Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1397/18.1T8VCT.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
AUTENTICAÇÃO
REGISTO PREDIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Não revestindo o acto de autenticação mais do que uma formalidade extrínseca em relação ao documento particular de constituição ou reconhecimento de uma obrigação, sendo o documento particular claro e inequívoco quanto à natureza da obrigação nele reconhecida, modo de cumprimento e pessoas vinculadas, e expressando os termos de autenticação a concordância com o seu conteúdo, tal basta para que se mostrem reunidas as condições necessárias à exequibilidade do título.
II – Estão sujeitos a depósito electrónico os documentos particulares autenticados que titulem actos sujeitos a registo predial nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, bem como os documentos que os instruam e que devam ficar arquivados por não constarem de arquivo público.
III – Como tal, o que tem de ser realizado de imediato, ou nas 48 horas subsequentes, é o registo da autenticação e não esta última.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Por apenso aos autos de execução comum veio o executado AA deduzir embargos de executado alegando, em síntese, que o título dado à execução - documento particular autenticado  pelo Exmo. Sr. Dr. BB, no dia 24 de Abril de 2020 -, que  consubstancia um contrato de confissão de dívida com hipoteca, não tem  validade como título executivo, por não ter sido depositado, electronicamente, no mesmo dia em que foi autenticado (art.24.º, n.º2 do DL n.º116/2008 de 04 de Julho e sucessivas alterações).
Concluiu peticionando que seja julgada procedente a excepção invocada, e consequentemente, seja a execução declarada extinta por falta de título executivo (art.729.º, alínea a) e 731.º ambos do CPC).
*
Regularmente notificada, veio a exequente CC alegar, em síntese, que o depósito foi efectuado no dia 24 de Abril de 2020, pelo que foi validamente efectuado o registo da hipoteca, concluindo, assim, pela improcedência dos embargos apresentados.
*
Frustrada a tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador, onde foi dispensada a fixação dos factos assentes e os temas de prova, tendo-se realizado a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos de executado determinando-se, em consequência, a extinção dos autos principais de execução.
*
II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio a exequente interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

I. Não pode a ora Recorrente conformar-se de maneira alguma com a decisão do tribunal “a quo”, dada a matéria fáctica provada e a consequente incongruência da decisão proferida.
II. Refere a Meritíssima Juiz “a quo”
“…Toda a ação executiva tem por base um título, que além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objectivos e subjectivos (art. 10º, nº 5 e 703º, nº 1 do C.P.C.).
O elenco de títulos executivos obedece ao princípio da tipicidade, pelo que, apenas e só os documentos previstos na lei podem servir de base à execução….”
III.“…Nos termos do artº 703º, nº 1 do C.P.C, apenas podem servir de base à execução os seguintes títulos executivos:
- As sentenças condenatórias;
- Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;…”IV. Nos presentes autos, foi dado à execução um Documento Particular Autenticado contendo uma confissão de dívida com hipoteca, cujo termo foi autenticado por profissional com competência para tal…”
IV. No mesmo dia em que o Documento Particular Autenticado foi outorgado, foi efectuado o depósito do mesmo, assim como o documento comprovativo da liquidação do imposto de selo.
V. Desde logo, o que o Executado/Embargante invoca não corresponde à realidade, pois não há violação do artigo 703º b) do CPC, tendo pois que decair tal alegação nos Embargos de Executado.
VI. E continua o Executado na sua Alegação em sede de Embargos:
“ …Na diligência de tentativa de conciliação invocou ainda o executado que apesar de, efectivamente, a exequente ter demonstrado, ainda que a seu ver, extemporaneamente, que foi efectuado o depósito eletrónico, contudo, apenas foi depositado eletronicamente o documento comprovativo da liquidação do imposto de selo, pelo que, em seu entender, a autenticação efectuada continua a carecer de validade, como decorre dos números 1 e 2, ambos do artigo 24º, do Decreto-lei nº 116/2008, de 04 de julho, não constituindo pois, ela um título executivo…”
VII. No entanto, face à lei, terá que improceder também esta alegação do Executado/Embargante, pois,
VIII. A Portaria nº 153/2008 de 30 de Dezembro, nomeadamente no seu artigo nº 1 é claro e inequívoco: “… Estão sujeitos a depósito eletrónico os documentos particulares autenticados que titulem actos sujeitos a registo predial nos termos do artigo 24º do Decreto-lei nº 116/2008 de 4 de Julho, bem como os documentos que os instruam e que devam ficar arquivados por não constarem de arquivo público….”.
IX. Não existe, consequentemente a obrigação de depósito de documentos como cartões de cidadão, cadernetas prediais, certidões permanentes de registo predial e alvarás de utilização averbados ao registo predial, uma vez que, tais documentos constam de arquivo público, conforme o supra citado artigo 4º nº 1 da Portaria nº 153/2008 de 30 de Dezembro.
X. Existe erro de interpretação da Portaria 153/2008 de 30 de Dezembro, por parte da Meritíssima Juiz e, consequente errada aplicação de direito, pois, na sentença posta em crise, invocou o artigo 24º nº 2 da referida Portaria para fundamentar a sua decisão, quando o artigo 4º nº1 da Portaria 153/2008 de 30 de Dezembro é inequívoco quanto à dispensa de depósito de documentos que constem de arquivo público, sendo pois este o artigo a aplicar ao caso “sub Júdice”
XI. O título executivo dado à execução é pois absolutamente válido nos termos do artigo 4º nº1 da Portaria 153/2008 de 30 de Dezembro, não estando tal título ferido na sua validade!
XII. Foram observadas todas as formalidades legalmente exigidas para a validade do acto.
XIII. O título dado à execução é título executivo nos precisos termos do artigo 703º 1 do CPC, tendo pois que improceder a oposição à execução, improcedendo, por essa via, os Embargos de Executado.
XIV. Provado está que:
“…Na Conservatória do Registo Predial ..., foi efetuado o registo a favor da exequente CC, pela Ap. ...50 de 2020/96/22, da hipoteca voluntária a que se alude em D), sendo o capital 96.000,00€ e montante máximo assegurado o valor de 98.000,00€.
XV. Se a Sra. Conservadora do Registo Predial tivesse dúvidas quanto à validade do título executivo, se o processo estivesse mal instruído, nomeadamente por falta de documentos, a hipoteca seria registada, no mínimo por Dúvidas, o que não aconteceu.
XVI. A Sra. Conservadora do Registo Predial, perante o pedido de registo da hipoteca sobre o imóvel garante da dívida, efectuou o registo da mesma sem qualquer dúvida, constando no sistema a hipoteca voluntária onerando o imóvel desde o dia ../../2020, com o consequente averbamento definitivo do mesmo, na certidão do registo predial que se encontra junta aos autos.
Norma violada:
- Artigo 4º nº 1 da portaria 153/2008 de 30 de Dezembro;
Nestes termos devem V. Exas Revogar a Sentença recorrida assim se fazendo JUSTIÇA.
*
O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso. 
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre a invocada falta de título executivo.
*
Fundamentação de facto

Factos provados

A) Por meio de documento particular autenticado designado "Contrato de Confissão de Dívida com Hipoteca", o ora executado confessou-se devedor à ora exequente da quantia de: a) € 96.000,00 (noventa e seis mil euros) a título de capital, acrescidos de juros de 4% ao ano; b) € 2.000,00 (dois mil euros) a título de despesas.
B) O documento referido em A) foi outorgado a 24 de abril de 2020.
C) Do mesmo documento consta ainda acordo de pagamento a ocorrer até dia 30 de setembro de 2020.
D) Como garantia de cumprimento da dívida assumida e das despesas judiciais e extrajudiciais, o executado constituiu uma hipoteca voluntária a favor da exequente sobre o imóvel correspondente à fração designada pela letra ..., correspondente a habitação com dependência para garagem K, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, situado em ... (...), Avenida ... da freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... da freguesia ... (...), inscrito na matriz predial sob o artigo ...82 da freguesia ..., sujeito ao regime da propriedade horizontal mediante a apresentação número ..., de 18 de maio de 1964.
E) Em 24/de abril de 2020 foi efetuado o depósito, às 18:33:33, do documento particular autenticado designado "Contrato de Confissão de Dívida com Hipoteca", oferecido nos autos principais como título executivo, encontrando-se apenas depositado o documento comprovativo da liquidação do imposto de selo.
F) Na Conservatória do Registo Predial ..., foi efetuado o registado a favor da exequente CC, pela Ap. ...50 de 2020/96/22, da hipoteca voluntária a que se alude em D), sendo o capital 96.000,00€ e o montante máximo assegurado o valor de 98.000,00€.
G) Dos documentos que instruíram a confissão de dívida a que se alude em A), fazem parte os documentos de identificação dos respetivos outorgantes, a certidão permanente do registo predial do prédio hipotecado, a caderneta predial do mesmo prédio, o alvará de utilização dele e o documento comprovativo da liquidação do imposto de selo.
*
Fundamentação jurídica

A definição do que são documentos autênticos ou particulares autenticados encontra-se no artigo 363.°, do Cód. Civil, ao estipular-se no seu n.º 2, que apenas são autênticos os que forem exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública, e que todos os outros documentos são particulares. Por sua vez, nos termos do seu n.º 3, os documentos particulares são havidos por autenticados, se forem confirmados pelas partes perante o notário, nos termos prescritos nas leis notariais.
No que respeita aos documentos particulares e à possibilidade da sua certificação/autenticação, veio estabelecer-se no artigo 38.º, n. ° 1, do Decreto-Lei n. ° 76-A/2006, de 29 de Março, que sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, prescrevendo-se no seu n. ° 2 que os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
No entanto, por força do seu n.º 3, os referidos actos apenas podem ser validamente praticados pelas aludidas entidades mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.
Antes de 1 de janeiro de 2009 celebravam-se, em geral, por escritura pública, os actos, sobre coisas imóveis, de reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão, de acordo com então artigo 80.º, n.º 1 do Código do Notariado Português.
Com a entrada em vigor no dia 1 de Janeiro do Decreto-Lei n.º 116/2008, decorrente do estipulado no seu artigo 22.º, estabeleceu-se a possibilidade desses actos serem válidos quer quando celebrados por escritura pública, quer por documento particular autenticado.

Concretamente daí decorre que sem prejuízo do disposto em lei especial, só são válidos se forem celebrados por escritura pública ou documento particular autenticado os seguintes actos:

a) Os actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis;
b) Os actos de constituição, alteração e distrate de consignação de rendimentos e de fixação ou alteração de prestações mensais de alimentos, quando onerem coisas imóveis;
c) Os actos de alienação, repúdio e renúncia de herança ou legado, de que façam parte coisas imóveis;
d) Os actos de constituição e liquidação de sociedades civis, se esta for a forma exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade;
e) Os actos de constituição e de modificação de hipotecas, a cessão destas ou do grau de prioridade do seu registo e a cessão ou penhor de créditos hipotecários.

O legislador sujeitou, no entanto, os documentos particulares que titulem actos sujeitos a registo predial aos mesmos requisitos legais a que estão sujeitos os negócios jurídicos sobre imóveis, aplicando-lhes subsidiariamente o Código do Notariado.

O documento particular autenticado tem, assim, três momentos distintos para a sua formação de título para registo:
a) Num primeiro momento, o documento particular é outorgado e assinado pelas partes;
b) Num segundo momento, o documento particular assinado pelas partes é apresentado à entidade autenticadora, para autenticação;
c) Finalmente, num terceiro momento, o documento particular autenticado e os documentos que o instruíram devem ser depositados na plataforma electrónica81 através do sítio na Internet com o endereço www.predialonline.mj.pt.

O depósito electrónico de documentos particulares autenticados deve ser efectuado na data da realização da autenticação do documento particular ou nas quarenta e oito horas seguintes se houver dificuldades de carácter técnico respeitantes ao funcionamento da plataforma electrónica.
Após o depósito é sempre atribuído ao documento um código de identificação obtendo-se assim um documento particular autenticado.
Em suma, dir-se-á que o documento autenticado é um documento particular que adquire essa natureza quando confirmado pelas partes perante o notário, solicitadores, advogados, conservadores ou oficiais de registo - Cf. artigo 363.º , n.º 3 do Código Civil, artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, 35.º, n.º 3 e 150.º, ambos do Código do Notariado.
Tal documento é apresentado para autenticação e é redigido um termo de autenticação, no próprio documento apresentado ou em folha anexa (Cf. artigo 36.º, n.º 4 do Código do Notariado) que contém todas as formalidades dos instrumentos notariais, nomeadamente a menção da data, a identificação completa das partes, a menção de documentos exibidos e ou arquivados e a indicação do número comprovativo do pagamento de imposto sobre as transmissões onerosas. Deve também conter a declaração de que as partes já leram o documento, conhecem o seu conteúdo e que está de acordo com a sua vontade - art.º 46.º, als. l) a n), do seu n.º 1, do Código do Notariado.
Acresce que, como preceitua o artigo 150.º, n.º 1 do Código do Notariado, “os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário”, observados que sejam os requisitos comuns formais previstos no artigo 151.º do mesmo diploma, que são, além dos enunciados no citado art. 46.º, n.º 1, als. l) a n), os aí indicados nas als. a) e b), e que se reconduzem à necessidade de, no termo, se fazer constar:
- o nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, bem como das pessoas singulares por estes representadas, a identificação das sociedades, nos termos da lei comercial, e das demais pessoas colectivas que os outorgantes representem, com menção, quanto a estas últimas, das suas denominações, sedes e números de identificação de pessoa colectiva;
- a referência à forma como foi verificada a identidade dos outorgantes, das testemunhas instrumentárias e dos abonadores;
- a menção das procurações e dos documentos relativos ao instrumento que justifiquem a qualidade de procurador e de representante, mencionando-se, nos casos de representação legal e orgânica, terem sido verificados os poderes necessários para o acto;
- a menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a menção da explicação do seu conteúdo;
- as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento.
- a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade.
Para além do exposto, necessário se torna, ainda, proceder ao imediato registo do acto, como se referiu, no respetivo sistema informático ou, em caso de indisponibilidade, dentro do prazo máximo de 48 horas.
Por sua vez, como decorre do disposto no art. 1.º, da Portaria n.º 1535/2008, de 30 de Dezembro, relativa ao depósito electrónico de documentos particulares autenticados, tal portaria regulamenta os requisitos e as condições de utilização da plataforma electrónica para o depósito de documentos particulares autenticados que titulem actos sujeitos a registo predial e dos documentos que os instruam, bem como o pedido online de actos de registo predial.
E, de acordo com o preceituado no art. 4.º, n.º 1, dessa mesma portaria, estão sujeitos a depósito electrónico os documentos particulares autenticados que titulem actos sujeitos a registo predial nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, bem como os documentos que os instruam e que devam ficar arquivados por não constarem de arquivo público.

Por sua vez, o art.º 70.º, do Código de Notariado, prevê os casos de nulidade do acto notarial por vício de forma, prescrevendo o seu n.º 1, que “o[O] acto notarial é nulo, por vício de forma, apenas quando falta algum dos seguintes requisitos:

- a menção do dia, mês e ano ou do lugar em que foi lavrado;
- a declaração do cumprimento das formalidades previstas no artigo 65.º e 66.º;
- a observância do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 41.º;
- a assinatura de qualquer intérprete, perito, leitor, abonador ou testemunha;
- a assinatura de qualquer dos outorgantes que saiba e possa assinar;
- a assinatura do notário;
- a observância do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 46.”.

Assim, passando à análise e decisão da questão suscitada, consiste a mesma em saber se o documento dado à execução consubstancia título executivo à luz do disposto na al. b), do n.º 1 do art. 703.º, do Cód. Proc. Civil.
O tribunal a quo sufragou o entendimento de que tal documento não vale como título executivo, por não se ter procedido ao seu depósito.
Nesse sentido, importa, numa primeira abordagem, ter em conta que a acção executiva não pode ser instaurada sem o exequente se encontrar munido de um título executivo, tal como decorre do n.º 5 do art. 10.º do Cód. de Processo Civil, onde se preceitua que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
O título executivo há de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, ou seja, terá de ser um documento susceptível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.
Por essa via assegura-se que não se recorra a medidas coactivas próprias do processo executivo contra o património do executado sem um mínimo de garantia (prova) sobre a existência do direito do exequente.
No vertente caso, a exequente apresentou como título executivo um documento particular denominado de "Contrato de Confissão de Dívida com Hipoteca", outorgado a 24 de Abril de 2020, em que o executado se confessou devedor à exequente da quantia de: a) € 96.000,00 (noventa e seis mil euros) a título de capital, acrescidos de juros de 4% ao ano; b) € 2.000,00 (dois mil euros) a título de despesas, com constituição de uma hipoteca voluntária a favor da exequente sobre o imóvel correspondente à fracção designada pela letra ..., correspondente a habitação com dependência para garagem K, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, situado em ... (...), Avenida ... da freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... da freguesia ... (...), inscrito na matriz predial sob o artigo ...82 da freguesia ..., sujeito ao regime da propriedade horizontal mediante a apresentação número ..., de 18 de maio de 1964.
Parece resultar da demais factualidade, embora não de forma bem explícita, que, nesse mesmo dia, se terá efectuado o depósito de tal documento, mas que apenas se encontra depositado o documento comprovativo da liquidação do imposto de selo.
Facto é que, na Conservatória do Registo Predial ..., foi efectuado o registo a favor da exequente CC, pela Ap. ...50 de 2020/96/22, da referida hipoteca voluntária.
Ora, como se decidiu no proc. 19222/16...., de 17.10.19, ‘não padecendo o acto de autenticação do documento particular dado à execução de qualquer vício que afecte a sua validade e constituindo o documento particular autenticado uma inequívoca confissão de dívida, subscrita por quem tinha poderes para tanto, é obvia a sua exequibilidade’.
Acrescenta-se que ‘n[N]ão revestindo o acto de autenticação mais do que uma formalidade extrínseca em relação ao documento particular de constituição ou reconhecimento de uma obrigação, sendo o documento particular aqui em causa, claro e inequívoco quanto à natureza da obrigação nele reconhecida, modo de cumprimento e pessoas vinculadas, e expressando os termos de autenticação a concordância com o seu conteúdo, tal basta para que se mostrem reunidas as condições necessárias à exequibilidade do título’.
Com efeito, o que tem de ser realizado de imediato, ou nas 48 horas subsequentes, é o registo da autenticação e não esta última.
O acto em causa é o registo da autenticação e não a própria autenticação, que, nestes preceitos, não tem qualquer prazo para ser executada.
O termo de autenticação, assim, não faz parte da declaração negocial constante do documento. É, antes, em si mesmo, um acto autêntico destinado a conferir-lhe fé pública - Cfr. neste sentido, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP., pág.845.
Na verdade, não se pode confundir a invalidade do termo de autenticação com a validade do acto corporizado no documento.
O facto é que também no caso dos autos procedeu-se ao registo visado, o que tal tem como pressuposto o cumprimento da formalidade prévia exigida para a sua concretização.
Acresce que in casu não se está perante um vício de forma, por falta de algum dos requisitos enunciados.
Certo é que se está perante um documento particular autenticado capaz de servir de base à execução nos termos do art. 703.º, al. b), do Cód. Proc. Civil.
Nestes termos, é, pois, de julgar procedente o recurso, revogando-se, em consequência, o decidido.
*
III- Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso procedente, revogando-se, em consequência, a decisão proferida que julgou procedentes os embargos.
Custas pelo embargante/recorrente.
Registe e notifique.
*
Guimarães, 23.5.2024
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária sem observância do acordo ortográfico e é por todos assinado electronicamente)