Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | JOÃO PAULO PEREIRA | ||
| Descritores: | INCIDENTE DE HABILITAÇÃO HERANÇA JACENTE | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/27/2025 | ||
| Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I – No incidente de habilitação dos sucessores de Réu falecido, tendo as únicas sucessoras conhecidas repudiado a herança, sendo alegado que não são conhecidos outros sucessíveis e não tendo a herança sido declarada vaga para o Estado, deve ser efectuada a habilitação da herança jacente, para contra ela prosseguir o processo principal, nos termos do art.º 355.º n.º 4 do C.P.C., nomeando-se se necessário curador, como previsto nos art.ºs 2047.º n.º 3 e 2048.º, ambos do Cód. Civil. II – Como resulta do art.º 2155.º do Cód. Civil, para que a herança seja declarada vaga é necessário o reconhecimento judicial da inexistência de outros sucessíveis, mediante acção a instaurar nos termos do processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado previsto nos art.ºs 938.º a 940.º do C.P.C. III – Ao requerente do incidente de habilitação de herdeiros basta alegar no requerimento inicial que não são conhecidos herdeiros do falecido, não lhe cabendo provar a efectiva inexistência de herdeiros, uma vez que se trata de um facto negativo e indeterminado, cuja prova seria na prática inviável. IV – A habilitação dos sucessores incertos, nos termos do art.º 355.º n.º 1 do C.P.C., pressupõe, por sua vez, que seja conhecida a existência de efectivos sucessores (para além dos sucessores que repudiaram a herança) , mas que não sejam determináveis ou identificáveis). | ||
| Decisão Texto Integral: | O recurso foi admitido na espécie, com o efeito e com o regime de subida adequados. Nada obsta ao seu conhecimento. * De harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 652.º do C.P.C., ao relator a quem o processo é distribuído cabe deferir todos os termos do recurso até final, incumbindo-lhe, de acordo com a alínea c), julgar sumariamente o objeto do recurso, nos termos previstos no art.º 656.º.Por seu turno, de acordo com este último preceito, pode o relator proferir decisão sumária quanto ao recurso quando entender que a questão a decidir é simples, designadamente, por ter já sido jurisdicionalmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado. Ora, no caso em apreço, a questão a decidir é manifestamente simples, reconduzindo-se a saber quem deve ser habilitado para, contra si, prosseguirem os autos principais. Assim, irá passar a ser proferida decisão singular sumária do presente recurso, dispensando-se a intervenção da conferência. *** I – RelatórioAA, autora na acção principal que moveu contra BB, na sequência do falecimento deste último, deduziu, por apenso àquela acção, incidente de habilitação, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 351º do C.P.C., contra a herança jacente aberta por óbito do mesmo BB, que faleceu no estado de divorciado, pedindo que esta última seja habilitada com vista a que os autos principais sigam contra a mesma. Para tanto, alegou que as filhas do falecido, CC e DD repudiaram a herança do mesmo, por si e na qualidade de representantes legais dos seus filhos menores (como resulta do apenso A), pelo que, desconhecendo-se a existência de outros herdeiros, é a herança jacente que deve ser habilitada, uma vez que não terá ainda sido declarada vaga a favor do Estado. * Foi proferido despacho liminar, no qual foi ordenada a notificação da Autora para “…esclarecer e, bem assim, corrigir o seu articulado, assente que o pedido de habilitação a final em primeira linha é contra os sucessores incertos, e, subsidiariamente, contra a herança jacente, propondo o incidente tão só contra a herança jacente, tendo presente que do Apenso A resulta que as únicas herdeiras do falecido Réu são as duas indicadas filhas que vieram repudiar a herança.”.* Na sequência deste convite, a requerente veio corrigir o articulado inicial no sentido de serem demandados: 1/ os sucessores incertos do falecido BB e, subsidiariamente, 2/a herança jacente de BB, representada pelo seu cabeça de casal.* De seguida foi proferido o despacho que se transcreve:“No seguimento do despacho que antecede, veio a Requerente corrigir o articulado inicial no sentido de serem demandados: 1/ os sucessores incertos do falecido BB e, subsidiariamente, 2/a herança jacente de BB, representada pelo seu cabeça de casal. Ora, afirma a Autora que tendo as herdeiras do falecido Réu repudiado a herança, encontrar-se-á a herança aberta, não aceite e não declarada vaga a favor do Estado. A herança encontra-se jacente e tem personalidade jurídica até que sejam determinados os herdeiros que a aceitam. E, no caso concreto, as únicas herdeiras do falecido Réu repudiaram a herança. Assim, se por um lado, se encontra inviabilizada a prossecução do presente incidente contra incertos (assente, reitere-se, o incidente de habilitação que correu termos sob o apenso A), pese embora o teor do despacho que antecede (por lapso), nunca os presentes autos poderão prosseguir contra a herança jacente, representada por cabeça-de-casal, porquanto as herdeiras repudiaram. Dito de outro modo, a herança jacente tem personalidade judiciária enquanto os titulares não estiverem determinados – cfr. art.º 12.º, a) do CPC – , o que, no caso, nunca se podia aplicar, porquanto, passe a redundância, as herdeiras estão determinadas e não aceitaram a herança. Pelo que, sem demais, delongas, ao abrigo do disposto no art.º 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, por manifesta improcedência, indefiro liminarmente o presente incidente de habilitação de herdeiros. Custas pela Requerente, fixando a taxa de justiça em uma unidade de conta – artigo 527, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. e artigo 7.º, n. 8 do Regulamento das Custas Processuais. Notifique.”. * Inconformada com este despacho, dele interpôs a requerente o presente recurso, pugnando pela sua revogação e pela sua substituição por outro que ordene o prosseguimento dos autos com a citação de incertos e, caso não apareça ninguém a habilitar-se, com a habilitação da herança jacente, nomeando-se quem a represente em juízo.* Foi admitido o recurso e foi fixado o regime de subida e o respectivo efeito.* Cumpre apreciar e decidir.*** II – Das questões a decidirO âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente. Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC). Assim, como já acima se referiu, a única questão que importa apreciar e decidir, neste recurso, é a de saber quem deve ser habilitado para, contra si, prosseguirem os autos principais. *** III – FundamentaçãoIII – I. Da Fundamentação de facto Os factos que aqui importa considerar e que, em função dos elementos constantes dos autos, se mostram provados, são os acima descritos no relatório desta decisão, os quais, por razões de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos. *** III – II. Do objeto do recursoPassemos, então, ao tratamento da questão enunciada. Conhecido no âmbito do processo principal o óbito do aí Réu BB, mostra-se necessário promover a habilitação dos seus sucessores para com eles prosseguirem os termos da demanda, que se encontra suspensa até tal suceder (art.ºs 351.º, 269.º n.º 1 al. a) e 270.º, todos do C.P.C.). No caso em apreço, as sucessoras do falecido seriam as suas filhas, CC e DD, de acordo com a ordem prevista no art.º 2133º n.º 1 do Cód. Civil (apenas as filhas, uma vez que aquele faleceu no estado de divorciado). Porém, as mesmas repudiaram a herança, por si e na qualidade de representantes legais dos seus filhos menores (como resulta do apenso A), pelo que haverá agora que determinar quem deverá ser habilitado nessa qualidade. No seu requerimento inicial, a recorrente alega, desde logo, “…desconhecer se existem outros sucessores e, em caso afirmativo, se aceitaram a referida herança.” (cfr. art.º 6.º). Esta alegação é suficiente, não lhe cabendo provar a efectiva inexistência de (outros) herdeiros, uma vez que se trata de um facto negativo e indeterminado, cuja prova seria na prática inviável (neste sentido, cfr. o Ac. RP, de 28/10/2010, in CJ, Tomo V, pág. 204, mencionado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3.ª edição, pág. 445). Não sendo conhecida a existência de outros sucessores do falecido, quem deverá, assim, assumir a posição no lado passivo da demanda principal através da habilitação? A decisão sob recurso nada diz a este respeito, limitando-se a um indeferimento liminar do requerimento inicial, com o fundamento de que “as herdeiras estão determinadas e não aceitaram a herança.”. Não obstante e não sendo este um caso em que o falecimento de uma parte determine a impossibilidade ou inutilidade da lide principal, esta terá que prosseguir de alguma forma com alguém no lado passivo. Ora, como referem também os mesmos autores (ob. e loc. cit.), “…não está afastada a possibilidade de a habilitação ser da própria herança, como herança jacente, nos casos em que a mesma ainda não foi aceita (artigo 355.º, n.º 4), ou de, em lugar de herdeiros certos, se requerer a habilitação de herdeiros incertos (artigo 355.º, n.º 1)”. No caso concreto, perante o repúdio da herança por parte das sucessoras identificadas, teremos que recorrer ao disposto no art.º 355.º do C.P.C. (sob a epígrafe Habilitação no caso de incerteza de pessoas). Este dispositivo legal prevê duas situações: a) Citação dos sucessores incertos – n.º 1 (caso em que se sabe da sua existência, mas não são determináveis ou identificáveis); b) Citação da herança jacente – n.º 4 (herança não aceita e não declarada vaga para o Estado, nos termos do art.º 2046.º do Cód. Civil). E qual a opção aplicável ao caso concreto? Como não são conhecidos outros herdeiros, a habilitação não poderá já ser dirigida contra incertos, pois esta hipótese aplica-se aos casos em que não é possível identificar sucessores que sejam efectivamente existentes (no sentido de que a habilitação de incertos pressupõe a existência de sucessores, cfr. os Acs. da RC de 27/12/2016, Proc. n.º 919/04.0TBCNT-C.C1, Rel. Vítor Amaral, in https://trc.pt/habilitacao-incidente-herdeiros-incertos e RL de 18-11-2021, Proc. 364/13.6TCFUN-A.L1, Rel. Laurinda Gemas, in www.dgsi.pt). Ao invés, perante a alegada inexistência de outros sucessores do falecido (as sucessores certas não aceitaram a herança) e de que a herança não foi declarada vaga para o Estado, a habilitação terá que ser feita mediante a citação da herança jacente (no mesmo sentido, cfr, o Ac. RL de 18-11-2021 já citado e o Ac. RC de 28/01/2025, Proc.º 62/07.0JAGRD-C.C1, Rel. Hugo Meireles, in www.dgsi.pt). Como é sabido, a herança jacente é aquela que, encontrando-se aberta, não foi ainda aceita nem declarada vaga para o Estado (art.º 2046.º n.º 1 do Cód. Civil). Constitui um património autónomo e dispõe de personalidade judiciária (cfr. art.º 12.º, al. a), do C.P.C.). No nosso caso, uma vez repudiada a herança pelas herdeiras certas, a herança mantém-se jacente e nessa qualidade deverá ser chamada à habilitação para consigo prosseguir o processo principal, no lado passivo, nomeando-se se necessário curador, como previsto nos art.ºs 2047.º n.º 3 e 2048.º, ambos do Cód. Civil. Isto até que surjam efectivos herdeiros, cuja existência neste momento é desconhecida, ou até que a herança seja declarada vaga para o Estado, de acordo com o disposto nos art.ºs 2133.º n.º 1 al. e) e 2155.º do Cód. Civil. Como resulta deste art.º 2155.º, para que a herança seja declarada vaga é necessário o reconhecimento judicial da inexistência de outros sucessíveis, mediante acção a instaurar nos termos do processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado previsto nos art.ºs 938.º a 940.º do C.P.C., o que não resulta dos autos ter ainda sido promovido. Em conformidade com o exposto, impõe-se a revogação da decisão do tribunal de 1.ª instância e que seja citada a herança jacente por óbito de BB, conforme inicialmente pretendido no requerimento inicial. * As custas deverão ser fixadas a final (art.º 527º, nºs 1 e 2, do CPC).*** IV – DecisãoPelo exposto, decide-se: - julgar procedente o recurso de apelação interposto pela requerente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, devendo o incidente de habilitação prosseguir contra a herança jacente por óbito de BB. * Custas a fixar a final.* Notifique.* 27/10/2025 João Paulo Pereira |