Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | DESPACHO SANEADOR MÉRITO DA CAUSA AUDIÊNCIA PRÉVIA OBRIGATÓRIA PRESCRIÇÃO OBRIGAÇÕES NATURAIS COMUNICAÇÃO CENTRAL DE RESPONSABILIDADES DE CRÉDITO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/20/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do CPC). 1- Quando o juiz se proponha, em sede de despacho saneador, conhecer, no todo ou em parte, do mérito da causa, a realização de audiência prévia é obrigatória e a não realização desta determina nulidade processual, que inquina de nulidade o saneador-sentença que o tribunal profira, a ser arguida pelo interessado, em sede de recurso, sob pena dessa nulidade se sanar. 2- Essa nulidade processual não legitima o facto do autor ter, por sua exclusiva iniciativa, apresentado um terceiro articulado, respondendo ao enquadramento jurídico dos factos feito pelo réu na contestação, em que apesar de aceitar os factos alegados pelo autor na petição inicial, propugna pela improcedência da ação. 3- A prescrição não opera a extinção do direito de crédito prescrito, mas quando invocada pelo devedor, e declarada judicialmente por decisão transitada em julgado, limitasse a transformar esse direito creditório em obrigação natural. 4- As obrigações naturais apesar de não serem judicialmente exigíveis, seja qual for a conceção que se adote a propósito da sua natureza jurídica das obrigações naturais, são obrigações jurídicas ou obrigações com efeitos jurídicos, pelo que o tribunal não pode declarar extinto o direito de crédito prescrito. 5- A interpretação do art. 2º, n.º 4 do DL n.º 204/2008, de 14/10, no sentido de que apenas o banco participante tem legitimidade para proceder à comunicação ao Banco de Portugal para que elimine da Central de Responsabilidades de Crédito o registo de obrigações prescritas e que, por isso, o pedido formulado pelo devedor desses créditos (obrigações naturais) para que o tribunal fizesse essa comunicação, nunca poderia proceder, padece do vício da inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso ao Direito, na dimensão de tutela jurisdicional efetiva, por numa situação de conflito entre cliente (devedor) e entidade participante (instituição bancária), deixar o primeiro sem tutela jurídica. 6- Os objetivos que presidem à Central de Responsabilidades de Crédito e a ratio das normas que a regulam, é contrária à comunicação de créditos prescritos, cuja prescrição tenha sido invocada pelo devedor e declarada judicialmente, por decisão transitada em julgado. 7- Acresce que a comunicação de tais créditos prescritos (obrigação natural) pelo credor, para efeitos de inscrição na Central de Responsabilidades de Crédito, é contrária à boa fé, uma vez que o credor contraria com essa comunicação a conduta assumida pelo devedor, que ao invocar, com êxito, a prescrição, deixou bem patente que não é seu propósito cumprir, voluntária e espontaneamente, a obrigação prescrita, e tem como único objetivo coagir esse devedor ao cumprimento, sujeitando-o a uma espécie de “pena civil perpétua”, o que é incompatível com a natureza das obrigações naturais (art. 403º, n.º 2 do CC). | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES Relatório L. T. e mulher, E. T., residentes na Rua … Amares, instauraram a presente ação declarativa de simples apreciação, com processo comum, contra Banco ..., S.A., com sede na Rua … Porto, pedindo que se declare a extinção das obrigações assumidas pelos Autores relativamente ao Réu e, por efeito, seja oficiado à Central de Responsabilidades de Crédito a eliminação de todos os registos de incumprimento das responsabilidades assumidas pelos Autores a favor do Réu. Para tanto alegam, em síntese, terem constituído em 2001, a sociedade “X – Sociedade de Construções, Lda.”, de quem foram sócios e gerentes desde a data da sua constituição até 28/02/2008, altura em que essa sociedade foi declarada insolvente; Em 08/05/2006, o Réu celebrou com aquela sociedade um contrato de abertura de crédito de conta dinâmica, mediante o qual lhe concedeu uma facilidade de crédito, sob a forma de conta corrente caucionada, no montante de 200.000,00 euros; Para garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade emergentes desse contrato, foi entregue ao Réu uma livrança em branco, subscrita pela sociedade e avalizada pelos Autores, ficando o Réu autorizado, em caso de incumprimento do identificado contrato, a preencher essa livrança pelo valor que então se encontrasse em dívida; Acontece que a sociedade não pagou nenhuma das prestações emergentes daquele contrato, pelo que o Réu considerou-o como definitivamente incumprido e vencidas todas as prestações dele emergentes e preencheu a livrança, apondo-lhe como data de vencimento o dia 30/07/2008, e como montante em dívida 214.480,05 euros; Apresentada essa livrança a pagamento, a mesma não foi liquidada pela sociedade, sequer pelos Autores; Em 06/11/2006, o Réu concedeu à mesma sociedade um outro empréstimo, sob a forma de conta corrente, de 100.00,00 euros, e para garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade emergentes desse contrato, esta subscreveu uma livrança em branco, avalizada pelos Autores, ficando o Réu autorizado a preenchê-la, em caso de incumprimento; Esse contrato não foi cumprido, pelo que em 07/07/2008, o Réu deu aquele por definitivamente incumprido e vencidas todas as prestações dele emergentes e preencheu a livrança, apondo-lhe a quantia de 30.796,75 euros; Uma vez apresentada essa livrança a pagamento, a mesma não foi paga pela sociedade subscritora, sequer pelos Autores; A sociedade “X” foi declarada insolvente em 25/02/2008; Em 05/12/2008, o Réu instaurou execução contra os Autores, dando à execução as duas mencionadas livranças, mas essa execução foi declarada extinta, por deserção, em 15/07/2014; Em 18/11/2015, os próprios Autores foram declarados insolventes, tendo essa insolvência sido qualificada como culposa e foi indeferido o pedido de exoneração do passivo restante; Nessa insolvência, o Réu reclamou o crédito global sobre os Autores (aí insolventes) de 647.717,67 euros, mas esse crédito não chegou a ser julgado verificado e graduado, dado que o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa; O crédito do Réu sobre os Autores decorrente da conta corrente caucionado mostra-se vencido desde 29/02/2008, e o crédito decorrente do empréstimo sob a forma de conta corrente venceu-se em 06/01/2008; Por sua vez, o Réu apôs naquelas livranças avalizadas pelos Autores, como data de vencimento, respetivamente, o dia 07/07/2008 e 30/07/2008; À data da reclamação de créditos no processo de insolvência em que eram devedores/insolventes os aqui Autores, encontravam-se decorridos mais de sete anos sobre a data de vencimento das obrigações em causa; Volvidos mais de três anos desde a data da declaração da insolvência dos Autores, o Réu não instaurou contra aqueles, nenhuma ação para ver o seu crédito reconhecido e obter a condenação dos últimos ao respetivo pagamento; A ação executiva que o Réu instaurou contra os Autores encontra-se extinta, por deserção, há mais de seis anos; O crédito do Réu sobre os Autores, enquanto avalistas da sociedade “X”, encontra-se, assim, prescrito, não podendo já ser reclamado judicialmente dos mesmos; Acontece que o Réu comunicou os incumprimentos decorrentes da falta de pagamento das prestações vencidas em cada um dos mencionados contratos à Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal, quer quanto à sociedade “X”, quer em relação aos Autores, estes na qualidade de avalistas; Apesar das responsabilidades dos Autores se encontrarem extintas, por prescrição, continuam registadas e publicitadas naquela Central de Responsabilidade de Crédito, o que lhes causa prejuízos vários. O Réu contestou aceitando os factos alegados pelos Autores e que os créditos que detém sobre os últimos, enquanto avalistas da sociedade “X”, se encontram prescritos, mas sustenta que não existe fundamento legal para a procedência da ação, isto porque “não é por estar completado o decurso do tempo que leva à prescrição, que o devedor se pode opor ao cumprimento por ter acontecido a extinção do direito, mas única e simplesmente por não poder ser-lhe civilmente exigível, por ter ficado destituído da respetiva tutela jurídica; o direito permanece, embora a correspondente obrigação passa a ser natural; a prescrição não faz extinguir o direito, mas apenas impede o seu exercício judicial”, concluindo que “o decurso dos prazos prescricionais invocados pelos Autores não tiveram como consequência a extinção do respetivo direito na titularidade do Banco aqui Réu e, por isso, não tiveram como efeito a extinção das obrigações ou das responsabilidades assumidas pelos Autores”. Mais advoga que o dever de comunicação ao Banco de Portugal e à Central de Responsabilidades de Crédito, continua a existir em relação a responsabilidades, dívidas e obrigações que tenham prescrito. Conclui pedindo que a ação seja julgada improcedente. Por requerimento entrado em juízo em 18/09/2020, intitulado de “Resposta”, os Autores expuseram os argumentos jurídicos que, na sua perspetiva, levam que a argumentação jurídica aduzida pelo Réu na contestação não proceda e antes demandam que se conclua pela procedência da presente ação. Por despacho de 21/09/2020, o Juízo Local Cível de Amares, fixou o valor da presente causa em 312.350,63 euros e, declarou aquele tribunal incompetente, em razão do valor, para conhecer da presente causa, declarando competente para o efeito o Juízo Central Cível da Comarca de Braga. Transitado em julgado essa decisão e remetidos os autos para o Juízo Central Cível de Braga, em 30/01/2021, proferiu-se despacho em que não se admitiu a “resposta” apresentada pelos Autores por ser legalmente inadmissível, e determinou-se que, após trânsito, essa resposta fosse desentranhada dos autos e devolvida ao respetivo apresentante. Mais se dispensou a realização de audiência prévia e proferiu saneador-sentença, em que se julgou a presente ação improcedente, constando esse saneador-sentença da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, julga-se a ação improcedente e, consequentemente, não se declara a extinção das obrigações assumidas pelos autores relativamente ao réu, nem se determina a notificação da “Central de Responsabilidade de Crédito” para proceder à eliminação de todos os registos de incumprimento das responsabilidades assumidas pelos autores a favor do réu. * Custas pelos autores – artigo 527º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil Valor da ação: €312.350,63. Registe e notifique”. Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, em que formulam as seguintes conclusões: 1.ª - O tribunal a quo não esteve bem ao não admitir o seu requerimento apresentado ao abrigo do direito ao contraditório porque, diferentemente do que parece ter sido o seu entendimento, o requerimento em causa não configura qualquer réplica e os recorrentes não poderiam ter respondido à contestação do recorrido nem na audiência prévia, nem na audiência final, porque o tribunal decidiu o mérito da ação logo após a fase dos articulados - vd. n.ºs 3 e 4 do art.º 3.º e arts. 552.º, 569.º e 584.º do CPC 2.ª - Ao decidir como decidiu, o tribunal de 1.ª instância contrariou jurisprudência anterior, desconsiderou os efeitos da prescrição e desvirtuou o regime das obrigações naturais, permitindo que o recorrido exerça tutela privada não permitida por lei e que coaja os recorrentes a liquidarem o seu crédito prescrito - vd. arts. 402.º, 403.º e 404.º do CC - vd. Ac. do TRL de 24.11.2016, proc. n.º 1301/13.3TJLSB.L1.-2 - vd. Antunes Varela, As Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., 2003, pp. 734 -736 3.ª - O recorrido estava legalmente obrigado a comunicar a prescrição do seu crédito relativamente aos recorrentes à Central de Responsabilidades de Crédito na parte relativa à descrição da “situação do crédito” - vd. ponto 5.2 da Instrução n.º 21/2008 do Banco de Portugal 4.ª - Uma vez que o crédito do recorrido está reconhecidamente prescrito, não deve o mesmo continuar a constar da “lista negra”, devendo enquadrar-se no conceito de “dívidas perdoadas pelas entidades participantes”, e, como tal, excluídas de qualquer tipo de comunicação à Central de Responsabilidades de Crédito - vd. alínea i. do ponto 3.3.1 do ponto 3.3 da Instrução do Banco de Portugal n.º 17/2018 5.ª - Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre se deverá concordar que as dívidas prescritas não integram o conceito de saldo decorrente de qualquer uma das operações de crédito previstas no n.º 2 do art.º 3.º do DL n.º 204/2008 6.ª - A decisão merece ainda reparo na parte em que firmou que o tribunal não tem legitimidade/competência para oficiar à Central de Responsabilidades de Crédito pela eliminação dos registos de incumprimento das responsabilidades assumidas pelos recorrentes para com o recorrido, porque impediu a efetivação do direito dos recorrentes, deixando à inteira disposição do recorrido a comunicação da prescrição da dívida e permitindo a continuação de uma atuação abusiva e de tutela privada - vd. n.º 4 do art.º 2.º do DL 204/2008 EM CONFORMIDADE COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO À PRESENTE APELAÇÃO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A SENTENÇA IMPUGNADA E JULGAR-SE A AÇÃO TOTALMENTE PROCEDENTE. O apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e pela consequente manutenção do saneador-sentença recorrido. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas pelos apelantes à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte: a- se o despacho proferido pela 1ª Instância ordenando o desentranhamento dos autos da intitulada “resposta” apresentada pelos apelantes, na sequência da contestação apresentada pelo banco apelado, padece de erro de direito; e b- se a decisão de mérito proferida no saneador-sentença, ao julgar improcedente a ação, indeferindo o pedido dos apelantes em ver declarada extinta as obrigações assumidas pelos últimos perante o apelado e a eliminação de todos os registos relativos a essas obrigações da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, apesar de reconhecer que esses direitos de crédito do banco apelado sobre os apelantes se encontram prescritos, padece de erro de direito. * A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade, a qual porque não foi impugnada pelos apelantes, se tem como definitivamente provada: 1. A sociedade comercial “X - Sociedade de Construções, Lda.”, foi constituída em 2001 e teve por objeto a construção civil e obras públicas; 2. (…) os autores foram sócios gerentes da sociedade desde a constituição até à declaração de insolvência, em 25.02.2008. 3. Em 08.05.2006 o réu celebrou com a sociedade “X - Sociedade de Construções, Lda.”, um contrato de abertura de conta dinâmica, n.º ………9, através do qual concedeu à sociedade mutuária uma facilidade de crédito, sob a forma de conta corrente caucionada, no valor de € 200.000,00; 4. (…) para garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade mutuária no referido contrato, foi entregue ao réu uma livrança em branco, subscrita por essa mesma sociedade; 5. (…) e avalizada pelos autores. 6. O contrato referido em 3) foi declarado incumprido e vencidas todas as prestações pelo réu com fundamento na falta de pagamento de qualquer prestação; 7. (…) o réu preencheu a livrança que lhe havia sido entregue, indicando como data de vencimento da obrigação o dia 30.07.2008 e calculando o montante da dívida em € 214.480,05. 8. Apresentada para pagamento, a livrança não foi paga nem pela sociedade mutuária nem pelos autores. 9. Em 06.11.2006, para financiamento de necessidades de tesouraria da referida sociedade o réu concedeu um outro empréstimo, sob a forma de conta corrente, no montante global de € 100.000,00. 10. Para garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade mutuária no referido contrato (X - Sociedade de Construções, Lda.), foi entregue ao réu uma livrança em branco, subscrita por essa mesma sociedade. 11. (…) avalizada pelos autores; 12. (…) ficou estipulado que, em caso de incumprimento, o réu ficaria autorizado a completar o preenchimento da livrança em causa. 13. Em 07.07.2008 o contrato foi declarado incumprido e vencidas todas as prestações. 14. O réu preencheu a livrança que lhe havia sido entregue, calculando o montante da dívida, à data, em € 30.796,75. 15. Apresentada para pagamento, a livrança não foi paga nem pela sociedade mutuária nem pelos autores. 16. Em 05.12. 2008, o réu intentou ação executiva contra os autores, que correu termos sob o n.º 617/08.5TBAMR na Secção Única do Tribunal Judicial de Amares, peticionando o pagamento de, entre outros, os valores referidos em 7. e 14. 17. Os títulos executivos foram as livranças referidas em 7. e 14. 18. A ação executiva foi declarada extinta em 15.07.2014, por deserção. 19. Os autores foram declarados insolventes em 18.11.2015 (Processo nº 9151/15.6T8VNF, Juiz 4, 2.ª Secção de Comércio da então Instância Central de Vila Nova de Famalicão. 20. A insolvência foi qualificada como culposa; 21. (…) e indeferido o pedido de exoneração do passivo restante; 22. Na insolvência, o réu reclamou créditos no montante global de € 647.717,67; 23. (…) sendo o valor de € 261.808,22 respeitante ao contrato de abertura de conta corrente caucionada, referido em 7), dos quais € 200.000,00 devidos pelo capital mutuado e € 61.808,22 pelos correspondentes juros de mora vencidos; 24. (…) e € 50.542,71 respeitavam ao contrato de empréstimo sob a forma de conta corrente, referido em 14), dos quais € 28.598,19 a título de capital em dívida, € 142,46 devidos a título de juros remuneratórios vencidos e € 21.802,06 por juros moratórios vencidos e não pagos. 25. O processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa, tal crédito nunca chegou a ser verificado nem graduado pelo tribunal. 26. Os incumprimentos decorrentes da falta de pagamento das prestações vencidas em cada um dos contratos mencionados em 7) e 14) foram comunicados pelo réu à Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal; 27. (…) quer da sociedade “X - Sociedade de Construções, Lda.” quer pelos autores, na qualidade de avalistas. 28. (…) em junho de 2019, encontravam-se registadas as responsabilidades assumidas pelos autores enquanto avalistas das obrigações das sociedades de que foram sócios gerentes – nº 4 do art.607º do CPC; 29. (…) e os incumprimentos dos mencionados contratos; 30. (…) com a menção pendentes de litígio judicial. * Por sua vez, a 1ª Instância considerou que “com interesse à boa decisão da causa, relativa aos dois pedidos em apreciação, inexistem factos por provar, sendo os restantes alegados na petição inicial conclusivos ou conterem conceitos de direito”.* B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA B.1- Do desentranhamento dos autos da resposta apresentada pelos apelantes em 18/09/2020, na sequência da contestação apresentada pelo apelado. A 1ª Instância ordenou o desentranhamento dos autos do articulado intitulado de “resposta”, apresentado pelos apelantes em juízo em 18/09/2020, e em que os mesmos se pronunciam sobre as questões de direito suscitadas pelo apelado na sua contestação, em que não obstante aceite que os créditos que detém sobre os apelantes, na qualidade de avalistas da sociedade “X – Sociedade de Construção, Lda., se encontram prescritos, ainda assim propugna pela improcedência da presente ação. Essa decisão de desentranhamento filia-se nos seguintes argumentos invocados pela 1ª Instância: no âmbito do processo declarativo comum apenas são admissíveis dois articulados, isto é, a petição inicial e a contestação, apenas sendo admissível réplica nos casos em que o réu deduza reconvenção, pelo que não tendo sido deduzida reconvenção, apenas assistia aos Autores o direito a exercerem o direito ao contraditório quanto a eventuais exceções que tivessem sido deduzidas pelo Réu na contestação, na audiência prévia ou, não havendo lugar a esta, no início da audiência final, nos termos do art. 3º, n.º 3 do CPC. Acontece que não tendo o Réu deduzido reconvenção, sequer invocado matéria de exceção em sede de contestação, não se encontravam os Autores legitimados a apresentarem réplica, sendo, por isso o requerimento que apresentaram em 18/09/2020, processualmente inadmissível, impondo-se o respetivo desentranhamento dos autos, o que determinou. Imputam os apelantes erro de direito ao assim decidido argumentando que “para assim entender, o tribunal considerou que o requerimento apresentado representaria um verdadeiro articulado (na forma de “réplica”)”, quando nunca foi pretensão dos mesmos “apresentar qualquer réplica na ação, apenas desejando pronunciar-se sobre as implicações que o acolhimento da tese do recorrido poderia causar no plano jurídico, implicações essas que, por ferirem a ratio do instituto da prescrição e das obrigações naturais, já justificaram que a jurisprudência tivesse afastado tal tese”. Mais argumentam que ao sustentar que aqueles apenas podiam responder à contestação na audiência prévia, ou não havendo lugar a esta, no início da audiência final, a 1ª Instância acabou por se contradizer, na medida em que não realizou audiência prévia e pronunciou-se quanto ao mérito da ação logo depois de finda a fase dos articulados, pelo que caso os mesmos não tivessem então exercido o seu direito ao contraditório, após a notificação da contestação, não teriam tido qualquer oportunidade de se pronunciarem sobre a defesa apresentado pelo recorrido e, por isso, “em boa verdade, o tribunal sempre deveria ter reconhecido aos recorrentes que a sua iniciativa de se pronunciarem sobre a matéria invocada pelo recorrido na sua contestação, foi o que lhe permitiu dispensar a realização de audiência prévia por “desnecessidade de fazer atuar o princípio do contraditório”, pois que, se assim não fosse, de molde a evitar a “decisão-surpresa”, o tribunal deveria sempre assegurar e fazer observar o contraditório ao longo de todo o processo e evitar produzir uma decisão relativamente a matéria sobre a qual as partes não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem - vd. n.º 3 do art. 3.º do CPC”. Precise-se que contrariamente ao sustentado pelos apelantes, no despacho recorrido que estamos a analisar, nunca o tribunal a quo sustenta que aos apelantes assistia o direito de responder à contestação apresentada pelo apelante em sede de audiência prévia ou, na ausência desta, no início da audiência final, mas o que se afirma e escreve é que apenas no caso de dedução de reconvenção, os apelantes ficariam legitimados a apresentarem réplica, onde, para além de terem de apresentar a sua defesa quanto à reconvenção deduzida, teriam de se pronunciar quanto à matéria de exceção que tivesse sido eventualmente deduzida pelo apelado na contestação e, bem assim que, no caso de não dedução de reconvenção, a resposta dos apelantes à matéria de exceção que tivesse sido eventualmente deduzida pelo apelado na contestação, teria de ser apresentada pelos apelantes na audiência prévia, ou na ausência desta, no início da audiência final. No entanto, debruçando-se sobre o caso dos autos, concluiu a 1ª Instância que não tendo o apelado deduzido reconvenção, sequer invocado, em sede de contestação, matéria de exceção, não estavam os apelantes legitimados a apresentarem réplica, sendo, por isso, o requerimento que apresentaram em 18/09/2020 processualmente admissível e determinou o respetivo desentranhamento dos autos. Ou seja, segundo a 1ª Instância (é isto que escreve expressamente no despacho recorrido), na contestação, além do banco apelado não ter apresentado reconvenção, aquele não deduziu qualquer exceção e daí que, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, na perspetiva daquele tribunal, não tinham direito a responder à contestação, ainda que tivesse sido realizada audiência prévia. Logo, contrariamente ao sustentado pelos apelantes, não existe no despacho recorrido qualquer contradição, uma vez que nesse despacho nunca a 1ª Instância afirma que aos apelantes assistia o direito a responder à contestação, em sede de audiência prévia ou, na ausência desta, na audiência final. Pelo contrário, o que se afirma e escreve é que não tendo o apelado, em sede de contestação, deduzido reconvenção, sequer matéria de exceção, aos apelantes (Autores) não assistia o direito a responder, fosse por escrito, fosse em sede de audiência prévia, ou na ausência desta, no início da audiência final, e daí que, inclusivamente, se compreenda que a 1ª Instância tenha dispensado, sem mais, a audiência prévia e tenha proferido saneador-sentença, conhecendo de mérito. De resto, lidas as alegações de recurso apresentadas pelos apelantes, dir-se-á que ao escreverem que foi a iniciativa daqueles de se pronunciarem quanto à matéria invocada pelo recorrido na sua contestação que permitiu dispensar a realização de audiência prévia, por desnecessidade de fazer atuar o princípio do contraditório, pois que, se assim não fosse, de modo a evitar a “decisão surpresa”, dado que o tribunal deveria sempre assegurar e fazer observar o contraditório e evitar produzir uma decisão relativamente a matéria sobre a qual as partes não tenham tido possibilidade de se pronunciarem, teria de realizar audiência prévia, salvo o devido respeito por opinião contrária, os apelantes confundem duas questões jurídicas distintas, submetidas a regras processuais também elas distintas e cuja violação acarreta igualmente consequências jurídicas distintas, a saber: a) a questão da admissibilidade processual da resposta à contestação que apresentaram em 18/09/2021; e b) a questão de se saber se era processualmente admissível à 1ª Instância dispensar a realização da audiência prévia quando se propunha conhecer do mérito da causa ou se antes essa dispensa não era legalmente admissível, por implicar uma violação ao princípio do contraditório que assistia às partes, mormente aos apelantes, e das consequências jurídicas decorrentes dessa violação, questão última essa que não faz parte do objeto do presente recurso, na medida em que os apelantes não invocam a nulidade do saneador-sentença recorrido com esse fundamento (sequer com outro), ficando-se pela imputação de erro de direito ao despacho que ordenou o desentranhamento dos autos do requerimento que apresentaram em 18/09/2021, mas que não deixaremos de aqui abordar com vista a dilucidar os equívocos em que incorrem os apelantes nas suas alegações de recurso. Trata-se de duas questões distintas e que demandam tratamento e consequências jurídicas distintas, facto esse que, no entanto, como referido, foi amalgamado pelos apelantes como se uma e única questão se tratasse. Vejamos: A primeira questão que se suscita nos autos (e que é aquela que constitui o objeto da presente apelação) prende-se em saber se assistia aos apelantes o direito processual a apresentarem a resposta que deram entrada em juízo em 18/09/2021, em que respondem às questões jurídicas suscitadas pelo banco apelado na sua contestação e que, na sua perspetiva, embora aceite a facticidade alegada por aqueles, na petição inicial e, inclusivamente, que os créditos que detém sobre os mesmos, enquanto avalistas da sociedade “X – Sociedade de Construções, Lda.”, se encontram prescritos, conclui pela improcedência da presente ação, argumentação jurídica essa que é refutada pelos apelantes naquelas resposta, onde basicamente sustentam a posição jurídica que reafirmam agora nas suas alegações de recurso e que, por isso, na sua perspetiva, impõem a procedência da presente ação e a consequente revogação do saneador-sentença recorrido. A este propósito, dir-se-á que os articulados são as peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondentes (art. 147º, n.º 1 do CPC(1)), ou seja, são as peças processuais escritas em que, na fase inicial do processo declarativo, as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondentes (2). Na sequência da revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, entrada em vigor em 01/09/2013, o processo declarativo comum passou a seguir uma forma única (art. 548º) e nele apenas são, em regra, admissíveis dois articulados: a petição inicial (art. 552º) e a contestação (art. 569º do CPC). A réplica passou a ter natureza meramente eventual, na medida em que apenas passou a ser processualmente admissível quando seja deduzia reconvenção (art. 584º, n.º 1 do CPC). Quando seja deduzida reconvenção, para além do autor-reconvindo ter de deduzir, na réplica, toda a defesa quanto à matéria da reconvenção (n.º 1 do art. 584º), por força do disposto na primeira parte do n.º 4 do art. 3º, aquele terá de responder à matéria de exceção deduzida pelo réu-reconvinte na contestação. Já não sendo deduzida reconvenção e, por conseguinte, sendo a réplica processualmente inadmissível, caso o réu tenha deduzida na contestação matéria de exceção, terá o autor de responder a essa matéria de exceção na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final (art. 3º, n.º 4). Precise-se que a defesa pode ser por impugnação ou por exceção. A defesa por impugnação, também designada de defesa direta, “é aquela em que o demandado nega de frente os factos articulados pelo autor ou em que sem afastar a realidades desses factos, contradiz o efeito jurídico que o autor pretende extrair deles” (art. 571º, n.º 2). Já a defesa por exceção “compreende toda a defesa indireta, assente num ataque de flanco contra a pretensão formulado pelo autor. Trata-se de defesa que, sem negar propriamente a realidade dos factos articulados na petição inicial, nem atacar isoladamente o efeito jurídico que deles se pretende extrair, assenta na alegação de factos novos tendentes a repelir a pretensão do autor” em que “o afastamento da pretensão do autor visado pela defesa por exceção em sentido lato pode revestir as mais variadas formas: a improcedência (total ou parcial) do pedido; a absolvição da instância (ou seja, a negação da sentença de mérito requerida pelo autor); o indeferimento da petição por ineptidão (sinal de que a relação processual não tem as necessárias condições de existência, v.g., por contradição entre o pedido e a causa de pedir); a remessa do processo para outro tribunal; a nomeação de outrem à ação”. No entanto, no sentido legal, a defesa por exceção “abrange apenas a que é baseada em factos capazes de obstar à apreciação do mérito da ação, provoca a absolvição da instância ou a remessa do processo para outro tribunal e a que, fundada em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado elo autor, determina a improcedência (total ou parcial) do pedido”, distinguindo, por conseguinte, a lei processual civil entre defesa por exceção dilatória e por exceção perentória. A defesa por exceção dilatória é aquela que é integrada pela alegação pelo réu de factos novos que obstam ao conhecimento do mérito da causa e que dão lugar à absolvição do réu da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (n.º 2 do art. 576º). A defesa por exceção perentória é já constituída pelo núcleo de factos novos que se destinam a impedir, modificar ou extinguir o direito que o autor pretende exercer na ação e de onde faz derivar o pedido e que apontam para a improcedência total ou parcial da acção (3). Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, os apelantes instauraram a presente ação de simples apreciação pedindo que se declare extintas as obrigações que assumiram perante o Réu e, como decorrência dessa extinção, se oficie à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal determinando a eliminação de todos os registos de incumprimento de responsabilidades por eles assumidas a favor do Réu, alegando para tanto (causa de pedir), terem-se constituído como avalistas das obrigações assumidas pela sociedade “X – Sociedade de Construções, Lda.”, de que foram sócios e gerentes, desde a constituição dessa sociedade até à declaração da sua insolvência, das obrigações emergentes dos dois contratos que descrevem na petição inicial, celebrados entre essa sociedade e o aqui Réu, e garantidas pelas duas livranças em branco subscritas pela sociedade e por eles avalizadas, e que apesar daquela sociedade ter incumprido esses dois contratos, não pagando ao banco Réu nenhuma das prestações a que se obrigou nos termos daqueles contratos e dos mesmos terem sido declarados como definitivamente incumpridos pelo Réu, e vencidas todas as obrigações deles emergentes, e deste ter validamente preenchido aquelas livranças, e destas terem sido apresentadas a pagamento, não terem sido liquidadas, os créditos em dívida em relação a si se encontram prescritos, concluindo que, por via da prescrição desses créditos, estes encontram-se extintos, apesar de continuarem inscritos na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, o que lhe causa prejuízos. Em sede de contestação, o Réu aceitou toda a facticidade alegada pelos Autores na petição inicial, designadamente, que os créditos de que é detentor perante os últimos, enquanto avalistas da sociedade “X”, se encontram prescritos, mas contradiz o efeito jurídico que os Autores (apelantes) pretendem extrair desses factos, sustentando basicamente que a prescrição desses direitos de crédito que detém sobre os apelantes não tem a virtualidade jurídica de extinguir os mesmos, mas apenas de os transformar em obrigações naturais. Mais alega que de acordo com o regime jurídico aplicável à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, não existe qualquer impedimento que nela permaneçam inscritas obrigações prescritas. Logo, como bem diz a 1ª Instância em sede de decisão recorrida, nos presentes autos não foi deduzida reconvenção pelo Réu (apelado), sequer este deduziu, na contestação, qualquer defesa por exceção, mas simples defesa por mera impugnação, pelo que aos apelantes não só não assistia o direito a replicarem, como não assistia o direito a responderem à defesa por mera impugnação apresentada pelo apelado na contestação, fosse em termos escritos, fosse em termos de audiência prévia ou, na ausência desta, no início da audiência final, sem prejuízo do que infra se dirá a propósito da observância do princípio do contraditório e da dispensa da realização da audiência prévia quando o tribunal se proponha conhecer de mérito, problemática essa que já se prende com a segunda questão acima por nós elencada e que nada tem a ver com o direito que os apelantes se arrogam titulares de responderem, por escrito, à contestação apresentada pelo apelado. Sustentam os apelantes que ao apresentarem a resposta de 18/09/2020, não foi seu propósito apresentar qualquer réplica, mas apenas desejando pronunciar-se sobre as implicações que o acolhimento da tese do recorrido poderia causar no plano jurídico, implicações jurídicas essas que, por ferirem a ratio do instituto da prescrição e das obrigações naturais, já justificaram que a jurisprudência tivesse afastado tal tese, acusando a 1ª Instância de ter entrado em contradição ao pretensamente sustentar que àqueles apenas assistia o direito de se pronunciarem sobre a contestação em sede de audiência prévia ou, na ausência desta, na audiência final, quando se veio a constatar que a mesma não designou audiência prévia, a propósito do que já nos pronunciamos no sentido de não existir contradição alguma em sede de despacho recorrido. Acontece que independentemente daquela que foi a intenção com que os apelantes apresentaram, de motu proprio, isto é, por sua espontânea iniciativa, o requerimento entrado em juízo em 18/09/2020, o qual não pode deixar de ser qualificado como “articulado” à luz do disposto no n.º 1 do art. 147º, e tratando-se do terceiro articulado, a lei denomina-o precisamente de “tréplica”, a questão que se suscita nos autos e que cabe aqui apreciar é se não tendo sido deduzida pelo apelado reconvenção, aos apelantes assistia o direito processual de, por sua exclusiva iniciativa, isto é, sem qualquer determinação do tribunal para que respondessem à contestação, apresentarem esse novo articulado, chame-se-lhe “resposta” (como fizeram os apelantes) ou, na terminologia da lei adjetiva, “tréplica”, questão essa que merece resposta claramente negativa. Na verdade, perante a ausência de reconvenção, mesmo que o apelado tivesse, em sede de contestação, alegado matéria de exceção (o que não é o caso), aos apelados não assistia nunca o direito a responder a essa matéria de exceção, por escrito, por sua iniciativa, isto é, apresentando o terceiro articulado, tendo que aguardar que o tribunal designasse audiência prévia para aí responderem a essa matéria de exceção ou, na ausência desta, no início da audiência final, tal como determina o art. 3º, n.º 4 do CPC, sem prejuízo do tribunal, dentro do uso dos seus poderes de gestão processual, poder convidar aqueles a responderem, por escrito, a essa matéria de exceção. Ora, não tendo, no caso, o apelado deduzido, em sede de contestação, reconvenção, sequer matéria de exceção, mas antes, como se referiu e aqui se reafirma, defesa de mera impugnação, naturalmente que não aos apelantes não assistia o direito a responderem, de motu próprio, à contestação, apresentando aquele terceiro articulado em 18/09/2020, sem prejuízo da questão que infra se aludirá, que se prende com a admissibilidade legal do tribunal dispensar a audiência prévia quando se propunha conhecer de mérito e o direito que lhes assistia de se pronunciar quanto à matéria de mérito no âmbito dessa audiência prévia, questão essa que, como se referiu, em nada já contende com a questão que estamos a abordar, que se prende exclusivamente com a admissibilidade processual daquele terceiro articulado apresentado pelos apelantes em 18/09/2020, mas antes com a validade/invalidade do saneador-sentença proferido nos autos. Na verdade, propondo-se o tribunal a quo conhecer do mérito da causa, conforme veio a conhecer, suscita-se a questão de se saber se o mesmo podia dispensar a audiência prévia, questão essa que, como referido, os apelantes não colocam como objeto do presente recurso e que, consequentemente, não faz parte do objeto da presente apelação, não podendo esta Relação dela conhecer, sob pena de incorrer em nulidade por excesso de pronúncia, mas que não podemos deixar de aqui abordar uma vez que os apelantes confundem essa questão com a antes tratada, conforme anteriormente se referiu. A esse propósito cumpre referir que das disposições conjugadas dos arts. 590º, n.º2, 591º, n.º 1, 592º, n.º1, 593º, n.º 3 e 597º, do CPC, resulta que nas ações de valor superior a metade da alçada da Relação, salvo os casos taxativamente enunciados no art. 592º ou naqueles em que nos termos do n.º 1 do art. 593º, assista ao juiz a possibilidade de dispensar a realização de audiência prévia, a realização dessa audiência é obrigatória. Na verdade, é pacífico que a realização de audiência prévia constitui a regra no processo comum de declaração de ações de valor superior a metade da alçada da Relação, impondo-se a sua convocação ao juiz, conforme, aliás, decorre do disposto no n.º 1 do art. 591º, onde se estabelece que: “Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum dos fins seguintes (…)”. Essa obrigatoriedade da realização de audiência prévia, apenas comporta duas exceções, a saber: a) quando a lei assim o estabeleça, excluindo expressamente essa obrigatoriedade, situação essa a que se reporta o art. 592º, onde se estabelecem as duas únicas situações excecionais e taxativas em que a lei, assumida e expressamente, dispensa a realização de audiência prévia, referindo-se a primeira situação aos casos de ações não contestadas submetidas ao regime da revelia inoperante, em que dada a inoperância da revelia, sempre o processo terá de prosseguir para a produção de prova quanto aos fundamentos da ação (al. a), do n.º 1 do art. 592º), e a segunda situação, que se refere às situações em que o juiz entenda que o processo vai findar no despacho saneador pela procedência de uma exceção dilatória, contanto que essa exceção já tenha sido debatida pelas partes nos articulados (al. b), do n.º 1 do art. 592º); e b) quando o juiz dispense a realização da audiência prévia, possibilidade essa que se encontra enunciada e limitada aos casos previstos no n.º 1 do art. 593º e que se reconduzem àquelas situações em que a audiência prévia se destina exclusivamente aos fins indicadas nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do art. 591º, isto é, a proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do art. 595º, a determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do art. 6º e no art. 547º, e a proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do art. 596º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes, a que acresce o requisito da ação ter de prosseguir para além do momento do despacho saneador (4). Note-se que mesmo nesses casos, expressa e taxativamente, previstos no n.º 1 do art. 593º do CPC, em que a lei confia ao juiz a possibilidade de dispensar a realização da audiência prévia, essa dispensa não tem caráter definitivo, “dependendo sempre da atitude das partes, na medida em que estas (e basta uma delas) podem impor a realização de tal audiência, nos termos previstos do n.º 3 do art. 593º: é aquilo a que se chama audiência prévia potestativa” (5). Destarte, nas ações declarativas comuns de valor superior a metade da alçada da Relação, o curso normal dessas ações incluirá a realização de uma audiência prévia, a qual será obrigatória, à exceção das duas situações previstas no art. 592º, em que a lei determina que aquela não se realiza, e dos casos enunciados no art. 593º, n.º 1, em que o juiz, nos termos e limites aí fixados, pode dispensar a realização dessa diligência. Note-se que apesar da audiência prévia visar várias finalidades principais, alternativas ou cumulativas (art. 591º), esta tem “dois objetivos fundamentais: por um lado, materializar princípios gerais como o da cooperação e o da imediação; por outro, evitar a paralisação dos processos no culminar da fase dos articulados, na medida em que se estabelece um prazo de 30 dias para a sua realização, resolvidas que estejam as questões inseridas no despacho pré-saneador” (6). Aliás, conforme escreve Paulo Pimenta, “discutir hoje se a audiência prévia é obrigatória (ou não) terá por efeito deslocar a atenção do que é fundamental: as virtualidades da audiência prévia e das finalidades que permite alcançar. Mais do que afirmar, um tanto teoricamente, que a audiência prévia é (ou não) obrigatória, importa que os juízes e os advogados portugueses se consciencializem de que o propósito legislativo é de que os processos comportem, normalmente, duas audiências. Nessa medida, é expectável que a audiência prévia se realize, seja por convocação do juiz (art. 591º, n.º 1), seja a requerimento das partes (art. 593º, n.º 3)” e conclui, “de todo o modo, e fora do caso específico do n.º 1 do art. 592º (em que o próprio legislador assume a não realização desta audiência), é patente que, ao contrário do que sucedia no passado, a realização (ou não) da audiência prévia e o que daí resultar para o devir processual será uma responsabilidade partilhada do juiz e das partes e seus mandatários, o que é mais uma forma de concretizar aquilo que se designa por visão participada do processo” (7) . Entre os casos em que é possível ao juiz, nos termos do n.º 1 do art. 593º, dispensar a realização da audiência prévia não se conta as situações em que aquele se proponha conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, isto é, do ou dos pedidos deduzidos pelo autor ou pelo réu-reconvinte em sede de reconvenção e daí que a doutrina e a jurisprudência largamente maioritárias sustentem que, nesses casos, em que o juiz, se proponha conhecer do mérito da causa imediatamente no saneador, não é possível dispensar a realização da audiência prévia, ainda que a questão a decidir seja de manifesta simplicidade (art. 593º, n.º 1). Na verdade, para além dessa situação em que o juiz pretenda conhecer do mérito da causa não constar do elenco taxativo do n.º 1 do art. 593º, n.º 1, em que a lei faculta ao juiz a possibilidade de dispensar a realização da audiência prévia, no CPC de 1961 posterior à revisão de 1995/1996, previa-se a possibilidade do juiz dispensar a realização de audiência prévia e conhecer de mérito da causa em sede de saneador, nos casos em que os fundamentos da decisão a proferir tivessem sido já discutidos pelas partes, não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto a corrigir e quando a apreciação da causa fosse de manifesta simplicidade. Acontece que na sequência da revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, essa exceção à convocação de audiência prévia desapareceu, o que significa que o juiz não pode, na vigência da atual lei adjetiva, julgar de mérito, no despacho saneador, sem primeiro facultar às partes a discussão jurídica que se proponha conhecer em audiência prévia. Dito por outras palavras, quando se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta, total ou parcial, ao pedido ou pedidos deduzidos pelo autor na petição inicial ou pelo réu-reconvinte na reconvenção, o juiz não pode dispensar a audiência prévia, porque a sua realização é obrigatória, nos termos do disposto nos arts. 591º, n.º 1, al. b) e 593º, n.º 1 a contrario (8). Note-se que mesmo para aqueles que entendem que o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia e conhecer, parcial ou totalmente, do mérito da causa, em sede de despacho saneador, o que não subscrevemos, por tal interpretação, salvo melhor opinião, contrariar o disposto nos identificados arts. 591º, n.º 1, al. b) e 593º, n.º 1, a contrario, e ser, por isso, contra legem, e de não levar em devida consideração a sobredita alteração legislativa introduzida ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, onde foi manifesto ensejo do legislador tornar a realização da audiência prévia obrigatória, mesmo naqueles casos em que anteriormente possibilitava a respetiva dispensa, essa corrente doutrinal e jurisprudencial sustenta que no caso em que se proponha conhecer do mérito da causa, o juiz apenas pode dispensar a realização de audiência prévia depois de auscultar as partes sobre essa dispensa, mediante recurso aos mecanismos de gestão processual e de adequação formal, em conformidade com o disposto nos arts. 6º e 547º do CPC, e quando permita às partes que se pronunciem, por escrito, sobre as questão de mérito que se propõe conhecer, nos mesmos termos em que o iriam fazer oralmente, em sede de audiência prévia, caso esta tivesse lugar (9), enquanto outros defendem que o juiz apenas pode dispensar a realização de audiência prévia no âmbito do dever de gestão processual, a título de adequação processual, quando conclua que a matéria a decidir foi objeto de suficiente debate entre as partes nos articulados, devendo, contudo, ouvir aquelas quanto ao seu propósito de dispensar a realização audiência prévia, nos termos do disposto nos arts. 6º, n.º 1 e 3º, n.º 3 do CPC (10). Note-se que a obrigatoriedade do juiz de realizar a audiência prévia sempre que se proponha conhecer, total ou parcialmente, do mérito da causa, funda-se na dimensão positiva do princípio do contraditório, vertida no n.º 3 do art. 3º do CPC, e que é postulada pelo direito a um processo equitativo que decorre do art. 20º, n.º 4 da CRP, princípio esse que o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito decidir qualquer questão de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, salvo em casos de manifesta desnecessidade. Com efeito, mediante a consagração deste dispositivo legal consagra-se, no âmbito do processo civil, o princípio constitucional da proibição da indefesa, associada à regra do contraditório, visando-se conferir às partes uma efetiva participação no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão a proferir, proibindo-se ao juiz a prolação de qualquer decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que, previamente, tenha sido conferido às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar (11). Nessa conceção ampla do princípio do contraditório, o escopo principal desse princípio, contrariamente ao que acontece com a sua conceção tradicional, que continua a ter consagração legal no n.º 1 do art. 3º do CPC, deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo do direito das partes de influírem ativa e decididamente no desenvolvimento e no êxito do processo (12). Esta dimensão positiva do princípio do contraditório apenas pode ser afastada nos casos de “manifesta desnecessidade”, isto é, quando essa desnecessidade seja patente, evidente, ou inquestionável para o comum dos aplicadores da lei, dotados de comum bom senso e da comum razoabilidade e que, por isso, impõe a observância desse princípio mesmo naquelas situações em que aparentemente se prefigura desnecessária a audição dos interessados, apenas se admitindo o afastamento dessa audição relativamente a questões cuja decisão não tenha, ainda que reflexamente, qualquer repercussão sobre o desenvolvimento da instância. Ora, sendo a audiência prévia uma fase normal da tramitação da ação declarativa comum, cuja realização o juiz apenas pode afastar nos casos expressa e taxativamente enunciados na lei, onde, inclusivamente, não se conta a situação em que o juiz se proponha conhecer, de imediato, do mérito da causa, compreende-se que aquela vertente positiva do princípio do contraditório imponha a realização da audiência prévia sempre que o juiz se propunha conhecer do mérito da causa, mesmo que as partes já tenham debatido nos seus articulados a questão jurídica que o juiz se proponha conhecer de imediato, em sede de saneador. Na verdade, admitindo atualmente o processo declarativa comum, em regra, apenas dois articulados, quando, como acontece no caso sub judice, o réu, na contestação, aceita os factos alegados pelo autor, mas contradiz o efeito jurídico que este pretende extrair deles, há que se dar ao autor, que não teve direito a resposta, a possibilidade de produzir alegações orais sobre esse enquadramento jurídico, concedendo-lhe a efetiva possibilidade de influenciar a decisão de mérito que o juiz se propõe proferir quanto ao mérito, sob pena de se incorrer em violação do art. 3º, n.º 3, e em consequente prolação de decisão surpresa. Acresce que mesmo nos casos em que as partes já tiveram a possibilidade de discutir o enquadramento jurídico nos respetivos articulados, não se pode excluir a possibilidade daquelas, em sede de alegações orais que venham a produzir em audiência prévia, carrearem para os autos novos argumentos jurídicos, que antes não tiveram oportunidade de ponderar e apresentar ao tribunal e que tragam nova luz à decisão de mérito a proferir pelo tribunal. Acresce que mesmo nas situações em que as partes tiveram oportunidade de discutir a questão jurídica que o tribunal se propõe conhecer, de imediato, em sede de saneador, a audiência prévia é obrigatória quando o juiz se proponha decidir do mérito da causa num enquadramento jurídico diverso do assumido e discutido pelas partes nos respetivos articulados (13). Finalmente, a realização da audiência prévia evita situações de precipitação do juiz quando este se proponha conhecer, de imediato, do mérito da causa, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final (14). Deste modo é que, na esteira da doutrina e da jurisprudência largamente maioritárias, entendemos que sempre que o juiz se proponha conhecer, de imediato, em sede de saneador, total ou parcialmente do mérito da causa, aquele tem obrigatoriamente de convocar audiência de partes, e quando não o faça, omite uma formalidade processual prescrita por lei, que por ser suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, determina a nulidade do saneador-sentença que venha a proferir, nos termos do disposto no art. 195º, n.º 1 do CPC. Note-se que apesar de se estar perante uma nulidade processual, na medida em que esta se encontra coberta por um despacho do juiz, mais concretamente pelo saneador-sentença, em que conheceu do mérito da presente causa, sem realizar a audiência previa, preterindo assim uma formalidade legal obrigatória prescrita pela lei processual civil, e com isso violou o princípio do contraditório, na sua dimensão positiva, o que inquina esse saneador-sentença da nulidade processual secundária a que alude o art. 195º, n.º 1, o meio de reação não é a simples reclamação, mas antes o recurso a interpor daquele saneador-sentença, no prazo geral, que em regra, ascende a 30 dias (art. 638º, n.º 1), a contar da notificação desse saneador-sentença, onde a nulidade deste carece de ser arguida pelo recorrente (15). Acontece que essa nulidade secundária não é do conhecimento oficioso do tribunal, mas antes carece de ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato (art. 197º, n.º 1 do CPC), regra geral, mediante reclamação, a apresentar junto do tribunal que a praticou, caso a parte esteja presente, por si ou por mandatário, no momento em que a falta é cometida, enquanto o ato não terminar (art. 199º, n.º 1), ou não estando a parte presente, por si ou por mandatário, no momento em que a falta é cometida, no prazo geral de 10 dias (art. 149º), a contar do momento em que, depois de cometida a nulidade, a parte intervier no processo ou em que for notificada para qualquer efeito posterior, desde que, neste último caso, possa presumir-se que tomou conhecimento do vício ou podia dele tomar conhecimento, se agisse com a diligência devida (art. 199º, n.º1, parte final), ou, face à particularidade do caso presente, em que, como dito, a nulidade cometida se encontra coberta por um despacho do juiz, mais concretamente, por saneador-sentença, em que a 1ª instância conheceu de mérito sem realizar a audiência prévia, mediante recurso, a interpor no prazo geral deste, a contar da notificação desse saneador-sentença, em que argua a nulidade deste, sob pena dessa nulidade ficar sanada. Ora, não tendo os apelantes arguido no âmbito da presente apelação a nulidade do saneador-sentença decorrente de nele o tribunal a quo ter conhecido do mérito da causa, sem ter realizado audiência prévia, que era obrigatória, essa nulidade sanou-se, não podendo esta Relação dela conhecer. Acontece que toda esta problemática que acabamos de tratar, conforme é bom de ver, nada tem a ver com a questão de se saber se aos apelantes assistia (ou não) o direito processual de apresentarem o articulado entrado em juízo 18/09/2020, em que respondem à solução jurídica que vem propugnada pelo apelado na contestação e que, na perspetiva deste, demandava a improcedência da presente ação. Acresce que não é pelo facto de o tribunal não ter convocado as partes para a realização da audiência de partes, que era obrigatória, já que se propunha conhecer do mérito da presente ação, em sede de saneador, onde se impunha que facultasse às partes a possibilidade de produzirem alegações jurídicas sobre o mérito da presente ação, principalmente aos apelantes, que não tinham ainda tido a oportunidade de se pronunciarem sobre o enquadramento jurídico feito pelo apelado em sede de contestação, refutando-o e apresentando os argumentos jurídicos que antes, na sua perspetiva, demandavam a procedência da ação, que permite aos apelantes apresentarem aquela resposta, já que, como é sabido, “uma ilegalidade” (a cometida pelo tribunal, aliás, sanada) não permite, sequer justifica o cometimento da ilegalidade processual cometida anteriormente pelos apelantes ao apresentarem aquele terceiro articulado/resposta à contestação, confundindo, reafirma-se, os apelantes, nas suas alegações de recurso, ambas as apontadas realidades jurídicas. Deste modo, ao julgar o articulado apresentado em juízo pelos apelantes em 18/09/2020, intitulado de “resposta”, como sendo processualmente inadmissível e ao ordenar o respetivo desentranhamento dos autos e a respetiva restituição ao seu apresentante, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que os apelantes lhe imputam, na medida em que a lei não lhes facultava efetivamente o direito a apresentarem essa resposta/articulado em juízo, improcedendo este fundamento de recurso. B.2- Do saneador-sentença – mérito. B.2.1- Da declaração da extinção das obrigações assumidas pelos apelantes perante o apelado – obrigações naturais. A 1ª Instância considerou que as obrigações assumidas pelos apelantes, enquanto avalistas da sociedade “X – Sociedade de Construções, Lda.”, se encontravam prescritas, o que não é colocado em crise pelas partes, mas julgou improcedente o pedido deduzido pelos apelantes em ver declaradas extintas essas obrigações, com o argumento que a prescrição não faz extinguir o direito, mas apenas converte a obrigação civil em obrigação natural e, como tal, a prescrição não operou a extinção dos direitos de crédito detidos pelo banco apelado sobre aqueles. Imputam os apelantes erro de direito a essa decisão, advogando que o tribunal a quo desvirtuou o regime das obrigações naturais, na medida em que os mesmos já manifestaram a sua intenção em não cumprir com aquelas obrigações, tendo o apelado conhecimento dessa intenção, aceitou-a e deu-a por definitiva, concluindo que, “em termos práticos – independentemente da terminologia que haja de se socorrer - é como se a obrigação deixasse de existir”. Vejamos se assiste razão aos apelantes nas críticas que assacam ao saneador-sentença recorrido quando assim decidiu. A prescrição extintiva, a par da caducidade, são os institutos jurídicos que operam alterações nas relações jurídicas estabelecidas entre as partes decorrentes do decurso do tempo. O CC não dá uma definição legal sobre o que entender-se por prescrição, sequer por caducidade, mas limita-se a regular esses institutos jurídicos e os respetivos efeitos. Quanto à prescrição, lê-se no n.º 1 do art. 304º do CC, que uma vez “completada a prescrição, tem o beneficiário dela a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”, acrescentando o seu n.º 2 que “não pode, contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que feita com ignorância da prescrição; este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao reconhecimento ou à prestação de garantias”. Resulta do enunciado n.º 2 do art. 304º que a prescrição, que não opera ipso jure, mas que antes carece de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveitada, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público (art. 303º do CC), não opera a extinção do direito prescrito, na medida em que caso o devedor cumpra com a obrigação prescrita, conhecendo a prescrição, tal cumprimento equivale, nos termos do n.º 2 do art. 302º do CC, à renuncia tácita à prescrição; caso o devedor cumpra com a obrigação prescrita, na ignorância de que esta se encontra prescrita, não há renúncia, mas a prestação não pode ser repetida, nos termos do art. 304º, n.º 2 do CC, porque o devedor e o credor se limitaram a cumprir e a receber, respetivamente, uma obrigação devida; e se o devedor cumprir a obrigação depois de ter oposto procedentemente a prescrição, aquele cumprimento representa o cumprimento de uma obrigação natural (16), resultando no entanto, do nº 1 desse art. 304º, que invocada, com êxito, a prescrição, a obrigação prescrita deixa de ser judicialmente exigível. Decorre do que se acaba de dizer que, conforme é entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico, a prescrição não suprime nem extingue o direito prescrito mas limita-se a transformá-lo numa obrigação natural (17), nisto se distinguindo, aliás, o instituto da prescrição do da caducidade, uma vez que nesta, o decurso do prazo de caducidade, extingue o direito. Por sua vez, as obrigações naturais encontram-se reguladas nos arts. 402º a 404º do Cód. Civil, estabelecendo-se naquele art. 402º que a obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça, resultando, portanto, desta definição legal, que as obrigações naturais são: a) obrigações; b) fundadas em meros deveres de ordem moral ou social e correspondendo a um dever de justiça; e c) que não são exigíveis judicialmente. Consagra assim o art. 402º do CC, no âmbito do direito civil nacional, a figura das obrigações naturais como figura de caráter geral, que estende o seu domínio a todos os deveres de ordem moral e social, cujo cumprimento não seja judicialmente exigível, mas cujo cumprimento corresponda a um dever de justiça e que se distingue das obrigações civis precisamente pela circunstância verdadeiramente excecional de tais obrigações não serem judicialmente exigíveis, não dispensando, por isso, a lei ao titular de obrigações naturais uma tutela direta, através da ação creditória, mas apenas indireta, por meio da irrepetibilidade da prestação efetuada pelo devedor. Com efeito, cumprindo o devedor espontaneamente a obrigação natural, isto é, livre de toda a coação, nos termos do n.º 1 do art. 493º do CC, não lhe assiste o direito de repetir o indevido, o que é bem demonstrativo que as obrigações naturais, ainda que não sejam judicialmente exigíveis, são consideradas pela lei como autênticos deveres morais ou sociais juridicamente relevantes (18) ou, segundo outros autores, como autênticas relações obrigacionais, embora de vínculo mais frágil, constituindo, portanto, um tipo ou categoria especial de obrigações (19), em que a prestação espontânea da obrigação é tratada como cumprimento de um dever, isto é, de uma obrigação, e não como uma mera liberalidade, havendo, aliás, quem fale que as obrigações naturais são obrigações imperfeitas, por contraposição às obrigações perfeitas, que são as civis, por estas serem judicialmente exigíveis, contrariamente àquelas outras, embora para outros autores as obrigações naturais são autênticas obrigações perfeitas, apenas diferentes das restantes por o seu regime não permitir a execução (20). Acresce que a reforçar a tese de que as obrigações naturais, seja qual for o entendimento que se adote quanto à respetiva natureza, são verdadeiras obrigações jurídicas, o art. 404º do CC sujeita-as ao regime das obrigações civis, em tudo o que não se relacione com a realização coativa da prestação, salvas as disposições especiais da lei, o que significa que quanto a elas vigora o princípio da equiparação às obrigações civis, com duas ressalvas: a) as disposições que pressupõem a realização coativa da prestação; e b) as normas especialmente aplicáveis às obrigações naturais. Logo, com essas duas ressalvas, onde se contam as normas que se relacionam com o modo, o lugar e o tempo do cumprimento da obrigação civil (arts. 672º e segs.); as que definem a mora de devedor e credor, o não cumprimento da obrigação e fixam os seus efeitos (arts. 790º e segs.); as que disciplinam a imputação do cumprimento, quando existam várias dívidas para com o mesmo credor (arts. 783º e segs.), as que admitem a sub-rogação (arts. 589º e segs.), por se relacionarem com a realização coativa das obrigações civis, assim como o facto do credor de uma obrigação natural não poder compensar o seu crédito com uma obrigação civil em que se encontre constituído, sob pena de indiretamente se sancionar a exigibilidade do seu cumprimento, vigora o princípio da equiparação das obrigações naturais às obrigações civis: aquelas extinguem-se, em princípio, pelas causas referida na lei para as obrigações civis; são transmissíveis por herança; os créditos naturais podem ser cedidos, dados em usufruto, penhorados, etc. (21) Conforme se referiu, as obrigações naturais fundam-se num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento corresponda a um dever de justiça, o que significa que compete à jurisprudência, de harmonia com as conceções predominantes em determinada sociedade e em dado momento histórico, averiguar face às circunstâncias concretas de cada caso, em primeiro lugar, se existe um dever moral ou social e, seguidamente, se o cumprimento desse dever moral é de tal modo importante face à consciência jurídica coletiva, que envolva um dever de justiça. Se existe apenas um dever genérico de caridade, de beneficência, um dever social de cortesia, de dedicação ou de amor, ainda que fundados na moral, existe por trás do ato de entrega uma liberalidade, mas não há cumprimento de nenhuma obrigação natural, assim como não há cumprimento de uma obrigação natural quando, na base da prestação existe por parte do autor apenas um dever de gratidão ou de reconhecimento e a intenção deste de gratificar, ratificar ou compensar. Conforme pondera Antunes Varela, “para que haja obrigação natural, é necessário que exista como fundamento da prestação, um dever moral ou social específico entre pessoas determinadas, cujo cumprimento seja imposto por uma reta composição de interesses (ditames da justiça)”. E “um dos casos típicos do dever de justiça é o da dívida prescrita, depois de invocada a prescrição (art. 304º, n.º 2). A dívida extingue-se como vínculo jurídico, uma vez decorrido o prazo prescricional e invocada pelo devedor a prescrição. Porém, se o devedor cumprir espontaneamente, a prestação corresponde ainda a um dever de justiça, visto que a extinção do vínculo jurídico se dá por motivo de certeza das relações e de segurança do comércio jurídico, que não afetam, no plano da justiça, a posição anterior dos interessados” (22). Revertendo ao caso dos autos, estando os créditos detidos pelo banco apelado sobre os apelantes, enquanto avalistas da sociedade “X – Sociedade de Construção, Lda.” prescritos, não operando a prescrição a extinção da obrigação civil, mas apenas convertendo esta em obrigação natural, quer se adira às denominadas doutrinas extrajurídicas sobre a natureza das obrigações naturais, de acordo com as quais, as obrigações naturais não seriam propriamente realidades jurídicas, mas antes realidades de facto, a que o direito, movido por considerando extrajudiciais, reconheceria alguns efeitos jurídicos, quer se adira às denominadas doutrinas jurídicas, segundo as quais as obrigações naturais seriam autênticas obrigações jurídicas, distinguindo-se apenas das obrigações civis por não serem judicialmente exigíveis pelo credor (23), estando as obrigações naturais, inclusivamente, com as duas exceções acimas enunciadas, sujeitas ao princípio da equiparação às obrigações civis, extinguindo-se, relembra-se, em princípio, pelas causas referidas na lei para as obrigações civis, sendo transmissíveis por herança, podem ser cedidas, dadas em usufruto, penhoradas, etc., independentemente dos apelantes terem invocado, com sucesso, nos presentes autos a exceção perentória da prescrição dos direitos de crédito que o apelado detém sobre aqueles (com o que o transformaram esse direito de crédito em obrigação natural) e demonstrando, com essa sua invocação que não irão cumprir, voluntária e espontaneamente, com essa obrigação e que, por isso, a viabilidade do banco apelado vir a obter o cumprimento/pagamento daquela é, em termos práticos, nula, face à impossibilidade deste de recorrer à via judicial para obter o cumprimento coercivo dessa obrigação dos apelantes, o certo é que não podia efetivamente o tribunal a quo declarar extintas as obrigações assumidas pelo apelantes, enquanto avalistas da sociedade “X” perante o banco apelado pela simples circunstância dessas obrigações creditórias se encontrarem prescritas, uma vez que essas obrigações subsistem agora enquanto obrigações naturais, que são obrigações jurídicas ou com efeitos jurídicos. É que contrariamente ao que acontece com a caducidade, que extingue do direito caduco, a prescrição apenas tem a virtualidade jurídica de transformar o direito creditório detido pelo apelado sobre os apelantes em obrigação natural. Destarte, ao julgar improcedente o pedido dos apelantes em ver julgadas extintas as obrigações por eles assumidas perante o banco apelado, enquanto avalistas da sociedade “X – Sociedade de Construções, Lda.”, o saneador-sentença recorrido não padece dos erros de direito que os apelantes lhe imputam, improcedendo este fundamento de recurso. B.2.2- Eliminação de todos os registos de incumprimento das responsabilidades prescritas assumidas pelos apelantes a favor do apelado da Central de Responsabilidade de Crédito. Tendo os apelantes pedido que se declarasse extintas as obrigações assumidas pelos últimos perante o apelado e, por efeito, se determinasse à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal para que fossem eliminados todos os registos de incumprimento daquelas obrigações, tendo a 1ª Instância concluído pela improcedência do primeiro pedido, considerou que “em decorrência desta decisão, e por ser da mesma dependente, fica prejudicada a apreciação do segundo pedido” e que, em todo o caso, esse segundo pedido nunca poderia proceder dado que “apenas o réu tem legitimidade substantiva/competência para introduzir as correções e eliminar os registos junto Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal”, argumentos esses com as quais não se conformam os apelantes e, a nosso ver, com razão. Vejamos: A Central de Responsabilidades de Crédito (CRC), iniciou a sua atividade em outubro de 1978, com a designação de Serviços de Centralização de Serviço de Centralização de Riscos, encontrando-se atualmente enquadrada pelo Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14/10, e pela Instrução do Banco de Portugal n.º 17/2018, de 27/08/2018, em que, ao abrigo do disposto no art. 2º, n.º 3 daquele DL 204/2008, este procedeu à regulamentação da comunicação a ser-lhe enviadas pelas entidades participantes relativas às responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma, a fim de que aquele centralize e divulgue essa informação. Estabelece o art. 1º do identificado Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14/10, que: 1- A Central de Responsabilidades de Crédito (CRC) assegurada pelo Banco de Portugal, nos termos da sua lei orgânica, aprovada pela Lei n.º 5/98, de 31 de janeiro, tem por objeto: a) Centralizar as responsabilidades efetivas ou potenciais de crédito concedido por entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou por quaisquer outras entidades que, sob qualquer forma, concedam crédito, ou realizem operações análogas; b) Divulgar a informação centralizada às entidades participantes; c) Reunir informação necessária à avaliação dos riscos envolvidos na aceitação de empréstimos bancários como garantia no âmbito de operações de política monetária e de crédito intradiário. 2- A Central de Responsabilidades de Crédito abrange a informação recebida relativa a responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer modalidade, de que sejam beneficiários pessoas singulares ou coletivas, residente ou não residentes em território nacional. Por sua vez, lê-se no art. 2º do mesmo diploma que: 1- As entidades participantes são as entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal que concedam crédito, sucursais de instituições de crédito com sede no estrangeiro e atividade em Portugal e outras entidades designadas pelo Banco de Portugal que, de algum modo, exerçam funções de crédito ou atividade com este diretamente relacionada. 2- As entidades participantes figuram na lista publicada no sítio do Banco de Portugal na Internet. 3- (…). 4- A informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante da Central de Responsabilidades de Crédito, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou retificação, por sua iniciativa ou solicitação dos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões. O art. 3º que: 1- As entidades participantes ficam obrigadas a fornecer ao Banco de Portugal, nos termos da regulamentação aprovada, todos os elementos de informação respeitantes a responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido em Portugal, referidos no número seguinte, e quando requeridos pelo Banco de Portugal todos os elementos de informação relativos a responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido no estrangeiro pelas suas sucursais no exterior. 2- Cada entidade participante fica obrigada a comunicar ao Banco de Portugal saldos, em fim de cada mês, das responsabilidades decorrentes das seguintes operações de crédito concedidas em Portugal, a residentes ou não residentes em território nacional, pelas suas sedes, filiais, agências e sucursais, incluindo as instaladas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria: a) Operações ativas com pessoas singulares ou coletivas, a comunicar em nome do beneficiário direto do crédito e garantias prestadas e recebidas, em nome do potencial devedor, incluindo-se, nestas operações, as seguintes situações particulares: i) Os montantes não utilizados, para quaisquer tipos de linhas de crédito irrevogáveis contratadas, incluindo cartões de crédito, a comunicar em nome do beneficiário direto, por constituírem responsabilidades potenciais; ii) Os montantes das operações compensadas, a comunicar em nome do beneficiário direto, por constituírem responsabilidades efetivas; iii) A utilização total ou parcial de empréstimos poupança-emigrante concedidos ao abrigo da legislação em vigor, ou qualquer modificação do capital em dívida; iv) Os montantes de garantias prestadas por entidades participantes para assegurar o cumprimento de operações de crédito concedido por outras entidades participantes; v) Os montantes das fianças e avales prestados a favor da entidade participante, a comunicar em nome dos fiadores e avalistas, a partir do início do contrato de mútuo, até ao limite da garantia prestada; b) Créditos tomados com recurso, a comunicar em nome dos aderentes, a partir do momento da realização da operação, devendo ser reclassificados em situação de incumprimento os créditos em que tenham decorrido, após o vencimento das faturas ou dos títulos cambiários, o período de tempo definido em instrução do Banco de Portugal; c) Créditos tomados sem recurso, a comunicar em nome dos devedores e com conhecimento destes, relativamente aos quais tenha decorrido, após o vencimento das faturas ou dos títulos cambiários, o período de tempo definido em instrução do Banco de Portugal; d) Créditos cedidos em operações de titularização, a comunicar pela entidade cedente, em nome do beneficiário direto; e) Créditos afetos a obrigações hipotecárias ou obrigações sobre o setor público, a comunicar pela instituição de crédito emitente das obrigações, em nome do beneficiário direto do crédito. 3 - As comunicações mensais de responsabilidades a efetuar pelas entidades participantes, referentes aos saldos em fim de cada mês, devem ser obrigatoriamente remetidas ao Banco de Portugal dentro dos seguintes prazos, contados do início do mês seguinte àquele a que respeitam as responsabilidades: a) 11 dias úteis para as comunicações a efetuar até 31 de dezembro de 2010; b) 6 dias úteis para as comunicações a efetuar após 31 de dezembro de 2010. 4 - Não são abrangidos pela centralização, pelo que não devem ser comunicados: a) As operações realizadas entre instituições financeiras monetárias residentes; b) As operações realizadas entre as entidades participantes e o Banco de Portugal; c) As dívidas perdoadas pelas entidades participantes; d) O valor do crédito concedido em desconto de títulos que foram objeto de reforma, para os quais apenas deve ser comunicado o crédito concedido em desconto do novo título. O artigo 5.º que: 1 - A informação constante da Central de Responsabilidades de Crédito pode ser utilizada para os seguintes fins: a) Centralização de responsabilidades de crédito; b) Supervisão das instituições de crédito e sociedades financeiras; c) Análise da estabilidade do sistema financeiro; d) Realização de operações de política monetária e de crédito intradiário; e) Compilação estatística. 2 - A difusão da informação não prejudica a observância do dever de segredo bancário que protege a identificação individualizada de pessoas ou instituições e das respectivas operações. E o artigo 6.º que: 1 - As entidades participantes podem requerer ao Banco de Portugal que lhes seja dado conhecimento da informação registada na Central de Responsabilidades de Crédito relativa às pessoas singulares ou coletivas que lhes hajam solicitado crédito. 2 - O resultado da consulta efetuada nos termos do número anterior deve ser comunicado ao consumidor, de forma clara e percetível, designadamente quando dê origem à recusa na concessão do crédito. 3 - São condições de legitimidade do pedido de informação ser a entidade requerente credora actual da pessoa singular ou coletiva em causa, ou, não sendo credora, ter desta recebido pedido de concessão de crédito. Por sua vez, estabelece-se na Instrução do Banco de Portugal n.º 17/2018: No ponto 3.2.1 que: “Devem ser comunicadas à CRC, em conformidade com o descrito no n.º 4, todas as operações de crédito em que se verifique, pelo menos, uma das seguintes condições: i) Impliquem risco de crédito para a entidade participante; ii) Constituam um ativo da entidade participante; iii) Sejam reconhecidas nos termos da norma contabilística aplicável e já tenham originado, no passado, um risco de crédito para a entidade participante; v) Sejam geridas pela entidade participante e cujo credor não seja uma entidade participante na CRC. No ponto 3.3.1 que: “Devem ser excluídas da comunicação à CRC os seguintes tipos de operação: i) Dívidas perdoadas pelas entidades participantes; ii) Crédito concedido em desconto de títulos que foram objeto de reforma, para as quais apenas deve ser comunicado o crédito concedido em desconto do novo título; iii) Títulos de dívida na carteira das entidades participantes. E no ponto 11.1 que: “Sempre que uma entidade participante, por sua iniciativa ou por solicitação do devedor ou do avalista/fiador, verifique ter havido omissão ou incorreção de qualquer comunicação, passada ou presente, fica obrigada a proceder à respetiva retificação, remetendo, para o efeito, as necessárias comunicações ao Banco de Portugal”. Resulta do regime legal que se acaba de transcrever que a Central de Responsabilidades de Crédito corresponde a um sistema de informação gerido pelo Banco de Portugal, que se destina a centralizar e difundir a informação recebida mensalmente pelas denominadas entidades participantes sobre o endividamento de operações de créditos. Essas entidades participantes são as entidades que se encontram sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e que concedam crédito ou que, de algum modo, exerçam funções de crédito ou atividade com este diretamente relacionadas, quer se trate de entidades nacionais ou estrangeiras. A informação a transmitir por essas entidades ao Banco de Portugal, respeitam às responsabilidades efetivas ou potenciais, decorrentes de operações de crédito, sob qualquer modalidade, de que sejam beneficiárias pessoas singulares ou coletivas, residentes ou não residentes em território nacional, estando englobados nessa obrigação de comunicação as obrigações assumidas pelos devedores solidários, com o devedor principal, como é o caso de avalistas e fiadores. São “responsabilidades de crédito efetivas” as que resultam de contratos de empréstimo em que os respetivos montantes já foram utilizados; e são “obrigações de crédito potenciais” as situações que se podem a vir a converter em dívidas efectivas (24). A CRC tem como principal objetivo apoiar as entidades participantes na avaliação do risco de concessão de crédito a clientes ou potenciais clientes, para o que essas entidades podem aceder à informação agregada, isto é, relativa ao conjunto do sistema financeiro, constante daquela Central relativa a cada cliente, ou potencial cliente, quando estes lhe solicitem a concessão de crédito, ou quando lhe concedam autorização para efetuar essa consulta. O objetivo da CRC assenta, assim, na centralização das responsabilidades efetivas ou potenciais de crédito concedido por entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou outras, na divulgação da informação às entidades participantes e na reunião da informação necessária à avaliação dos riscos associados à concessão de crédito. Para que esse objetivo final seja alcançado e as entidades participantes possam fazer uma correta avaliação dos riscos das suas operações de crédito, aquelas encontram-se obrigadas a fornecer mensalmente ao Banco de Portugal, sob pena de se constituírem em contraordenação, todos os elementos de informação relativas às responsabilidades efetivas e potenciais assumidas pelos seus clientes, quer sejam particulares, empresas ou outras entidades, independentemente dessas responsabilidades se encontrarem em situação regular (informação positiva) ou em incumprimento (informação negativa). Note-se que para que a avaliação do risco de concessão do crédito releva não só o conhecimento da existência de eventual informação negativa, mas também o valor total das responsabilidades do cliente da entidade participante, compreendendo-se, por isso, que esta se encontre obrigada a comunicar não só as responsabilidades de crédito efetivas, como as responsabilidades de crédito potenciais dos seus clientes. A informação sobre responsabilidades de crédito dos clientes das entidades participantes constante da CRC, nos termos do art. 5º, do DL n.º 204/2008, de 14/10, pode ainda ser utilizada pelo Banco de Portugal para efeitos de supervisão financeira, análise do sistema financeiro, compilações de estatísticas e realização de operações de política monetária e de crédito intradiário. Tal significa que a CRC, além de prosseguir os interesses privados das entidades concedentes de crédito aos seus clientes ou potenciais clientes, constituindo um instrumento poderoso para que as mesmas se salvaguardem contra o risco de concessão de crédito a quem já se encontra endividado e impossibilitado de assumir novas responsabilidades financeiras, ou de conceder crédito a quem apresente já um histórico de incumprimento, e, concomitantemente, embora a título secundário, prossiga também os interesses dos próprios clientes ou potenciais clientes que pretendam contrair novos créditos, salvaguardando-os do risco de sobreendividamento, aquela Central prossegue também o interesse público, ao permitir ao Banco de Portugal um controlo da atividade de concessão de crédito pelas entidades sujeitas à sua supervisão e adotando medidas no sentido de garantir um sistema financeiro saudável. Os princípios fundamentais que regulam o funcionamento da CRC são: a obrigatoriedade de comunicação ao Banco de Portugal, por parte das entidades participantes, das responsabilidades dos seus clientes, decorrentes de operações de crédito; a confidencialidade no tratamento e na divulgação da informação individual de cada cliente de crédito; a reciprocidade no acesso à informação, na medida em que, mensalmente, as entidades participantes recebem os saldos das responsabilidades agregados dos seus clientes junto das entidades participantes na Central; e o direito de acesso de cada cliente à informação que a seu respeito conste na base de dados e de solicitar à entidade participante a sua retificação ou utilização. Os dados recolhidos pela CRC e divulgados ao sistema financeiro são da exclusiva responsabilidade das instituições das instituições que os transmitem ao Banco de Portugal, não cabendo a este proceder a qualquer alteração desses dados (art. 2º, n.º 4 do DL. n.º 204/2008), pelo que a informação sobre responsabilidades de crédito apenas é atualizada, retificada ou eliminada na base de dados depois da respetiva comunicação da entidade participante ao Banco de Portugal. Todavia, se isto é assim, numa situação de ausência de conflito entre entidade participante e cliente, em que perante a ocorrência de erros ou omissões na informação transmitida ao Banco de Portugal e que acabou por ser inserida na CRC, ambos estão de acordo que há que se retificar aqueles vícios, em que naturalmente deverá ser a entidade participante a diligenciar por esse retificação, o sentido e o alcance interpretativo a dar ao comando legal do enunciado art. 2º, n.º 4 do DL. n.º 204/2008, não é, sequer pode ser aquele que lhe empresta a 1ª Instância, quando, ao que depreendemos do saneador-sentença recorrido, perante uma situação de conflito entre a entidade participante e o cliente a propósito dos créditos prescritos detidos pelo banco apelado sobre os apelantes que permanecem inseridos na CRC, se entende que nunca o tribunal podia oficiar ao Banco de Portugal para que eliminasse daquela base de dados todos os registos de incumprimento de responsabilidades prescritas uma vez que apenas a entidade participante, isto é, o banco apelado disporia de legitimidade para proceder a essa comunicação. Com efeito, se assim fosse, semelhante interpretação do enunciado art. 2º, n.º 4 padeceria indiscutivelmente do vício da inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso ao direito, na sua dimensão de tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20º, nº 4 da CRP como direito fundamental primário, que garante a todos o recurso à via judiciária para defender os seus direitos fundamentais e demais direitos em geral e interesses legalmente protegidos, isto é, que sejam dignos de tutela jurídica. Ou seja, havendo um interesse jurídico digno de tutela, como indiscutivelmente é o caso dos apelantes, que ao verem que os créditos sobre eles detidos pelo apelado permanecerem inscritos na CRC, apesar de se encontrarem prescritos e daqueles terem invocado judicialmente, com êxito, essa prescrição, vêm indiscutivelmente não só postergados os seus legítimos interesses, como, inclusivamente, violados os seus direitos de personalidade, designadamente, o seu direito ao seu bom nome e ao acesso ao crédito, sabendo-se que perante esse registo negativo, as entidades que se dedicam à concessão de crédito, que têm acesso a esses elementos, não só formularão um juízo negativo sobre a honra e consideração social daqueles, olhando-os como incumpridores, pouco dignos de confiança, como dificilmente lhes concederão crédito, pelo que a Constituição garante-lhes (tratando-se, aliás, de uma garantia plena) o acesso aos Tribunais para dirimir e solucionar esse conflito que os contrapõe ao apelado (25), não podendo os interesses e direitos dos apelados ficarem na disponibilidade do apelado. De resto, sendo o Banco de Portugal a entidade a quem cabe gerir a CRC, cujos funcionários são as pessoas que inserem, nessa base de dados, os elementos enviados mensalmente pelas entidades participantes àquele banco central, terceiro juridicamente indiferente em relação à relação material controvertida sobre que versam os presentes autos, que contrapõe apelantes e apelado, o caso julgado material que cubra a decisão de mérito a proferir no âmbito da presente ação, é-lhe oponível, tendo aquele banco central, assim como todos, incluindo os próprios tribunais, de acatar a decisão transitada em julgado que venha a ser proferida, introduzindo na CRC as alterações/modificações que venham a ser determinadas (26). Destarte, como bem acusam os apelantes, ao decidir que o pedido formulado pelos últimos, no sentido do tribunal oficiar ao Banco de Portugal para eliminar todos os registos de incumprimento das responsabilidades prescritas assumidas pelos Autores a favor do Réu da CRC, nunca podia proceder porquanto, “apenas o réu tem legitimidade substantiva/competência para introduzir as correções e eliminar os registos junto Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal”, é indiscutível que a 1ª Instância incorreu em erro de julgamento, procedendo este fundamento de recurso. Resta verificar se existe fundamento legal para que os créditos detidos pelo banco apelado sobre os apelantes, enquanto avalistas da sociedade “X – Sociedade de Construções, Lda.”, apesar de prescritos e, assim, convertidos em obrigações naturais, permaneçam inscritos na CRC. Entendeu a 1ª Instância que a circunstância de a prescrição não operar a extinção dos créditos detidos pelo apelado sobre os apelantes, mas apenas tendo a virtualidade jurídica de os transformar em obrigações naturais, não constitui fundamento legal para que se elimine esses créditos do CRC, concluindo, sem mais, que a improcedência do pedido dos apelantes em ver declarados extintos aqueles créditos determina a improcedência daquele outro pedido, o que não se subscreve, isto sem prejuízo de terem sido os próprios Autores que estabeleceram um nexo causal entre a procedência dos dois pedidos que deduziram, facto esse que, no entanto, não é impeditivo a que se conheça de ambos esses pedidos isoladamente, até porque, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não existe entre os mesmos qualquer nexo de causalidade, no sentido de que a improcedência do primeiro, determine necessariamente a improcedência do segundo, até porque, conforme resulta do que acima se explanou, a CRC prossegue finalidades próprias e bem distintas daqueles que são os interesses dos aqui apelantes. Posto isto, é indiscutível que os créditos que o banco apelado detém sobre os apelantes não se extinguiram, mas por via da invocação, com êxito, da exceção da prescrição pelos apelados, esses créditos se converteram em obrigações naturais, isto é, deixaram de ser judicialmente exigíveis pelo apelado aos apelantes, que apenas os pagarão/cumprirão se assim o entenderem e desejarem. É igualmente indiscutível que ao instaurarem a presente ação em que invocaram, com sucesso, a prescrição desses direitos de crédito, os apelantes manifestaram indiscutivelmente ser seu desejo não pretenderem pagar/cumprir os direitos de crédito, agora convertidos em obrigação natural, ao banco apelado. Conforme acima se referiu e concluiu as possibilidades do banco apelado obterem o pagamento/cumprimento dessa obrigação natural são nulas, uma vez que esse cumprimento está na total dependência da vontade dos apelantes, sobre quem não pode ser exercida qualquer coação no sentido do cumprimento (n.º 2 do art. 403º do CC), os quais, contudo, ao instaurarem a presente ação deixaram bem claro que não cumprirão espontânea e voluntariamente com essa obrigação. A CRC, conforme acima se enunciou, destina-se a prosseguir, em primeira linha, os interesses privados das entidades concedentes de crédito, constituindo um instrumento poderoso para que se salvaguardem contra o risco de concessão de crédito a quem já se encontre endividado e impossibilitado de assumir novas responsabilidade financeiras decorrentes de novos créditos que pretendam lhe sejam concedidos e, bem assim a quem tem um historial de incumprimento das suas obrigações, a par do interesse público, permitindo ao Banco de Portugal um controlo da atividade de concessão de crédito e avaliar da saúde e da solvabilidade do sistema financeiro em geral, ao permitir a esse Banco Central apurar, entre outros, da solvabilidade das entidades financeiras que se dedicam à atividade de concessão de crédito, dos respetivos ativos, das responsabilidades financeiras por estas assumidas perante os clientes a quem concederam crédito e perante terceiros, a quem, por sua vez, se endividaram, assumindo responsabilidades, para obterem os meios financeiros para conceder crédito aos clientes ou potenciais clientes, dos níveis de cumprimento dos respetivos clientes, dos níveis de crédito malparado com que se vejam confrontadas, etc. Diremos que a manutenção do registo de créditos prescritos na CRC por parte das entidades financeiras em relação a clientes que invocaram, com sucesso, a prescrição, e manifestando com essa conduta não ser seu propósito cumprirem voluntária e espontaneamente, esses créditos prescritos, como se esses créditos constituíssem ainda verdadeiros ativos, quando assim não é, em vez de os abater, contraria totalmente a filosofia e os interesses prosseguidos pela Central de Responsabilidade de Créditos. Aliás, pronunciando-se sobre os créditos em situação de incumprimento, lê-se no caderno do Banco de Portugal, intitulado “Central de Responsabilidades de Crédito”, de abril de 2015, (já supra identificado), a fls. 16 a 18, que “os créditos ficam em situação de incumprimento quando há falta de pagamento das prestações da respetiva amortização, relativamente às datas em que estava previsto que esses pagamentos deveriam ocorrer. Os créditos nessas condições classificam-se, quanto à situação do crédito, como crédito vencido, crédito vencido em litígio judicial, crédito abatido ao ativo, ou crédito abatido em litígio judicial”. “Os créditos abatidos ao ativo correspondem a situações de incumprimento de pagamento em que, tendo a entidade participante exigido o vencimento da totalidade de crédito e tendo desenvolvido os principais esforços de cobrança considerados adequados, as expectativas de recuperação do crédito são muito reduzidas”. “Os créditos vencidos ou abatidos ao ativo, em litigio judicial, são aqueles que, encontrando-se numa situação de incumprimento (ou seja, classificados como vencidos ou abatidos ao ativo), a sua existência, validade, exigibilidade ou execução se encontra pendente de ação declarativa ou executiva, desde a propositura da ação até ao encerramento do processo”. Pronunciando-se, por sua vez, quanto à inscrição das insolvências, lê-se, a fls. 18, que “O Banco de Portugal procede à inscrição, na CRC, das declarações de insolvência emitidas pelos tribunais, nos termos do art. 36º, n.º 6, al. c) do CIRE. A informação relativa aos processos de insolvência é fornecida pelo Ministério da Justiça, e não pelas entidades participantes na CRC. (…). A divulgação da informação respeitante à situação de insolvência de um particular, de uma empresa ou de outra entidade coletiva ocorre a partir do momento em que o BP recebe a informação e só cessará quando for recebida no BP a comunicação de ato judicial que determina o encerramento do processo. Para efeitos de disseminação de informação às instituições participantes, esse ato é divulgado durante três centralizações mensais, com início na centralização imediatamente a seguir à data de recuperação da informação relativa ao encerramento do processo”. Assim, de acordo com o próprio Banco de Portugal, apenas deverão ser comunicados àquele os créditos vencidos, os créditos vencidos em litígio judicial, os créditos abatidos ao ativo em litigio judicial e os “créditos abatidos ao ativo”, compreende-se por estes aqueles que uma vez desenvolvidos todos os esforços de cobrança adequados, as expectativas de cobrança dos mesmos são muito reduzidas, mas já não os créditos cujas expectativas de cobrança sejam nulas, como é o caso da situação dos créditos detidos pelas entidades participantes, cujos devedores já tenham invocado judicialmente, com êxito, a prescrição desses créditos e que, por sentença transitada em julgado, tenham visto declarada a prescrição dos mesmos, ficando essas entidades sem qualquer possibilidade de exigir a sua cobrança judicial e demonstrado cabalmente esses devedores, com a instauração dessa ação ou a invocação da prescrição em sede de exceção, que não os irão cumprir (obrigação natural) por sua livre e espontânea vontade. Deste modo, de acordo com as finalidades prosseguidas pela CRC, toda a filosofia desta e a ratio das normas que a regulam, os créditos prescritos, quando essa prescrição ainda não tenha sido declarada judicialmente, por decisão transitada em julgado, devem ser comunicados mensalmente ao Banco de Portugal, para efeitos de inscrição na Central de Responsabilidades de Créditos, como “créditos vencidos abatidos ao ativo”, ou estando a ação instaurada pelos devedores com vista a declaração da respetiva prescrição, como “créditos vencidos abatidos ao ativo, em litígio judicial”, mas uma vez declarada a prescrição de tais créditos, por decisão transitada em julgado, deixa de existir fundamento legal para que a entidade participante os continue a comunicar, constituindo, aliás, essa comunicação um ato ilícito, suscetível de constituir a entidade participante em responsabilidade civil. Com efeito, tendo os devedores invocado, com sucesso, a prescrição desses créditos e tendo esta sido declarada, por decisão judicial transitada em julgado, os mesmos transformam-se em obrigações naturais e, como tal, deixaram de ser judicialmente exigíveis, e apenas podem ser satisfeitos por livre e espontânea vontade, isto é, ausente de qualquer coação, quando os devedores, ao invocarem a prescrição manifestaram, sem sombra de dúvidas, deixaram bem claro que não irão cumprir voluntariamente aquela obrigação, pelo que, em termos práticos, a expectativa de cobrança desses créditos, já em definitivo, declarados judicialmente prescritos, é nula e, consequentemente, para além da comunicação desses créditos contrariar as finalidades e a filosofia subjacente à CRC e a ratio das normas que a regulam, seria gravemente atentatória da boa fé da entidade participante para com aqueles devedores (art. 762º, n.º 2 do CC), que já manifestaram a sua posição – não cumpririam –, sem que àquele restasse qualquer mecanismo jurídico para por cobro a essa posição e em que, por conseguinte, a continuação da inscrição daqueles na CRC teria como único objetivo pressioná-los ilicitamente, coagindo-os e forçando-os ao cumprimento, sob pena de o crédito, apesar de prescrito e dessa prescrição já ter sido declarada judicialmente, por decisão transitada em julgado, e daqueles já terem manifestado, de modo inequívoco, que não cumpririam espontânea e voluntariamente essa obrigação natural, continuar inscrito na CRC, violando os direitos de personalidade desses devedores e impedindo-os de acederem, em termos práticos, ao crédito, em flagrante violação do disposto no n.º 2 do art. 403º do CC. Note-se, que contrariamente ao que acontece com a declaração da insolvência, em que o Banco de Portugal limita a difusão pelas instituições participantes da declaração da insolvência de clientes e potenciais clientes destas, a três centralizações mensais, com início na centralização imediatamente seguinte à receção da informação relativa ao encerramento do processo de insolvência, caso se considerasse que ao apelado assistia o direito de continuar a comunicar ao Banco de Portugal, mensalmente, para efeitos de inscrição na CRC, os créditos que detém sobre os apelantes, após o trânsito em julgado da decisão a proferir no âmbito dos presentes autos, em que os últimos invocaram, com êxito, a prescrição desses créditos, estar-se-ia a tutelar como que uma condenação dos apelantes a uma espécie de pena civilística perpétua, na medida em que o banco apelado continuaria a fazer ad eternum a comunicação mensal dos créditos prescritos, convertidos em obrigações naturais, ao Banco de Portugal para efeitos de inscrição na CRC, pelo que nada mais restava aos apelantes que não fosse pagarem esses créditos (obrigações naturais), abandonando aquela que é a sua posição inequívoca já manifestada de não o fazerem voluntária e espontaneamente, face à pressão intolerável que sobre eles continuava a ser exercida pelo banco apelado, ou manterem essa sua posição de não cumprimento, com a continuação da inscrição desses créditos prescritos na CRC e a consequente contínua lesão dos seus direitos de personalidade e a impossibilidade prática de acederem, em termos fácticos, ao crédito, o que além de ser materialmente inconstitucional, seria, no mínimo, uma situação contrária à boa fé e aos bons costumes. De resto, na escassa jurisprudência que logramos detetar sobre a problemática sobre que versam os presentes autos, o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu aresto de 24/11/2016, Proc. 1301/13.3TJLSB.L1-2, concordantemente com a posição que acabamos de sufragar, escreve: “o espírito da lei, ao reconhecer os deveres de ordem moral ou social que estão na base das obrigações naturais, é o de manter a espontaneidade do cumprimento, com a qual se deve considerar incompatível qualquer forma de coercibilidade jurídica, ainda que instituída pelo próprio devedor. A dívida prescrita, uma vez invocada a prescrição, de obrigação civil transforma-se em obrigação natural. É ilícita a participação ao Centro de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, de situação de incumprimento de obrigação natural”, e confirmou a sentença proferida pela 1ª Instância que condenou a instituição bancária a satisfazer uma indemnização pelos prejuízos que causou ao cliente em consequência direta e necessária da participação ao Banco de Portugal de uma obrigação creditícia prescrita de que aquele era devedor. Resulta do exposto, que ao julgar improcedente o pedido dos apelantes para que o tribunal oficiasse ao Banco de Portugal, para que eliminasse da Central de Responsabilidade de créditos todos os registos de incumprimento das responsabilidades assumidas pelos mesmos, enquanto avalistas da sociedade “X – Sociedade de Construções, Lda.”, a favor do apelado (Réu) e a que se reporta a facticidade julgada provada, padece efetivamente de erro de direito, impondo-se a respetiva revogação e determinar que, após trânsito, se proceda a essa comunicação. Em face do exposto, impõe-se concluir pela procedência parcial da presente apelação. * Decisão:Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, julgam a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência: a- revogam o saneador-sentença recorrido, na parte em que julga improcedente o pedido dos apelantes, L. T. e mulher, E. T., para que o tribunal oficie ao Banco de Portugal, determinando que elimine da Central de Responsabilidade de Créditos todos os registos de incumprimento das responsabilidades assumidas pelos apelantes, enquanto avalistas da sociedade “X – Sociedade de Construções, Lda.”, a favor do apelado (Réu), Banco ..., S.A., e a que se reporta a facticidade julgada provada, e substituem-na pela seguinte decisão: Após trânsito, determinam que se oficie ao Banco de Portugal, determinando que elimine da Central de Responsabilidade de Créditos todos os registos de incumprimento das responsabilidades assumidas pelos apelantes, L. T. e mulher, E. T., enquanto avalistas da sociedade “X – Sociedade de Construções, Lda.”, a favor do apelado (Réu), Banco ..., S.A., e a que se reporta a facticidade julgada provada; b- no mais, confirmam o saneador-sentença recorrido. * Custas em ambas as instâncias por apelantes e apelado na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 50% para apelantes e os restantes 50% para os apelados (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.* Guimarães, 20 de maio de 2021 Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores: Dr. José Alberto Moreira Dias (relator) Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto) Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto) - 1. CPC, a que se referem todas as disposições legais infra indicadas, sem menção em contrário. 2. Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed., Almedina, pág. 168. 3. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 288 a 292. 4. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 716. 5. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declaratório”, 2014, Almedina, pág. 227. 6. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 710. 7. Paulo Pimenta, ob. cit., pág. 227. 8. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 172; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pág. 641;Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 716, nota 5; Paulo Pimenta, ob. cit., págs. 230 e 231; Miguel Teixeira de Sousa, in “Jurisprudência 250 https://Blogipcc.blogspot.pt. Comentário ao acórdão da RP de 12/11/2015, Proc. 4507/13.1TBMTS-A.P1, onde escreve: “A audiência prévia não podia ser dispensada simplesmente porque a sua realização é obrigatória sempre que o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte do mérito da causa no despacho saneador (arts. 591º, n.º 1, al. b) e 593º, n.º 1, a contrario, do CPC). No mesmo sentido Acs. RG. de 13/02/2020, Proc. 3496/18.0T8VCT.G1; de 30/01/2020, Proc. 3834/18.6T8GMR.G1; RL. de 21/05/2020, Proc. 4828/18.3T8OER-A.L1-2, de 11/07/2019, Proc. 5774/17.7T8FBNC-A.L1-6; RP. de 03/12/2020, Proc. 11255/19.7T8PRT.P1, todos in base de dados da DGSI, base de dados esta a que se referem todos os arestos infra indicados, sem menção em contrário. 9. Neste sentido Acs. RL. de 10/10/2019, Proc. 1970/15.0T8CSC.A.L1-2; de 11/12/2018, Proc. 103/16.0T8OER-A.L1.2; de 08/10/2020, Proc. 2246/18.6T8FNC-A.L1-2. 10. Neste sentido Ac. RP. de 12/09/2019, Proc. 2470/09.2TBMAI-A.P1. Aparentemente ainda, Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, pág. 194, onde se lê: “Quando o juiz tencionar conhecer imediatamente (no todo ou em parte) do fundo, substância ou mérito do (ou dos) pedidos deduzidos pelo autor ou pelo réu-reconvinte, deve igualmente convocar a audiência prévia com essa finalidade. Isto a menos que a apreciação da causa a torne dispensável, seja porque os fundamentos de direito aplicáveis ao caso sub judice hajam já sido discutidos pelas partes, seja porque estas não tenham oportunamente satisfeito o ónus da fundamentação de direito (arts. 552º, n.º 1, al. d) e 572º, al. b) e c)), seja porque não se detetem insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto (arts. 590º, n.º 3 e 591º, n.º 1, al. c)). 11. Ac. RC. de 20/09/2016, Proc. 1215/14.0TBPBL-B.C1. 12. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, págs. 96 e 97. 13. Neste sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 772, nota 14, onde ponderam ser “de toda a conveniência que o juiz não decida, no todo ou em parte, aspetos materiais do litígio sem debate prévio, no qual os advogados das partes tenham a oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa. Estas alegações poderão servir também para as partes tomarem posição sobre eventuais exceções perentórias não discutidas nos articulados e que o juiz entenda poder conhecer oficiosamente, prevenindo decisões-surpresa. Além disso, deve ser concedida às partes a possibilidade de produzirem alegações quando o juiz se proponha decidir o mérito da causa num enquadramento jurídico diverso do assumido e discutido pelas partes nos articulados”. 14. Paulo Pimenta, ob. cit., pág. 231. 15. Neste sentido Domingues de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 183, onde se lê, que as nulidades processuais são arguidas junto do próprio tribunal que as cometeu, mediante reclamação, “mas se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho), que ordenou, autorizou ou sancionou o respetivo ato ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo”. No mesmo sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, ob. cit., pág.762, notas 1 e 2. 16. Pires de Lima a Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, 1982, pág. 274; Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12ª ed., págs. 178 e 179, nota 3. 17. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 350; Almeida Costa, ob. cit., pág. 178; Ac. R.P. de 15/01/2019, Proc. 3013/16.7T8AVRD.P1; Parecer da PGR de 30/10/1969; B.M.J, 196º, pág. 167. 18. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, pág. 766. 19. Manuel de Andrade, citado por Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, 1º volume, 1994, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, pág. 318. 20. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 321. 21. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 352 e 353; Antunes Varela, ob. cit., págs. 757 a 762. 22. Antunes Varela, ob. cit., págs. 748 e 749. 23. Menezes Cordeiro, ob. cit., págs. 316 a 317. 24. “Central de Responsabilidades de Crédito, Caderno do Banco de Portugal” – Serviço de Edições e Publicações do Banco de Portugal, Lisboa, abril de 2015, pág.4, acessível in Internet. 25. Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, tomo I, 2ª ed., Wolters Kluwer e Coimbra Editora, págs. 433 a 435, onde se lê que: “O direito à tutela jurisdicional implica o direito de acesso aos tribunais – órgão independentes e imparciais -, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional (Ac. n.º 363/04). Tribunais, neste sentido, não são apenas os tribunais judiciais. Tutela jurisdicional não significa, na realidade, o mesmo que tutela judicial, havendo no nosso ordenamento diferentes categorias de tribunais ou de ordem de jurisdição (…), a garantia de acesso aos tribunais é uma garantia plena. Por isso, sempre que sejam postergados instrumentos da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e, nomeadamente, o direito de ação, que se materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso aos tribunais. (…). A Constituição, embora não garanta o acesso indiscriminado a juízo (Ac. n.º 416/99), recorta, com grande amplitude (…), as pretensões subjetivas defensáveis em tribunal, ao garantir a via judiciária a todos aqueles – pessoas singulares ou coletivas – que através dela pretendem defender, não apenas os seus direitos fundamentais ou demais direitos em geral, mas também os seus interesses legalmente protegidos (…). A Constituição, com referência aos interesses legalmente protegidos, pretende abarcar os interesses dignos de tutela jurídica, os quais, numa conhecida aceção, extravasam dos limites da figura do direito subjetivo. Assim, havendo um interesse jurídico digno de tutela, ainda que não configurado com um verdadeiro direito subjetivo em sentido estrito, a Constituição garante o acesso aos tribunais”. 26. Manuel Andrade, ob. cit., pág. 312: “Os terceiros têm de acatar a sentença proferida entre as partes e a correspondente definição judicial da relação litigada, quando a sentença não lhes causa qualquer prejuízo jurídico, porque deixa íntegra a consistência jurídica do seu direito, embora lhes cause um prejuízo de facto ou económico. É o caso dos credores relativamente às sentenças proferidas nos pleitos em que seja parte o seu devedor. Tais sentenças não invalidam o seu direito nem lhes cerceiam a entidade jurídica. Apenas podem afetar-lhe a consistência prática, enquanto reduzam o património do devedor e, por consequência, a sua solvabilidade. São estes os chamados terceiros juridicamente indiferentes. Claro que a sentença do mesmo modo que se lhes impõe, também lhes aproveita”. |