncias que determinaram as partes a contratar, de tal modo que, se fossem outras, não teriam contratado ou tê-lo-iam feito ou pretendido fazer, em termos diferentes. Trata-se de realidades concretas de que as partes não tiveram consciência, pois nem sequer pensaram nelas, dando-as como pressupostas; ou de realidades concretas de que tiveram consciência, mas convencendo-se de que não sofreriam alteração significativa, frustradora do seu intento negocial. Ou não passou sequer pela cabeça dos interessados que o status quo se modificaria: ou admitiram que tal ocorresse, mas em medida irrelevante. Aquela pressuposição ou esta convicção inexacta tem de ser comum às duas partes, porque, se não se deu em relação a uma e ela se calou, deixa de merecer protecção. As aludidas circunstâncias constituem a base do negócio. Mas a base do negócio apresenta-se aqui, quanto à configuração e ao regime, como algo diverso da base do negócio em matéria de erro. A base do negócio no domínio do erro tem carácter subjectivo, porque se traduz na falsa representação psicológica da realidade. A base do negócio no domínio da alteração das circunstâncias tem carácter objectivo, visto não se reconduzir a uma imaginária falsa representação psicológica da manutenção de tais circunstâncias. (…) A base do negócio no erro é unilateral: respeita exclusivamente ao errante. A base do negócio na alteração das circunstâncias é bilateral: respeita simultaneamente aos dois contraentes. A lei (art.º 437º n.º 1) fala, acentuadamente, das circunstâncias em que as partes (plural) fundaram a decisão de contratar. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil II, pág. 227 e 228, refere que as “circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar” “hão-de ser procuradas na finalidade objectivamente expressa no contrato, no sentido deste e no seu carácter geral, excluídos os fins puramente subjectivos que as partes prossigam…..” Carneiro da Frada, in Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito v. contratos de gestão de carteira, in ROA, ano 69, 2010, pág. 669 refere que “ontem, como hoje, no momento da celebração de um contrato, as partes têm em conta a realidade objetiva que as envolve, plurifacetada e integrando elementos económicos, jurídicos, sociais, políticos, etc. É com base nela que se forma a sua vontade negocial e que assumem as obrigações do contrato. O equilíbrio de interesses que o sinalagma contratual traduz tem como referente essa realidade.” E mais adiante, pág. 678, refere que “a vontade contratual não existe em estado puro nem é uma enteléquia abstracta. Ela constitui-se e está invariavelmente associada a um determinado contexto social, económico, politico, etc., no qual surgem os diversos interesses e motivações contratuais e com base no qual as partes se determinaram em certo sentido.” E quanto ao âmbito de aplicação, refere, pág. 669: Contudo, se há contratos de execução instantânea em que os efeitos jurídicos se produzem e extinguem no próprio momento da sua celebração (por exemplo, habitualmente, a transmissão da propriedade), noutros os efeitos jurídicos pretendidos prolongam-se ou projectam-se no tempo. A eficácia de certos contratos, mesmo quando momentânea pode também ser diferida para uma altura posterior e distante da conclusão do negócio que os visa produzir. Nestes casos, é possível que no momento em que as obrigações assumidas hajam de ser cumpridas já não se verifique aquela realidade objetiva envolvente inicial ou que ela tenha sofrido uma tão radical modificação que o sentido ou o equilíbrio negocial estabelecido na formação do contrato, se encontra, agora, absolutamente alterado. Nesta hipótese, o cumprimento exacto do contrato (…) poderá revelar-se uma grande injustiça para o devedor.” Finalmente, quanto à questão de saber quando ocorre uma alteração anormal das circunstâncias, refere (pág. 682): “…as modificações das condicionantes “gerais” da coexistência social (…) sempre proporcionaram, historicamente, exemplos firmes de “alteração anormal das circunstâncias”. Entre as áreas mais seguras dela conta-se certamente a “modificação brusca das condicionantes gerais da coexistência social”. Estas também chamadas “grandes” alterações de circunstâncias podem ser de natureza política, social ou económica. Pela sua índole são gerais e normalmente alheias a condutas ou esferas de influência das partes, a cujo domínio escapam completamente. Por isso, o risco da sua ocorrência não deve onerar unilateralmente um dos sujeitos, deixando incólume a posição do outro. Por isso ainda, se justifica a intervenção judicial no contrato de modo a corrigir os desequilíbrios que tenham surgido: afinal tais desequilíbrios provêm de uma esfera que é “concludentemente” neutra em relação a qualquer uma das partes. As “grandes” alterações das circunstâncias, enquanto alterações globais dos parâmetros fundamentais da coexistência social, são na realidade um risco de todos, a que todos estão sujeitos, a cujos danos ninguém pode pretender eximir-se à custa de outrem e que não devem conduzir a permitir benefícios integrais a uma das partes com prejuízo da outra. Não devem, portanto - reitera-se – sacrificar exclusivamente os interesses de uma das partes num contrato.” Em face de tudo o exposto, cremos (sem qualquer pretensão, que não seja a de tentar encontrar um critério prático), que as "circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar” dizem respeito: i) à realidade objetiva, que integra elementos económicos, jurídicos, sociais, políticos, etc., que se verifica no momento da celebração do contrato e que constitui o contexto no qual surgem os diversos interesses e motivações contratuais e com base no qual as partes se determinaram em certo sentido; ii) por isso, tais circunstâncias dizem respeito ao contrato, definem o negócio, conferem-lhe um determinado sentido ou, como disse Oliveira Ascensão, in Onerosidade excessiva por alteração das circunstâncias, in Estudos em Homenagem a José Dias Marques, pág. 516, “fazem com que o contrato seja o que é”, irrelevando, assim, as razões subjectivas que possam ter movido cada contraente; iii) não sendo normal, pode acontecer que tais circunstâncias sejam explicitadas pelas partes, nomeadamente nos “considerandos”. Finalmente o CC não contém uma referência expressa ao requisito da exterioridade. Mas tal requisito pode “retirar-se da referência do art.º 437º, n.º 1, a uma alteração anormal, desde que tal designe uma alteração imprevista e imprevisível, o que deve compreender o conceito de exterioridade” (cfr. Nuno Pinto de Oliveira, ob. cit. pág. 182). Pode ainda “retirar-se da referência do art.º 437º, n.º 1 a uma alteração que faça com que o cumprimento do contrato, nos termos iniciais ou originários, seja inexigível à parte prejudicada, por ser contrário à boa fé. A responsabilidade da parte prejudicada pela alteração ou pela perturbação deverá ter como causa um comportamento livre e deverá ter como consequência a conformidade à boa fé do cumprimento, ou a exigibilidade do cumprimento do contrato, nos termos iniciais ou originários. Entre as causas da responsabilidade deve distinguir-se duas: a parte prejudicada pode responder por ter causado a alteração ou a perturbação – hipóteses em que a sua responsabilidade resultará de um comportamento positivo – ou, ainda que não tenha causado a alteração ou a perturbação, pode responder por não ter superado a perturbação causada – hipótese em que a sua responsabilidade resultará de um comportamento negativo.” (cfr. Nuno Pinto de Oliveira, ob. cit. pág. 182-183). Em síntese: do ponto de vista positivo, a alteração deve ter origem num facto que está totalmente fora do domínio e controlo das partes e, do ponto de vista negativo, a alteração não deve ter origem num facto ou factos praticados por qualquer uma das partes e, muito menos, da parte que invoca a lesão. 4.2. Em concreto Resulta da factualidade provada (ponto 5) que a 29 de Julho de 2020, a autora, como segunda outorgante e a ré, como primeira outorgante, outorgaram um acordo escrito, no qual expressamente consignaram, além do mais, o seguinte: “Considerando que: a) A segunda outorgante é empresa com experiência e competências adquiridas nas áreas da observação, acompanhamento, avaliação e seleção de jogadores profissionais de futebol, dedicam à intermediação, auxílio e agenciamento de serviços desportivos; b) A primeira outorgante pretende contratar o jogador AA, nascido a .../.../1995, com nacionalidade ..., portador do passaporte n.º ..., para as épocas desportivas 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024 com contrato de trabalho desportivo, e para isso recorreu aos serviços prestados pela segunda outorgante; e c) a segunda outorgante aceitou prestar os seus serviços a favor da primeira outorgante; (…) Cláusula Primeira 1. A primeira outorgante pretende contratar o jogador AA, e para isso recorreu aos serviços prestados pela segunda outorgante, nomeadamente, para efeitos de intermediação e auxílio na referida contratação. 2. A segunda outorgante aceita prestar os serviços de intermediação e auxílio na contratação pela primeira outorgante do jogador AA. Cláusula Segunda 1. Em virtude dos serviços prestados pela segunda outorgante supra descritos, a primeira outorgante, na condição da contratação do jogador se efetivar e sem prejuízo do disposto na cláusula terceira do presente acordo, pagará à segunda o valor de 60.000€, acrescido de IVA, contra a entrega da respetiva fatura, que será paga em três prestações, cada uma no valor de 20.000,00€, acrescido de IVA a pagar nas seguintes datas de vencimento: a) A 3 de Agosto de 2020; b) Até 30 de Janeiro de 2021; e c) Até 30 de Junho de 2021; (…) Cláusula Terceira As partes acordam que as obrigações emergentes do presente contrato para a primeira outorgante ficam condicionadas e sem que nenhuma responsabilidade lhe possa ser assacada ou imputado qualquer incumprimento enquanto tais condições não se verificarem, à verificação do seguinte facto: a) À verificação de que o contrato de trabalho desportivo celebrado entre o Jogador e a primeira outorgante é plenamente válido e eficaz; (…) Cláusula Sétima Fica desde já claro que nada foi convencionado entre os ora outorgantes, direta ou indiretamente relacionado com o objeto do presente contrato, para além do que ficou escrito nas presentes cláusulas. (…)” A sentença recorrida qualificou o contrato em referência, como sendo um contrato de representação ou intermediação desportiva, cuja definição consta do n.º 1 do art.º 38º da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, nos seguintes termos: “O contrato de representação ou intermediação é um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva.” Esta qualificação não foi colocada em crise na sentença recorrida e mostra-se correcta. Perante esta factualidade, a primeira questão que se coloca é a de saber se, como pretende a Ré, a contratação do jogador AA, para as épocas desportivas 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024, constitui uma “circunstância” em que as partes fundaram a decisão de contratar. Vejamos A Ré é uma sociedade desportiva que se dedica, além do mais, à participação em competições de futebol profissional (ponto 1 dos factos provados). A autora é uma sociedade comercial que, com intuito lucrativo, se dedica, além do mais, à observação, acompanhamento, avaliação e selecção de jogadores profissionais de futebol e à prestação de serviços de intermediação desportiva, visando a celebração de contratos de transferência entre clubes e/ou a celebração de contratos de trabalho desportivo entre jogadores e clubes (ponto 2 dos factos provados). Resulta ainda da factualidade provada (pontos 3) e 4)) que a ré (sociedade desportiva que se dedica a competições de futebol profissional), pretendendo celebrar um contrato de trabalho desportivo com o jogador profissional de futebol AA, no início de Julho de 2020 solicitou à autora (que se dedica à prestação de serviços de intermediação desportiva, visando, nomeadamente, a celebração de contratos de trabalho desportivo entre jogadores e clubes), que, valendo-se dos contactos profissionais privilegiados no mercado de onde era oriundo o dito jogador, identificasse o respectivo representante/empresário e/ou contactasse o próprio jogador, com vista a apurar o interesse deste em representar a sua equipa profissional de futebol e, no caso de resposta afirmativa, negociasse os termos do contrato de trabalho com o mesmo, ou seja, que lhe prestasse os serviços de intermediação necessários à contratação do referido jogador. E, como consta do ponto 5 dos factos provados, no considerando b) do Contrato ficou a constar: “b) A primeira outorgante pretende contratar o jogador AA, nascido a .../.../1995, com nacionalidade ..., portador do passaporte n.º ..., para as épocas desportivas 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024 com contrato de trabalho desportivo, e para isso recorreu aos serviços prestados pela segunda outorgante;” Face ao que acima ficou exposto, acerca do que seja as “circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar” (a realidade objetiva, que integra elementos económicos, jurídicos, sociais, políticos, etc., que se verifica no momento da celebração do contrato e que constitui o contexto no qual surgem os diversos interesses e motivações contratuais e com base no qual as partes se determinaram em certo sentido), constata-se que a factualidade provada nada revela quanto à base objectiva do negócio, quanto “às condicionantes gerais” do contrato. A factualidade provada apenas nos indica qual foi a base subjectiva do negócio (de prestação de serviços de intermediação desportiva): a pretensão da Ré/recorrente de obter a colaboração da recorrida para poder vir a celebrar um contrato de trabalho desportivo com o supra identificado jogador e, de forma mais precisa e concreta, à luz do Considerando b) do contrato, a pretensão da Ré de celebrar com o jogador um contrato de trabalho desportivo para as épocas desportivas 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024. Como se deixou referido, “as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar” tem em vista a base objectiva do negócio. E, portanto, na falta de alegação e prova da base objectiva do negócio, a aplicação do disposto no art.º 437º está votada ao insucesso. Mas ainda que se considerasse que tal normativo abrange a base subjectiva do negócio, continuaria a não haver lugar à aplicação da “alteração das circunstâncias”. Antes, e no entanto, importa verificar se e em que medida ou “grau”, o contrato está executado. Nos termos do n.º 2 da cláusula 2ª, a A. obrigou-se a “prestar os serviços de intermediação e auxílio na contratação pela primeira outorgante do jogador AA.” Em contrapartida e na condição de a contratação do jogador se efetivar, a aqui recorrente obrigou-se a pagar à A. a quantia de 60.000€, acrescido de IVA, contra a entrega da respetiva fatura, que seria paga em três prestações, cada uma no valor de 20.000,00€, acrescido de IVA, a pagar nas seguintes datas de vencimento: a) A 3 de Agosto de 2020; b) Até 30 de Janeiro de 2021; e c) Até 30 de Junho de 2021; Perante esta factualidade, impõe-se considerar que estamos perante um contrato de execução diferida, no sentido de que o vínculo se constitui num momento e a sua execução só ocorre posteriormente. Continuando a analisar a factualidade provada, verifica-se (ponto 7) que em razão dos referidos serviços prestados pela autora, a 29 de Julho de 2020, o aludido jogador celebrou um contrato de trabalho desportivo com a ré, para as épocas desportivas 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024. Neste conspecto, a prestação que cabia à recorrida foi executada. Mas na referida data ainda não se tinha vencido nenhuma das prestações do preço acordado, como contrapartida dos serviços prestados pela recorrida, que a recorrente se obrigou a pagar. Estamos assim perante um contrato ainda não integralmente executado, pelo que (reitera-se que se está a raciocinar como se o art.º 437º do CC admitisse a base subjectiva do negócio) podemos avançar no sentido de verificar se ocorreu uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar. A recorrente invoca uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar porque – e ficou provado no ponto 15) dos factos provados - a 6 de Julho de 2021, o referido jogador e a ré celebraram um acordo escrito denominado “Revogação de Contrato de Trabalho”, pelo qual as partes aceitaram revogar o contrato de trabalho que havia sido celebrado entre ambos em 29.07.2020, mais acordando no pagamento, pela ré ao jogador, a título de indemnização, o valor líquido de € 13.000,00, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 15, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Sucede que: - como ficou sublinhado acima, a base subjectiva do negócio foi a pretensão da Ré de celebrar com o jogador um contrato de trabalho desportivo para as épocas desportivas 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024; - não integra a base subjectiva do negócio, que o contrato de trabalho desportivo que viesse a ser celebrado com o jogador, como foi, viesse, efectivamente, a vigorar durante aquelas épocas ou, dito de outra forma, não integra a base subjectiva do negócio que o jogador cumprisse, efectivamente, o contrato, pelas 4 épocas. A Recorrente até podia pretender que esse contrato de trabalho desportivo com o jogador vigorasse pelas referidas épocas (o que até é natural, ainda que, no caso, tal seja patente e supervenientemente contrariado pela revogação de tal contrato por acordo e, inclusive, com o pagamento de indemnização ao jogador…). Porém, a ter existido, trata-se de uma razão subjectiva que não encontra qualquer expressão, por mínima que seja no contrato, ou seja, não se encontra no contrato celebrado entre a aqui recorrida e a recorrente, que o contrato de trabalho que viesse a ser celebrado com o jogador vigorasse pelas referidas épocas, pelo que a recorrida não foi implicada na referida aspiração da recorrente. Além disso resultou não provado que: a) A duração do contrato de trabalho do jogador serviu de base à decisão da autora e da ré de celebrarem o acordo acima mencionado em 5). b) A duração do contrato de trabalho entre o jogador e a ré foi instrumental na formação do preço do mencionado acordo celebrado entre a autora e a ré. c) A autora e a ré fundaram o acordo celebrado entre ambas na expectativa que o referido jogador cumprisse a totalidade do contrato de trabalho com a ré. Tendo em consideração a economia da contestação e o facto invocado como traduzindo uma “alteração as circunstâncias” – a revogação do contrato de trabalho e, portanto, uma cessação antecipada do vínculo, impedindo a sua vigência pelas referidas épocas -, há-de interpretar-se a referência à “duração do contrato de trabalho” constante da factualidade não provada, como respeitando à duração efectiva ou ao tempo de vigência efectiva do contrato. Renove-se a leitura do considerando b), uma vez que a recorrente insiste no mesmo: o que aí está expresso é que (sublinhados nossos): “A primeira outorgante pretende contratar o jogador AA, (…), para as épocas desportivas 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024 com contrato de trabalho desportivo, e para isso recorreu aos serviços prestados pela segunda outorgante;”. Ou seja, recorreu aos serviços da recorrida para que a mesma encetasse diligências que conduzissem à celebração do contrato entre a recorrente e o jogador, o que sucedeu, pois (ponto 6 da factualidade provada) em execução do contrato celebrado entre recorrente e recorrida, a recorrida abordou o empresário do mencionado jogador, logrou convencer o mesmo jogador a integrar a equipa profissional da ré e, na posse das condições em que esta se dispunha a contratar, negociou com o mesmo os termos do contrato de trabalho desportivo e, em função disso (ponto 7 dos factos provados), a 29 de Julho de 2020 a recorrente celebrou o pretendido contrato com o jogador. Destarte, o facto de a 6 de Julho de 2021, o referido jogador e a ré terem celebrado um acordo escrito denominado “Revogação de Contrato de Trabalho”, não constituiria, sequer, uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, porque as partes não fundaram (subjectivamente) a decisão de contratar, na efectiva vigência do contrato de trabalho com o jogador e, muito menos, pelas referidas quatro épocas. No fundo, o que a recorrente invoca - a revogação do contrato de trabalho com o jogador – mais não é do que a materialização do risco de não retirar a utilidade que a mesma pretendia obter com a celebração daquele contrato, o qual corre única e exclusivamente por sua conta. Além disso, a revogação do contrato por acordo nunca poderia constituir uma alteração “anormal”, pois não é exterior às partes e, concretamente, não é alheia à recorrente; antes pelo contrário: estava na esfera de influência da mesma, tendo o seu domínio e controlo, resultando da sua vontade, sendo-lhe, portanto, imputável (sendo certo que, sabendo que ainda devia uma prestação à A., tinha a possibilidade de negociar os termos da revogação com o jogador, acautelando tal pagamento, fosse no montante da indemnização a pagar ao mesmo ou a receber do mesmo). Dir-se-á mais: aquela revogação não torna inexigível o pagamento daquela 3ª prestação do preço, pois em nada é contrária à boa fé; a invocação pela recorrente, da revogação do contrato de trabalho celebrado entre a recorrente e o jogador, como via para tornar inexigível a 3ª prestação do preço acordado, como contrapartida dos serviços de intermediação prestados, é que é manifestamente contrário à boa fé, pois tal revogação é-lhe, em parte, imputável. Finalmente impõe-se trazer à colação o disposto no art.º 438º do CC, onde se dispõe que a parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou. No caso verifica-se que na data em que ocorre o facto que, na infundada perspectiva da recorrente, constituiria uma alteração anormal das circunstâncias, ou seja, a revogação, por acordo, do contrato de trabalho com o jogador – 06/07/2021 - a mesma já estava em mora quanto ao pagamento da 3ª prestação do preço dos serviços prestados pela recorrida, a qual se venceu a 30/06/2021. Destarte, a recorrente nunca gozaria do direito de resolução ou modificação do contrato, porque, ainda que a revogação constituísse uma “alteração das circunstâncias” – o que não se verifica, e muito menos uma alteração anormal - estava em mora no momento da revogação do contrato. Em face do exposto impõe-se concluir que a pretensão da recorrente não tem qualquer fundamento à luz do disposto no art.º 437º, n.º 1 do CC e, como tal, o recurso deve ser julgado improcedente e a decisão recorrida mantida. 4.3. Custas As custas da apelação são a cargo da recorrente por vencida – art.º 527º, n.º s 1 e 2 do CPC 5. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção desta Relação em manter a decisão recorrida e em consequência julgar improcedente o recurso. * Custas pela recorrente – art.º 527º n.ºs 1 e 2 do CPC* Notifique-se* Guimarães, 07/12/2023 (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator: José Carlos Pereira Duarte 1º Adjunto: Gonçalo Oliveira Magalhães 2º Adjunto: Maria João Marques Pinto de Matos |