| Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | MARIA LEONOR BARROSO | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO LESÕES/SEQUELAS DUPLO NEXO DE CAUSALIDADE | ||
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| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 05/25/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
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| Sumário: | Não tendo a seguradora aceite na tentativa de conciliação a incapacidade permanente atribuída à sinistrada, os peritos da junta médica que analisarem a questão da natureza e grau de incapacidade não estão limitados no seu juízo pericial, excepto no que se refere aos factos acordados, onde não se incluem os juízos técnicos. Não se apurou que da lesão sofrida pela sinistrada (traumatismo, luxação/pequena fractura no osso do nariz) resultasse qualquer sequela causadora de incapacidade permanente para o trabalho. | ||
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| Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO AUTORA - AA. RÉ - C... S.A – Companhia de Seguros R... SA. Os autos de acção especial emergente de acidente de trabalho prosseguiram para a fase contenciosa porque a seguradora, embora aceitando a ocorrência de acidente de trabalho, conforme consta do auto de não conciliação, não aceitou os períodos de IT´s, nem a data da alta, nem o coeficiente de IPP atribuído, nem as despesas de transportes reclamadas. PEDIDO - foi apresentada petição inicial apresentando-se os seguintes pedidos: a) Ser a R. Condenada a pagar á A. uma pensão anual e vitalícia de 1.234,14 euros, com início na data da alta, obrigatoriamente remível: b) Ser a R. condenada a pagar a. a quantia de 1.393,97 euros devida de indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias; c) Ser a R. condenada a pagar à A. o montante de 385,00 euros em virtude de deslocações obrigatórias para tratamentos médicos; d) Ser a R. condenada a pagar juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, da data de vencimento de cada uma das prestações, até efectivo pagamento. CAUSA DE PEDIR: sofreu um acidente de trabalho em 5-12-2018, quando, enquanto trabalhadora agrícola, se encontrava a ordenhar uma vaca e foi atingida por uma patada na face esquerda de que lhe resultaram lesões, IT e IPP de 21,7125%, reclamando indemnização e pensão, além do reembolso por despesas. Não se submeteu a intervenção cirúrgica que lhe foi sugerida atento o risco médico elevado que esta acarretava para a sua saúde e vida tal como lhe foi comunicado, pelo que não há lugar a redução ou exclusão de responsabilidade. CONTESTAÇÃO - a ré contestou. Aceita a ocorrência do acidente de trabalho, incluindo a existência de lesões e a transferência da remuneração da sinistrada. Não aceita, porém, os períodos de incapacidades temporárias, a data da alta e o grau de IPP fixado, nem o pagamento das despesas de deslocação. Sustenta que, da fratura da apófise frontal do osso nasal, resultaram sequelas de obstrução nasal esquerda passíveis de serem anuladas através de cirurgia, que a seguradora pretendeu realizar, mas que a sinistrada recusou, alegando ser uma cirurgia de risco, o que não é verdade. As sequelas são, portanto, da inteira responsabilidade da autora, sendo certo que nenhum médico referiu que a cirurgia era de risco. A ré não é responsável, nos termos do artº 30, da LAT. Foi proferido despacho saneador e desdobrado o processo em apenso para fixação de incapacidade. Foi proferida decisão no apenso de Fixação da Incapacidade para o Trabalho declarando que a sinistrado está clinicamente curada, não sendo portadora da qualquer incapacidade permanente parcial (IPP), tendo estando em ITA por 31 dias (6-12-2018 a 5-05-2019) e com ITP de 130 dias até 15-05-2019. Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença. DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): “Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré no pagamento à autora, da quantia de 1.393,97€ (mil trezentos e noventa e três euros e noventa e sete cêntimos), a título de indemnizações por incapacidades temporárias, quantia acrescida de juros de mora, á taxa legal, até efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré dos demais pedidos formulados pela Autora. Custas pela autora e pela ré, na proporção do respectivo decaimento. RECURSO – FOI INTERPOSTO PELA AUTORA- CONCLUSÕES: a) – Os concretos pontos de facto que os Recorrentes consideram incorrectamente julgado são os constantes dos pontos 7 e 8 dos factos provados. b) – Os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida são a prova pericial e documental e o depoimento das testemunhas Dr. BB e Dra. CC. c) - O teor do ponto 2 dos factos provados constitui matéria assente. d) - A junta médica não indica como lesão resultante do acidente de trabalho a fratura-luxação da apófise frontal do osso zigomático, com a porção inferior do osso nasal. e) - As conclusões do exame por junta médica, designadamente as referentes à existência de incapacidade permanente, não tiveram em consideração que a A. tenha sofrido fratura-luxação da apófise frontal do osso zigomático, com a porção inferior do osso nasal. f) - O teor do exame por junta médica contraria o teor do ponto 2 dos factos provados, que constitui matéria assente. g) - Se a junta médica não reconhece a existência das lesões já tidas por assentes nos autos, a resposta dada quanto à existência de sequelas está inquinada por natureza. h) - Da prova testemunhal produzida nos autos decorre que a questão do septo nasal não assume qualquer relevância no que respeita ao apuramento das lesões e sequelas sofridas pela A. em consequência do sinistro. i) – Foi claramente referido pelas testemunhas Dr. BB e Dra. CC, médicos que, ao serviço da R., acompanharam a A., que a lesão que esta sofreu na sequência do acidente de trabalho por si sofrido não tinha qualquer relação com um eventual desvio do septo nasal. j) - A junta médica, ao focar-se na questão de um suposto desvio do septo nasal, não abordou a lesão efectivamente sofrida pela A. k) – Os Srs. Peritos Médicos fizeram uma abordagem errada às lesões sofridas pela A., evidenciando um factor não relacionado com as mesmas – alegado desvio do septo nasal – e não considerando a fratura-luxação efectivamente verificada. l) – O exame por junta médica não se mostra apto a demonstrar as sequelas resultantes do sinistro, visto que, por um lado, o mesmo não considera as lesões mencionadas no ponto 2 dos factos provados e, por outro, porque se baseia num factor – desvio do septo nasal – sem relevância para o efeito. m) - Deveria assim o Tribunal a quo ter considerado que a A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente, designadamente a indicada na perícia de fls. 144 a 149. n) - Face aos concretos meios probatórios acabados de enunciar, os concretos pontos de facto supra enunciados, ao serem considerados provados, consubstanciam um julgamento incorrecto e um claro erro da apreciação da prova. o) - A não correspondência entre a prova invocada pelo Tribunal e a decisão sobre a matéria de facto que sobre ela assentou traduz uma violação e uma interpretação inconstitucional do preceituado no artigo 653º, nº 2 do Código de Processo Civil e viola o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa. p) - Deveriam considerar-se não provados os factos constantes dos pontos 7 e 8 dos factos provados. q) – O Tribunal a quo deu como provado que a cirurgia tem riscos, de carácter geral, sendo o risco para a vida da sinistrada reduzido. r) – O facto de o Tribunal a quo considerar que a cirurgia não apresenta risco para a vida da sinistrada apenas afasta a aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 30º da Lei 98/2009, de 4 de Julho. s) – O Tribunal a quo teria sempre de aquilatar da legitimidade ou ilegitimidade da recusa nos termos do n.º 2 do mesmo artigo. t) – Está provado que a cirurgia proposta à A. não está isenta de riscos. u) – Trata-se de uma cirurgia a levar a cabo numa zona bastante delicada, sendo natural que a sinistrada tenha dúvidas legítimas quanto à possibilidade de consequências gravosas decorrentes do acto médico em causa. v) – Não resulta dos factos provados que a realização de uma eventual cirurgia removeria por completo a existência de incapacidade permanente, não estando demonstrada a eficácia de tal intervenção. w) – Da factualidade dada como provada não resulta que seja injustificada a recusa da A. em submeter-se à aludida intervenção cirúrgica. x) – A decisão do Tribunal a quo violou assim o disposto no artigo 30º, n.º 2 da Lei 98/2009, de 4 de Julho CONTRA-ALEGAÇÕES: sustenta-se a manutenção da decisão recorrida. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: sustenta-se a manutenção da decisão recorrida. RESPOSTA DA RECORRENTE - mantém a anterior argumentação. O recurso foi apreciado em conferência – 659º, do CPC. QUESTÕES A DECIDIR [1]: impugnação da matéria de facto no que se refere às lesões/sequelas e incapacidade permanente e sua repercussão na matéria de direito à pensão. I.I. FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS: Factos provados: 1. No dia 5 de dezembro de 2018, pelas 00H05M, na freguesia ..., ..., a autora sofreu um acidente - quando se encontrava na sala de ordenha a ordenhar vacas foi atingida na face do lado esquerdo por uma patada de uma vaca -, quando se encontrava a exercer as funções de trabalhadora agrícola sob as ordens, direção e fiscalização de DD. 2. Em consequência do acidente descrito em A., a autora sofreu as lesões descritas na perícia médica de fls. 144 a 149, nomeadamente: contusão da face com fratura luxação da apófise frontal do osso zigomático, com a porção inferior do osso nasal. 3. À data do acidente, a autora auferia as seguintes retribuições mensais ilíquidas: €580,00 de salário, o que perfaz a retribuição anual ilíquida de €8.120,00 (€580,00 x 14). 4. À data do sinistro, a entidade empregadora da autora tinha transferido para a ré a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, mediante contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ...10. 5. A autora nasceu em .../.../1961 6. Em consequência do acidente, a autora sofreu, como períodos de incapacidade temporária para o trabalho de 31 dias (ITA de 06/12/2018 a 05/01/2019) e 130 dias (ITP de 06/01/2019 a 15/05/2019 – 45%). 7. Tendo ficado curada, sem qualquer incapacidade permanente; 8. Apresentando durante algum tempo, como resultado do acidente, uma obstrução nasal esquerda, que actualmente não subsiste;-alterado 9. A obstrução nasal que na altura a autora sofria era passível de ser anulada através de cirurgia; - alterado. 10.Que a autora recusou; 11.Os médicos incumbidos pela ré de a acompanharem, informaram a autora da natureza da cirurgia e que esta não implicava riscos; 12.A cirurgia em causa implica, como risco, o de qualquer cirurgia, devido à anestesia, sendo um risco reduzido para a vida da sinistrada. 13.A autora suportou a quantia de €385,00 em deslocações em táxi para tratamentos médicos. Factos não provados: 1. Que os médicos dos serviços clínicos da ré que acompanharam a autora tenham dito à autora que a referida cirurgia apresentava risco bastante elevado para a saúde e para a vida. 2. Que a autora, durante o período de incapacidade para o trabalho, sempre estive a trabalhar. B) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO A decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada pelo tribunal da Relação se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem, e não somente admitirem, decisão diferente – art. 662º do CPC. No caso está em causa a prova pericial, os exames de diagnóstico realizados e os depoimentos de duas testemunhas médicos de profissão. A recorrente pretende que se considerem não provados os factos constantes dos pontos 7 e 8 que têm a seguinte redacção: “7. Tendo ficado curada, sem qualquer incapacidade permanente; 8. Apresentando, como resultado do acidente, uma obstrução nasal esquerda;” Primeira questão que a recorrente coloca: Os senhores peritos terão extravasado o objecto da perícia ao não respeitaram a matéria assente na tentativa de conciliação e no ponto 2 da matéria provada referente à aceitação das lesões sofridas pela autora, a saber “fratura-luxação da apófise frontal do osso zigomático, com a porção inferior do osso nasal” e na subsequente análise que fizeram das sequelas terão desconsiderado esse pressuposto. O ponto 2 tem a seguinte redação: 2. Em consequência do acidente descrito em A., a autora sofreu as lesões descritas na perícia médica de fls. 144 a 149, nomeadamente: contusão da face com fratura luxação da apófise frontal do osso zigomático, com a porção inferior do osso nasal. Por sua vez, na tentativa de conciliação remete-se para as lesões referidas na perícia médico legal. Lido o exame medico singular realizado em 5-03-2021, do mesmo consta quanto a lesões (citius 7-03-2021): “Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento O(A) examinando(a) apresenta as seguintes sequelas: .......................................  Face: aparente estreitamento do orifício nasal esquerdo”. As lesões foram enquadradas no Cap IV 1.2.1 a) que se refere ao capítulo de otorrinolaringologia, nariz, perturbação respiratória, por alteração estrutural (deformação ou sinequia) até 50% do calibre da narina. Refere-se ainda no item relativo a “B Dados documentais...Fez TAC que revelou fratura-luxação da apófise frontal do osso zigomático, com a porção inferior do osso nasal. Dificuldade respiratória.” O TAC facial a que recorre o perito singular foi realizado em 12-12-2018, logo após o acidente ocorrido em 5-12-2018, quando a autora ordenhava uma vaca e sofreu uma patada na face. No que a este aspecto respeita, da tentativa de conciliação consta que a seguradora não aceitou: “os períodos de incapacidades temporárias, a data da alta e o coeficiente de IPP atribuído, porque as sequelas de obstrução nasal esquerda são passíveis de serem anuladas através de cirurgia, tratamento clinico que a seguradora pretendeu realizar, mas que sempre foi recusado pela sinistrada alegando cirurgia de risco, o que, no caso, não acontece. Por isso, as sequelas que a sinistrada apresenta são da sua inteira responsabilidade. Acresce que, durante o período de incapacidades temporárias atribuídos, a sinistrada esteve sempre a trabalhar.”- negrito nosso. Sabe-se que na tentativa de conciliação as partes são obrigadas a tomar posição expressa sobre determinados aspectos. Não existindo acordo terão de se pronunciar sobre os factos atinentes à existência e à caracterização do acidente, ao nexo causal entre a lesão e o acidente, à retribuição do sinistrado, à entidade responsável e à natureza e grau da incapacidade atribuída- 112º CPT. O objectivo é reduzir a litigiosidade das fases subsequentes e encaminhar a tramitação posterior dos autos, que será tanto mais simples quanto menos forem as questões controvertidas, sendo a celeridade um dos objectivos inerentes a um processo norteado por princípios de ordem e interesse público e social - 139º CPT. Consequentemente, o auto de tentativa de conciliação é vinculativo quanto aos factos que ali constam como aceites- 112º e 131º, 1, c), CPT. Os factos sobre os quais se exige que as partes tomem posição, no caso das lesões, reporta-se a realidades naturalísticas e comuns assimiláveis pelo comum das pessoas e não a juízos técnicos ou conceitos médico-jurídicos. No caso dos autos, resulta do acima dito que a lesão, enquanto realidade natural aceite pela seguradora, foi uma contusão/traumatismo na face da autora causado pela patada de uma vaca (que à data lhe causaria obstrução nasal). A seguradora, contudo, não aceitou, entre o mais, a incapacidade permanente atribuída. O que significa que os senhores peritos na sua avaliação são livres e terão sempre de aferir a ligação entre a lesão/sequela e a incapacidade para o trabalho, não sendo tais operações cindíveis, porque em estreita conexão, para além de serem questões eminentemente técnicas. Neste sentido, ac. da RG de 13-07-2021, 222.dgsi.pt, em cujo sumário consta: “Na falta de acordo na tentativa de conciliação, nos termos do artigo 112.º do CPT, devem consignar-se os factos sobre os quais tenha havido acordo. Tal implica, nos termos do artigo, uma referência expressa sobre se houve acordo ou não acordo acerca da existência e caraterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída, factualmente traduzidos. Não ocorrendo acordo quanto às sequelas e incapacidade(s) e respetivo(s) grau(s), os peritos que em fase contenciosa vierem a apreciar tais questões não estão sujeitos a qualquer limitação, a não ser a factualidade que lhes é indicada.” Improcede, assim, esta objeção colocada pela autora. Segunda questão que a recorrente apresenta: impugna o facto de ter sido considerada curada sem IPP -ponto 7- e que apresente uma obstrução nasal esquerda- ponto 8. Refere que as provas indicam, ao invés, que a autora sofre de IPP e que deve ser não provado que apresente como resultado do acidente uma obstrução nasal esquerda -ponto 8-, não estando em causa um desvio de septo nasal, mas sim a referida fractura-luxação. Indica como meios de prova os esclarecimentos dos médicos ouvidos em audiência de julgamento Dr. BB (especialidade maxilo-facial) e Dra. CC (otorrinolaringologista) e os relatórios médicos. Há que começar por fazer a distinção entre lesão e sequela. O acidente de trabalho, na sua essência e definição, exige que o evento provoque uma lesão e que esta deixe uma sequela provocadora de incapacidade para o trabalho, podendo esta ser apenas transitória dando origem a uma incapacidade temporária, ou ser mais persistente, dando origem a uma incapacidade permanente. A lesão é o efeito imediato causado pelo acidente (evento). Trata-se de termo não específico usado para descrever qualquer dano ou mudança anormal no tecido de um organismo vivo, anomalias essas que podem ser causadas por doença ou traumatismo. A lesão pode deixar, ou não, sequelas. A sequela é o efeito da lesão, mais temporário ou permanente, é uma alteração anatómica ou funcional que subsiste após a doença ou acidente e esses sintomas poderem durar algum tempo e desaparecer (e provocar IT´s), ou podem subsistir ao longo do tempo (e provocar IP´s). Aqui chegados, há a lembrar o conceito de acidente de trabalho, que compreende: (i) a realidade/evento naturalístico (no caso a patada de vaca); (ii) causadora de lesão (perturbação funcional/doença, no caso o traumatismo luxação/fractura na face); (iii) a redução na capacidade de trabalho/ganho (iv) o nexo de causalidade entre o evento e a lesão; (v) e o nexo de causalidade entre a lesão e a sequela geradora de redução na capacidade de trabalho/ganho (duplo nexo de causalidade) - Lei 98/2009, de 4-09 (NLAT). Na realidade, o acidente é uma cadeia de factos sucessivamente interligados, obedecendo a uma ordem lógica em que cada um dos referidos elos estão ligados por um nexo causal. Em particular a lesão/doença terá de resultar do evento naturalístico e a incapacidade para o trabalho (temporária ou permanente) deverá resultar da lesão/doença e dos seus efeitos. No caso dos autos (acidente ocorrido em 5-12-2018) resulta da documentação clínica o seguinte: Do TAC facial realizado em 12-12-2018 (uma semana depois do acidente) consta (citius de 1-7-2019): Do TAC cerebral realizado também em 12-12-2018 consta: “TAC normal”. Ou seja, a única lesão traumática referida na TAC facial, realizada uma semana após o acidente, era uma luxação mínima entre a base da apófise do osso zigomático e a parte inferir do osso nasal. Constam, depois, dois relatórios de perícia médico legal de ORL (citius de 12-2-20 e 25-11-20), elaborados pela Dra. EE, o primeiro datado de 10-02-2020 donde se concluiu, nessa altura, no item “Lesões/sequelas”, desvio do septo nasal anterior esquerdo correlacionado ao acidente e obstrução nasal esquerda com indicação cirúrgica, que no entender da perita não tem muito risco e, no segundo relatório datado de 16-11-2020, mantém-se o referido. Consta já dos pontos provados (10 a 12) que a autora recusou a cirurgia, não obstante esta ser de baixo risco. Posteriormente, no apenso de fixação de incapacidade realizou-se junta médica da especialidade de ORL, a qual solicitou a realização de nova TC actualizada. Foi realizada nova TAC dos seios perinasais e nariz em 24-01-2022 onde consta: Em resume, a TAC mais recente não assinala qualquer sequela à autora, inclusive o ligeiro desvio do septo nasal não causa obstrução das fossas nasais que estão permeáveis até às chonas, os seios perinasais estão globalmente permeáveis e não há sinais de sinusopatia inflamatória. Retomada a junta médica, e já observada a sinistrada, com base neste exame de diagnóstico mais recente, a junta médica, por unanimidade, concluiu que a autora actualmente não apresenta sequelas do traumatismo no nariz, estando as fossas nasais permeáveis (“As sequelas descritas...não se encontram presente na último TAC efectuado (24-01-2022”). Pelo que concluem que a autora se encontra curada sem desvalorização. Concordamos com a junta médica, porquanto se baseia numa TAC actualizada, decorridos que estavam mais de 3 anos desde a anterior TAC facial realizada em 12-12-2018, quando apenas havia decorrido uma semana após o acidente. Portanto, a última TAC além de retratar realidade mais recente, permitiu um decurso de tempo que, segundo o exame de diagnóstico, levou à estabilização da situação clínica. Finalmente, ouvidos os depoimentos dos dois senhores médicos que trabalhavam para empresa prestadora de cuidados de saúde à ré seguradora, deles não resulta que a autora, actualmente, padeça de alguma sequela. Ambos observaram a autora apenas em 2019 quando as sequelas subsistiam (e a sinistrada estava com IT´s) e, por isso, foi proposta a cirurgia correctiva, que seria de baixo risco. Perguntados se, sem cirurgia correctiva as queixas subsistiriam para sempre, nenhum dos inquiridos soube dizer, porque só a observaram no referido período, não dispondo de dados actuais. Particularizando, a Dra. CC, médica, especialidade de cirúrgica plástica e reconstrutiva, apenas observou a sinistrada duas vezes, a primeira decorridos que estavam 6 dias após o acidente e a segunda em 24-01-2019 e nem sequer se recordava do caso. Segundo o que leu “nos papéis” reencaminhou a sinistrada para o Dr. FF por causa da luxação do osso e da tal obstrução respiratória do nariz. Não soube dizer, repisa-se, se o problema da respiração da narina se resolveria por si só, se não fosse intervencionada. Referiu que apenas no fim da resolução do edema é que se pode ter essa perceção. O Dr. FF, médico de maxilo-facial, observou seguidamente a sinistrada e referiu que a TAC de 2018 referenciava fratura de pequenas dimensões (que por vezes se confunde com luxação) e dificuldade de respiração na narina, sendo proposta a cirurgia que na altura era adequada. Mas, interrogado sobre a possibilidade de a sequela se manter para sempre caso não fosse a cirurgia, referiu que “não consegue dizer”. Em suma, da prova não resulta que a autora actualmente apresente qualquer sequela determinante de incapacidade permanente. Antes resulta que sofreu de obstrução da narina causada pelo traumatismo/luxação/fractura no nariz, conforme referiram os médicos, mas que, com o tempo, se curou. Assim, o ponto 7 deve ser mantido (“Tendo ficado curada, sem qualquer incapacidade permanente” ;) e o ponto 8 deve ser alterado em conformidade para o seguinte: 8. Apresentando durante algum tempo, como resultado do acidente, uma obstrução nasal esquerda, que actualmente não subsiste; Em consequência o ponto 9 (que dizia: “Passível de ser anulada através de cirurgia”) deve ser adaptado para a seguinte redacção: 9. A obstrução nasal que na altura a autora sofria era passível de ser anulada através de cirurgia; Pelo exposto, relacionado à inexistência de sequela, sai prejudicado o conhecimento da questão da recusa da cirurgia. Quanto à matéria de direito, improcedendo a impugnação da matéria de facto sobre a verificação de sequelas e de incapacidade permanente, consequentemente improcede o direito na parte em que reclama direito à pensão. Uma palavra final para a alegada inconstitucionalidade: Sustenta-se: “A não correspondência entre a prova invocada pelo Tribunal e a decisão sobre a matéria de facto que sobre ela assentou traduz uma violação e uma interpretação inconstitucional do preceituado no artigo 653º, nº 2 do Código de Processo Civil e viola o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa. É incompreensível a referência ao normativo do CPC que nada tem a ver com o tema (refere-se ao erro no modo de subida do recurso). O normativo constitucional refere (205º CRP): 1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. 2. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades. 3. A lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução. Também aqui temos dificuldade em compreender a arguição de inconstitucionalidade. Como não é apontada uma norma ordinária cuja interpretação possa ser qualificada de inconstitucional e como não há sentenças inconstitucionais, sendo este um vício próprio de uma norma ordinária inferior à CRP ou da interpretação que dela se faça, não estando a inconstitucionalidade arguida da forma correcta, não é passível de ser conhecida. Fazendo um exercício de perscrutação da intenção da recorrente, caso esta pretenda significar que a sentença é omissa na fundamentação (que não é), então estaríamos perante um vício de nulidade (615º CPC), que teria de ser devidamente arguido aquando do recurso. Finalmente se a recorrente quer apontar um erro de julgamento, de má fundamentação ou de aplicação do direito aos factos, então o meio adequado é o recurso, que pelas razões acima explicadas não procede. I.I.I. DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida- 87º, CPT e 663º, CPC. Custas a cargo da recorrente. Notifique. 25-05-2023 Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) Francisco Sousa Pereira Antero Dinis Ramos Veiga [1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s. |