Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO | ||
Descritores: | PORTARIA DE EXTENSÃO NÃO GOZO DE FÉRIAS RETRIBUIÇÃO DESPEDIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/07/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
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Sumário: | 1- A extensão dos efeitos de uma CCT por via de portaria de extensão depende, entre o mais, da existência de similitude entre o sector económico previsto nos IRCT e a actividade económica principal a que o empregador se dedica. 2- Similitude que não existe se a ré se dedica apenas complementarmente a uma das actividades contempladas na PE e na CCT. 3- A actividade de comércio de produtos agrícolas e para a agricultura não é o mesmo que actividade de frutas e produtos hortícolas. 4- Se o empregador culposamente obsta ao gozo de férias fica obrigado a pagar a compensação em triplo do valor da retribuição e a própria retribuições de férias, por terem escopo e dependerem de requisitos diferentes. 5- Em caso de despedimento ilícito o trabalhador tem direito a indemnização por danos morais se a natureza da lesão extravasar os prejuízos normais decorrentes da cessação contratual e atingirem gravidade suficiente, devendo, para efeito, ser ponderada a eventual existência de contribuição e culpa do trabalhador no despedimento. 6- Num despedimento ilícito, não é excessivo a indemnização em substituição da reintegração fixada em 40 dias, se o montante de salário for algo abaixo do que se considera médio, o grau de ilicitude for elevado por concorrerem várias causas de ilicitude (inexistência de razões substanciais para despedir e inexistência de processo disciplinar), associado a um grau de culpa do empregador bastante elevado. | ||
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO AUTOR: V. M.. RÉU(S): A. N. e mulher M. C.. PEDIDO: “A) - Que, seja declarado que a cessação contratual operada pelo Réu marido através da comunicação que, por carta registada com A/R datada de 21/07/2017… configura um despedimento ilícito por não ter sido precedido de qualquer processo disciplinar e por inexistência de «justa causa». B) - Que os Réus sejam, solidariamente, condenados a pagar ao Autor: B.1) - AS RETRIBUIÇÕES QUE DEIXOU DE AUFERIR DESDE A DATA DO DESPEDIMENTO ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO JUDICIAL QUE VENHA A DECLARAR A SUA ILICITUDE, quantificando-se as vencidas …900,00€. B.2) - A INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS (morais)….que o despedimento lhe causou e que se quantifica no montante mínimo de 2.000,00€. B.3) - A INDEMNIZAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO DA SUA REINTEGRAÇÃO, pela qual o Autor opta … e a fixar pelo tribunal. C) - Que sejam os Réus … condenados : C.1) - Às DIFERENÇAS SALARIAIS entre o valor mensal líquido da retribuição convencionada entre Autor e Réu (900€) e o valor líquido pago pelo Réu a título de subsídio de férias (546,46€) durante toda a pendência do contrato, que, tendo por referência o período compreendido entre o dia 03/11/2008 …(admissão) e o dia 19/06/2015 (data do acidente de trabalho), se quantificam em (900€ - 546,46€ = 353,54€ x 7 retribuições) … 2.474,78€. C.2) - Às DIFERENÇAS SALARIAIS entre o valor mensal líquido da retribuição convencionada entre Autor e Réu (900€) e o valor líquido pago pelo Réu a título de subsídio de Natal (546,46€) durante toda a pendência do contrato que, tendo por referência o período compreendido entre o dia 03/11/2008 (….admissão) e o dia 19/06/2015 (data do acidente de trabalho), se quantificam em (900€ - 546,46€ = 353,54€ x 7 retribuições)…2.474,78€. C.3) - À COMPENSAÇÃO PELA VIOLAÇÃO DO DIREITO A FÉRIAS, que por força do regime de prova previsto no artigo 337.º do CT se cinge às vencidas em 01/01/2013 e 01/01/2014 e que…. tendo por referência a retribuição convencionada entre Autor e Réu, se quantifica no valor líquido de (900€ x 3 = 2.700€ x 2)… 5.400,00€. C.4) - Às FÉRIAS vencidas em 01/01/2009, 01/01/2010, 01/01/2011, 01/01/2012, 01/01/2013, 01/01/2014 e 01/01/2015, que, tendo por referência a retribuição convencionada entre Autor e Réu, se quantifica no montante líquido de (900€ x 7)… 6.300,00€. C.5) - Às FÉRIAS E SUBSÍDIO DE FÉRIAS vencidas em 01/01/2017, que tendo por referência a retribuição convencionada entre Autor e Réu se quantifica na importância líquida de (900€ x 2) …1.800,00€. C.6) - Às FÉRIAS E SUBSÍDIO DE FÉRIAS proporcionais ao período de duração do contrato no ano da sua cessação (2017) que, que tendo por referência a retribuição convencionada entre Autor e Réu, se quantificam no valor líquido conjunto de (520€ x 2) … 1.040,00€. C.7) - Ao SUBSÍDIO DE NATAL proporcional à duração do contrato de trabalho no ano da sua cessação (2017), que, tendo por referência a retribuição convencionada entre Autor e Réu, se quantifica no valor líquido de … 520,00€. C.8) - Às DIFERENÇAS SALARIAIS entre o valor mensal da retribuição líquida convencionada entre Autor e Réu (900€) e o valor líquido pago pelo Réu nos meses de Março, Abril, Maio e Junho de 2017 (respetivamente 571,96€, 646,46€, 645,46€ e 645,46€), no montante líquido conjunto de (328,04€ + 253,54€ + 254,54€ + 254,54€) … 1.090,66€. C.9) - Ao SALÁRIO respeitante ao trabalho disponibilizado no mês de Julho de 2017 (até à data da receção da carta de despedimento – 24/07/2017), na importância líquida de… 720,00€. C.10) - Ao SUPLEMENTO RETRIBUTIVO a que se refere o n.º 6 da cláusula 26.ª do CCT - Contrato Coletivo de Trabalho entre a ADIPA - Associação dos Distribuidores de Produtos Alimentares e outros e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outro…correspondente a 20% sobre a retribuição normal auferida pelo Autor e que se quantifica, tendo por referência o período compreendido entre 03/11/2008 e 19/06/2015 (data do acidente de trabalho), incluindo as retribuições de férias, subsídio de férias e de Natal (ou seja, 14 retribuições anuais de referência), no montante líquido total de Total: 16.830€. C.11) - À retribuição correspondente ao dia de DESCANSO COMPLEMENTAR DE UM DIA POR SEMANA previsto para os trabalhadores que prestassem serviço de segunda-feira a sábado e que o Réu nunca concedeu ao Autor, nem este, naturalmente, gozou que, por força do regime de prova previsto no artigo 337.º do CT se circunscreve ao período compreendido entre Outubro de 2013 a 19/06/2015 (data do acidente de trabalho)… num total de 88 dias que …. com base na fórmula prevista na cláusula 57ª e o acréscimo a que alude a cláusula 52ª, n.º 1 do CCT aplicável, se quantifica no valor líquido de [5,19€ (retribuição horária) x 1,5 = 7,79€ x 440 horas] … 3.427,60€.” CAUSA DE PEDIR: o autor foi trabalhador do R. com funções de motorista de pesados; detinha o salário liquido de 900€, embora o R processasse recibos de vencimento por valor inferior; acordou e praticou um horário de trabalho de segunda feira a sábado; sofreu um acidente de trabalho em 19/06/2015, tendo estado com ITAT até 21/02/2017; nesta altura apresentou-se ao trabalho e o réu disse-lhe que esperasse em casa instruções para começar a trabalhar, reiterando o R. por diversas vezes que continuasse a aguardar instruções no seu domicílio; nesse entretanto foi-lhe pagando apenas a retribuição inferior que constava nos recibos de vencimento, sendo a última retribuição paga referente ao mês de Junho/17, por via de cheque assinado pelo R em 11/07/2017; por carta de 21/7/2017, o R. comunicou-lhe que, tendo faltado ininterruptamente ao trabalho desde 3/7/2017 e sem ter apresentado justificação para o efeito, considerava que o contrato de trabalho cessava por abandono do trabalho; sempre esteve disponível e aguardou a comunicação do R. para retomar as funções; o R. contratou outro trabalhador para substituir o A. durante o seu período de ITAT, o qual manteve ao serviço após a alta do autor e assim continua até hoje; o R. nunca lhe possibilitou o gozo de férias durante a pendência do contrato, nem lhe pagou as férias; o R. não lhe pagou as férias e subsídio de férias vencidos em 1/1/2017, nem as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de duração do contrato de 2017, nem a retribuição relativa ao mês de Julho de 2017; que a cessação do contrato de trabalho causou ao A. danos morais; que à relação laboral entre o A. e o R. é aplicável o CCT celebrado entre a ADIPA – Associação dos Distribuidores de Produtos Alimentares e outros e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outro, publicado no BTE nº 16 de 29/04/2006 e sucessivas alterações, com portaria de extensão publicada no BTE nº 40 de 29/10/2006 e outras, a qual lhe confere direito ao suplemento retributivo a que se refere o n.º 6 da cláusula 26.ª do CCT e retribuição correspondente a um dia de descanso complementar por semana por prestar trabalho ao sábado. CONTESTAÇÃO: na parte que ora interessa, impugna o montante superior do salário alegado pelo A. que seria apenas de 614€, e nega o trabalho ao sábado que só esporadicamente seria feito. Quanto à cessação do contrato, após a apresentação do A. ao serviço em 22/2/2017, foi acordado que o A. ficaria a gozar, até 23/05/2017, férias vencidas de 61 dias úteis, as quais, por acordo, foram prolongadas até ao final do mês de maio devido às queixas do A.; em 5/6/2017 o A. foi informado que deveria apresentar-se ao serviço nesse mês e, no máximo, no primeiro dia do mês de julho; o A não compareceu para trabalhar, por isso invocou abandono de trabalho. O IRCT aplicável à relação laboral é o CCT celebrado entre a Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Bragança e outras e a FEPCES, publicada no BTE nº 43 de 22/11/1995, com subsequentes alterações. Deduziram reconvenção, pedindo a condenação do A. a pagar aos RR. a quantia de €500,00 relativa a quantia de igual valor que o R. entregou ao A. em 20/1/2016 por conta de créditos salariais a vencer futuramente e a quantia de €1.228,00 a título de indemnização por falta de aviso prévio relativo ao abandono do trabalho, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos. O A. respondeu, aceitando dever a quantia de €500,00, requerendo a sua dedução no valor dos créditos por si reclamados. Foi apresentado articulado superveniente pelo A, o qual foi rejeitado por extemporaneidade. Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença. DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo: “Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por em igual medida provada, a presente acção e, em consequência: 1- Declaro a ilicitude do despedimento do A. V. M., promovido pelo R. A. N.; 2- Condeno os RR. A. N. e M. C. a pagar ao A. V. M.: - Uma indemnização por despedimento ilícito que se fixa em 40 (quarenta) dias de retribuição por cada ano de antiguidade ou fracção, contabilizando-se todo o tempo decorrido até ao trânsito em julgado da decisão final, a qual ascende, nesta data, a €14.400,00 (catorze mil e quatrocentos euros); - As retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, as quais perfazem até esta data o montante global de €19.314,65 (dezanove mil trezentos e catorze euros e sessenta e cinco cêntimos), montante final a que, porém, haverá que descontar o subsídio de desemprego que o A. tiver, eventualmente, auferido, condenando-se os RR. a entregar essa quantia relativa a subsídio de desemprego à segurança social, bem como as importâncias que o trabalhador tiver auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, tudo a liquidar oportunamente; - A quantia de €1.000,00 (mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais emergentes do despedimento; - A quantia de €2.474,78 (dois mil quatrocentos e setenta e quatro euros e setenta e oito cêntimos) a título de diferenças salariais no subsídio de férias vencido em 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015; - A quantia de €2.121,24 (dois mil cento e vinte e um euros e vinte e quatro cêntimos) a título de diferenças salariais no subsídio de Natal vencido nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014; - A quantia de €5.400,00 (cinco mil e quatrocentos euros) a título de compensação pela violação do direito a férias nos anos de 2013 e 2014; - A quantia de €6.300,00 (seis mil e trezentos euros) a título de retribuição por férias não gozadas vencidas na vigência do contrato de trabalho em 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015; - A quantia de €1.309,09 (mil trezentos e nove euros e nove cêntimos) a título de retribuição de férias e de subsídio de férias vencidos após a cessação do impedimento prolongado, no ano de 2017; - A quantia de €376,44 (trezentos e setenta e seis euros e quarenta e quatro cêntimos) a título de subsídio de Natal proporcional à duração do contrato no ano de 2017 até à sua cessação; - A quantia de €588,66 (quinhentos e oitenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos) a título de diferenças na retribuição relativa aos meses de Março, Abril, Maio e Junho de 2017; e - A quantia de €720,00 (setecentos e vinte euros) de retribuição do mês de Julho de 2017. Custas por A. e R., na proporção do vencido.” RECURSOS INTERPOSTOS: apelação, recursos admitidos na espécie, regime de subida e efeitos próprios. PARTES RECORRENTES: autor e réus. SÍNTESE DO OBJECTO DOS RECURSOS: A) FUNDAMENTOS DO RECURSO DO AUTOR: o recurso versa somente sobre a matéria de direito, conforme expressamente declarado. O autor considera aplicável à relação de trabalho controvertida o CCT entre a ADIPA- Associação dos Distribuidores de Produtos Alimentares e outros e FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outro (1), por via da Portaria de Extensão 1191/2006 (2) e segs e, portanto, devidas as retribuições especificados nos pontos C.10 e C.11 da petição inicial (suplementos retributivo clª 26 e retribuição corresponde a um dia de descanso semanal por trabalhar de segunda feira a sábado). Refere-se que na clª 1.ª do CCT consta que: «A presente convenção coletiva de trabalho, adiante designada por CCT, obriga, por um lado, as empresas que no território de Portugal continental e nas Regiões Autónomas exerçam a atividade de comércio de armazenagem e ou distribuição de produtos alimentares por grosso ou por grosso e retalho, distribuição de bebidas, armazenagem, importação e exportação de frutos, produtos hortícolas e sementes e armazenagem, importação e exportação de azeites filiadas nas associações ADIPA, ANAIEF e Casa do Azeite e, por outro, os trabalhadores ao serviço dessas empresas filiados nas organizações sindicais outorgantes.» Refere ainda que a referida portaria de extensão dispõe: «As condições de trabalho constantes do contrato coletivo de CCT entre a ADIPA - Associação dos Distribuidores de Produtos Alimentares e outras e a FETESE dispõe que : ….. são estendidas, no território do continente: a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam a atividade de armazenista, importador ou exportador de frutos, produtos hortícolas ou sementes, armazenista, importador ou exportador de azeite, bem como às que, em exclusivo, se dediquem à distribuição por grosso de produtos alimentares e ainda às que exerçam a atividade de distribuição de águas, refrigerantes e cervejas e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção; b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam as atividades económicas mencionadas na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção não representados pelas associações sindicais outorgantes.» Conclui o autor que para determinar a aplicação da portaria de extensão basta que a atividade efectivamente exercida pela entidade empregadora se integre numa das áreas de atividade contempladas e, dentro dessa área, que exerça uma ou algumas das atividades previstas e não que as exerça todas. Tendo ficado provado que o R se dedica à armazenagem, distribuição e exportação por grosso de frutos (designadamente castanha), de produtos hortícolas (designadamente batatas) e de sementes é de subsumir a relação laboral à referido CCT. CONTRA-ALEGAÇÕES DOS RÉUS: não foram produzidas. B) FUNDAMENTOS DO RECURSO DOS RÉUS O recurso incide sobre matéria de facto e de direito. Matéria de facto: OS RR consideram indevidamente julgados os factos dados como provados sob os nºs: 34, 41, 43, 45, 46, 48, 52, 54, 60, 61, 62, 63, 64. Basicamente referem-se a 5 temas: ao montante da retribuição, ao trabalho ao sábado, ao momento de pagamento referente ao mês de junho/17, ao despedimento irregular/abandono do posto de trabalho e à falta de gozo de férias. Propõem respostas alternativas. Como meio de prova invocam o depoimento da testemunha M. F., trabalhadora ao serviço do Ré, assistente administrativa, a qual produz um depoimento que confirma o alegado. Indica e transcreve passagens de gravação do depoimento em que alicerça a impugnação de facto. Acrescendo, ainda, que os extractos bancários da conta do autor onde constam diversos depósitos, podendo ter origem diversas que não os pagamentos do R, não constituem, por isso, documentos idóneos à prova do montante do vencimento, existindo, inclusive, um depósito do montante de 900€ fora do período de duração do contrato, em Outubro/2017. Matéria de direito: Os créditos reclamados decorrentes das diferenças retributivas entre o valor pago e o vencimento base acordado (retribuição de férias, subsídios de férias, de natal e vencimentos de 2017)), as retribuições intercalares e indemnização por alegado despedimento ilícito são indevidos em razão da propugnada alteração à matéria de facto. Sem prejuízo, o valor da indemnização por antiguidade (40 dias) é excessivo, propondo-se, à cautela, a atribuição de 15 dias. As retribuições intercalares deveriam ter sido liquidadas, dado que o autor trabalhou entre agosto e outubro de 2017 e, assim, existem já elementos para tal. Os danos não patrimoniais do Autor por via do considerado despedimento não justificam a atribuição de 1.000€. Compensação pela violação do direito a férias nos anos de 2013 e 2014: não se comprovou comportamento culposo do R que obste ao gozo de férias. Retribuição por férias não gozadas: sendo atribuído a compensação pela violação do direito a férias, a obrigação de pagamento de retribuição por férias não gozadas traduz-se numa acumulação indevida. Quanto às férias vencidas há mais de cinco anos (2009 a 2012), devem considerar-se prescritas, por falta de documento idóneo, nos termos do artº 337º, nº 2, Cód. do Trabalho. CONTRA-ALEGAÇÕES DO AUTOR: defende a manutenção da decisão recorrida. *** O Ministério Público emitiu parecer defendendo a manutenção da decisão recorrida.Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC. II. FUNDAMENTAÇÃO A) DE FACTO Na primeira instância foram julgados provados os seguintes factos (transcrevendo-se a negrito os factos da matéria de facto impugnados pelos RR para facilitar a leitura): 1.1 Factos assentes em virtude de confissão ou acordo das partes expresso nos articulados: a) Da petição inicial 1- O Réu marido é empresário, dedicando-se, em nome individual, ao comércio de armazenagem, distribuição e exportação por grosso de produtos agrícolas e para a agricultura, designadamente e entre outros, cereais, batata, sementes, palha, feno e castanha. 2- Actividade que desenvolve em instalações próprias sitas na Estrada da … Km 3 do concelho de Bragança. 3- Local onde tem organizados os meios humanos e materiais necessários ao desenvolvimento do seu comércio. 4- Na prossecução da sua referida actividade comercial, por contrato de trabalho, por tempo indeterminado e em período normal de trabalho (tempo completo), o Réu admitiu o Autor ao seu serviço no dia 03/11/2008. 5- No exercício da sua actividade, o A. conduzia veículos automóveis pesados (camiões) para o transporte de mercadorias. 6- O Réu emitia mensalmente «recibo de remunerações» do Autor no qual fazia constar o «vencimento base» ilíquido de 614,00€ acrescido de «subsídio de alimentação» no valor de 100€. 7- Processando o Réu com base no referido «vencimento» de 614,00€ os inerentes descontos do Autor para o sistema de segurança social. 8- O Réu sempre pagou ao Autor o subsídio de férias e o subsídio de Natal apenas pelo valor líquido de 546,46€ correspondente ao salário base ilíquido declarado de 614,00€, deduzidos os competentes descontos para a segurança social. 9- Ao serviço do Réu, sofreu o Autor no dia 19/06/2015 um acidente de trabalho, traduzido em queda em altura a partir da carroçaria do veículo pesado (camião) por si conduzido quando, na povoação de … do concelho de Bragança, estendia uma lona destinada à cobertura da mercadoria (feno) a transportar para os armazéns do Réu. 10- Do qual resultou para o Autor uma ITA - Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho até 21/02/2017. 11- Data a partir da qual o médico da «X - Companhia de Seguros S.A.», para quem o Réu havia transferido a responsabilidade infortunística relacionada com hipotéticos acidentes de trabalho sofridos pelos trabalhadores ao seu serviço, lhe passou a atribuir uma ITP - Incapacidade Temporária Parcial para o trabalho de 40%. 12- O que determinou que o Autor se tivesse apresentado no dia 22/02/2017 no seu local de trabalho. 13- Situação de ITP - Incapacidade Temporária Parcial que subsistiu até ao dia 10/03/2017, data em que o médico da «X - Companhia de Seguros S.A.» lhe deu «alta», com «proposta de incapacidade parcial permanente». 14- O Réu, a partir de Fevereiro de 2017, pagou, exclusivamente por intermédio de cheque bancário, ao Autor as seguintes retribuições líquidas: . Relativamente ao mês de Fevereiro de 2017 …… 122,68€. . Relativamente ao mês de Março de 2017 ……….…. 571,96€. . Relativamente ao mês de Abril de 2017………………. 646,46€. . Relativamente ao mês de Maio de 2017……………….. 646,46€. . Relativamente ao mês de Junho de 2017 ……….……… 646,46€. 15- Sem que o Autor, de forma efectiva, desde 22/02/2017, para o Réu exercesse as suas funções profissionais. 16- O Réu perante a segurança social regularizou, nos meses de Abril a Junho de 2017 as correspondentes contribuições relativas ao Autor com base nas seguintes «remunerações base» por si (o Réu) declaradas: . Relativamente ao mês de Abril de 2017 …..…... 614,00€. . Relativamente ao mês de Maio de 2017 .……….. 614,00€. . Relativamente ao mês de Junho de 2017 ..…….. 614,00€. 17- Por carta registada com A/R, datada de 21/07/2017 e recebida no dia 24/07/2017, o Réu remeteu para o domicílio do Autor e ao Autor dirigida comunicação do seguinte teor: Exmo. Senhor V. M. … Rua … Bragança R c/AR Bragança, 21 de Julho de 2017 Assunto: Comunicação de cessação do contrato de trabalho por abandono do trabalho Eu, A. N., NIF …, com domicílio na estrada da …, Km 3, … Bragança, na qualidade de empregador, venho comunicar-lhe que, tendo faltado ininterruptamente ao trabalho desde o dia 3 de julho de 2017 e até esta data, sem ter apresentado qualquer justificação para o efeito, considero que V. Exa. Abandonou definitivamente o trabalho, o que traduz denúncia e cessação do respectivo contrato de trabalho, nos termos do artº 403º, do Código do Trabalho. Com os melhores cumprimentos 18- Comunicação à qual, o Autor, já por intermédio dos seus ora mandatários judiciais, respondeu por carta registada com A/R datada de 27/07/2017 dirigida ao Réu e pelo Réu recebida no dia 28/07/2017, do seguinte teor: (…) Referência: V. M.. Assunto: Sua comunicação datada de 21/07/2017. Os meus cumprimentos. Na qualidade de advogados do Ex.mo Senhor V. M., vimos, em sua representação e para os devidos legais, comunicar, relativamente ao assunto em referência, o seguinte: 1. Como o Senhor A. N. bem sabe, o Senhor V. M. não abandonou o seu trabalho, encontrando-se a sua não comparência ao trabalho justificada pelo facto de quando pretendeu retomar as suas funções após lhe ter sido atribuída pela seguradora uma incapacidade temporária parcial (TP) de 40% e a partir de 10/03/2017 «alta» na sequência do acidente de trabalho que sofreu no dia 19/06/2015, o Senhor A. N. lhe ter referido que aguardasse e que quando pretendesse que as retomasse lhe comunicaria. . Funções de «motorista de pesados» que, apesar de por diversas vezes para o efeito ter sido pessoalmente interpelado, o Senhor A. N. nunca pretendeu que o Senhor V. M. as voltasse a exercer e, por isso, nunca lhe comunicou para as reiniciar. . Funções para cujo exercício está (como sempre esteve) o Senhor V. M. disponível, ainda que com as limitações ou sequelas de que padece resultantes do acidente de trabalho, para retomar, se esse for o desejo do Senhor A. N.. . Foi, pois, com total surpresa que o Senhor V. M. recebeu a sua comunicação de «cessação de contrato de trabalho por abandono do trabalho», datada de 21/07/2017, na qual invoca fundamento para a cessação do contrato de trabalho firmado com o Senhor V. M. que o Senhor A. N. sabe não corresponder à verdade e que coloca o nosso cliente numa situação especialmente vulnerável já que tal forma de cessação contratual nem sequer lhe permite aceder ao subsídio de desemprego, sendo certo que o mesmo não tem qualquer outra fonte de rendimento para além da remuneração da sua força de trabalho que, com dedicação, há mais de oito anos vem disponibilizando para o Senhor A. N.. . Contexto em que se solicita que considere sem efeito a comunicação, datada de 21/07/2917, remetida para o Senhor V. M. e, se tem interesse na prestação do seu trabalho, me comunique a data a partir da qual pretende que o mesmo compareça no seu local de trabalho para exercer as suas funções profissionais. . Caso não tenha interesse na prestação do seu trabalho, como manifestamente se extrai da sua comunicação, agradeço que me contacte com o objetivo de se encontrar uma forma consensual de cessação do contrato de trabalho do Senhor V. M. que a este permita o acesso ao subsídio de desemprego e que também contemple o ressarcimento dos seus créditos vencidos emergentes da relação de trabalho e sua cessação. . Fico, assim, a aguardar uma resposta até ao próximo dia 10/08/2017, sendo que vou estar ausente de Bragança até ao dia 07/08/2017. . Se tal não se verificar, informo que, a partir do dia 15/08/2017, irei iniciar a preparação da ação judicial tida por competente e a instaurar no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança - Juízo do Trabalho. Certo da sua atenção e ao dispor. Bragança: 27 (vinte e sete) de Julho de 2017 (dois mil e dezassete). 19- O Réu não pagou qualquer quantia ao Autor a título de férias e subsídio de férias, reportadas ao ano de 2016 e vencidas em 01/01/2017 e as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais a tempo de duração do contrato de trabalho no ano de 2017. 20- Nem qualquer importância a título de retribuição do trabalho respeitante ao mês de Julho de 2017. 21- O Autor é casado com M. A. e pai de 2 filhos - o D. R., de 21 anos e a exercer funções militares e a F. A., de 13 anos de idade. 22- Nasceu em -/05/1961. 23- A M. A., esposa do Autor, é natural da povoação de …, freguesia do … do concelho de Bragança. 24- Povoação e freguesia donde o Réu A. N. também é natural. 25- Desde cedo entre os Réus e a mulher do Autor se estabeleceu uma relação de amizade e familiaridade. 26- Frequentando a M. A. a casa do Réus, convivendo com seus filhos e deles cuidando quando se mostrava necessário. 27- Relação que já existia entre os pais da M. A. e o Réu e que também já existia entre os pais de ambos. 28- Relação existente entre o Réu e a M. A., que se estendeu ao Autor após o casamento que com esta contraiu em 04/10/1987. 29- Tratando o Réu carinhosamente a M. A. por «…» e o Réu e o Autor tratando-se entre si de forma pessoal por «tu» e pelos seus nomes próprios. 30- Os Réus são casados entre si e proveito da actividade empresarial exercida pelo Réu marido reverte em benefício comum do casal. 31- Designadamente para satisfazerem as necessidades de alimentação, vestuário, habitação, saúde e lazer de ambos. b) Da contestação-reconvenção 32- Em 20 de Janeiro de 2016 e a título de adiantamento de créditos salariais a vencer futuramente, o R marido entregou ao autor, a pedido deste, a quantia de 500,00 € em numerário. 1.2 Factos controvertidos que resultaram provados a) Da petição inicial 33- O A. foi admitido pelo R. para, sob suas ordens, direcção e fiscalização, exercer funções inerentes à categoria profissional de motorista de pesados. 34- A. e R. marido, aquando da contratação daquele, acordaram, como contrapartida do trabalho prestado pelo primeiro, uma retribuição mensal líquida de €900,00 (novecentos euros). 35- As funções de «motorista de pesados» exercidas pelo A. traduziam-se na condução de veículos automóveis pesados (camiões) para o transporte de mercadorias, recebendo a documentação respectiva, efectuando a sua entrega nos locais de destino, zelando pelo bom estado de funcionamento do veículo, sua manutenção, reparação e limpeza e que, por determinação do Réu, passaram também a compreender a carga e descarga dos produtos transportados. 36- E que o Autor, aquando da sua contratação pelo Réu, já há vários anos, de forma subordinada, exercia. 37- Encontrando-se quando pelo Réu foi contratado a exercer funções de «motorista de pesados» na firma «... - Comércio de Materiais de Construção, Sociedade Unipessoal Lda.», com sede no concelho de Bragança, com quem mantinha um vínculo estável de trabalho (contrato de trabalho por tempo indeterminado e a tempo completo). 38- E transporte de mercadorias que o Autor desde a data em que iniciou as suas referidas funções profissionais para o Réu passou a desenvolver essencialmente em trajectos dentro da região norte de Portugal e, por vezes, em Espanha. 39- Sendo regular, dentro da primeira, o transporte de produtos para clientes do Réu sediados nas áreas metropolitanas do Porto, Braga e localidades limítrofes. 40- Regressando às instalações do Réu com produtos provenientes desses lugares e destinados à sua actividade de intermediação. 41- Fixando e impondo o Réu ao Autor, após a sua contratação, um horário de trabalho, que o Autor passou a executar, compreendido entre as 08:00H e as 17:30H de segunda a sexta-feira com descanso para almoço entre as 12:00H e as 13:30H e aos sábados um horário de trabalho entre as 08:00H e as 13:00H, com descanso semanal ao domingo. 42- Autor que com regularidade e por determinação do Réu iniciava as suas mencionadas funções antes das 08:00H e as terminava após as 17:30H. 43- E salário convencionado entre Réu e Autor que mensalmente o Réu passou a pagar: a) - Inicialmente, até ao mês de Fevereiro de 2009, exclusivamente, através de cheque bancário emitido à ordem do Autor. b) - Posteriormente: b.1) - De forma regular, parcialmente por intermédio de cheque bancário à ordem do Autor e o remanescente em dinheiro. b.2) - De forma ocasional após Fevereiro de 2009, integralmente, mediante cheque bancário à ordem do Autor. 44- Sendo que, após Fevereiro de 2009, o valor parcial regularmente pago e titulado por cheque, se situou em 634,00€ até meados de 2009, 646,46€ desde então até Setembro de 2010, 640,46€ desde Outubro de 2010 a Março de 2013, 640,16€ desde Abril de 2013 a Novembro de 2013, novamente 640,46€ de Dezembro de 2013 a Dezembro de 2014, 628,46€ desde Janeiro de 2015 a Abril de 2015, 645,46€ de Maio de 2015 a Julho de 2015. 45- E o remanescente em ato simultâneo e em dinheiro no valor necessário para perfazer o montante mensal líquido acordado de 900€. 46- Sendo que, por força do arredondamento em dinheiro que o Réu frequentemente fazia, a importância mensal efectivamente recebida pelo Autor, no decurso dos períodos em que o valor dos cheques era composto pela fracção de 46 cêntimos, se situava no valor de 900,46€. 47- Retribuição que, normalmente, era paga pelo Réu ao Autor a partir do dia 7 (sete) do mês subsequente ao do seu vencimento. 48- E cujo depósito de imediato após o seu pagamento pelo Réu o Autor diligenciava na conta 01740557728… da … - Caixa … de que era e é titular, quase exclusivamente, através dos terminais ATM. 49- Sendo que, para efeitos contabilísticos, o Réu emitia mensalmente os recibos referidos supra em 7. 50- E era, por norma, em conformidade com o valor líquido constante em tais recibos que o Réu fazia coincidir o valor remuneratório pago ao Autor por cheque. 51- Entre o dia 23/2/2017 e, pelo menos, o dia 11/07/2017 o A., com o conhecimento e o consentimento do réu marido e acatando instruções deste recebidas, não exerceu as suas funções profissionais, continuando, porém, o R. marido a pagar-lhe as retribuições discriminadas supra no nº 15, deslocando-se o A. ao seu local de trabalho pelo menos uma vez em cada mês para lhe ser entregue o cheque destinado ao pagamento das mesmas. 52- A retribuição do mês de Junho de 2017 foi paga ao A. através de cheque bancário que lhe foi entregue preenchido mas não assinado no escritório do Réu no dia 10/07/2017 e pelo Réu assinado, mediante contacto directo que, para o efeito, o Autor com ele estabeleceu no dia 11/07/2017. 53- O Autor levantava os cheques nas instalações do Réu, nomeadamente no escritório, no decurso do mês seguinte ao vencimento da retribuição que titulavam mediante prévio contacto para saber se já haviam sido emitidos. 54- O Autor sempre teve o propósito e esteve disponível para o retomar a sua actividade profissional ao serviço do Réu. 55- Tendo inclusive, durante o referido período, recebido proposta de trabalho por parte de terceiros que recusou por se encontrar vinculado ao Réu. 56- Autor que até à data do acidente de trabalho que sofreu e desde a data da sua admissão era o único trabalhador do Réu detentor da categoria profissional de «motorista de pesados». 57- Tendo após a sua ocorrência e a incapacidade absoluta para o trabalho que o mesmo para o Autor determinou, o Réu contratado um outro trabalhador, de nome E. A., para, em sua substituição, exercer as funções de «motorista de pesados» até então desempenhadas pelo Autor. 58- Trabalhador E. A. que o Réu manteve ao seu serviço após a «alta» do Autor. 59- E que ao seu serviço continua a exercer a tempo integral as funções que, originariamente, eram desempenhadas pelo Autor. 60- Réu que durante a pendência do contrato de trabalho nunca possibilitou que o Autor gozasse férias. 61- Distribuindo-lhe tarefas e ordenando-lhe o exercício continuado das suas funções profissionais. 62- Justificando-se que não tinha qualquer outro «motorista de pesados» que as pudesse exercer. 63- E que a firma não podia prosseguir a sua actividade sem os seus serviços. 64- Actividade comercial do Réu que era desenvolvida de forma permanente de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro, com interrupções aos dias de domingo e feriados. 65- Sendo que, no seu âmbito, a necessidade de deslocação e distribuição de mercadorias (dos locais de origem para os armazéns do Réu e destes para os locais de destino) se impunha de maneira constante. 66- Não tendo o Réu pago ao Autor a contrapartida respeitante às férias e muito menos respeitante à indemnização devida pela privação do seu gozo. 67- Autor que até à data do acidente de trabalho, exerceu, de forma ininterrupta, as suas funções de «motorista de pesados» nos sobreditos termos de modo, lugar e tempo. 68- A esposa do A. exerce actividade subordinada como «empregada de limpeza» na firma «… - Comércio de Material Elétrico Lda.», auferindo a retribuição mensal base ilíquida de 677,50€, acrescida de subsídio de refeição. 69- E a sua filha menor F. A. é portadora de deficiência e padece de graves problemas de saúde. 70- O A. e o seu agregado familiar vivem em apartamento que adquiriram, com recurso a empréstimo bancário, há aproximadamente 21 anos. 71- Empréstimo relativamente ao qual ainda se encontra em dívida o capital de 10.499,82€, suportando mensalmente o casal um encargo de 240,93€ relacionado com a sua amortização. 72- Para além da remuneração da força de trabalho, não tem o agregado familiar do Autor qualquer outra fonte de rendimento. 73- A cessação do seu contrato de trabalho e o motivo invocado pelo Réu para a justificar tornaram-se do domínio do seu círculo familiar, de amigos e conhecidos. 74- O A. sentiu-se ofendido na sua dignidade com o argumento invocado pelo réu para fazer cessar o contrato de trabalho. 75- A cessação contratual causou ao Autor angústia, sofrimento, preocupação relativamente ao futuro e um profundo sentimento de injustiça. 76- Até meados de Agosto de 2017, data em que obteve novo emprego, o A. socorreu-se do auxílio de terceiros para não incorrerem em situações de incumprimento e, simultaneamente, poderem continuar a satisfazer as suas necessidades básicas. 77- O Autor e sua mulher cultivavam, por cedência gratuita do Réu, um dos quatro lotes de terreno confinantes, sua propriedade, situados no Alto … da cidade de Bragança, nas proximidades da casa que habitam. 78- Que destinavam a horta, nela produzindo alguns produtos agrícolas para consumo próprio (batatas e legumes diversos) e no qual também faziam a criação de animais domésticos (galinhas, patos, etc.) 79- Réu que também num dos 4 referidos lotes de terreno, sua propriedade, para consumo próprio, produzia diversos produtos hortícolas. 80- Local onde, frequentemente, Autor, sua mulher e Réu se encontravam, principalmente aquando da realização dos trabalhos agrícolas relacionados com a preparação e cultivo da terra e, nos meses de verão e ao final do dia, para cuidarem das culturas efectuadas e sua colheita. 81- Ajudando o Autor, sua mulher e seu filho, por regra, o Réu na altura da sementeira das batatas e aquando do seu «arranque», «ensaque» e transporte. 82- Conhecendo os Réus a situação familiar e económica do Autor. 83- O Autor não é filiado em qualquer organização sindical. 84- Desde que no dia 22/02/2017 o Autor compareceu nas instalações do Réu para reiniciar as suas funções, cujo exercício suspendeu por força do acidente de trabalho ocorrido no dia 19/08/2015, nunca o Réu comunicou ao Autor que as retomasse ou para que comparecesse no seu local de trabalho para exercer qualquer espécie de actividade. b) Da contestação 85- O A., esporadicamente, e em períodos de maior volume de trabalho, recebia suplementos remuneratórios como compensação. *** Conhecendo do recurso sobre a matéria de facto (delimitado no Relatório, na síntese do recurso dos RR): A regra legal em sede de modificabilidade da decisão de facto é a de que o tribunal superior deve alterar esta decisão se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC. No ordenamento jurídico português vigora a regra da livre apreciação da prova e subsequente fixação da matéria de facto por parte do julgador, a efectuar segundo a sua prudente convicção, salvo se a lei exigir formalidade especial - art. 607º do Cód. Proc. Civil. A reapreciação da prova em segundo instância, não devendo ser minimalista, nem meramente formalista, deve, contudo, ter presente este princípio, mormente quando incide sobre prova testemunhal, não se escamoteando que ao tribunal superior falta a leitura dos gestos, postura e expressões dos declarantes, complementares da audição e somente assegurados pela oralidade e imediação. Acresce que a reapreciação de prova não equivale a novo julgamento, devendo, com referência à matéria impugnada, circunscrever-se aos casos de clara desarmonia entre a prova disponível e a decisão tomada. Dito isto, passemos ao caso concreto. Procedemos à audição integral dos depoimentos produzidos. *** Quanto ao tema do montante do salário, modo e momento de pagamento: Propõe os RR as seguintes respostas alternativas aos factos 34, 43, 45, 46 e 48 acima assentes: “34 - A. e R. marido, aquando da contratação daquele, acordaram, como contrapartida do trabalho prestado pelo primeiro, uma retribuição mensal líquida de € 614,00 (seiscentos e catorze euros), recebendo ainda, esporadicamente, e em períodos de maior volume de trabalho, suplementos remuneratórios como compensação.” “ 43- E salário convencionado entre Réu e Autor que mensalmente o Réu passou a pagar através de cheque bancário emitido à ordem do Autor”. Os factos 45, 46 e 48 devem ser dados como não provados. Alegam que os extractos bancários da conta do autor, onde constam depósitos, não são documentos idóneos e que a testemunha M. F., trabalhadora ao serviço do Ré com a categoria de assistente administrativa, produz um depoimento que confirma o alegado. A propósito desta questão fez-se constar na decisão recorrida a seguinte fundamentação: -“Quanto à retribuição acordada entre o A. e o R. e ao seu modo e tempo de pagamento (factos 34, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50) deu-se crédito ao depoimento das testemunhas D. R., filho do A. e M. A., esposa do A., os quais referiram nos seus depoimentos que era habitual a esposa do A. conferir, em casa, os montantes que o A. recebia em cheque e em numerário, sendo também a esposa do A. quem, só, ou acompanhada pelo filho, procedia ao depósito dos valores recebidos através de terminais ATM, sendo que por vezes depositava a totalidade, outras vezes valores inferiores e outras, ainda, outros valores provenientes de retribuição que a própria auferia em horas de limpeza que prestava para além do seu trabalho normal, depoimentos estes que são corroborados pelos extractos bancários da conta do A. que constam de fls. 79 vº a 146 vº e que documentam os movimentos dessa conta entre Outubro de 2008 e Agosto de 2017 e de cuja análise se descortinam vários depósitos do montante de 900,00 ou valores aproximados (v.g. fls. 82, 83 vº, 84, 84 vº, 95, 95 vº, 98 vº, 108 vº, 112, e 121 vº, 129 vº, 138 vº, 139, 141, ), e outros depósitos realizados no mesmo dia ou em dias próximos, em que o somatório do valor do cheque, em regra de €646,46 ou valor aproximado e outras quantias em numerário perfaz o valor de €900,46 ou aproximado (v.g. fls. 88 vº, 90, 90 vº e 91, 91 vº, 96 vº, 98 vº100, 101, 101 vº, 102, 103 vº, 104 vº, 105, 106, 107, 109 vº, 110 vº, 112, 113 vº, 114, 115, 115 vº e 116, 117, 117 vº, 118 vº, 119, 120, 120 vº, 123, 123 vº, 124, 126º, 128, 128 vº, 130 vº, 131vº, 132 vº, 133 vº, 134, 135, 136, 136 vº, 138, 139 vº, 140, 140 vº, 141 vº e 142 e 142 vº); tal extracto documenta, ainda, o pagamento de despesas fixas que eram debitadas na conta do A., como referido pela testemunha M. A. e pelo A. em declarações de parte; também o depoimento de parte do R., ao reconhecer que nunca aumentou o vencimento do A. e que paga ao motorista E. A., que contratou para substituir o A., a quantia mensal de €1000,00, corrobora a tese de que o A. auferia a quantia de €900,00 pelas funções de motorista de pesados que desempenhava ao serviço do R. e não apenas o valor que consta dos recibos de vencimento” Ora, da reapreciação de toda a prova produzida, incluindo a documental, resulta que não podemos estar mais de acordo com o decidido em primeira instância. Efectivamente, a tese do RR alicerça-se em exclusivo no depoimento da testemunha M. F., assistente administrativa do R, cujo depoimento, além de isolado e contraditado pelos demais acima mencionados, se afigura parcial e muito pouco credível, repleto de afirmações e de subsequentes rectificações. Igualmente a prova documental é muito significativa, evidenciando-se depósitos na conta do autor com uma cadência constante de cerca de 900€ mensais. Acresce o argumento relacionado com o salário corrente pago aos motoristas de pesados, muito superior aos 614€ invocados pelos RR. Finalmente, afigura-se irrelevante a existência de um depósito bancário de 900€ logo em Outubro apesar de a relação laboral, segundo os factos apurados, ter o seu início em Novembro, porquanto só por motivos formais (extemporaneidade de alegação e de rectificação (3)) não foi permitida produção de prova reportada a tal data, questão que não se confunde com a prova do montante do vencimento. *** Quanto ao tema do trabalho ao SábadoPropõe os RR a seguinte resposta alternativa ao facto 41 acima assente: “41- Fixando e impondo o Réu ao Autor, após a sua contratação, um horário de trabalho, que o Autor passou a executar, compreendido entre as 08:00H e as 17:30H de segunda a sexta-feira com descanso para almoço entre as 12:00H e as 13:30H, trabalhando esporadicamente aos sábados, situação em que auferia 40 € por cada sábado.” A propósito desta questão fez-se constar na decisão recorrida a seguinte fundamentação: “Quanto ao horário de trabalho do A., diário e semanal (factos 41 e 42), foram decisivos os depoimentos das testemunhas D. R. e M. A., filho e esposa do A., que foram peremptórios em afirmar que o A. iniciava o trabalho, de segunda a sexta-feira, às 8h00 e terminava muitas vezes depois das 18h00, fazendo intervalo para almoço entre as 12h00 e as 13h30, quando ficava em Bragança e ia almoçar a casa, que quando tinha de sair para fora de Bragança iniciava mais cedo, de madrugada e acontecia voltar mais tarde e que trabalhava todos os sábados das 8h00 às 13h00; tais depoimentos foram corroborados pelos das testemunhas B. e P. P. e P. T., profissional de seguros, sendo o A. seu amigo e cliente, os quais referiram ter visto várias vezes o A. aos sábados de manhã a conduzir viaturas do R. e a fazer cargas num armazém do R.; e das testemunhas N. D., que é trabalhador do R., empregado de armazém e foi colega de trabalho do A., o qual reconheceu que ele próprio, testemunha, trabalha ao sábado, afirmando, porém, desconhecer se o A. também trabalhava ao sábado e M. F., empregada do R., com funções administrativas, a qual, embora tivesse afirmado que apenas esporadicamente havia prestação de trabalho ao sábado, admitiu que ela própria, por sua livre iniciativa, ia trabalhar ao sábado para pôr os seus papéis em ordem; por fim, o próprio R. admitiu que o A. trabalhava ao sábado, nos meses de Maio, Junho e Julho e que lhe pagava 40€ por cada sábado.” Nesta matéria o meio de prova invocado pelos RR é também, exclusivamente, o depoimento de M. F., dando-se por reproduzidos as considerações que acima fizemos sobre a falta de credibilidade da testemunha e o carácter isolado do depoimento nesta matéria, anotando-se que no início do depoimento começa por dizer que não, ninguém trabalhava ao sábado, seguindo-se uma série de rectificações até admitir que ela própria ia trabalhar ao sábado e o autor também, pelo menos nos meses de Maio e Junho. De resto, o próprio réu também admitiu o trabalho ao sábado em alguns meses, em Maio e Junho e também “na castanha” que ocorre sobretudo nos meses de Outubro a Dezembro, bem como que o autor ia para o armazém aos sábados ”lavar o carro e que como eram amigos não o mandava embora” (sic). Importa ainda mencionar os depoimentos das testemunhas D. R. e M. A., filho e esposa do A. e a forma de depor que se afigurou isenta e séria, sendo aqueles corroborados pelos depoimentos de B. e P. P. e P. T.. *** Tema do momento de pagamento da retribuição do mês de junho de 2017 (com relevo na sindicância da tese do abandono ao trabalho ou despedimento)Propõe os RR a seguinte resposta alternativa ao facto 52 acima assente: 52 - O Autor compareceu na empresa no dia 30 de junho de 2017 e levantou o cheque correspondente à retribuição do mês de junho de 2017, cheque nº 4059105142, com data de 30-06-2017, sacado sobre a …, no valor de 646,46 €, tendo prometido comparecer ao trabalho no dia 3 de julho de 2017”. O meio de prova invocado é o depoimento da mesma testemunha. A propósito desta questão fez-se constar na decisão recorrida a seguinte fundamentação: “Depoimento de parte do Réu A. N., que admitiu a materialidade fáctica vertida nos nºs 38, 39, 40, 52…” Ora, o depoimento da referida testemunha é tão pouco credível que é contraditado pelas declarações/depoimento de parte do próprio réu que admitiu que o cheque referente ao mês de Junho foi entregue no seu escritório “pela M. F.” sem estar assinado e que o assinou mais tarde, na “horta”, nas ..., o que aconteceu nos primeiros dias do mês de Julho. *** Tema do abandono do trabalho:Propõe os RR que seja dado como não provado o facto acima assente nº 54- O Autor sempre teve o propósito e esteve disponível para o retomar a sua actividade profissional ao serviço do Réu.” O meio de prova invocado é o mesmo depoimento da testemunha M. F.. A propósito desta questão fez-se constar na decisão recorrida a seguinte fundamentação: “-Quanto às razões da ausência do A. ao trabalho entre 23/2/2017 e 11/7/2017 e seu conhecimento pelo R., à disponibilidade do A. para trabalhar e à falta de comunicação do R. para que o A. retomasse as suas funções (factos 51, 54, 55 e 84), a prova de tais factos resultou do depoimento de parte do R., que reconheceu que pelo menos até ao final do mês de Junho de 2017 consentiu na ausência do A. e pagou-lhe o vencimento por estar convencido que este não ia trabalhar porque não podia, convencimento que já não tinha no mês de Julho porque o teria visto a trabalhar para outros, afirmação que, porém, não encontra qualquer suporte nos factos alegados na contestação, nem na prova produzida; resultou também dos depoimentos das testemunhas D. R. e M. A., filho e esposa do A.; o primeiro acompanhou o seu pai no dia 10/7/2017, quando este se dirigiu às instalações do R. para ir buscar o cheque para pagamento do mês de Junho, referindo que nessa ocasião o A. interpelou a funcionária do escritório, M. F., perguntando-lhe quando é que começava a trabalhar e esta apenas lhe disse quando houvesse mais trabalho; a segunda referiu que interpelou por diversas vezes o R., quando se encontravam nas hortas contíguas que cultivavam, perguntando-lhe quando é que chamava o marido, V. M., para trabalhar, respondendo-lhe este que o chamaria no tempo do cereal, quando houvesse mais trabalho e que primeiro tinha de resolver o contrato com o E. A., motorista que contratara para substituir o A.; e do depoimento da testemunha L. M., que referiu ter ligado ao A. em data que não soube precisar porque precisava de um motorista e este ter-lhe respondido que ainda estava vinculado ao R. A. N.; corroboram também os factos em causa os documentos de fls. 170 e 170 vº, constituídos por extracto de remunerações relativo ao A. emitido pelo CDSS de …, relativo às remunerações declaradas a partir de Junho 2017, do qual resulta que o A., logo em Agosto de 2017 começou a trabalhar por conta de outrem. Concordamos na integra com a matéria dada como provada e com a fundamentação que reproduzimos quanto aos meios de prova e sua credibilidade, resultando da reapreciação da prova que o autor sempre esteve disponível para trabalhar e que somente não o fez, porque o R não o permitiu, dado que tinha outro trabalhador a ocupar o lugar do A. *** Tema da falta de gozo de fériasPropõe os RR que também seja dado como não provados os factos acima assentes 60, 61, 62, 63 e 64 (questão da falta de gozo de férias), devendo antes ser dado como provado que em 22-2-2017 o Autor tinha direito a gozar 61 dias uteis de férias acumulados, em que tinha anteriormente consentido, que gozou até 23-05-2017. Invoca o depoimento da mesma testemunha e o dossier junto já no decurso da audiência de julgamento. A propósito desta questão fez-se constar na decisão recorrida a seguinte fundamentação: “Quanto à não concessão do gozo de férias (factos 56 e 60 a 67), a prova dos factos resulta do depoimento das testemunhas M. A., esposa do A., que declarou que o marido nunca teve férias e que sempre que as pedia, havia sempre alguma coisa para fazer, fazendo referência ao facto do réu nem sequer ter concedido ao A. a licença de nojo por morte da sogra, pois no próprio dia do funeral, à noite, o chamou para ir trabalhar no dia seguinte; o próprio R., no seu depoimento de parte, a propósito do gozo de férias pelo A., referiu que este is para a Sr.ª … (referindo-se a uma romaria popular da região que ocorre nos primeiros oito dias do mês de Setembro), trabalhando de manhã e indo à tarde para o santuário, onde pernoitava e que tinha ido uma vez para Israel por conta da Volvo durante duas semanas, tendo o A. esclarecido, em declarações de parte, que a deslocação a Israel foi apenas cinco dias, em meados de 2014, em representação da empresa num concurso de motoristas de pesados organizado pela Volvo, que também custeou as despesas e que sempre que pedia férias, o R. A. N. tinha sempre trabalho para lhe dar e prometia pagar-lhe as férias mas nunca pagou; além disso, o R. também reconheceu que o A. tinha pelo menos 61 dias úteis de férias vencidas para gozar, sustentando ambos que foi acordado com o A. que as gozaria entre o dia 23/2/2017 e o dia 24/05/2017, versão que, porém, foi contrariada pelo A. em declarações de parte e pelas testemunhas M. A. e D. R., referindo aquela que o próprio R. sempre lhe disse que o A. deveria aguardar em casa que ele, R., resolvesse o problema com o motorista que tinha contratado para substituir o A. e que o chamaria quando houvesse mais trabalho; também a testemunha N. D., empregado do R., referiu que o A. o visitava no local de trabalho, um armazém do R. sito na Zona Industrial das ..., junto ao …, no período referido e nunca lhe referiu o facto de se encontrar em gozo de férias; mais resultou dos depoimentos das testemunhas M. F. e N. D. que a empresa do R. labora todo o ano e que o A. era o único trabalhador do R. habilitado a conduzir os veículos pesados de mercadorias, designadamente o “trailer”, o que corrobora a versão do A. de que o seu trabalho era sempre necessário à continuidade da actividade comercial do R.” Reapreciada a prova com audição de todos os depoimentos apenas há que referir que a matéria foi dada como provada com todo o rigor e acerto, sobressaindo abundantemente a falta de razão dos RR, sendo evidente a falta de rigor da testemunha M. F. que começa por referir, quanto aos 60/62 dias, que não sabe precisar que férias eram essas, “seriam atrasadas”, para posteriormente ir corrigindo o depoimento, sendo certo que o próprio R. admite que nunca marcou as férias do A., que o A “saía quando precisava” ou se “ia ao médico”, etc… De resto, o dossier junto aos autos contém documentação com conteúdo não aceite pela parte contrária e não suportado ou completado por outros meios idóneos de prova. *** Em suma, mantemos inalterada a matéria de facto sobre a qual incidiu o recurso dos RR e acima transcrita, que reproduzimos.B) ENQUADRAMENTO JURÍDICO Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes (4) e já decididas as questões de prova, as questões de direito unicamente dependentes da alteração da matéria de facto (diferenças retributivas entre o vencimento liquido convencionado e os valores pagos a título de subsídios de férias, natal, e férias, decorrentes da prova do salário superior de 900€, abandono do posto de trabalho/despedimento) são, consequentemente, improcedentes dada a prévia improcedência da matéria de facto, remetendo-se para a fundamentação jurídica da decisão recorrida. Restam assim para decidir as seguintes questões: 1- Saber se à relação laboral é aplicável o CCT acima identificado celebrado entre a ADIPA e FETESE, por força de Portaria de Extensão (questão de direito invocada pelo A); 2- Fixação do valor da indemnização em substituição da reintegração por despedimento ilícito. 3- Saber se deveriam ter sido liquidadas as retribuições intercalares; 4- Saber se o autor tem ou não direito a indemnização por danos não patrimoniais; 5- Saber se o autor tem direito a compensação por violação do direito a férias (anos de 2013 e 2014) e se esta é cumulável com a retribuição de férias; 6- Saber se as férias vencidas há mais de cinco anos (2009 a 2012) se encontram prescritas, por ausência de documento idóneo- artº 337º, nº 2, Cód. Do Trabalho. *** Questão da aplicação do CCT ADIPA-FETESE O autor invoca a aplicação do CCT celebrado entre a ADIPA – Associação dos Distribuidores de Produtos Alimentares e outros e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outro (5). Enfatizamos que o recurso incide somente sobre a matéria de direito conforme expressamente declarado pelo autor, pelo que as alusões que faz, a meio das suas alegações, relativas a depoimento do réu sobre os produtos que comercializa em nada relevam, porquanto o autor não impugnou a matéria de facto (nem tão pouco indicou pontos concretos erradamente julgados e decisão alternativa), pelo que a única matéria factual a considerar é a supra elencada – art. 640º, 1, a, c, 652º, 1, b), do Cód.P.C. É pacífico entre as partes que somente por via não negocial se pode equacionar a aplicação do CCCT ADIPA-FETESE, dado que o autor não está filiado em qualquer associação sindical e nada se apurou relativamente ao R. empregador no que se refere à filiação em associação de empregadores. Quer o Código do Trabalho de 2003 (art. 575º), quer Código do Trabalho de 2009 (art. 514º), determinam que as CCT podem ser estendidas, por via de portaria de extensão, a empregadores do mesmo sector económico de actividade e a trabalhadores integrados na mesma ou em análoga profissão, definidas naquele instrumento. O que subjaz à possibilidade de extensão de regulamentação a entidades ”estranhas” ao acordo negocial (6) é a identidade ou semelhança económica e social das situações previstas no IRC negocial e no âmbito da portaria de extensão e a ideia de igualdade de tratamento em situações de vazio de regulamentação. Na concretização do tipo de actividade económica exercido pelo empregador há que recorrer ao objecto social da empresa e ao conjunto da actividade efectivamente exercida, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinal pacífico e sedimentado ao longo do tempo. Precisamente, a decisão recorrida excluiu a aplicação do CCT invocado pelo A. por entender que não existe esta identidade, referindo-se que “…a actividade desenvolvida pelo R. refere-se ao comércio de produtos agrícolas e para a agricultura, sendo que o único elemento comum à actividade das empresas abrangidas pelo CCT em questão é o comércio de sementes”. O enquadramento jurídico que foi feito não merece reparo. Vejamos. O CCT da ADIPA – Associação dos Distribuidores de Produtos Alimentares e outros e da FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outro dispõe, na sua cláusula 1ª, que o mesmo obriga, por um lado, as empresas que no território de Portugal continental e nas Regiões Autónomas exerçam a actividade de comércio de armazenagem e ou distribuição de produtos alimentares por grosso ou por grosso e retalho, distribuição de bebidas, armazenagem, importação e exportação de frutos, produtos hortícolas e sementes e armazenagem, importação e exportação de azeites filiadas nas associações ADIPA, ANAIEF e Casa do Azeite e, por outro, os trabalhadores ao serviço dessas empresas filiados nas organizações sindicais outorgantes. A Portaria 1191/2006 de 3 de Novembro, estendeu a referida CCT, no território do continente, às relações de trabalho entre empregadores não filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam a actividade de armazenista, importador ou exportador de frutas, produtos hortícolas ou sementes, armazenista, importador ou exportador de azeite, bem como às que, em exclusivo, se dediquem à distribuição por grosso de produtos alimentares e ainda às que exerçam a actividade de distribuição de águas refrigerantes e cervejas e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção. E também às relações de trabalho entre empregadores filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam as actividades económicas mencionadas na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção não representados pelas associações sindicais outorgantes. Com interesse importa, ainda, referir que no preâmbulo da referida portaria faz-se menção à preocupação de aproximar os estatutos laborais dos trabalhadores, visando-se, assim, no plano social, uniformizar as condições mínimas dos trabalhadores e, no plano económico, aproximar as condições de concorrência entre as empresas de sectores idênticos aos da CCT. Decorre, ainda, do teor da CCT e da PE que as actividades económicas contempladas são: 1) A actividade de armazenista, importador ou exportador de frutas, produtos hortícolas ou sementes. Esta é a única sobre a qual poderá haver discussão na aplicação ao caso concreto. 2) A actividade de armazenista, importador ou exportador de azeite, a qual, liminarmente, por razões óbvias, face à matéria provada, diremos que não se aplica aos autos; 3) A actividade, em exclusivo, de distribuição por grosso de produtos alimentares (mercearias), a qual, também obviamente, não se aplica ao R. 4) A actividade de distribuição de águas refrigerantes e cervejas, que liminarmente, por razões óbvias, face à matéria provada, diremos que não se aplica aos autos. Com relevo nesta matéria temos como provado nos autos que: 1- O Réu marido é empresário, dedicando-se, em nome individual, ao comércio de armazenagem, distribuição e exportação por grosso de produtos agrícolas e para a agricultura, designadamente e entre outros, cereais, batata, sementes, palha, feno e castanha. 2- Actividade que desenvolve em instalações próprias sitas na Estrada da … Km 3 do concelho de Bragança. 3- Local onde tem organizados os meios humanos e materiais necessários ao desenvolvimento do seu comércio. 5- No exercício da sua actividade, o A. conduzia veículos automóveis pesados (camiões) para o transporte de mercadorias. 33- O A. foi admitido pelo R. para, sob suas ordens, direcção e fiscalização, exercer funções inerentes à categoria profissional de motorista de pesados. 38- E transporte de mercadorias que o Autor desde a data em que iniciou as suas referidas funções profissionais para o Réu passou a desenvolver essencialmente em trajectos dentro da região norte de Portugal e, por vezes, em Espanha. 39- Sendo regular, dentro da primeira, o transporte de produtos para clientes do Réu sediados nas áreas metropolitanas do Porto, Braga e localidades limítrofes. 40- Regressando às instalações do Réu com produtos provenientes desses lugares e destinados à sua actividade de intermediação. 65- Sendo que, no seu âmbito, a necessidade de deslocação e distribuição de mercadorias (dos locais de origem para os armazéns do Réu e destes para os locais de destino) se impunha de maneira constante. Como caracterizar então a actividade económica do R? Ao contrário do que afirma o autor, não ficou provado que réu se dedicasse à armazenagem, distribuição e exportação por grosso de frutos e de produtos hortícolas. Da matéria provada resulta, antes, que a actividade principal do réu é o comércio por grosso de armazenagem, distribuição e exportação de produtos agrícolas e para agricultura, tais como cereais, batata, sementes, palha, feno e castanha e outros… Sendo que a expressão “outros” se refere a exemplos de produtos agrícolas e para a agricultura, onde podem caber, designadamente, adubos. Logo, a actividade do réu não incide sobre produtos hortícolas, sendo que a horticultura é um ramo específico da agricultura referente à produção e aproveitamento dos frutos, legumes, árvores, arbustos e flores, em espaços de hortas e jardins. Assim, dissecando, o R não é essencialmente um armazenista, importador ou exportador de produtos hortícolas/legumes, de que são exemplos, correntes e fáceis de apreender, a alface, a beterraba, os brócolos, a ervilha, a fava, a couve flor, a beringela, as hortaliças, etc, pelo que a alusão à batata é insuficiente. Pode-se também afirmar que o reu não é essencialmente um armazenista, importador ou exportador de produtos hortícolas/frutas na acepção referida (distribuir castanha cerca de 2/3 meses no ano não integra o conceito de comércio de frutos/fruticultura). É verdade que também comercializa sementes, mas esta afigura-se ser apenas um componente menor e parcelar no todo da sua actividade de comércio de armazenagem e distribuição que incide sobre produtos agrícolas e para a agricultura, que é um conceito económico mais genérico, amplo e diferente, não havendo assim a identidade económica que justifique a extensão da CCT. Assim, concorda-se com a decisão recorrida de que o CCT da ADIPA não é aplicável à relação laboral em causa, não havendo identidade económica entre a actividade económica principal desenvolvida pelo R. e as previstas no CCT ADIPA e na portaria de extensão. Nem, consequentemente, existe necessidade de igualdade de tratamento, sendo que a empresa do réu dificilmente concorre com uma empresa cuja actividade de comércio incida sobre produtos hortícolas e de frutos, pelo que não procedem as razões justificativas que subjazem à regulamentação da CCT e da PE. Com interesse na matéria consultámos na jurisprudência o Acórdão da Relação de Coimbra de 18/05/2018, in www.dgsi.pt, onde se analisa um caso em que é precisamente invocada e denegada a aplicação do CCT ADIPA. Na doutrina, sublinhando a necessidade de a actividade de o empregador (7) se situar no mesmo sector económico, consultámos José Andrade Mesquita, Direito do Trabalho, 2003, 129 a 131 e, ainda, no sentido de que a extensão de uma CCT só é aplicável no mesmo sector económico ou numa área com semelhança económica e social, não sendo licito fazê-lo em situações económicas e sociais diversas, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Janeiro de 2004, p. 1013 a 1018 *** Fixação do valor da indemnização em substituição da reintegração por despedimento ilícito.Defendem os RR que a fixação de 40 dias de indenização é excessiva, propondo unicamente 15 dias, em caso de procedência deste pedido do autor. De acordo com o art. 389º do Cód. do Trabalho (2009), sendo o despedimento declarado ilícito, o trabalhador tem direito a ser indemnizado pelo empregador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais. E, na vertente que ora interessa analisar, de acordo com o art. 391º do Cód. do Trabalho (2009), tem o direito à reintegração no seu posto de trabalho ou, em alternativa, a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade. Para a sua fixação atende-se ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação legal prevista no art. 381ºdo mesmo diploma, não podendo ser inferior a três meses de retribuição de base e diuturnidades e contando-se todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial. Assim, os critérios de determinação do quantum da indemnização são o valor da retribuição e o grau de ilicitude do despedimento. Tem sido considerado que a ponderação do valor da retribuição que a lei quis sugerir será o de atribuir uma indemnização maior aos casos de retribuições mais baixas e vice-versa, com o objectivo de se alcançar um valor que, em termos absolutos, seja compensador - António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho, 12ª edição, p. 564. No caso concreto, considerando o valor do salário mínimo nacional e, bem assim, a média dos salários praticados em Portugal, poderemos afirmar que, embora o autor ganhe acima do mínimo, no cômputo global trata-se de um vencimento mediano e, dentro deste, a pender mais para um salário médio baixo. No que se refere ao critério do grau de ilicitude, por força da remissão (391º, 1, CT) para a ordenação das causas de ilicitude mencionadas no art. 381º do CT, haverá que considerar o elenco legal de motivos ilícitos de despedimentos, a saber motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, seguido de despedimento com motivo julgado improcedente, depois o despedimentos sem processo disciplinar e, finalmente, os casos de falta de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidade entre homens e mulheres nos despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador em gozo de licença parental inicial. Pese embora a lei não hierarquize claramente quais os casos de ilicitude mais graves, à partida será menos grave um despedimento que enferma apenas de vício processual e, mais grave, um despedimento sem justa causa ou por motivos racistas ou políticos, sem prejuízo da ponderação concreta do caso controvertido. Ora, no caso, o grau de ilicitude do despedimento afigura-se elevado. Efectivamente, concorda-se com o teor da decisão recorrida no segmento transcrito: Quanto ao grau de ilicitude, revela-se o mesmo elevado, uma vez que o R. procedeu ao despedimento do A. aproveitando uma situação de ausência ao trabalho do A. que previamente tinha autorizado durante mais de quatro meses, o que lhe impunha, em obediência ao princípio da boa-fé plasmado no art. 126º nº 1 do Código do Trabalho, que comunicasse expressamente ao A. a cessação dessa autorização/consentimento e o advertisse da necessidade de comparecer ao serviço, o que não fez, optando, antes, por utilizar o expediente do abandono do trabalho sem que estivessem reunidos os seus pressupostos legais. Assim sendo, afigura-se-me justo fixar o valor da indemnização em 40 dias, o que, atenta a antiguidade do A. até à presente data2 (11 anos, 3 meses e 15 dias), perfaz o montante de €14.400,00 (€900,00:30x40x12), sem prejuízo do tempo que decorrer até ao trânsito em julgado da presente sentença. Assim, no caso, o grau de ilicitude é duplamente elevado, porque o motivo invocado para cessar o contrato é falso e não existe justa causa (razão substancial), acrescendo que o despedimento também não foi precedido de processo disciplinar (razão formal). Mais consideramos que a indemnização mínima propugnada pelos RR deve ficar reservada sobretudo para os casos de irregularidade formal do despedimento (vg. falta de processo disciplinar) mas em que, na verdade, se vislumbram motivos substanciais para a cessação da relação laboral em razão de uma conduta de incumprimento contratual por parte do trabalhador. Não é o caso dos autos, em que se provou o inverso, isto é, o autor, de boa fé, sempre esteve disponível para trabalhar, confiando no réu, atenta também a relação paralela de amizade entre as famílias do A e dos RR, acabando por ser surpreendido, sem que nada o fizesse supor, por uma declaração de despedimento com invocação de factos falsos relativos ao abandono de trabalho. Não merece, assim, censura, a indemnização fixada de 40 dias atento, sobretudo, a elevada ilicitude. *** Liquidação das retribuições intercalaresDizem os RR que as retribuições intercalares deveriam ter sido liquidadas, dado que o autor trabalhou entre agosto e outubro de 2017 e, assim, existem já elementos para tal. Também nessa parte os RR carecem de razão. O autor apenas intentou a acção em 2/10/2107 e, por isso, restringiu, nos termos legais, o pedido das retribuições intercalares às vencidas desde 30 dias antes e até ao trânsito em julgado da decisão final. A decisão recorrida condenou os RR no pagamento das retribuições vencidas desde 2/9/2017 e vincendas até ao trânsito em julgado da sentença, as quais perfazem €19.314,65 até à data da decisão em 1ª instância, montante final a que, porém, haverá que descontar o subsídio de desemprego que o A. tiver, eventualmente, auferido, condenando-se os RR. a entregar essa quantia relativa a subsídio de desemprego à segurança social, bem como as importâncias que o trabalhador tiver auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, tudo a liquidar oportunamente. No que se refere às quantias recebidas pelo autor de rendimentos de trabalho após o despedimento apenas se provou que: 76- Até meados de Agosto de 2017, data em que obteve novo emprego, o A. socorreu-se do auxílio de terceiros…. Ou seja, apenas se sabe que em meados de Agosto de 2017, o autor obteve emprego, desconhecendo-se quanto recebia e por quanto tempo se manteve empregado. De resto, os RR nada alegaram nesta matéria, pelo que em cumprimento do disposto no art. 609º, 2, do Cód. Civil, não havendo elementos para fixar em quantidade, bem andou a senhora juiz em relegar para momento posterior o montante final das retribuições intercalares que, em bom rigor, somente se estabiliza com o trânsito em julgado da decisão final. *** Indemnização por danos não patrimoniaisInsurgem-se os RR contra o facto de terem sido condenados no pagamento de 1.000€ a título de danos não patrimoniais. A lei laboral consagra o direito à indemnização por danos não patrimoniais em caso de despedimento ilícito, devendo recorrer-se à regras gerais da responsabilidade civil por factos ilícitos, donde resulta que o dever de indemnizar depende da concorrência dos requisitos da ilicitude do facto lesivo, da culpa do lesante, do dano e o nexo de causalidade entre este e o facto lesivo – art.s 389º, 1 al. a), CT e 483º e segs. do Cód. Civil. No caso de danos não patrimoniais, exige-se, acrescidamente, que estes, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º do Cód. Civil. No domínio laboral tem, ainda, sido sublinhado pela doutrina e jurisprudência que este dano moral deve revestir um grau acrescido de lesão, dado que, por um lado, qualquer despedimento acarreta, por natureza, danos inerentes à perda do vinculo laboral e, por outro lado, a lei prevê já uma indemnização por ilicitude do despedimento a fixar entre 15 a 45 dias. Haverá, ainda, que atentar em especial no grau de culpa do lesante e na eventual contribuição para o evento por parte do trabalhador – Acórdão do STJ de 21-03-2018, in www.dgsi.pt. No que se refere à fixação do montante da indemnização por dano moral a lei civil refere que o mesmo é fixado com recurso à equidade tendo em conta, além do referido grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias específicas do caso – art. 494º por remissão do art. 496º do Cód. Civil. Na decisão recorrida fez-se constar que: “Ora, os factos provados e supra descritos integram-se na categoria de danos de natureza não patrimonial, traduzidos no sofrimento psíquico e moral de que são manifestações os sentimentos de angústia, preocupação relativamente ao futuro, indignação e injustiça que o A. experimentou por causa do despedimento. Tais danos, se bem que expectáveis e normais numa situação de ruptura involuntária do vínculo laboral, são exponenciados pela efectiva situação de carência económica do A. e seu agregado familiar, cuja sobrevivência dependia dos rendimentos do trabalho auferidos pelo A. e sua esposa, situação que era conhecida dos RR. e, ainda pelo particular contexto de relacionamento entre o A. e seu agregado familiar e os RR., pautado por relações de amizade próxima que o despedimento perpetrado pelo R. atingiu e feriu. Assumem, pois, relevância suficiente para serem tutelados pelo direito. Está, assim, demonstrada a verificação dos requisitos do dano e do nexo de causalidade entre este e o facto lesivo (o despedimento). Também se verifica o requisito da ilicitude do despedimento, por não ter sido precedido das formalidades legais. Quanto à culpa, ela está presente, pelo menos na veste de negligência, já que o R. podia e devia ter agido de outro modo, designadamente, fazendo saber ao A. que se deveria apresentar ao trabalho antes de encetar qualquer tipo de procedimento conducente à cessação do vínculo. Ponderados, em conjunto, o grau de ilicitude e de culpa do R. empregador, tem-se por justa e adequada uma compensação de €1.000,00 a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo A. em consequência do despedimento. Entendemos que a decisão recorrida é acertada tendo sido provados danos de gravidade acrescida suficientes tais como angústia, sofrimento, preocupação relativamente ao futuro, profundo sentimento de injustiça, tendo o A. de socorreu-se do auxílio de terceiros para satisfazer as suas necessidades básicas. Acresce que a família vivia dos rendimentos do trabalho, tendo o autor uma filha menor deficiente e com graves problemas de saúde, circunstâncias de que os RR estavam cientes em razão do relacionamento de amizade que antes mantinham. Se a este quadro somarmos o facto de não haver contribuição de culpa por parte do autor, mas, ao invés, culpa exclusiva do réu neste evento, concluiremos, nos termos supraditos, que estamos perante um dano não patrimonial a merecer indemnização cujo quantum fixado em 1ª instância é sensato e não merece reparo. *** Compensação por violação do direito a férias (anos de 2013 e 2014) e cumulação com a retribuição de fériasAlegam os RR que não se comprovou comportamento culposo do R que obste ao gozo de férias. O trabalhador tem direito a um período mínimo de 22 dias de férias em cada ano civil, reportadas ao trabalho prestado no ano precedente, sendo marcadas por acordo entre empregador e trabalhador e, na falta de acordo, é o empregador que cumpre marcar as férias, por norma entre 1 de Maio e 31 de outubro - art.s 237º a 247º do Cód. do Trabalho. Até 15 de abril de cada ano o empregador deve elaborar o mapa de férias e fixá-lo no local de trabalho entre essa data e 31 de outubro. O direito a férias é um direito irrenunciável (8), com protecção constitucional (art. 59º, 1, d), CRP) que visa essencialmente garantir a tutela da saúde/repouso do trabalhador e a recuperação física para o subsequente ano de trabalho, bem como garantir-lhe disponibilidade e condições de integração familiar, social e cultural. O escopo e natureza do direito a férias reflecte-se no seu regime jurídico, designadamente no direito de receber uma retribuição durante um período em que o trabalhador não está ao serviço. Bem como no estabelecimento de uma compensação equivalente ao triplo da retribuição correspondente ao período em falta caso o empregador obste culposamente ao gozo de férias - art. 246º do Cód. Trabalho. Compensação acrescida, nos termos da mesma disposição, do gozo do período em falta até 30 de abril do ano subsequente. Caso o contrato cesse sem ainda as ter gozado, tem naturalmente direito ao crédito vencido – art. 245º, 1, al. a), Cód. do Trabalho. Na verdade, o direito à retribuição por férias decorre do contrato de trabalho e consiste no simples direito legal de o trabalhador receber uma remuneração num período de não trabalho. E com isto estamos já a responder à questão teórica alegada pelos RR de duplicação entre a compensação pelo não gozo de férias e a retribuição de férias, negando-lhe razão. Uma coisa é o direito à retribuição de férias que é sempre devida desde que se faça a mera prova de não gozo de férias, outra coisa é o direito à compensação pelo não gozo que depende da prova adicional de que o empregador obstou culposamente ao gozo de férias, prova a cargo do autor enquanto facto constitutivo do seu direito. E, quanto à prova e subsunção dos factos no conceito de comportamento culposo do empregador obstaculizando as férias, face aos factos tidos como provados nos art.s 56 e 60 a 65, não restam dúvidas de que, no caso concreto, o réu obstou culposamente ao gozo de ferias. Neste conceito, além da conduta omissiva do empregador em não marcar férias no período legal, cabe também a sua conduta activa, nunca possibilitando o gozo de férias, distribuindo trabalho ao autor todo o ano, invocando que não tinha outro motorista de pesados e que a firma não podia prosseguir a sua actividade sem os seus serviços. Este comportamento integra, portanto, um claro obstáculo criado pelo empregador ao gozo de férias, capaz de conferir ao autor direito à legal compensação. *** Prescrição de férias vencidas há mais de cinco anos (2009 a 2012), porque o Autor não terá logrado fazer prova por documento idóneo (artº 337º, nº 2, CT). Diremos apenas que decorre da própria disposição legal citado pelos RR o estabelecimento de um regime especial de prescrição de créditos que apenas abrange a compensação por violação de direito a férias (que o autor logo restringiu na p.i. aos últimos 5 anos), a indemnização por aplicação de sanção abusiva e o pagamento de trabalho suplementar. Todos os demais créditos, incluindo o crédito decorrente da retribuição de férias (237º e 245º, 1, a), do Cód. do Trabalho), estão contemplados no nº 1 do citado artigo 337º. Assim sendo, com excepção dos três referidos casos, o prazo de prescrição dos créditos laborais é de um ano e só começa a contar no dia seguinte ao da efectiva ruptura da relação laboral, norma tradicional no nosso sistema legal e que tem por fim obstar à maior dificuldade de o trabalhar accionar o empregador enquanto se mantém a relação de subordinação. Assim sendo, improcede também esta última alegação. III. DECISÃO Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do Cód. de Proc. Civil, acorda-se, no Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento aos recursos de apelação interpostos pelo autor e pelos réus, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida. Custas a cargo dos Recorrentes Notifique. Guimarães, 7-11-2019 Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) Antero Dinis Ramos Veiga Alda Martins Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C 1. A extensão dos efeitos de uma CCT por via de portaria de extensão depende, entre o mais, da existência de similitude entre o sector económico previsto nos IRCT e a actividade económica principal a que o empregador se dedica. 2. Similitude que não existe se a ré se dedica apenas complementarmente a uma das actividades contempladas na PE e na CCT. 3. A actividade de comércio de produtos agrícolas e para a agricultura não é o mesmo que actividade de frutas e produtos hortícolas. 4. Se o empregador culposamente obsta ao gozo de férias fica obrigado a pagar a compensação em triplo do valor da retribuição e a própria retribuições de férias, por terem escopo e dependerem de requisitos diferentes. 5. Em caso de despedimento ilícito o trabalhador tem direito a indemnização por danos morais se a natureza da lesão extravasar os prejuízos normais decorrentes da cessação contratual e atingirem gravidade suficiente, devendo, para efeito, ser ponderada a eventual existência de contribuição e culpa do trabalhador no despedimento. 6. Num despedimento ilícito, não é excessivo a indemnização em substituição da reintegração fixada em 40 dias, se o montante de salário for algo abaixo do que se considera médio, o grau de ilicitude for elevado por concorrerem várias causas de ilicitude (inexistência de razões substanciais para despedir e inexistência de processo disciplinar), associado a um grau de culpa do empregador bastante elevado. Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) 1. Publicado no B.T.E. n.º 16, de 29/04/2006 com a rectificação no n.º 20, e seg.s 2. Publicada no DR (Diário da República) n.º 212/2006, Série I, de 03/11/2006 e demais que lhe foram posteriores. 3. Conforme acta de 22/05/2018. 4. Segundo os artigos 635º, 4 e 639º e 640% do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s. 5. Publicado, no que para o caso releva, nos Boletins Trabalho Emprego n.º 16, de 29/04/2006 com a rectificação no n.º 20, de 29/05/2006 e n.º 47, de 22/12/2006, n.º 11, de 22/03/2007, n.º 8, de 29/02/2008, n.º 8, de 28/02/2009, n.º 19, de 22/05/2011, n.º 40, de 29/10/2011, n.º 28, de 29/07/2013, n.º 21, de 08/06/2015 e n.º 47, de 22/12/2015, com Portarias de Extensão publicadas nos BTE.s n.º 40, de 29/10/2006, n.º 34, de 15/09/2007, n.º 27, de 22/07/2008, n.º 30, de 15/08/2009, n.º 19, de 22/05/2012 e n.º 41, de 08/11/2015. 6. Por não operar o principio da dupla filiação. 7. No que respeita ao trabalhador, in casu, não se colocam dúvidas, dado que a profissão de motorista de pesados encontra-se contemplada na CCT. 8. Permite apenas a renúncia parcial, desde que salvaguardados 20 dias de férias. |