Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO DENÚNCIA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/29/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I- À denúncia judicial de um contrato de arrendamento celebrado em 01/01/1989 aplica-se o regime jurídico previsto nos art. 28º, 26º nº 1, 4 a) da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, que aprovou o Novo Regime de Arrendamento Urbano (N.R.A.U.), 1101º a), 1102º nº 1 a), b), nº 3, 107º nº 1 do Regime de Arrendamento Urbano (R.A.U.). II- Aos requisitos previstos no art. 1102º nº 1 do C.C., referentes à denúncia de um contrato de arrendamento de duração indeterminada pelo senhorio por necessidade de habitação para si, acresce, como requisito autónomo, a necessidade real e séria de habitação, conclusão a retirar de factos alegados e provados. III- Este direito de denúncia não pode ser exercido quando, no momento em que deva produzir efeitos, ocorra alguma das seguintes circunstâncias previstas no art. 107º nº 1 do R.A.U.. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório H. L. e A. P. instauraram a presente acção declarativa com processo comum contra J. F. e M. C. pedindo: a) que seja decretada a cessação do arrendamento por denúncia para habitação própria dos autores e do seu agregado familiar, com a condenação dos réus na entrega imediata do imóvel arrendado, totalmente livre de pessoas e coisas; b) a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização pelo incumprimento da sua obrigação, no montante de € 20,00, por cada dia de atraso, até efectiva entrega do arrendado. Alega, em síntese, que em 01/01/1989, mediante contrato escrito, os autores deram de arrendamento aos réus, por um ano, para habitação própria e permanente destes, o prédio urbano sito na Avenida ..., nº ..., Lugar ..., da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão. Este contrato foi celebrado pelo prazo de 1 ano e seguintes, com início em 01/01/1989, prorrogando-se por iguais períodos, e nas mesmas condições, enquanto as partes não o denunciassem. Foi convencionada a renda anual de € 688,20, a pagar em duodécimos de € 57,35. Os autores vivem num imóvel arrendado, mediante contrato de arrendamento a termo certo, pelo qual despendem a renda mensal de € 250,00. Dois dos seus filhos, que se encontravam ausentes, um do país e outro do concelho de Vila Nova de Famalicão, regressaram à casa de morada de família, tornando desapropriado e inadequado para habitação aquele imóvel. Os autores comunicaram aos réus, mediante cartas registadas com aviso de recepção de 26/07/2018, a sua intenção de denunciar o contrato de arrendamento para a data de 31/01/2019, sendo que esta comunicação foi remetida para o arrendado. Advertiram os réus que, caso não cumprissem com a sua obrigação na data fixada, os autores exigiriam o pagamento de uma indemnização, a título de cláusula penal, por cada dia de atraso, no montante diário de € 20,00, até que se verificasse a efectiva entrega do locado. Os réus responderam dizendo que não concordavam com os fundamentos invocados e que, por isso, não iriam desocupar o locado na data estipulada. Os autores não possuem, há mais de um ano, na área de Vila Nova de Famalicão, casa própria que satisfaça as suas necessidades de habitação e do seu agregado familiar que actualmente é composto por eles e três filhos. * Os réus contestaram dizendo que desde 2013 que os autores, através de várias formas, os pressionam para deixar o arrendado. Os fundamentos invocados na denúncia são falsos. Os réus mantêm-se no arrendado há 30 anos e não se mostram verificados os requisitos previstos no art.º 1102º nº 1 do C.C., pois nada é referido quanto aos descendentes dos autores, o prédio em causa é susceptível de utilização independente, sendo constituído pelo dois fogos, cada um correspondendo a um T2, sendo que um deles corresponde ao arrendado e o outro encontra-se devoluto.* Os autores responderam dizendo que não é verdade que o prédio arrendado seja susceptível de utilização independente uma vez que o mesmo está descrito no registo predial como uma casa de habitação. A dependência do arrendado que os réus consideram o fogo 2 não tem licença de utilização, nem pode ser habitado de forma independente. Acresce que aquela dependência não é adequada às necessidades dos autores e do seu agregado familiar por ter apenas duas divisões de exíguas dimensões, não tem uma divisão capaz de funcionar como cozinha e o cubículo onde está instalada uma sanita e uma rampa de chuveiro não tem as dimensões normais de uma casa de banho. Por outro lado, tal dependência do arrendado encontra-se completamente degradada.* Foi dispensada a audiência prévia.Foi dispensada a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova. Foram admitidos os requerimentos probatórios e designada data para julgamento. * Procedeu-se a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos:“Nestes termos e face ao exposto julgo improcedente a acção e, em consequência, absolvo os Réus do pedido. (…)” * Não se conformando com esta sentença vieram os autores dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:“1- Os Recorrentes moveram acção declarativa sob a forma comum contra os ora Recorridos, pedindo que seja decretada a cessação do arrendamento por denúncia para habitação própria deles e do seu agregado familiar, com a condenação dos ora Recorridos na entrega imediata do imóvel arrendado, totalmente livre de pessoas e coisas e ainda que os mesmos fossem condenados ao pagamento de uma indemnização pelo incumprimento da sua obrigação, no montante de 20,00€ (vinte euros) por cada dia de atraso, até efetiva entrega do arrendado. 2- A Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida (pontos 1 a 19 e 33) transcritos no corpo das alegações, que aqui, por brevitatis causa, se dão por integralmente reproduzidos, deu como provados os factos articulados pelos ora Recorrentes com relevância para o êxito da ação. 3- Daí que, os Recorrentes, não invoquem que esta matéria relevante tenha sido mal julgada. 4- O que vêm alegar em sede Recurso é que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador a quo e olhando para os factos relevantes dados como provados (ut retro),verifica-se existir contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (artº 615º nº1, al.c) do CPC), vício que aqui se deixa arguido. 5- Este vício resulta claramente do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos. 6- Nesta conformidade, o Tribunal a quo estabeleceu contradição insanável entre a fundamentação e a decisão recorrida. 7- Aliás, se atentarmos na “Motivação de Facto”, prescrita na alínea c) da sentença recorrida, com maior propriedade se pode afirmar que os factos julgados como provados colidem inconciliavelmente com a decisão recorrida, basta para o efeito atentar nas passagens transcritas no corpo das alegações, que aqui, por brevitatis causa, se dão por integralmente reproduzidas. 8- Salientam ainda os Recorrentes, por merecer o seu acordo, a síntese que o Mmo. Juiz a quo faz na sentença recorrida relativamente à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, síntese essa que deixaram transcrita no corpo das alegações, e que aqui, por brevitatis causa, se dá por integralmente reproduzida. 9- Desta aludida síntese, extrai-se, com toda a clarividência, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão recorrida (vício que os Recorrentes sustentam, para além do mais, nas alegações de recurso). 10- Importa ainda asseverar o que o Mmo. Juiz a quo fez consignar, no mesmo segmento “Motivação de Facto” sobre a apreciação crítica da prova produzida, passagem da sentença Recorrida, que também os Recorrentes deixaram transcrita no corpo das alegações e que aqui dão aqui, por brevitatis causa, integralmente reproduzido. 11- Nesta conformidade, entendem os Recorrentes, que o Mmo. Juiz a quo indicou os concretos meios probatórios considerados e quais as razões, objetivas e racionais, pelas quais tais meios obtiveram no seu espírito credibilidade. 12- Com efeito, para este ponto em específico, resulta da decisão recorrida que o Tribunal a quo, por confronto com a prova documental e testemunhal considerou assente o quadro factual relevante alegado pelos ora Recorrentes (vide pontos 1 a 19 e 33 dos factos provados, aqui dados por reproduzidos) o que, por si só, devia conduzir ao êxito da ação, ao contrário do que foi decidido na sentença recorrida. 13- Ou seja, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador a quo, os factos julgados como provados colidem inconciliavelmente com a fundamentação da decisão. 14- Neste conspecto, salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo, ao dar como provado o quadro factual relevante articulado pelos ora Recorrentes na P.I. (artigos 1º a 6º, 8º a 13º; 15º a 19º; 22º; 23º; e 25º, que aqui se dão, por brevitatis causa, por integralmente reproduzidos), não podia deixar de julgar procedente a ação, com todas as consequências legais. 15- Efetivamente, existe contradição insanável entre a fundamentação e a decisão recorrida, vício que resulta do texto da decisão Recorrida e, por isso, não poderão Vossas Excelências Venerandos Juízes Desembargadores, deixar de sindicar este alegado vício. 16- Acresce que, a sentença recorrida, salvo o devido respeito, pretende cindir duas realidades que não podem ser dissociadas uma da outra e, ao tentar fazê-lo, entrou em clara contradição com a reforma introduzida pela Lei 31/2012, de 14/08, em vigor desde 12/11/2012. 17- Antes da entrada em vigor da Lei 31/2012, de 14/98, todos os arrendamentos para habitação, celebrados antes da vigência da Lei 6/2006, ao abrigo do regime vinculístico estavam protegidos contra a livre denúncia do senhorio, a partir desta Lei, que em termos substanciais introduz um Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano, é atribuído ao senhorio a faculdade de denunciar livremente o contrato. 18- Esta regra apenas é excecionada quando o arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade superior a 60% (o que não se verifica, no caso vertente). 19- Claramente, esta nova lei dispõe diretamente sobre o conteúdo da relação jurídica, abstraindo-se dos factos que lhe deram origem. 20- E, nesta conformidade, a Lei 31/2012, de 14/08, aplica-se às relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor. 21- Donde haverá que qualificar o contrato de arrendamento em causa como um contrato sem duração limitada, também denominado de contrato vinculístico. 22- No art.º 1102.º (redação da reforma de 2012) determinam-se os requisitos da denúncia para habitação; no art.º 1103.º (redação da reforma de 2012) disciplina-se a efetivação da denúncia. 23- Ora, estes requisitos foram devidamente alegados pelos Recorrentes, constam da carta de denúncia que enviaram aos Réus (ora Recorridos), e foram dados como assentes na matéria de facto provada. 24- Importa realçar, que a lei 31/2012 eliminou na redação do art.º 1102.º, n.º 1, a), do C. Civil, a disjunção de casa própria ou arrendada, pode agora concluir-se que o contrato de arrendamento pode ser denunciado com este fundamento se o senhorio habitar em casa arrendada ainda que satisfaça as suas necessidades habitacionais, mas não tenha outra casa própria, que as satisfaça. 25- Salvo o devido respeito, mal andou o Mmo. Juiz a quo, que não atentou nesta disjunção de casa própria ou arrendada, introduzida pela lei citada. 26- A lei admite a denúncia se se verificar, para o senhorio ou para um seu descendente em 1º grau, uma necessidade habitacional, que é circunstância subjetiva resultante de um facto ou conjunto de factos. 27- Nesta conformidade, os ora Recorrentes, comunicaram aos ora Recorridos, através de cartas registadas com aviso de recepção (vide Documentos números 4 e 5 adjuntos com a P.I.), a denúncia do contrato de arrendamento então celebrado, sendo que nestas referidas comunicações, os ora Recorrentes, demonstraram de forma clarividente que inexistem impedimentos legais ao exercício do direito de denúncia, e que estão verificados todos os requisitos positivos que, em concreto, lhes permitem extinguir o contrato de arrendamento (artigo 1102º, n.º 1 do C.C.) – matéria de facto que foi dada como assente pelo Tribunal a quo. 28- Deixando ainda, os Recorrentes, naquelas comunicações e na P.I. bem expresso o requisito autónomo previsto no n.º 1 do art.º 1103 do C.Civil. 29- Assim, os Recorrentes revelaram a intenção séria de fixar residência no local onde se situa o prédio arrendado aos ora Recorridos, e a consequente situação de carência material de habitação autónoma e adequada às suas necessidades e do seu agregado familiar. 30- Não podendo relevar em desfavor dos Recorrentes a circunstância de o filho do Recorrente (marido), R. L., casado com L. C., ter decidido regressar a Portugal nas Férias de Verão e que, provisoriamente, optasse por ficar a residir com a esposa e filhos na casa dos sogros (apesar desta não ter condições adequados para os albergar). 31- Certo é que não tinha outra alternativa face à indisponibilidade do local arrendado aos ora Recorridos, até prolação da decisão final sobre o presente litígio. 32- De igual modo, também não pode relevar em desfavor dos ora Recorrentes o facto da filha do Recorrente (marido), M. L., médica que se encontra a completar o estágio na cidade de Portimão, pretender regressar à casa de morada de família (leia-se a casa do pai) logo que termine o estágio e obtenha colocação profissional no Norte do País. 33- De facto, a vontade dos filhos do Recorrente (marido), supra referidos, de fixarem residência definitiva na casa arrendada aos Recorridos, única que possuem para esse efeito, não consubstancia uma mera intenção ou desejo futuro. Trata-se de uma necessidade que é real, concreta e actual. 34- Está inequivocamente demonstrada a seriedade do propósito do filho do Recorrente marido, (R. L.), fixar residência no concelho onde se situa o local arrendado, evidenciando tratar-se de uma decisão firme e real de viver no seio do agregado familiar dos Recorrentes. 35- Em reforço, diga-se com proeminência que nenhum dos filhos dos ora Recorrentes, designadamente, o B. D. e a M. L., encetaram já um modo de vida autónoma, bem pelo contrário continuam dependentes de ajuda dos progenitores e, por isso, pretendem viver em economia conjunta com eles. 36- Por seu turno, os Recorrentes vivem num apartamento ARRENDADO A TERMO CERTO, sujeitos a que o senhorio se oponha legalmente à renovação do prazo do contrato e, consequentemente, a ficarem desalojados (vide: clausula 3ª do contrato de arrendamento adjunto aos autos). 37- Para além desta contingência de poderem ficar desalojados, os ora Recorrentes são pessoas de avançada idade, o Recorrente tem quase 70 anos de idade e a Recorrente tem praticamente 59 anos de idade (vide pontos 15 e 16 da matéria de facto assente). 38- São, por si só, factos que revelam a intenção séria dos Recorrentes de no locado fixarem a sua residência, a que acresce ainda a circunstância ponderosa de carência de habitação própria e adequada às suas necessidades e do seu agregado familiar. 39- É incontornável que, os Recorrentes, alegaram e provaram não terem um mero propósito de habitarem o prédio arrendado, mas sim, que a sua pretensão corresponde a uma situação de real carência habitacional que só pode ser suprida através da devolução do arrendado. 40- Apesar do conflito de interesses que se gera, deve prevalecer o interesse dos Recorrentes sobre o dos Recorridos, uma vez que se apresentam com carácter sério e atual de no locado fixarem a sua residência e do seu agregado familiar. 41- Ademais, sempre a lei deu primazia ao direito de habitação do senhorio sobre o direito de habitação do inquilino. 42- Compreensivelmente, pois é inteiramente razoável que o legislador – colocado perante um conflito de direitos: de um lado, o direito à habitação do senhorio, fundado num direito real próprio (o direito de propriedade); e, por outro lado, o direito à habitação do inquilino, fundado num contrato de arrendamento, cujo objeto é, justamente, o imóvel que pertence ao senhorio; e não podendo dar satisfação a ambos os direitos – sacrifique o direito do inquilino ao direito à habitação do senhorio. 43- Verifica-se, assim, que o Mmo. Juiz a quo, formulou na douta sentença recorrida, um juízo arbitrário ou intuitivo não objetivado na análise crítica e concatenada dos diversos dados e contributos carreados pelas provas produzidas. 44- Por outro lado, verifica-se um grande equívoco, na sentença recorrida, no que concerne à descrição do imóvel arrendado aos ora Recorridos, pois da escritura pública de compra e venda (junta aos autos pelos Recorridos com a sua contestação) resulta que o Recorrente adquiriu, registou e inscreveu na matriz (vide Documentos números 1 e 2 adjuntos com a P.I.) um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente. 45- Aliás, conforme se vê das fotografias do imóvel (Documento números 3, 4 e 5 adjuntos pelos ora Recorridos, com a contestação), o locado constitui uma só casa de habitação (vulgarmente designada por moradia unifamiliar). 46- Sendo ainda de realçar que o imóvel tem a área de implantação de 79,20m2, composto por cinco divisões (vide certidão matricial ut retro transcrita – Doc. n.º 2 adjunto com a P.I.), o que só por si dispensa mais delongas para sustentar que o locado constitui uma só casa de habitação insuscetivel de ser dívida em fogos de utilização independente. 47- Na verdade, os primitivos proprietários do imóvel em apreço, arrendaram-no há várias décadas atrás, muito antes da compra e venda que o Recorrente (marido) celebrou com a Sociedade Agrícola X, Lda., a duas famílias com laços familiares entre si (vide depoimentos transcritos na sentença Recorrida, das testemunhas (J. C. e M. C.) arroladas pelos ora Recorridos. 48- Ou seja, os primitivos proprietários do imóvel em apreço arrendaram-no, há várias décadas atrás, aos ora Recorridos e às testemunhas (J. C. e M. C.), sendo que estes últimos eram parentes em linha colateral dos primeiros, unia-os laços familiares estreitos, o que dá para compreender que todos pudessem viver num exíguo espaço com a área de implantação de 79,20m2. 49- Os Recorridos, para sustentarem (o insustentável), vieram ainda com o intuito de entorpecer a ação da justiça, juntar uma caderneta predial do imóvel locado, da qual pretendem extrair que o imóvel está divido em dois fogos suscetíveis de utilização independente. 50- O imóvel arrendado constitui uma só casa de habitação sem qualquer divisão suscetivel de utilização independente, mas habilidosamente tentaram com a junção daquele documento solicitar o apoio do Tribunal a quo para atingir o seu propósito, i.e., que a ação fosse julgada improcedente. 51- Efetivamente, a aludida caderneta predial que os ora Recorridos, habilidosamente, juntaram, é um documento que foi concebido pela Autoridade Tributária, criando virtualmente o FOG1F e FOG2T, para, em face da existência de dois contratos de arrendamento no mesmo imóvel, pudessem tributá-los individualmente em sede de rendimentos prediais. 52- O Recorrente marido quando adquiriu o imóvel arrendado desconhecia a existência dos dois contratos de arrendamento, sabia, isso sim, que o imóvel estava arrendado a uma família. 53- Aliás, atenta a sua exígua área de implantação e á sua tipologia (vide certidão predial e caderneta predial: ut retro transcritas) o imóvel arrendado não é suscetivel de ser dividido em dois fogos de utilização independente. 54- Além disso, nunca a Câmara Municipal consentiria que o imóvel pudesse ser divido em dois fogos independentes, atentas as exigências da salubridade relacionadas com a natureza da utilização. 55- E muito menos, atento o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, seria concedida uma licença de utilização para cada um desses eventuais fogos. 56- Admitindo-se, por mero exercício hipotético, que o imóvel estaria dividido em dois fogos de utilização independente, cada fogo não conseguiria ter uma área livremente utilizável superior a 35 m2, o que corresponde a uma habitação de tipologia T0. 57- Não se pode deixar de fazer a seguinte interrogação: Como seria possível aos Recorrentes e ao seu agregado familiar habitar um espaço comparado com uma habitação de tipologia T0 sem a mínima salubridade e privacidade? 58- Mais, sempre teriam que pedir autorização aos ora Recorridos para os deixar entrar e utilizar a entrada comum do imóvel e também poderem circular e habitar no seu interior. 59- Só por absurdo se pode equacionar uma tal situação de colocar o proprietário do imóvel e o seu agregado familiar a viver conjuntamente com os ora Recorridos, numa situação de completa promiscuidade (mistura confusa e desordenada de seres no mesmo ambiente) e de submissão ao direito de posse dos mesmos. 60- Neste contexto, o Tribunal a quo não valorizou corretamente os documentos autênticos juntos aos autos, designadamente, a certidão de registo Predial e a caderneta predial ut retro referenciadas, ocorrendo um erro notório de apreciação da prova documental. 61- O Mmo. Juiz a quo, para a consideração de que o virtual Fog.2T estava devoluto e que não foi provada a sua insusceptibilidade para a satisfação das necessidades dos Recorrentes e do seu agregado familiar, confirmou o uso de um juízo arbitrário ou intuitivo sobre a verificação do facto, e excluiu que a convicção adquirida se fizesse através de um processo racional, ponderado e maturado, alicerçado numa análise crítica dos diversos contributos carreados pelas provas globalmente produzidas. 62- Salvo o devido respeito, ainda que o Mmo. Juiz a quo não tivesse ponderado devidamente os documentos autênticos atrás referidos, não é concebível que não tenha refletido que deixou prescrito no texto da decisão recorrida, que o “Fog 2T, andar ou divisão com utilização independente, de tipologia T2, de 1 piso, com a área bruta privativa de 50,40 m2 e a área dependente de 43,80m2. 63- Bastava, assim, atentar na área que prescreveu (50,40m2), para concluir que a existir aquele espaço vago (o que não se concede) o mesmo era insuscetivel de preencher as condições adequadas para uma habitação minimamente condigna dos ora Recorrentes e do seu agregado familiar, ainda que o agregado familiar se cingisse apenas aos Recorrentes e ao filho que com eles vive em economia conjunta (facto assente na matéria de facto). 64- Portanto, o Tribunal a quo errou, de forma flagrante, no julgamento desta matéria de facto, devendo V. Excelências Venerandos Juízes Desembargadores, modificar esta matéria de facto dando como provado que o imóvel arrendado constitui uma só casa de habitação (também designada por moradia unifamiliar) em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente. 65- Ou, caso assim se não entenda (o que aqui apenas se admite como mera hipótese (que se não concede), declarar que o “Fog 2T, andar ou divisão com utilização independente, de tipologia T2, de 1 piso, com a área bruta privativa de 50,40 m2 e a área dependente de 43,80m2” é insuscetivel para a satisfação adequada das necessidades habitacionais dos Recorrentes e do seu agregado familiar. 66- E, assim sendo (como efetivamente é), não podia o Mmo. Juiz a quo deixar de julgar a ação procedente. Pugna pela revogação da decisão recorrida e que se decrete a cessação do arrendamento por denúncia para habitação própria dos recorrentes e do seu agregado familiar, com a condenação dos recorridos na entrega imediata do imóvel arrendado totalmente livre de pessoas e coisas e no pagamento de uma indemnização pelo incumprimento da sua obrigação, no montante de € 20,00, por cada dia de atraso, até efectiva entrega do arrendado. * Foram apresentadas contra-alegações.* O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.* Foram colhidos os vistos legais.Cumpre apreciar e decidir. * Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:A) Apurar se a sentença recorrida é nula por contradição entre a fundamentação e a decisão; B) Verificar se foi peticionada a reapreciação da prova no que concerne aos factos provados nº 31 e 32 e, no caso afirmativo, se ocorreu erro na sua fixação; C) Por fim, apurar se ocorreu erro de direito. * II – FundamentaçãoForam considerados provados os seguintes factos: 1.O autor tem inscrita em seu nome no registo predial a aquisição da propriedade do prédio urbano descrito na C.R.Predial de … sob o nº …/19920821 e inscrito na matriz predial sob o art. ...º, constando da descrição predial como sendo composto por casa de habitação com quintal, com a área coberta de 79,2m2 e a área descoberta de 759m2, sito no Lugar ..., da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão – Cfr. artigo 1.º da Petição Inicial. 2. Por escrito datado de 01/01/1989 M. I. e J. F. declararam que, a primeira “como senhorio” e o segundo “como inquilino”, “fazem o presente contrato de arrendamento” relativo a 5 divisões destinadas a habitação, no rés-do-chão nascente do prédio referido em 1 – Cfr. artigo 2.º da Petição Inicial. 3. O contrato referido em 2 foi celebrado pelo prazo de 1 (um) ano e seguintes, com início em 01/01/1989 e termo em 31/12/1989, prorrogando-se por iguais períodos, e nas mesmas condições, enquanto as partes não o denunciassem – Cfr. artigos 3.º e 4.º da Petição Inicial. 4. Ficou convencionada a renda anual de Esc. 78.000$00 (setenta e oito mil escudos) – Cfr. artigo 5.º da Petição Inicial. 5. E que a mesma deveria ser paga pelo réu a M. I. em duodécimos de 6.500$00 (seis mil e quinhentos escudos), até ao 1º (primeiro) dia útil do mês anterior a que respeitar – Cfr. artigo 6.º da Petição Inicial. 6. Por escritura pública outorgada em 19/11/2010, no Cartório Notarial da Drª O. L., na qual foi primeira outorgante a “Sociedade Agrícola X, Lda.” e foi segundo outorgante o autor, H. L., pela primeira foi declarado vender ao segundo, pelo preço se € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) o prédio referido em 1 – Cfr. artigo 1.º da Petição Inicial. 7. Por escrito datado de 26/09/2008 F. O. declarou dar “de arrendamento” ao autor, que declarou aceitar, a fracção “M”, correspondente ao terceiro andar esquerdo frente, destinado a habitação, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, nº .., freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, pelo prazo de cinco anos de duração limitada, pela renda mensal de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) – Cfr. artigo 8.º da Petição Inicial. 8. Os autores vivem no imóvel referido em 7 – Cfr., artigo 8.º da Petição Inicial. 9. O filho da autora, de nome B. D., solteiro, nascido em -/05/1986, vive no imóvel referido em 7 – Cfr. artigos 9.º e 23.º da Petição Inicial. 10. O filho do autor, de nome R. L., nascido em -/02/1980, casado com L. C., que se encontra ausente do País desde o final de Verão de 2019, pretende regressar a Portugal para aqui viver – Cfr. artigo 9.º da Petição Inicial. 11. A filha do autor, de nome M. L., solteira, nascida em -/01/1989, que vive e exerce a profissão de médica em Portimão, pretende regressar a Vila Nova de Famalicão para aqui viver, caso obtenha colocação profissional no Norte do País – Cfr. artigo 9.º da Petição Inicial. 12- Por cartas enviadas a cada um dos réus a 26/07/2018 o autor comunicou o seguinte: “ASSUNTO: Denúncia do contrato de arrendamento (celebrado ao abrigo do regime vinculístico) por iniciativa do Senhorio por necessidade de habitação pelo próprio (artº 1101º alínea a) do Cód. Civil). Exmº Srº Com o formalismo prescrito no artº 9º, nº 1. da Lei 6/2006, venho comunicar-lhe a denúncia de arrendamento, abaixo mencionado, por necessitar do arrendado para habitação própria, nos termos e com os fundamentos seguintes: 1º No dia 1 de Janeiro de 1989, foi celebrado com V.Exª um contrato de arrendamento ao abrigo do regime vinculístico, de um prédio urbano composto por casa térrea de habitação, com a área coberta de 79,20m2, com cinco divisões, sito na Avenida ..., nº ..., Lugar ..., da freguesia de ..., concelho de V.N. de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número .../199920821 e inscrito na matriz predial sob o artigo ..., cuja fotocópia se junta e o teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 2º Sendo que a renda anual é actualmente de € 688,20€, paga em duodécimos de 57,35€. 3º O denunciante é dono, legítimo possuidor e senhorio do referido (vide: cópia da certidão do registo predial e caderneta predial que se juntam). 4º Por necessidade do locado para habitação própria, ao abrigo do disposto no artº 1101º alínea a) do Cód. Civil (ex vi do artº2º e 3º da Lei nº 30/2018 de 16 de Julho, artºs 26º, 27º, 28º do NRAU na redação introduzida pela Lei 31/2012, de 14/08, e artº 107º do RAU DL 371-B/90), venho denunciar o contrato de arrendamento com antecedência de SEIS MESES sobre a data pretendida para a desocupação, ou seja, 31 de Janeiro de 2019. 5º Uma vez que não existem impedimentos legais ao exercício do direito de denúncia (ut retro, normativos citados), o Senhorio demonstra a verificação dos requisitos positivos que, em concreto, lhe permitem extinguir o contrato (artº 1102º do Cód. Civil): - É proprietário do imóvel arrendado desde 19 de Novembro de 2010 (cfr. certidão predial que adjunta); - Não tem há mais de um ano, na área do concelho de V.N. de Famalicão, para além do imóvel arrendado, casa própria que satisfaça as necessidades de habitação própria e de seu agregado familiar; - O seu agregado familiar é actualmente composto por esposa, 2 filhos e um enteado; - O Senhorio completou 68 anos de idade (nasceu em ..-07-1950). 6º O denunciante alega ainda requisito autónomo relativamente aos elementos constitutivos, previsto complementarmente pelo nº1 do artº 1103º do C. Civil: - O denunciante tem absoluta necessidade do arrendado para habitação própria, pois pretende ali fixar o seu domicílio, sendo certo que está m situação de carência material de habitação autónoma e adequada às suas necessidades e do seu agregado familiar. Aliás, o denunciante encontra-se a viver em imóvel arrendado, com contrato de arrendamento a termo certo, pelo qual paga a renda mensal de 250,00€. Acresce, que dois dos seus filhos solteiros que se encontravam ausentes, um do País e outro do concelho de ..., o primeiro por estar emigrado em Inglaterra e o segundo por estar a frequentar curso superior na Faculdade de Medicina de Coimbra, regressaram à casa de morada de família, ou seja, à casa onde reside o denunciante, o que obviamente tornou desadequado o arrendado para as necessidades do denunciante e do agregado familiar. Assevera ainda o denunciante, que este requisito essencial (ut retro alegado) se verifica no momento da presente denúncia. 7º Ocorrem, deste modo, os requisitos essenciais para a presente denúncia, pelo que deve V. Exª entregar ao denunciante no dia 31 de Janeiro de 2019 o imóvel arrendado, livre de pessoas e coisas, contra entrega pelo denunciante da indemnização fixada n.º 1 do art. 1102.º (um ano de renda), calculada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do nº2 do 35º do NRAU ex vi do artº 26º nº 4, alínea b) do mesmo diploma). 8º Assim, no acto da entrega do imóvel arrendado, livre de pessoas e coisas, o denunciante pagará a V.Exª a quantia indemnizatória prescrita nos normativos atrás citados (i.e., 1102º nº1 do C.Civil e nº2, alíneas a) e b) do artº 35º do NRAU). 9º No caso de V.Exª não cumprir a sua prestação, ou seja, não entregar o imóvel arrendado no dia 31 de Janeiro de 2019, o denunciante estabelece, desde já, o pagamento de uma indemnização pelo atraso no cumprimento da prestação, a título de cláusula penal, de 20,00€ por cada dia de atraso. 10º Nestes termos, o senhorio opera a denúncia do contrato de arrendamento celebrado com V.Exª (vide: ponto 1º desta carta notificação). 11º A presente notificação considera-se eficaz na data da assinatura do aviso de receção” - Cfr. artigos 10.º e 11.º da Petição Inicial. 13. O réu respondeu à comunicação referida em 12 através de carta enviada ao autor e datada 01/08/2018 com o seguinte teor: “Com os meus cumprimentos, acuso a recepção da sua carta datada de 26 de Julho de 2018, denunciando o contrato de arrendamento, agora com efeitos a partir de 31/01/19 e com outro fundamento (denuncia para habitação própria). Salvo o devido respeito, permita-me o desabafo: o Sr. teima em querer fazer “entrar pela janela o que não cabe pela porta”! Pois bem, tal como igualmente já lhe foi comunicado, discordo em absoluto dos fundamentos que Vª Exª invocou para denunciar o referido contrato, pelo que não lhe restará outra alternativa senão interpor a competente acção judicial com vista à discussão da denúncia em causa, nomeadamente fazer prova do que alega” - Cfr. artigos 12.º e 13.º da Petição Inicial. 14. Os réus continuaram, como ainda continuam, a usufruir do imóvel referido em 2 – Cfr. artigo 15.º da Petição Inicial. 15. O autor nasceu em -/07/1950 – Cfr. artigo 16.º da Petição Inicial. 16. A autora nasceu em -/06/1961 – Cfr., artigo 16.º da Petição Inicial. 17. O autor enviou, a cada um dos réus, cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 07/01/2019, com o seguinte teor: “Em 16 de Julho de 2018, por carta registada com aviso de recepção, recebida em 27/07/2018, notificava-o de que denunciava o contrato de arrendamento com a antecedência de SEIS MESES, sobre a data pretendida para a desocupação, ou seja, 31 de Janeiro de 2019, por necessidade e habitação própria. Mais a notificava de que não cumprindo a sua prestação, ou seja, não entregar o imóvel arrendado no dia 31 de Janeiro de 2019, o denunciante estabelecia, desde já, o pagamento de uma indemnização pelo atraso no cumprimento da prestação, a título de cláusula penal, de 21,00€ por cada dia de atraso. Nesta conformidade, serve a presente para lhe comunicar que deve entregar o arrendado, livre de pessoas e bens, até ao dia 31 de Janeiro de 2019, informando o senhorio o dia e hora em que o fará, altura em que receberá a indemnização estipulada por Lei (um ano de renda), ou seja, €688,20 (seiscentos e oitenta e oito euros e vinte cêntimos). Não o fazendo, no prazo estipulado, o senhorio intentará a competente acção judicial de despejo” - Cfr. artigo 17.º da Petição Inicial. 18. Na sequência do referido em 17 os réus não entregaram o imóvel referido em 2 – Cfr. artigo 18.º da Petição Inicial. 19. A autora não possuiu, há mais de um ano, na área de Vila Nova de Famalicão, qualquer casa própria – Cfr. artigo 23.º da Petição Inicial. 20. Por carta datada de 05/02/2013, o autor comunicou ao réu o seguinte: “Assunto:- Denúncia de contrato de arrendamento Conforme já comunicação oficiosa de 21/11/2012, venho pela presente informar que de acordo com Lei nº. 21/2012 de 14/08/2012, que procedeu à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil, o Código do Processo Civil e a Lei nº 6/06, de 27 de Fevereiro, nos termos do nº. 1, al. b) do artº. 1102º, do Código Civil, vou denunciar o contrato de arrendamento que mantínhamos nessa morada, por não ter casa própria que satisfaça as necessidades dos meus descendentes. Nesta conformidade, deverá no prazo de seis meses, a contar da data da recepção desta, entregar o arrendado livre de pessoas e bens, recebendo a quantia de €688,20 (seiscentos e oitenta e oito euros e vinte cêntimos), referente a um ano de rendas actuais (12x€57,35), importância indemnizatória a que tem direito por força da Lei em vigor, e que ficará a vossa disposição, no momento da entrega do locado” - Cfr. artigo 2.º da Contestação. 21. Em data não concretamente determinada, o autor teve o imóvel referido em 1 anunciado para venda – Cfr. artigo 3º da Contestação. 22. Por carta data de 04/04/2013, o autor comunicou ao réu o seguinte: “Verifico que após a saída do inquilino J. C., todos os anexos (barracos) se encontram abusivamente ocupados, eventualmente, por pertences seus, já que é o único ali residente. Assim, deverá, no prazo de 10 dias, a contar da recepção desta, ocupar, apenas, um anexo a que tem direito, deixando livre de pessoas e bens os restantes. Mais deverá, no mesmo prazo, deixar livre de pessoas e bens o acesso ao sótão, porque se trata de espaço comum e único acesso ao referido sótão. Não o fazendo dentro daquele prazo, agirei em conformidade com a Lei” - Cfr., artigo 4.º da Contestação. 23. Em 23/10/2013, o autor, através do então seu mandatário, enviou ao réu uma carta com o seguinte teor: “ASSUNTO: DESPEJO DO LOCAL ARRENDADO Exmº Senhor: Fui contactado pelo meu cliente acima identificado, solicitando-me que obtenha o despejo da casa que ocupa e que lhe esteve arrendada, nem que para tanto tenha de recorrer a Tribunal. Assim, e a fim de evitar o recurso a Tribunal, com todos os custos e incómodos que tal recurso implicará, venho convidá-lo a resolver o assunto extrajudicialmente. Para tanto poderá contactar-me no meu escritório, devendo, contudo, certificar-se previamente da minha presença através do telefone abaixo indicado. Ficando a aguardar, pelo prazo de 8 dias, o seu contacto, sou a apresentar os meus melhores cumprimentos” - Cfr. artigo 6.º da Contestação. 24. Em 05/11/2013, o autor enviou à ré uma carta com o seguinte teor, enviando carta idêntica ao réu: “Assunto: Denúncia do contrato de arrendamento. Exmª Senhora: Face à ineficácia da minha última comunicação, datada de 5 de Fevereiro de 2013, por insuficiência da informação devida nos termos da Lei, venho, novamente, nos termos do artigo 1103º do Código Civil, com a redacção da lei 31/2012, de 14 de Agosto, denunciar o contrato de arrendamento relativo ao prédio abaixo identificado, em que é arrendatária sendo eu senhorio, contrato esse que teve início no dia 1 de Janeiro de 1989. A presente denúncia do contrato de arrendamento é feita nos termos da alínea a) do artigo 1101º e das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 1102º, ambos do Código Civil, por se verificarem os respectivos pressupostos. Com efeito, o prédio que lhe está arrendado, e cujo contrato ora se denuncia, é parte de um prédio urbano composto por casa térrea de habitação, com 79,20m2, sito na Avenida ..., nº ..., Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... e inscrito na matriz urbana da freguesia de ... sob o artigo ... (cfr. doc’s nºs 1 e 2 que se juntam e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais). Tal prédio foi por mim adquirido no dia 19 de Novembro de 2010 por compra feita ao seu anterior proprietário M. S., conforme melhor consta da escritura pública de compra e venda nesse dia celebrada no Cartório Notarial de O. L. (cfr. doc. nº 3 que junto e dou por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) Por outro lado, não tem o senhorio, aqui signatário, há mais de um ano, no concelho de ..., onde se situa o prédio arrendado, nem em qualquer outro concelho, casa própria que satisfaça as necessidades de habitação do seu filho G. O., descendente, portanto, em 1º grau (cfr. doc. nº 4 que se junta e dá por reproduzido). Também este seu identificado filho não possui há mais de um ano, no concelho de V.N. de Famalicão, casa própria que satisfaça as suas próprias necessidades de habitação. Esta necessidade de habitação por parte do meu filho resulta do facto deste se ter divorciado no passo dia 23 de Julho de 2013 e em consequência ter deixado a casa que foi de morada de família (por o ex-cônjuge ter ficado a viver nela), passando a habitar em condições precárias, e por mero favor, na casa onde habita a sua mãe, L. L., e a sua irmã, solteira, maior, sita na Urbanização do …, da freguesia de … do concelho de V.N. de Famalicão (cfr. doc. n.º 4). Por outro lado, é certo que o meu identificado filho pretende continuar a residir em V.N. de Famalicão, pois aqui reside também a sua filha, ainda menor, conjuntamente com a sua mãe na Praceta …, da freguesia e concelho de V.N. de Famalicão. Ademais, trabalha no concelho de ..., numa empresa de Segurança, situação profissional que igualmente pretende manter. Deste modo, decorridos seis meses após a recepção da presente comunicação (cfr. artigo 1103º, nº 1 do Código Civil) deverá desocupar o local arrendado e entregar-mo livre de pessoas e bens. No momento da entrega do locado ser-lhe-á paga a indemnização devida pela denúncia, correspondente a um ano de renda, simuladamente corrigida segundo o critério previsto no nº 2 do artigo 35º da Lei nº 6/2006 (correspondente a 1/15 do valor do locado” - Cfr. artigo 8.º da Contestação. 25. Em 19/03/2014 o autor enviou ao réu uma carta com o seguinte teor: “Assunto: Revogação de denúncia de contrato de arrendamento. Alteração do valor da renda. Exmoº Senhor: Conforme estará certamente recordado, por carta datada de 5 de Novembro de 2013, denunciei o contrato de arrendamento relativo a parte de um prédio urbano composto por casa térrea de habitação, com 79,20m2, sito na Avenida ..., nº ..., Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de V.N. de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de V.N. de Famalicão sob o número ... e inscrito na matriz urbana da freguesia de ... sob o artigo .... Acontece que decorridos mais de 4 meses desde que lhe enviei a carta acima referida, as circunstâncias relativas ao meu filho, G. O., relatadas na mesma, alteraram-se de tal modo que, presentemente já não necessito da parte da casa que ocupa por força do contrato de arrendamento em vigor. Deste modo, venho revogar a declaração de denúncia anteriormente comunicada podendo, se assim o desejar, continuar a habitar a casa que lhe está arrendada. Neste caso, porém, o valor da renda, o tipo e a duração do contrato deverão ser actualizados, conforme permite a lei. Assim, na qualidade de senhorio do prédio acima identificado, de que V.Exa. é arrendatário, venho pela presente comunicar-lhe a iniciativa da actualização da renda, ao abrigo do disposto no artigo 30º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, com a redacção da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, bem como o tipo e duração do contrato de arrendamento. Deste modo, venho comunicar que a renda mensal será actualizada para € 92,23 (noventa e dois euros e trinta e três cêntimos) e que o contrato de arrendamento é considerado celebrado a prazo e pelo período de cinco anos. A nova renda é devida a partir do 1º dia do 2º mês seguinte ao da recepção da resposta à presente comunicação, se optar por responder” - Cfr. artigo 9.º da Contestação. 26. Em 11/04/2014 o réu enviou ao autor uma carta com o seguinte teor: “Acuso a recepção de sua carta, com data de 19 de Março de 2014, na qualidade de senhorio, da casa que me está arrendada, situada na Avenida ... n.º ..., ..., onde me comunicou ser sua intenção que o referido contrato transite para o regime do NRAU e passe a ser do tipo “contrato a termo com a duração de cinco anos”, com novo valor de renda mensal de 92,33€. Nos termos e para os efeitos previstos no art.º 35º da Lei nº 6/2006, 27 de Fevereiro, doravante abreviadamente designada por NRAU, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto, cumpre-me informá-lo, que o meu agregado familiar tem um rendimento anual bruto corrigido (RANB) inferior a cinco RMNA. No entanto, e uma vez que o Serviço de Finanças ainda não emitiu a declaração comprovativa de tal situação, junto remeto em anexo, documento comprovativo do pedido de tal certidão – doc. 1. Por esse mesmo motivo, entendo que a renda não me pode ser aumentada, uma vez que se torna impossível determinar o valor da renda, nos moldes descritos no art.º 35º n.º 2 al. c) da citada Lei. Logo que a certidão seja emitida, farei chegá-la ao poder de Vª Exª.” - Cfr. artigo 10.º da Contestação. 27. Por carta datada de 16/06/2014, o réu remeteu ao autor certidão emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 14/05/2014, declarando que, no ano fiscal de 2013, o Rendimento Anual Bruto Corrigido do seu agregado familiar é inferior a 5 Retribuições Mínimas Nacionais Anuais – Cfr. artigo 10.º da Contestação. 28. Em 20/02/2018, o autor enviou a cada um dos réus uma carta com o seguinte teor: “Como é do seu conhecimento, em 19 de Março de 2014 foi por si recepcionada uma comunicação minha onde, além do mais, o informava de que o contrato de arrendamento seria celebrado a prazo e pelo período de cinco anos, não se opondo a tal, conforme carta registada com aviso de recepção de 11 de Abril de 2014, que me dirigiu, onde expressamente, o referia. Nesta conformidade, o referido contrato de arrendamento teve início em 19 de Março de 2014 e termo em 18 de Março de 2019, Assim, e com a antecedência de mais de um ano, comunico que não pretendo renovar o contrato de arrendamento, acima referido, pelo que me deve ser entregue o arrendado, livre de pessoas e bens, até ao dia 18 de Março de 2019” - Cfr., artigo 11.º da Contestação. 29. À carta referida em 28 respondeu o réu, enviando ao autor uma carta, datada de 04/07/2018, com o seguinte teor: “Com os meus cumprimentos, acuso a recepção da sua carta datada de 20 de Fevereiro de 2018, denunciando o contrato de arrendamento com efeitos a partir de 18/03/2019. Salvo o devido respeito, Vª EXª está a partir de uma premissa errada que inquina todo o seu raciocínio; senão vejamos: Segundo o art.º 35º n.º 1 do NRAU o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de cinco anos a contar da recepção pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos da al. a) do nº 4 do art.º 31º. Ora, como Vª Exª deve estar lembrado, por carta datada de 16 de Junho de 2014, enviei-lhe documento comprovativo de que o meu agregado familiar tinha e tem um rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a cinco RMNA, pelo que a actualização de renda pretendida não foi possível e como tal o valor da renda terá de se manter até Junho de 2019, data a partir da qual o contrato ficará submetido NRAU. Consequentemente, o prazo de 5 anos que refere na sua carta só começa a contar a partir dessa data, pelo que inexiste fundamento para a denúncia do contrato na data em que refere” - Cfr. artigo 12.º da Contestação. 30. Os réus mantêm-se no imóvel referido em 2 há 30 anos – Cfr., artigo 19.º da Contestação. 31. Consta da certidão matricial actualizada do prédio referido em 1 que o mesmo é constituído por: - Fog. 1F, andar ou divisão com utilização independente, de tipologia T2, de 1 piso, com a área bruta privativa de 50,4000m2 e a área bruta dependente de 60,3000m2; - Fog. 2T, andar ou divisão com utilização independente, de tipologia T2, de 1 piso, com a área bruta privativa de 50,4000m2 e a área bruta dependente de 43,8000m2 - Cfr., artigos 34.º e 35.º da Contestação. 32. Um dos andares ou divisões com utilização independente referidos em 31 encontra-se devoluto, correspondendo o outro ao imóvel referido em 2 – Cfr. artigo 35.º da Contestação. 33. O autor não possui, para além da referida em 32, outra casa própria, há mais de um ano, na área de Vila Nova de Famalicão – Cfr. artigo 23.º da Petição Inicial. * Não se provou:- Que tenha ficado convencionada a renda anual de 688,29€ (seiscentos e oitenta e oito euros e vinte cêntimos) – Cfr. artigo 5.º da Petição Inicial; - Que dois dos filhos dos autores (que se encontravam ausentes, um do país e outro do concelho de Vila Nova de Famalicão) regressaram à casa de morada de família – Cfr. artigo 9.º da Petição Inicial, do qual apenas se provou o que consta dos pontos 9, 10 e 11 dos Factos Provados; - Que o autor não possui, há mais de um ano, na área de Vila Nova de Famalicão, casa própria, e que o agregado familiar é actualmente composto pelos Autores e três (3) filhos – Cfr. artigo 23.º da Petição Inicial, do qual apenas se provou o que consta dos pontos 8, 9, 19 e 33 dos Factos Provados; - Que fosse falsa a afirmação constante da carta datada de 5 de Fevereiro de 2013 e que, naquela data, o autor até tinha o arredado para venda – Cfr. artigo 3.º da Contestação, do qual apenas se provou o que consta do ponto 21 dos Factos Provados; - Que, visto que os réus não cumpriram o ordenado, o autor, em Agosto de 2013 decidiu invadir o arrendado e, sem qualquer conhecimento ou consentimento daqueles, retirou do anexo aí existente, inúmeros pertences, pelo que os réus se viram na obrigação de reagir – Cfr. artigo 5.º da Contestação; - Que, à carta de 23 de Outubro de 2013, tenha respondido a mandatária do réu – Cfr. artigo 7.º da Contestação; - Que a dependência do arrendado que os réus consideram o fogo 2T não tem licença de utilização nem pode ser habitado de forma independente – Cfr. artigo 47.º do articulado de fls. 77; - Que aquela dependência apenas tem duas divisões e que não tem uma divisão capaz de funcionar como cozinha – Cfr. artigo 48.º do articulado de fls. 77. * A) Nulidade da sentença recorridaOs apelantes referem que, entre a matéria de facto dada como prova sob os nº 1 a 19 e 33 e respectiva fundamentação de facto e a decisão existe uma contradição insanável uma vez que aquela matéria conduz à procedência da acção. Os apelados pronunciaram-se no sentido do Tribunal não estar sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Vejamos. Dispõe o art. 615º nº 1 c) do C.P.C.: É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (…) Esta nulidade remete para o princípio da coerência lógica da sentença uma vez que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, i.e., a decisão proferida não pode seguir um caminho diverso daquele que apontava a linha de raciocínio plasmado nos fundamentos. Tem-se entendido que esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação de fundamentação da decisão prevista nos art. 154º e 607º nº 3 do C.P.C. e, por outro, pelo facto da sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor). Neste sentido, entre outros, Ac. da R.L. de 09/07/2014 (Pedro Brighton), in www.dgsi.pt. Situação distinta é erro de julgamento (error in judicando), quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer quanto à determinação e interpretação da norma jurídica aplicável. No caso em apreço, inexiste qualquer contradição entre os factos provados sob os nº 1 a 19 e 33 e/ou sua fundamentação e a decisão de improcedência da acção. Com efeito, os apelantes olvidam que, em face da matéria de facto provada, há sempre que aplicar o direito e que, nos termos do art. 5º nº 3 do C.P.C., o juiz não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Naturalmente que o facto dos autores entenderem que determinada matéria por si alegada, a provar-se, conduz à procedência da acção, não invalida que o julgador entenda de outro modo e que o justifique. Em caso de discordância das partes acerca da matéria de facto dada como provada e/ou subsunção jurídica podem aquelas interpor recurso invocando erro de julgamento (e não suscitando a nulidade da sentença). Também não existe qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Pelo exposto, não se verifica a suscitada nulidade. * B) Reapreciação da matéria de factoOs apelantes não autonomizaram nas suas alegações e/ou conclusões de recurso o propósito de ver reapreciada a matéria de facto, contudo das mesmas resulta que o pretendem. Com efeito, se atentarmos no referido nas conclusões nº 2 e 3 verificamos que aí referem como matéria relevante apenas os factos provados sob os nº 1 a 19 e 33 e, quanto a esta matéria, consideram que a mesma não foi “mal julgada”. No ponto 8 dizem que merece o seu acordo a síntese referente à prova testemunhal (aparentemente só esta). Acresce que na conclusão nº 60, referindo-se aos factos provados sob os nº 31 e 32, dizem: “(…) o Tribunal a quo não valorizou corretamente os documentos autênticos juntos aos autos, designadamente, a certidão de registo Predial e a caderneta predial ut retro referenciadas, ocorrendo um erro notório de apreciação da prova documental”. E nas conclusões nº 64 e 65 lê-se: “(…) o Tribunal a quo errou, de forma flagrante, no julgamento desta matéria de facto, devendo V. Excelências Venerandos Juízes Desembargadores, modificar esta matéria de facto dando como provado que o imóvel arrendado constitui uma só casa de habitação (também designada por moradia unifamiliar) em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente” e “Ou, caso assim se não entenda (o que aqui apenas se admite como mera hipótese (que se não concede), declarar que o “Fog 2T, andar ou divisão com utilização independente, de tipologia T2, de 1 piso, com a área bruta privativa de 50,40 m2 e a área dependente de 43,80m2” é insuscetivel para a satisfação adequada das necessidades habitacionais dos Recorrentes e do seu agregado familiar”. Assim sendo, vejamos. O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação, “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.). Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência. A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância. Contudo, o recorrente deve cumprir os ónus previstos na lei processual. Dispõe o art. 640º do C.P.C.: 1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2– No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a)Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…). No caso em apreço verificamos o seguinte: - como referimos supra, das conclusões de recurso acima referidas, resulta a clara discordância acerca da matéria de facto constante sob os nº 31 e 32. É verdade que não indicam expressamente esta numeração, mas, atento o referido, não há dúvidas que é a esta a matéria que aludem, o que consideramos suficiente. Assim, foi dado cumprimento ao disposto no art. 640º nº 1 a) do C.P.C.; - os apelantes indicam os meios probatórios que, no seu entender, levam a conclusões diferentes, a saber, a conjugação da certidão de registo predial com a caderneta predial, assim dando cumprimento ao disposto no art. 640º nº 1 b) do C.P.C.; - por fim, indicam qual a decisão que, seu entender, deve ser proferida dando, deste modo, cumprimento ao disposto no art. 640º nº 1 c) do C.P.C.. Assim sendo, não havendo fundamento de rejeição, procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe, assim, a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas. Tendo por base estas considerações importa analisar os factos acerca dos quais os apelantes discordam. É de manter o facto provado nº 31 uma vez que o mesmo remete para a certidão da caderneta matricial actualizada da qual consta tal teor. Nos autos mostram-se juntas várias certidões: - da caderneta predial obtida em 23/12/2010 referente ao prédio inscrito sob o artigo ...º onde, em tipo de prédio, consta “Prédio em Prop. Total sem Andares nem Div. Susc. de Utilização Independente”, descrito “Casa térrea de habitação com 5 divisões”, com superfície coberta de 79,20 m2 e quinta com 759m2 (doc. 2 com p.i.); - da caderneta predial obtida em 04/11/2013 (junta como doc. 9 com a contestação), em tipo de prédio, consta como “em Propriedade Total com Andares ou Div. Susc. De Utiliz. Independente”, com a mesma descrição, consta como nº de pisos: 2, o FOG1F como andar ou divisão com utilização independente, de tipologia T2, de 1 piso, e área bruta privativa de 50,40m2 e área bruta dependente de 60,30 m2, e FOG2T como andar ou divisão com utilização independente, com tipologia T2, de 1 piso, com área bruta privativa de 50,40m2 e área bruta dependente de 43,80; - da caderneta predial obtida em 18/03/2014 (junta como doc. 12 com a contestação) com o mesmo teor; - com data de 25/01/2019 certifica-se que consta do sistema de informação do IMI que o indivíduo com o NIF ……… (o autor, cfr. cópia de cartão de cidadão junto como doc. 7 com p.i.) é proprietário de duas fracções designadas como FOG1F e FOG 2T inscritas sob o art. ...º; - da caderneta predial obtida em 11/03/2019 (junta como doc. 17 com a contestação) com o mesmo teor. É de manter igualmente o referido sob o facto provado nº 32 que, por um lado, ao referir-se aos andares ou divisões com utilização independente, remete para o nº 31, e, por outro, atende ao depoimento das testemunhas J. C. e M. C., anteriores inquilinos da mesma casa, que afirmaram que esta está dividida em três, sendo que a parte que aqui importa foi dividida em duas com uma parede sem portas, tendo as testemunhas ocupado uma dessas partes, havendo uma entrada comum que partilhavam com os aqui réus. Saber se a referida “fracção” do prédio devoluta permite satisfazer as alegadas necessidades habitacionais dos autores é assunto para abordar infra. * C) Subsunção jurídicaVejamos agora se deve ser procedente a pretensão dos autores de ver denunciado o contrato de arrendamento em causa por necessitarem do arrendado para a sua habitação e respectivo agregado familiar. O contrato de arrendamento foi celebrado em 1989 entre a anterior senhoria, M. I., e o réu marido (art. 1022º, 1023º, 1027º, 1031º, 1038º, 1057º do C.C.). Encontramo-nos perante um arrendamento anterior ao Regime de Arrendamento Urbano (R.A.U.) aprovado pelo Dec.-Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro, diploma que entrou em vigor em 15/11/1990. 1. Para determinar o regime jurídico que lhe é aplicável há que recorrer aos art. 27º e 28º do Novo Regime de Arrendamento Urbano (N.R.A.U.), aprovado pela Lei nº 6/2006 de 27/02, referentes ao “Contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU” e art. 59º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Aplicação no tempo”, dispõe: “O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.” (nº 1) e “3 - As normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável.”. a) O art. 28º, na redacção originária, determinava que se aplicasse, “com as devidas adaptações, o previsto no artigo 26.º”. Este art. 26º preceituava: 1 - Os contratos celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU) (…) passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes. (…) 4 - Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades: a) Continua a aplicar-se o artigo 107.º do RAU; b) O montante previsto no n.º 1 do artigo 1102.º do Código Civil não pode ser inferior a um ano de renda, calculada nos termos dos artigos 30.º e 31.º; c) Não se aplica a alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil. (…)” O art. 107º do RAU dispunha que o direito de denuncia facultado ao senhorio nos termos do art. 69º nº 1 não podia ser exercido quando no momento em que deva produzir efeitos o arrendatário tenha 65 ou mais anos, etc (a)) ou se mantenha no arrendado há 30 ou mais anos nessa qualidade (b)). O art. 1101º do C.C., na redacção vigente nesse momento, dispunha: O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes: (…) c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação. b) Na redacção introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto o art. 28º preceitua: 1 - Aos contratos a que se refere o artigo anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 26.º, com as especificidades constantes dos números seguintes e dos artigos 30.º a 37.º e 50.º a 54.º 2 - Aos contratos referidos no número anterior não se aplica o disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil. (…) 5 - Se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %, a invocação do disposto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil obriga o senhorio, na falta de acordo entre as partes, a garantir o realojamento do arrendatário em condições análogas às que este já detinha, quer quanto ao local quer quanto ao valor da renda e encargos. O art. 26º passou a ter a seguinte redacção: 1 - Os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), (…) passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes. (…) 4 - Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades: a) Continua a aplicar-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU; b) Para efeitos das indemnizações previstas no n.º 1 do artigo 1102.º e na alínea a) do n.º 6 e no n.º 9 do artigo 1103.º do Código Civil, a renda é calculada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da presente lei; c) O disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %. (…)” Dispunha o art. 107º n 1 do RAU: 1 - O direito de denúncia do contrato de arrendamento, facultado ao senhorio pela alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º, não pode ser exercido quando no momento em que deva produzir efeitos ocorra alguma das seguintes circunstâncias: a) Ter o arrendatário 65 ou mais anos de idade ou, independentemente desta, se encontre na situação de reforma por invalidez absoluta, ou, não beneficiando de pensão de invalidez, sofra de incapacidade total para o trabalho; b) Manter-se o arrendatário no local arrendado há 30 ou mais anos, nessa qualidade. (…). O art. 1101º do C.C. preceituava: O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes: a) Necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau; (…) c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a dois anos sobre a data em que pretenda a cessação. E o art. 1102º do C.C.: 1. O direito de denúncia para habitação do senhorio depende do pagamento do montante equivalente a um ano de renda e da verificação dos seguintes requisitos: a) Ser o senhorio proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio há mais de dois anos ou, independentemente deste prazo, se o tiver adquirido por sucessão; b) Não ter o senhorio, há mais de um ano, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do País casa própria que satisfaça as necessidades de habitação própria ou dos seus descendentes em 1.º grau. (…) 3 - O direito de denúncia para habitação do descendente está sujeito à verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 relativamente ao senhorio e do da alínea b) do mesmo número para o descendente. c) Estas redacções não foram alteradas pela Lei nº 79/2014 de 19 de Dezembro. d) Com a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro a redacção do art. 28º passou a ser: 1 - Aos contratos a que se refere o artigo anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 26.º, com as especificidades constantes dos números seguintes e dos artigos 30.º a 37.º e 50.º a 54.º 2 - Aos contratos referidos no número anterior não se aplica o disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil. (…) 5 - (Revogado.) O art. 26º manteve a redacção. * Ao caso em apreço aplica-se o regime supra referido e constante da al. b).* 2.Nos termos do art. 1101º a) do C.C., o senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada em caso de necessidade de habitação pelo próprio – denúncia justificada. São os seguintes os requisitos deste direito: - requisito geral previsto no art. 1101 a) do C.C.: necessidade do prédio para habitação própria do senhorio e ou pelos seus descendentes em 1.º grau. Discutiu-se se esta “necessidade” é um pressuposto que resulta do preenchimento das duas condições previstas no art. 1102º nº 1 do C.C. ou se é um requisito autónomo. Actualmente a jurisprudência pacífica defende a existência deste requisito autónomo. Neste sentido vide, entre outros, o Ac. do S.T.J. de 21/03/2012 (Lopes do Rego), onde se lê: “1. A necessidade do arrendado para habitação própria do denunciante, nos termos da alínea a) do nº1 do art. 69º do RAU, deve perspectivar-se como facto essencial e nuclear da causa de pedir invocada, envolvendo alegação de um requisito autónomo relativamente aos elementos, também constitutivos, previstos complementarmente no art. 71º, nº1, do RAU: tal facto essencial será densificado através da alegação de factos concretizadores, que revelem a intenção séria de o senhorio fixar residência no local onde se situa o prédio e a consequente situação de carência material de habitação autónoma e adequada às necessidades do denunciante. 2. Este requisito essencial deve verificar-se no momento da propositura da acção e – quando muito – subsistir na data em que, nos termos do art. 70º do RAU, opera tal denúncia, para o fim do prazo do contrato (…)”. Com efeito, pode haver situações em que se mostram preenchidos os requisitos previstos no art. 1102º nº 1 do C.C. e o senhorio não necessite do arrendado para sua habitação ou para habitação de um filho. A necessidade de habitação é o fundamento em que se baseia a denúncia e traduz-se num “estado de carência económico-material”, “um facto-conclusão” que resulta de outros factos que tem de ser alegados e provados – Pinto Furtado, in Manual de Arrendamento Urbano, Vol. II, 4 ed. actual., Almedina, p. 946. No Ac. do S.T.J. de 06/07/2004 (Araújo de Barros) lê-se: “(…) 2. A necessidade de habitação tem que ser real, séria, actual ou futura, não eventual mas iminente, traduzida em razões ponderosas, não se confundindo com uma maior comodidade, e deve corresponder a uma intenção séria de no locado fixar residência, devendo ser apreciada objectivamente em função das condições, vida, interesses e carências do senhorio, sob pena de se poder transformar em mero pretexto para obter uma desocupação. 3. Ocorre essa necessidade quando o estado de carência seja objectivamente motivado por um condicionalismo que, segundo a experiência comum, determinaria a generalidade das pessoas que nela se encontrassem a precisar do arrendado para sua habitação.” O aqui referido é transponível para o regime actualmente em vigor atenta a similitude do texto legal. “Necessitar do prédio é precisar dele, precisão que há-de traduzir-se na sua imprescindibilidade e que deve representar um estado de carência actual conexionado com a situação concreta que existia quando o contrato foi celebrado”, “A necessidade de casa tem de ser séria e actual, mas também poderá ser futura, desde que séria e comprovada, mas sempre posterior à celebração do contrato” – Aragão Seia, in Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado, 3 Ed., Almedina, p. 384, 385. - requisitos delimitativos previstos no art. 1102º n 1 do C.C.: a) Ser o senhorio proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio há mais de dois anos ou, independentemente deste prazo, se o tiver adquirido por sucessão (com a Lei nº 31/2012, de 14/08 ocorreu uma redução daquele período temporal de cinco para dois anos); b) Não ter o senhorio, há mais de um ano, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respectivo concelho quanto ao resto do País casa própria que satisfaça as necessidades de habitação própria ou dos seus descendentes em 1.º grau (com a Lei nº 31/2012, de 14/08 desapareceu a menção a casa arrendada que satisfaça as necessidades de habitação própria ou dos seus descendentes em 1º grau – Nos termos do art. 1 b) daquele diploma pretendeu o legislador reforçar a negociação entre as partes e facilitar a transição dos referidos contratos para o novo regime num curto espaço de tempo). “(…) não se reveste de um grande rigor de linguagem o passo casa própria devendo ser entendido, como geralmente o tem sido, num sentido amplo, que não aterá unicamente à casa quanto à qual se tem um direito de propriedade” – Pinto Furtado, ob. cit., p. 934. As necessidades em causa reportam-se ao respectivo agregado familiar cujo conceito está previsto no art. 1040º nº 3 do C.C., nos termos do qual “Consideram-se familiares os parentes, afins ou serviçais que vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação com o locatário ou o locador”. “Equivale a não ter casa tê-la insuficiente para as necessidades do respectivo agregado familiar” – Aragão Seia, ob. cit., p. 387. - requisito indemnizatório: A cessação do contrato está dependente do pagamento pelo senhorio ao arrendatário de um montante indemnizatório previsto no art. 1101º nº 1 do C.C.. - “requisitos negativos” previstos no art. 107º do R.A.U.: a) Ter o arrendatário 65 ou mais anos de idade no momento em que deva produzir efeitos a denúncia ou, independentemente desta, se encontre na situação de reforma por invalidez absoluta, ou, não beneficiando de pensão de invalidez, sofra de incapacidade total para o trabalho; b) Manter-se o arrendatário no local arrendado há 30 ou mais anos, nessa qualidade no momento em que deva produzir efeitos a denúncia – este requisito não resulta do art. 26º nº 4 a) do N.R.A.U., contudo o Tribunal Constitucional já julgou inconstitucional a alteração introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto neste preceito por entender que ofende o direito do arrendatário à permanência no local arrendado quando aí se tenha mantido por um período superior a trinta anos integralmente transcorrido à data da entrada em vigor daquela lei, por violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança – cfr. Ac. do T.C. nº 297/2015 (João Pedro Caupers), nº 360/2015 (Fernando Ventura), nº 293/2017 (Joana Fernandes Costa) in www.tribunalconstitucional.pt. * Revertendo ao caso em apreço verificamos que o autor é proprietário há mais de dois anos do prédio urbano sito na Av. ..., nº ..., …, ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na C.R. Predial desta cidade sob o nº .../19920821 e inscrito na matriz sob o art. ...º.E não tem, há mais de um ano, na área do concelho de Vila Nova de Famalicão, casa própria que satisfaça as necessidades de sua habitação e respectivo agregado familiar (que é constituído pela mulher e pelo enteado B. D., pessoas que vivem consigo, pois, quanto aos filhos R. L. e M. L. apurou-se que os mesmos têm uma vida autónoma, o primeiro trabalha fora do país e a segunda exerce a profissão de médica em Portimão). Desde logo, contrariamente ao referido na decisão recorrida, entendemos que o facto de se ter provado que uma parte do prédio em questão foi dada de arrendamento e que presentemente se mostrar devoluta não permite concluir pela não verificação do requisito previsto no art. 1101º b) do C.C.. Ora, nos termos do art. 204º nº 2 do C.C., o prédio urbano é definido como “(…) qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”. Mas, como refere o Ac. R.P. de 02/04/81, in C.J., Ano IV, 2, 103 e ss “o que é um prédio urbano face a outro, ou, noutra perspectiva, se num certo conjunto urbano é possível distinguir vários prédios urbanos e não apenas partes de um só prédio, embora com independência económica e funcional entre si. E nenhuma outra disposição da lei civil nos vem esclarecer sobre o que seja, na verdade, quantitativamente um prédio urbano.” A jurisprudência defende que “A classificação da natureza do prédio provinda da descrição predial, assim como inscrição matricial é indiferente para efeitos da qualificação civil, se bem que quer da descrição predial, quer da inscrição matricial, podem resultar elementos de facto úteis, para o julgador, no que toca ao conhecimento das realidades prediais que lhe cumpre qualificar” e que “A lei civil – artigo 204º do Código Civil (…) distingue um prédio rústico de um prédio urbano com base numa avaliação casuística, tendo subjacente um critério de destinação ou afectação económica.” - Ac. S.T.J. de 03/11/2011 (Oliveira Vasconcelos). In casu da prova produzida retiramos que nos encontramos perante uma “vivenda”, um único prédio urbano, um prédio em propriedade total, prédio este que, a dada altura, foi fisicamente dividido em dois através da construção de uma parede (não consta que esta obra tenha sido autorizada pela Câmara Municipal, nem se vislumbra que o pudesse ser), divisão esta apenas com o objectivo de dar de arrendamento ambos os espaços. E foi a existência de dois contratos de arrendamento que conduziu o senhorio à declaração nas Finanças que se tratavam de dois “andar ou divisão com utilização independente” (afirmação que estas não tinham que verificar ser conforme à verdade e à lei atenta a “lógica tributária”). Um prédio urbano apenas pode ser fraccionado em “unidades independentes”, “distintas e isoladas entre si”, “com saída própria para uma parte comum ou para a via pública”, unidades devidamente vistoriadas e licenciadas pela Camara Municipal, constituindo uma propriedade horizontal nos termos do art. 1414º a 1419º do C.C.. Ainda que assim não fosse, uma vez que não se apurou a composição do “fogo” que se mostra devoluto, designadamente se tem cozinha, mas apurou-se que terá uma área bruta privativa de 50,40 m2 e uma área bruta dependente de 43,80m2, podemos concluir que esse espaço não é susceptível de satisfazer as necessidades habitacionais de três adultos, sendo dois um casal. Acresce que, do facto do senhorio viver em casa arrendada mediante contrato a termo certo, não se pode inferir, de modo algum, uma automática necessidade do locado para a habitação. Como deixámos dito supra importa a prova do requisito autónomo referente à efectiva necessidade do locado para habitação, sendo certo que incumbia ao autor e senhorio alegar factos de onde se retirasse a mesma. Se atentarmos na petição inicial os autores alegaram apenas que “(…) as necessidades dos Autores e do seu agregado familiar sofreram alterações inesperadas” (7º), “Dois dos filhos dos Autores (que se encontravam ausentes, um do país e outro do concelho de Vila Nova de Famalicão) regressaram à casa de morada de família, tornando, óbvia e compreensivelmente, desapropriado e inadequado para habitação aquele imóvel.” (9º) e que por isso “comunicaram aos Réus a sua intenção de denunciar o contrato de arrendamento que haviam celebrado entre si” (11º) remetendo para os doc. 4 e 5 juntos (cartas datadas de 26/07/2018, as quais não aludem a outros factos). No mais, limita-se a afirmar em termos pouco mais que genéricos de que necessitam do arrendado para aí viver. Contudo, não lograram provar o alegado, mais concretamente que tivesse ocorrido a referida alteração familiar com o regresso a casa de dois filhos, que o agregado familiar tivesse passado a ser composto pelo casal e três filhos e que pretendiam fixar residência no locado (inclusive apurou-se que, em data não concretamente determinada, o autor chegou a pôr o locado à venda). Dos factos também não resulta, de modo algum, que os filhos do autor R. L. e M. L. vivam em economia conjunta com os autores, até porque ambos trabalham. Assim sendo, apreciados objectivamente os factos provados, dos mesmos não resultam razões ponderosas das quais se retire a invocada carência material de habitação autónoma e adequada às necessidades do denunciante e respectivo agregado familiar, i.e., a necessidade do arrendado para habitação. Ainda que assim não fosse, não pode o arrendatário e réu alegar o facto impeditivo previsto no art. 107º b) do RAU aplicável por força do art. 26º nº 4 a) do N.R.A.U. numa interpretação em conformidade com a Constituição na medida em que, na data da entrada em vigor da Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto, i.e., 14/11/2012, não tinha ainda transcorrido 30 anos de permanência no locado. Pelo exposto, a apelação improcede. * As custas da apelação são da responsabilidade dos autores apelantes (art. 527º, nº 1 do C.P.C.).* Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:I – À denúncia judicial de um contrato de arrendamento celebrado em 01/01/1989 aplica-se o regime jurídico previsto nos art. 28º, 26º nº 1, 4 a) da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, que aprovou o Novo Regime de Arrendamento Urbano (N.R.A.U.), 1101º a), 1102º nº 1 a), b), nº 3, 107º nº 1 do Regime de Arrendamento Urbano (R.A.U.). II – Aos requisitos previstos no art. 1102º nº 1 do C.C., referentes à denúncia de um contrato de arrendamento de duração indeterminada pelo senhorio por necessidade de habitação para si, acresce, como requisito autónomo, a necessidade real e séria de habitação, conclusão a retirar de factos alegados e provados. III – Este direito de denúncia não pode ser exercido quando, no momento em que deva produzir efeitos, ocorra alguma das seguintes circunstâncias previstas no art. 107º nº 1 do R.A.U.. * III – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e consequentemente confirmam a decisão recorrida. Custas pelos apelantes. ** Guimarães, 29/10/2020 Relatora: Margarida Almeida Fernandes Adjuntos: Margarida Sousa Afonso Cabral de Andrade |